Projeto 30 Anos Alunorte
Entrevista de Rosa Maria Dias da Silva
Entrevistada por Lígia Scalise
Barcarena, 5 de julho de 2025
Transcritora: Selma Paiva
(00:24) P1 - Então, vamos lá, Dona Rosa. Começa pra mim. Me fala seu nome completo, o dia, o mês e o ano que a senhora nasceu e a cidade e o estado.
R1 - Que eu estou, aqui?
(00:35) P1 - Não, de onde a senhora nasceu.
R1 - Onde eu nasci. Eu me chamo Rosa Maria Dias da Silva, tenho 72 anos, nasci em Almeirim, do estado do Pará.
(00:54) P1 - É estado do Pará?
R1 - É Pará.
(00:55) P1 - Ah, a senhora tinha falado que era Amazônia.
R1 - Não, é Baixa Amazônia, nasci na Baixa Amazônia, mas é de Almeirim, né?
(01:04) P1 - Então, a senhora nasceu em Almeirim.
R1 - Nasci em Almeirim.
(01:09) P1 - Quando a senhora nasceu, te contaram mais ou menos como que foi esse nascimento? A senhora sabe da história?
R1 - Não, parto normal mesmo, né? Foi parto normal, com parteira. Almeirim, não foi bem na cidade, mas foi justamente na beira do Amazonas. Era uma fazenda que meus pais tomavam conta e nasci lá. Depois a minha mãe foi para Almeirim. Aí ficamos lá em Almeirim. Depois veio para outro local, que é Arumanduba também, próximo a Almeirim. Me criei com a minha avó, na idade mais ou menos de três a quatro anos fiquei com a minha avó. Outra fazenda de novo, Arraiolos. E lá a gente tomava leite da tipuca mesmo, sabe? Pegava a farinha, colocava no copo. E meu tio me levava às cinco horas da manhã, subindo no curral e de lá ele tirava o primeiro leite para eu tomar. Eu era bem magrinha. E daí, passado o tempo, a minha avó não pôde mais estar na responsabilidade, né? Ela adoeceu. E aí voltei para a minha mãe.
(02:52) P1 - Quando a senhora nasceu, lá em Almeirim, tinha irmãos? Nasceu... você falou que foi de parteira. Foi, então, no sítio?
R1 - Não entendi.
(03:02) P1 - Quando a senhora nasceu, a senhora tinha irmãos?
R1 - Sim, somos oito... éramos oito...
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Entrevista de Rosa Maria Dias da Silva
Entrevistada por Lígia Scalise
Barcarena, 5 de julho de 2025
Transcritora: Selma Paiva
(00:24) P1 - Então, vamos lá, Dona Rosa. Começa pra mim. Me fala seu nome completo, o dia, o mês e o ano que a senhora nasceu e a cidade e o estado.
R1 - Que eu estou, aqui?
(00:35) P1 - Não, de onde a senhora nasceu.
R1 - Onde eu nasci. Eu me chamo Rosa Maria Dias da Silva, tenho 72 anos, nasci em Almeirim, do estado do Pará.
(00:54) P1 - É estado do Pará?
R1 - É Pará.
(00:55) P1 - Ah, a senhora tinha falado que era Amazônia.
R1 - Não, é Baixa Amazônia, nasci na Baixa Amazônia, mas é de Almeirim, né?
(01:04) P1 - Então, a senhora nasceu em Almeirim.
R1 - Nasci em Almeirim.
(01:09) P1 - Quando a senhora nasceu, te contaram mais ou menos como que foi esse nascimento? A senhora sabe da história?
R1 - Não, parto normal mesmo, né? Foi parto normal, com parteira. Almeirim, não foi bem na cidade, mas foi justamente na beira do Amazonas. Era uma fazenda que meus pais tomavam conta e nasci lá. Depois a minha mãe foi para Almeirim. Aí ficamos lá em Almeirim. Depois veio para outro local, que é Arumanduba também, próximo a Almeirim. Me criei com a minha avó, na idade mais ou menos de três a quatro anos fiquei com a minha avó. Outra fazenda de novo, Arraiolos. E lá a gente tomava leite da tipuca mesmo, sabe? Pegava a farinha, colocava no copo. E meu tio me levava às cinco horas da manhã, subindo no curral e de lá ele tirava o primeiro leite para eu tomar. Eu era bem magrinha. E daí, passado o tempo, a minha avó não pôde mais estar na responsabilidade, né? Ela adoeceu. E aí voltei para a minha mãe.
(02:52) P1 - Quando a senhora nasceu, lá em Almeirim, tinha irmãos? Nasceu... você falou que foi de parteira. Foi, então, no sítio?
R1 - Não entendi.
(03:02) P1 - Quando a senhora nasceu, a senhora tinha irmãos?
R1 - Sim, somos oito... éramos oito irmãos, agora só restam três. Todos já se foram, com a diabetes. Inclusive, eu já estou me preparando. (risos)
(03:24) P1 - A senhora é a caçula desses oito irmãos?
R1 - Não, eu sou a... sétima. Sou a sétima. Não, não sou a sétima, sou a quinta.
(03:37) P1 - E sabe por que escolheram o nome da senhora como Rosa Maria?
R1 - Olha, eu não entendia bem, né? Que a minha mãe não passava muito para a gente. Naquela época era muito... eles traziam, por exemplo, era... a criação, o ritmo de criação, que naquela época era o tempo da Ditadura. Então, não tinha tanta liberdade. A mulher não era reconhecida, até para votar. Só era dona de casa para fazer as coisas. Minha mãe... depois ficou... minha mãe arcou como mãe solo. Ela nos criou num pé numa máquina de costura. E, nessa época, era a fase da castanha. Então, tinha um trabalho lá de catadora e a minha mãe, quando era de manhã, durante o dia, ia fazer essa escolha de castanha, quebrar a castanha para tirar os bons, separar. Quando ela trabalhava até quatro horas, batia a campa e ela vinha para casa, não pense que ela vinha descansar. Ela pegava a linha de pesca, ia pescar, para dar o que comer para a gente, para dar a nossa janta e nosso dia, no dia seguinte, para ela voltar a trabalhar, já ter o almoço.
(05:22) P1 - Como os pais da senhora se conheceram, antes disso tudo?
R1 - Naquela época, meus pais... era, assim, muito risco dos pais deles. Então, eles se conheceram, foi quando a minha mãe... eles anteciparam. (risos) Faziam o último caso, que era depois do casamento e aí eles casaram. Foi forçado, naquela época era assim. Não podia mexer, que a lei é que tinha que casar. E eu tinha uma linhagem, por exemplo, português com caboclo.
(06:10) P1 Quem era de qual lugar?
R1 – Agora tu me pegaste. (risos)
(06:18) Mas a sua mãe era paraense, seu pai era paraense?
R1 - A minha mãe era, foi sempre paraense, morando no interior, mas paraense, do estado do Pará. O meu pai que era viajante, era muito viajante meu pai, minha avó, meus avós, caixeiro-viajante, nessa época. Então, ele já tinha também antecedência de português, do meu avô, por parte do meu avô. E assim nós fomos sobrevivendo.
(06:50) P1 - Como que era a sua mãe, Dona Rosa?
R1 - A minha mãe era simpática, era morena, morena clara, simpática. Nós já puxamos mais um pouquinho o claro, por causa do meu pai, que era mais claro. A minha mãe era uma morena muito bonita.
(07:08) P1 - Como que ela chamava?
R1 - Era Raimunda Serradia, mas o apelido só chamava de Vigica.
(07:14) P1 - Por quê?
R1 - Eu não sei te dizer. Apelido de casa mesmo, Vigica. Simplificando, vou achar, não é? Vigica. Acho que era de Raimunda, Mundica, alguma coisa, se fala assim, de Vigica. E assim ela foi conhecida. Minha mãe era muito carismática. Recebia pessoas que vinham assim, ela recebia, a casa dela não tinha esse negócio, era todo tempo as portas abertas para todos, todos que chegassem eram bem recebidos.
(07:50) P1 - E seu pai chamava como?
R1 - Era Manuel Pio Pereira.
(07:55) P1 - E ele trabalhava viajando e depois ele foi viajar?
R1 - Ele trabalhava com aqueles caixeiros-viajantes, com barco, com vendas de mercadoria, nos portos, ele marcava e fazia venda nas casas do interior, na beira do Rio Amazonas.
(08:14) P1 - E como que era a casa que a senhora cresceu?
R1 - A minha mãe nasceu, agora que voltou, em Gurupá. E o meu pai também nasceu em Gurupá. Aí foi de lá que se conheceram. Nós éramos oito irmãos, duas mulheres, eram quatro homens e quatro mulheres, eram quatro homens contra quatro mulheres. Como já se perdeu, só existe três mulheres agora, guerreiras, lutando contra essa doença. E agora, com o tempo a gente vai mudando, com o passar do tempo a gente vai se lapidando, adquirindo conhecimento, abrindo as ideias, porque naquela época a mulher era ‘Amélia’, só servindo. O marido podia arranjar quantas ele quisesse arranjar, mas a mulher sempre estava ali, submissa.
(09:25) P1 - Como que a senhora lembra da criação dos seus pais com você... com a senhora e com seus irmãos? Como que eles eram?
R1 - Se separaram. Minha irmã caçula ele deixou... incompatibilidade de gênios. Ele era muito violento, muito violento. E aí minha mãe pegou apoio da família dela para fazê-lo sair, mas ele sempre prometia de matar minha mãe e matar os filhos todos. Então, minha mãe saiu fugida, veio para justamente Arumanduba, foi quando eu comecei a entender como era a convivência dos meus pais e a minha mãe contava também o que ela passava com ele e isso aí marcou muito a gente, que a gente tem essa história que já sabemos, que ela contava para a gente. Ela dizia: “Minha filha, eu tive uma vida tão sofrida, eu tenho vocês porque eu sou mãe guerreira mesmo, para puxar vocês, fugir da violência porque, senão, todos nós éramos mortos. A espingarda era sempre no canto da sala, carregada de cartucho, que não era bala, era cartucho nessa época. Então, é por isso que eu digo assim: eu não tive uma infância, eu não sabia o que é brincar. Eu brincava, tinha umas bonequinhas, mas já estava o quê? Com uns oito anos a gente fazia missa, fazia boneca, fazia brincadeira de missa, disputando quem ganhava. Então, ali já comecei a despertar o que a sociedade oferecia. Apareceu uma família... então, eu vi o sacrifício. Tinha uma irmã que era mais velha, a minha mãe costurava e ela fazia, como é? O botão, casa, ela costurava e a minha mãe ficava de meia-noite até uma hora, isso cansada, trabalhando. No outro dia ela tinha que acordar e deixar o café pronto, tudo para a gente, dar o nosso café e já ia para o trabalho. Chegava quatro horas, mesmo esse tempo, era contínua aquela vida dela. E eu fui, assim, com a minha avó, que eu vim já com a minha avó, já passei a morar, já estava mais entendida, já ajudava em casa, já fazia o café, já fazia algumas coisas assim, porque nesse fogão não tinha fogão, tinha fogão a lenha e a gente aprendia na marra a lidar com o fogão. E aí, conforme eu fui vendo a luta da minha mãe... porque tem filho hoje em dia que não tem essa consciência de observar. Então, deixou mamar, que não gosta nem de falar, que me dá vontade de chorar. Aí, dessa... chegou uma família e me deu vontade que aquela família me adotasse, sabe? Pra eu aprender mais, sair que nem um pássaro, voar. Isso eu tinha idade de oito a nove anos. E vim para cá, para Belém. Opa! Fui lá para Belém, que eu estou em Barcarena e fui lá para Belém.
(13:32) P1 - Com essa família?
R1 - A promessa deles de me tratar como uma filha, mas foi ao contrário, me botaram para trabalhar com trabalho escravo. E, se eu não desse conta do trabalho, peia, apanhava. Eu cuidava da mãe dessa... a gente chamava para ela de madrinha, que passamos de fogueira, assim, como madrinha. Antigamente, passava... hoje em dia é difícil até acender um... fazer um... como é? Como é que dá o nome? Fogueira. E, então, ela... fugiu a minha mente, agora. A emoção me tocou.
(14:20) P1 – Imagina! A senhora foi com essa família, com a promessa de estudar, de aprender.
R1 - Sim, de aprender.
(14:27) P1 - Era uma família de onde? Eles eram do Pará?
R1 – Era de Belém, mesmo. Só que ela tinha família lá onde a mamãe morava. Era professora.
(14:35) P1 - A senhora que pediu para ir? Foi um pedido?
R1 - Não, é assim: ela viu, ela se engraçou: “Deixa a Rosinha comigo” - era Rosinha que me chamava – “eu vou tratá-la como uma filha”. A minha mãe: “Não, não”, sabe? Desconfiava. “Vocês vão tratá-la bem?” “Não, eu prometo”. E a professora morava ao lado à minha mãe e dava a garantia que, justamente, ela ia me cuidar. E foi o contrário, que a professora morava lá perto da mamãe e eles... o marido dela era viciado em jogo. Então, acho que perturbava um pouco a paciência dela, sei lá. Eu cuidava, com oito ou nove anos, da mãe dela, que vivia na rede, não tinha força, eu que a limpava, se sujava eu que limpava, eu que dava comida na boca dela, entendeu? E eu lavava a roupa dela, porque ela fazia a necessidade fisiológica e aí eu ia lavar aquela roupa, entendeu? E depois sim, eu já dava comida, até que ela morreu, essa senhora morreu nos meus braços. Olha, mal eu a aguentava, porque eu era bem magrinha e mal a aguentava, ela veio morrer nos meus braços, nem foi da filha. E depois foi quando esses maus tratos... chegou o meu irmão para me fazer uma visita. Aí foi quando eu pedi para ele que eu queria ir embora, que ele me tirasse de lá. E aí foi quando ele foi e me levou e falou primeiro com o pessoal também, de família, que o marido dela era prefeito em Almeirim e aí falou com ele, que a mamãe já os conhecia há muito tempo, aí foi quando eles ficaram: “Não, pode trazer a Rosinha para cá”. Começou a melhorar a minha vida.
(16:34) P1 - Voltou para casa da sua família?
R1 - Aí voltei para essa outra família, em Belém. Fiquei morando com eles uns tempos. Com meus 14 anos minha mãe veio me buscar. Você sabe que nessa época a gente casava cedo, até o dia de hoje. (risos) E com 14, 15 anos comecei a namorar, 16 casei e tive a minha primeira filha. Isso também foi antecipado, igual a história da minha mãe, (risos) nos apressamos, mas já era noiva dele. Acho que porque ele queria fazer o teste se eu era virgem ou não, (risos) porque naquela época tinha esse tabu. (risos) E aí nós fomos para Mazagão, casamos, tudo bem. Casamos em Mazagão. E tive essa filha. Depois foi seguindo, todo ano era um filho, um filho, um filho, inclusive um pertinho do outro. Nós nos separamos eu tinha 23 anos.
(17:45) P1 - Antes de chegar nessa parte já da fase de vida da senhora, quando a senhora mudou da casa, a senhora foi para a escola?
R1 - Sim, estudava. A minha mãe foi me buscar. Quando eu estava nessas casas, também, não era em colégio, arranjava essas escolas pequenas, que não era, por exemplo, como da SEMEC, da SEDUC. Ela não era assim, mas era uma escolinha de preparo para... como é? Reforço escolar.
(18:21) P1 - E a senhora gostava de estudar?
R1 - Gostava, gostava. Dependia que me chamasse a atenção. Eu estudei no Lar de Maria também, no Colégio Lar de Maria. Foi quando eu fui me alfabetizando, conhecendo as letras, aquilo foi abrindo mais as minhas ideias. Eu, de lá, dessas primeiras casas que eu estudava, eu ia a pé do Guamá até em São Brás, de 11 horas. Entendeu?
(18:55) P1 - Era longe?
R1 - Muito longe. Muito longe. Quem ia a pé, era longe.
(19:00) P1 – E debaixo do sol?
R1 - Eu saía debaixo do sol, de 11 horas. Entendeu? Aí, de lá eu saía e tinha que vir de novo a pé. E com essa família também me botaram numa escolinha. Não foi assim... uma escolinha, já era do governo, mas era uma escola bem humilde, bem pequena.
(19:28) P1 – Dona Rosa, a senhora está me trazendo essas memórias que são difíceis mesmo, mas tinha uma parte feliz da sua infância, adolescência, que a senhora gosta de lembrar?
R1 – (risos) Eu gostava de estar trepada nas árvores. (risos) Apanhando abiu, comendo cacau. Era assim. Mas foi, assim, só um pouquinho de momentos, entendeu? Era mais na responsabilidade de cumprir. Tinha que lavar o banheiro, tinha que lavar as pias, fazer e lá eu vivia bem, mas tinha que fazer meus trabalhos domésticos. Tinha que cumprir para ajudar a empregada, que tinha funcionária, empregada, mas essa parte de banheiro, lavar as pias, aprender a lavar minha roupa.
(20:18) P1 - Tudo isso em troca de morar na casa.
R1 - Isso troca, já, com esse pessoal, porque era... e viagem também, que eu gostava. Quando eles iam pegar o navio para Almeirim eu gostava dessa viagem.
(20:34) P1 - O que era gostoso?
R1 - Os ribeirinhos. As casas, eu me sentia com vontade de me instalar. É porque eu já tinha vindo dessa convivência. Então, me sentia bem, o local bem ‘aprazeroso’. Isso pequena ainda, uns 14 anos. Quando eu era pequena.
(21:10) P1 – Quando a senhora era pequena eu sei que a senhora passou esse tempo longe, mas tinha contato com os irmãos?
R1 - Só o irmão mais velho.
(21:18) P1 - E os outros?
R1 - Os outros moravam com a mamãe. E esse estava mais em Belém. Foi esse que me tirou, que era o mais velho, dessa casa.
(21:26) P1 - E o pai da senhora, nunca mais?
R1 - Não, não existia. Só tinha que a mamãe andava sobressaltada, com medo, porque ele vinha de barco, morava em... como é? Gurupá. E com medo dele vir, porque ele dizia que aquela bala era para a mamãe. A gente já vivia tudo sobressaltada, assim. Quando eu, já casada, sofri assédio do meu pai. Depois que ele voltou lá, eu já casada, ele achou de voltar, por isso que era o medo que a gente tinha. Ficou hospedado lá na minha casa. Mas sempre com terçado, com machado, com tudo que ele tinha, porque ele trabalhava de roça, de plantio e vendia o que ele plantava, pescava. E eu dando mama para o meu filho, pouco mais ele bate. Não, aí eu fui colocar um veneno para o rato, porque tinha rato, aí fui colocar um veneno para o rato. Quando eu viro - tinha dado mama ao meu filho, ele estava na rede, já dormindo - ele estava sentado na mesa, me encara. Ele não me pegou, mas me encarou. ‘Botou’ tudo o que ele sentia de sentimentos maldosos comigo, entendeu? Porque nada de bom, nada de amor, que é referente a um pai. Isso aí a gente só relembra, porque só Deus mesmo pra perdoar. E também não me tocou, só fez declaração.
(23:16) P1 - Falou o quê?
R1 - Que me amava, que tinha de me ter, de me possuir. Tudo ele dizia, entendeu? “Eu nunca tive esse sentimento como estou tendo contigo”. Olha só! Agora, quem ficou com medo, apavorada... e tinha um padre que estava lá, o Padre Ricardo... Frei Ricardo e fui com ele. Aí ele me deu um negócio assim, de proteção: “Usa, põe na sua roupa aqui, não deixa ele perceber”, para fazer esse... tirar mais aquele pensamento maldoso, entendeu? E eu ia para a igreja, chegava na igreja, meu Deus, para eu voltar, com medo dele me matar. Então, quem já sentiu mais medo foi eu, porque ele estava morando na minha casa. Ele passou a noite rodeando a porta do meu quarto, que eu tranquei e ele falando no corredor, porque ele dormia na sala. Aí esse é o medo, de ser possuído pelo inimigo e vir a plantar comigo, porque eu não falava nada, não falava nadinha, com medo, só fazia ficar calada e eu chorava, entendeu? Dentro do meu quarto. E lá tinha que dar tudo pro meu filho, no momento. Até quando eu via que ele estava silêncio, já que não estava, aí que eu ia abrir a porta devagarinho, já de manhã, ia fazer o café, já deixava e raspava, fugia. Era assim que eu fazia. Aí quando ele foi lá... aí quando contei para a minha mãe, para as minhas irmãs, aí a minha irmã mais velha conseguiu ver se tirava de lá, fez um convite para ir para a casa dela e aí ele que foi para lá, entendeu? Aí foi que eu tive mais tranquilidade. Eu tenho um sistema nervoso assim, quando abala, sabe? Problemas que a gente vem trazendo de infância, nervosismo, entendeu? E quando meu marido chegou, que ele viajava e trabalhava em outro setor, que era Monte Dourado e aí chegou, contei para ele, aí ele ficou apavorado, porque meu pai, sabe? Ele não chegava nem a acreditar, sabe? Aí ele fazia de tudo para que a minha irmã o tirasse de lá. Com o passar do tempo, aí meu marido já virou também muito mulherengo, aí viemos nos separar. Eu com barrigão, o flagrava na prostituição, abri a porta e ele lá, com a mulher. Aí eu tive uma vida muito... vou te falar! Outro dia eu estava lá na IBS, eu disse: “Tenho vontade de fazer um livro”.
(26:28) P1 - Eu estou indo e voltando com a história, pra eu conhecê-la inteirinha, tá? Então, a senhora o conheceu onde?
R1 - O meu marido?
(26:35) P1 – É.
R1 - Lá no Jari, Jarilândia.
(26:39) P1 - Como vocês se conheceram?
R1 - Eu fazia compra, ele era caixeiro também, da empresa, que era do Ludwig. Então, lá nesse galpão, ele vendia as coisas para os que faziam o negócio de entrega de castanha, sabe? Aí já tinha o galpão. Era tipo uma mercearia, um mercadinho. E ali era para fornecer os vendedores que estavam fazendo troca de material, de mercadoria, já comprava, trocava, vendia, era tudo isso aí. Aí a colheita, já tinha o galpão, que era só de castanha, aí já fazia, negociava, entendeu? E foi dali que nos conhecemos, lá. Eu estava com 15 anos.
(27:32) P1 - E a senhora achou o que, quando o viu?
R1 - Olha, eu não despertava assim, foi devagar, foi lento, sabe? Não foi assim, muito... sabe? Eu olhava assim. “Será que... (risos) ele gosta de mim?” Porque ele que disse que gostava de mim, né? Ele que se declarou. Eu olhei: “Será que ele gosta de mim, mesmo?” Então, como não tem outro, é pouco aquele povoado, eu achava menos feio. (risos) Achava menos feio. E dali fomos se encontrando, assim, né? Ele ia na minha casa, começava a conversar na janela e a mamãe era mais ríspida e aí: “Roda embora, está na hora de dormir”. E como ele trabalhava, funcionário, que era da empresa, que era da CIA e aí ele... a minha família já começou a gostar, entendeu? Que era uma pessoa do bem, uma pessoa de bom comportamento, de boa conduta. E daí a família dele já começou a saber que a gente estava num namorico, assim, a gente queria se conhecer. Mas, como eu te disse, assim, conforme o fogo perto da... (risos) gasolina pega, né? Então, foi quando eu (29:06), para poder eu casar e eu casei. Eu já estava noiva, né, com ele. Aí foi, foi, foi, com 15 anos eu comecei a namorar, 16 eu casei logo.
(29:13) P1 - E quando a senhora estava grávida, como é que foi?
R1 - Ah, mas foi muito feio. Minha mãe, meu Deus do céu, ficou tão revoltada comigo, que eu tive que ir para a casa de uma senhora que eu me dava com ela. Essa senhora veio para convencer, com raiva do meu marido, entendeu? Que foi meu marido. E foi aquilo, a mamãe passou mal. No final da história a mamãe passou mal. Eu preocupada, porque ela era cardíaca e tudo, né? Mas eu tinha que... ela tinha que ver o meu lado também, entendeu? Porque eu estava, naquele momento, precisando de colo: gestação, enjoo e tudo, passando aquilo e eu já ficava... enjoava das coisas, mamãe depenava um frango, eu não podia nem sentir o cheiro, meu Deus do céu! Aquele cheiro da pena, sabe? E eu ia pra casa dessa senhora e ela dizia: “Rosa, você está gestante, prenha”. Já dizia que era prenha: “Você está prenha”. Eu disse: “Por quê?” Aí ela disse assim: “Não, tu está enjoando, tu está deixando de vir, pra comer aqui em casa”. Deixava de almoçar e ia pra lá, pra casa dela, pra almoçar.
(30:34) P1 – Você não desconfiava?
R1 – Não, que era... não tinha essa coisa. Ela que já começou a me despertar. Aí: “Olha, tu está prenha”. Ela dizia assim: “Tu está prenha”. Gestante nem se falava, esse negócio de gestante: “Tu está prenha”. E aí, meu Deus, como é pra mamãe saber? Aí ela que foi, Dona Geni que foi falar pra mamãe. Foi assim. Ela descobriu e ela não queria nem me ver na frente dela. (risos) Foi muito, eu passei umas boas. Foi quando isso apressou logo pra casar, pra me tirar desse sufoco. Aí nós casamos.
(31:17) P1 – E o casamento?
R1 – Aí ficamos na casa... foi um casamento muito simples, eu já com a barriguinha pulando, já estava meio saliente, porque eu era bem magrinha, já estava meio aparecendo, aí vestiram uma roupa simples, mandou fazer, nada de véu e grinalda, foi tudo... aí fomos pro Mazagão, na voadeira e casamos em Mazagão. Aí voltamos, já ficamos na casa dos pais dele e aí pronto, eu passei a morar, acabou, ela já começou, ficou mais mansa, aceitando. Com o passar do tempo, com oito anos de vivência eu com ele nós nos separamos, que ele era muito mulherengo, eu estou te falando que eu o flagrei no bordel, com mulher. Com oito meses eu ia com barrigão atravessando não era nem ponte, era só estiva. A água lá, com uma correnteza embaixo e eu passando. Olha como é o desespero! Pra flagrá-lo.
(32:28) P1 – E foram quantos filhos que a senhora teve?
R1 – Quatro.
(32:30) P1 – Tudo dele? Um atrás do outro?
R1 – Um atrás do outro.
(32:33) P1 – Como eles chamam?
R1 – Uma se chama, a primeira, Rosiane; o segundo é o José Ricardo; o terceiro Ronei; e a quarta é a Riselma.
(32:46) P1 – E quando a senhora engravidou a senhora parou a sua vida, estava trabalhando, estudando?
R1 – Aí é que está! Vamos começar essa outra etapa. Foi quando ele saiu da... não, ele trabalhava e eu vim pra cá, pra Belém, porque eu vim fazer... gestante, com o tempo já vim pra cá fazer pré-natal. Nesse pré-natal eu digo: “Sabe de uma coisa? Eu vou é alugar uma casa e ficar aqui, até eu ter meu nenê”. Então, eu só tive um lá no Jari, o resto tudo foi em Belém. E aí, nesse tempo não era o SUS, era INSS, justamente. Ele, como era funcionário da empresa, que era o tempo da Ludwig, em Jari, de lá ele vinha, mandava o dinheiro e eu aqui me virava, com barrigão, procurando casa pra alugar. Ele nunca se incomodou pra fazer uma mudança. Aí eu já fui aprendendo a sobreviver sozinha, ser independente. Ele não fazia a mudança, só vinha de lá onde eu estava morando, entendeu? Então, eu que comecei a arcar, sobreviver, o dinheiro mal dava pra pagar a casa que tinha, alugada e mal se sustentar, entendeu? Não vivia de ‘mar de rosas’, porque ele bebia, ficava com dinheiro pra lá também, então não era suficiente, que eu pudesse esbanjar e ter tudo do meu conforto. Quando... aí eu levando aquela vida, já sentindo: “Puxa, mas não me ajuda”, aí eu comecei a perceber: eu não tenho apoio, só vem pegar e brigava, aí já tinha ciúme. Comecei a fazer um curso de enfermagem, aí comecei a me alertar. Os filhos todos pequenos, eu não tinha como sair de casa, era só pra cuidar dos filhos, eu era presa pelos filhos. Aí, como já estava um pouco grandinhos, eu deixava com uma prima dele ficar naquele horário que eu ia fazer o curso, aí comecei a fazer o curso, nessa época, de atendente de enfermagem. Aí logo em seguida terminei o curso e consegui logo o estágio e do estágio o dono, que era o médico, já via meu sacrifício, aí já começou a me dar uma gratificação no estágio porque, naquela época, era pra pagar meu transporte, pra poder... reclamei e ele me ajudou. Eu já tirava livre dinheiro pra pagar meu transporte. E daí eu fui, eu trabalhei logo no começo que eu me separei, trabalhar em um pensionato, cozinheira dos estudantes da universidade. Depois que eu fui pra fazer o curso de lá já comecei e arranjei emprego. Já saí de lá, do pensionato, já comecei a arranjar emprego, mas ainda não tinha condições de pagar um aluguel. Aí meu irmão, que era viajante da Jari, da Sion, ganhava muito bem, era solteiro, me ajudava pagar o aluguel, que o resto da despesa era por minha conta, já. Às vezes ele ainda ganhava assim, fazia uma cesta do que ele trabalhava no barco e sobrava de mantimento, ajuntava e levava pra casa e isso me ajudava muito. Depois, com o passar do tempo, já comecei a trabalhar e aquele sacrifício, saía, durava um ano e pouco, mas mudava pra outra casa, já tinha que me virar, pra poder... outra casa que já estava um aumento eu não tinha condições de pagar a outra casa.
(37:16) P1 – Tudo isso sem o marido?
R1 – Sem o marido. Não tinha ninguém. Queria me dedicar ao curso, um emprego, trabalhar.
(37:26) P1 – Mas ainda estavam juntos? Já tinha separado?
R1 - Não, já estava separado. Ele ainda foi preso, porque... e deixou as crianças sem... levou todo o dinheiro do pagamento dele, não me deixou um centavo, eu chorava olhando meus filhos na cama, com a barriguinha lá dentro, meu Deus, porque não tinha nada lá, tinha acabado o leite, tinha acabado a massa deles, eu fui querer fazer um mingau de farinha, eles não quiseram, entendeu? E aquilo não tinha pra onde correr. A vizinha que me dava um pouquinho de açúcar, um pouquinho de sal, entendeu? Já não tinha nada, porque ele tinha levado tudo, quando ele recebeu não deu tempo pra fazer compra e eu fiquei... cada vizinho ficou me ajudando, assim, naquele momento. A tia dele morava logo dobrando a esquina e ela me dava uma assistência, justamente pra eu fazer o curso, pra tudo, entendeu? Deixava alguém lá, quando não eu deixava os meninos lá, com ela, quando eu não tinha ninguém pra ficar lá.
(38:28) P1 – Dona Rosa, quando a senhora se separou, como é que foi? A senhora falou pra ele: “Eu quero me separar”?
R1 – Nada. Foi na força, na pressão, me batendo. Isso foi no Ano Novo, na entrada do Ano Novo ele de porre e começava a me malinar, torcer meu braço. Aí aquilo me aborrecia e o pau ‘torava’, entendeu? Ele vinha pra me bater. Pensei muito. Aí, quando o meu irmão vem, outro irmão, que já é também falecido, não era o mais velho, mas outro que já morava perto, lá, veio pra me dar um abraço pro dia de Ano Novo, na passagem, escutou aquele barulho dentro de casa, bateu a porta rapidinho, eu abri e era ele, entrou e disse: “O que está acontecendo?” Aí eu disse: “Zé Maria está me batendo e está quebrando tudo”. Ele quebrou tudo, só salvou a geladeira e o fogão. Quebrou cama, guarda-roupa, a televisão, tudo, o pouquinho que a gente tinha pras crianças se divertirem que era a televisão, deixou sem nada. Guarda-roupa quebrou tudo, tudo. Quebrou. Aí foi quando meu irmão avançou, correu, pegou acho que era até uma corrente, eu não sei, ou um (39:55), parece, colocou em cima dele, ele pulou por cima do quintal do outro vizinho e se mandou. Aí eu fui na delegacia, fiz ocorrência e foram atrás dele, pra ele vir deixar o dinheiro pra comprar as coisas pras crianças e fiz o B.O, teve audiência pra conversar que eu não queria mais, depois ele disse que se arrependeu, que ele ia dar tudo de novo pra mim, não sei o que, eu disse: “Não quero mais”. Também aquilo bastou, foi decisão e não quis mais viver com ele. Com o passar do tempo eu era bem aperfeiçoada (risos) e aí arranjei um namorado, que era um delegado e aí me ajudou, passou a me ajudar, trazia pra dentro de casa, ‘botava’ comida, mais alimentação que eu queria. E, na época, pra eu possuir uma televisão, que eu não tinha mais condições de comprar uma televisão e eu pensava muito nos meus filhos, aí houve um sorteio em Belém, do... como era aquele... meu Deus, guardador... não sei se chegaste a conhecer, do Adamor Filho, era... meu Deus do céu, Patrulha da Cidade, então ele fazia um sorteio também de móveis usados, televisão, cheguei com ele e disse assim: “Pelo amor, me dá uma televisão, pros meus filhos verem”. Eles ficavam em casa, aí já iam pra rua empinar pipa, entendeu? Aí eu não queria, queria deixá-los em casa e então da escola eles já foram aprendendo a ir sozinhos, voltar sozinhos e graças a Deus o pouquinho que tinha, mas nunca passaram fome comigo, na minha responsabilidade.
(42:11) P1 – E puderam ser crianças.
R1 - Crianças. E não tiveram, também, uma boa infância, foi tudo com aquela dificuldade, mas não foi tanto quanto eu passei, eu passei pior. Eles já tinham alguém pra olhar, dava o suficiente e meu irmão já morava no lado, também, bem próximo, passando umas duas casas e já dava assistência, já mandava. Eu estava de serviço, de plantão, ele já sabia que eu estava de plantão, já levava a comida deles. Então, isso eu fui levando, devagar, paulatinamente eu fui levando, levando, até que...
(42:50) P1 – E conseguiu a televisão?
R1 – Sim. Aí, no sorteio, o que ele fez? Já me ‘botou’ encaixada, que era o sorteio (risos) e ‘botou’ como eu, pra eu ficar com a televisão. Consegui. E feliz da vida, a televisão de segunda mão, mas vim feliz da vida, mais feliz foram meus filhos. Era de 24 polegadas, grandona, daquelas do tubo mesmo, sabe? Que era antiga, não tinha dessas, agora, moderna e eu era feliz da vida, meu Deus do céu, ficava horas meus filhos vendo televisão, não estava uma boa imagem, nítida, mas dava pra ver. (risos) Tão engraçado! E aí pronto, começou a melhorar a minha situação, pagando aluguel.
(43:41) P1 – Trabalhando com o quê?
R1 – Na enfermagem. Trabalhei em hospital, mesmo.
(43:48) P1 – E gostava de ser enfermeira?
R1 – Gostava, gostava. Era a Clínica Stop, só de acidentes, acidentados. E eu ia já pra sala de cirurgia, já era assistente do médico, eu me virava pra aprender, mesmo, mas com o passar do tempo foi quando a clínica faliu, ainda trabalhei com uma clínica, lá, estética, do Doutor José Barros, mas logo em seguida, porque eu não podia ter os dois plantões, porque eu tinha um tempo pra eu poder cuidar de casa. E aí, com o fracasso, a decadência do hospital, da clínica fiquei por um tempo, também, trabalhando nessa clínica de estética, mas logo em seguida eu saí e depois foi quando eu ia da clínica pra minha casa, então nesse intervalo, no ônibus, encontrei um velho amigo e eu não sabia que ele era a fim de mim. Eu nem sabia. Aí ele estudava no Cearense, fazia faculdade, mas ele já, da família todinha, tinha aquela hierarquia de, por exemplo, todos trabalharem com comércio, mercadinho. Aí ele dizia assim: “Rosa, eu trabalho à noite”. Eu trabalhava e só estudava à noite. Então, quando era meu plantão, que eu já ia, a gente se encontrava, entendeu? “Tudo bem?” Eu dizia: “Tudo bem, está tudo bem”. Aí ele falou: “Quando tu vai lá em casa?”, ele dizia pra mim.
(45:49) P1 – Mas espera: a senhora estava nessa de encontrar esse antigo amigo, e o delegado, estava namorando ainda?
R1 – Não. O delegado era casado, aí eu não quis, sabe? Me afastei. Quando eu soube que ele era casado...
(46:04) P1 – Foi só um pouquinho, então?
R1 - ... deixei, que eu já tinha uma história triste e ia me meter em outra, entendeu? Então, eu tinha essa seleção, entendeu? Não tirar outra pessoa sofrendo, porque eu já sofri com isso, de traição, então o que aconteceu? Esse rapaz é solteiro e é solteiro até hoje, nós nos separamos, devidamente à escolha dele, que ele não quis.
(46:29) P1 – Mas volta no começo.
R1 – Eu já cortei aí. Aí eu fui na casa dele e era uma festa junina, dia de Santo Antônio e eu gosto de dançar e aí eu o convidei pra dançar, ele disse: “Rosa, eu não sei dançar”. (risos) Aí eu disse: “Caramba, agora furou, agora eu quero ir pra um terreiro, eu quero ir pra um terreiro de festa junina de todo jeito”. Aí ele: “Eu vou, pra fazer sua vontade”. Daí nós fomos primeiro pra uma festa, levou o irmão dele, começamos a dançar, ele fazia só pra lá e pra cá e mesmo assim está bom. (risos) Aí deu logo sono nele, pra querer ir dormir: “Não, eu estou cansado, eu tenho que dormir”. Eu já estava esperta.
(47:28) P1 – Como é que ele chama?
R1 – Eliezer, mas o apelido era Nego. E aí foi, aconteceu, gostei (risos) e ficamos 18 anos.
(47:46) P1 – Já foi morar junto?
R1 – Morava assim: como eu tinha os meus filhos, houve uma invasão lá perto do comércio dele, eu peguei essa área logo, invadi, entrei na invasão, lá em Belém e acabei ficando nesse pedaço, entendeu? E com a minha pensão, que eu já tinha adquirido, do meu marido, foi que eu comecei a construir o quartinho lá. Fiz de alto e baixo, dois compartimentos, um em cima e outro embaixo.
(48:18) P1 – Como era? Me conta.
R1 – De madeira.
(48:21) P1 – Tinha cor? Me descreve a casinha.
R1 – Era verde. Pintada verde, eu sou apaixonada pelo verde. (risos) Eu sou Paissandu, gosto, minha cor também é azul, mas eu sou apaixonada. Cor pra casa, se tu olhar de matagal ali, tudo é minha casa, tudo sou eu que planto. E aí consegui...
(48:45) P1 – E a senhora que construiu a casinha?
R1 – Sim, fui pagando pessoas em dinheiro e ele ainda me ajudava. “Estou precisando de cem reais”, nessa época era dinheiro, aí ele me ajudava e foi assim: pegava da minha pensão, que era pouco, nessa época e o pedreiro, a mão-de-obra também era barata, era de madeira, era rápido e aí que construímos, de alto e baixo, era o tamanho quase do terreno, era só o terreninho, cinco por cinco. Bem ao lado tinha outro terreno, olha aí essa aventura! Eu, quando recebi, disse: “Eu vou tirar trinta reais”, já começando a aprender no comércio lá, com ele e de vez em quando tinha uma picuinha entre nós dois, eu disse: “Eu vou pra casa, fazer a minha vida. Ficar depende só pra lá não dá”. Eu tirei trinta reais, fui pra o Ver o Peso. Desses trinta reais eu comprava um quilo de tomate, um quilo de cebola, dois quilos de batata, pimentinha, eu fiz aquela feirazinha e coloquei em um pátio da minha casa, assim, sabia? Eu fui levantando, quando deu acho que mais ou menos uns vinte, não chegou um mês, eu já tinha dinheiro. Eu ia toda cinco horas da manhã pra Ver o Peso, acabava, ia pra Ver o Peso. Quase um mês eu já tinha dinheiro pra comprar um paneiro de banana, aí eu já ia pro Ceasa. As mulheres, tinha pessoas que iam pra lá pra pegar carapirá, aquelas frutas que dá pra aproveitar e eu comprava e pegava um pouco dos carapirás que dava pra aproveitar e já cortava, vendia mais barato, cenoura já cortava e vendia tudo nos saquinhos. Meu Deus do céu! E fui crescendo, crescendo, graças a Deus e já estava um mercadinho, pra te dizer. Aí apareceram já vendedores de estivas, de material, mercadorias de estivas e foi melhorando e eu dava aquele prazo pra pagar, não pagava à vista, então dava toda a facilidade pra fazer o pagamento. Nesse intervalo que eles davam esse prazo o que eu apurasse que faltasse eu já mandava pro entroncamento, pra fazer compra. Aí já começava a mandar o meu filho: “Meu filho, vai lá no entroncamento, já compra isso”. Eu fazia a notinha tudinho. Aí nessa época o táxi era barato também, aí já vinha e pegava outro dele, que tinha um comércio também, que tinha que fazer compra, se ajuntava nós dois e ele acabava pagando só a minha despesa e a dele, que ia pra casa. Então, era assim que a gente foi conseguindo. Olha, eu passei o quê? 2026, 2027, 2028...
(52:22) P1 – 2005, 2006?
R1 – Não, 1997 que é. Não, eu estava estudando em 1995. Eu estudava lá no Paes de Carvalho.
(52:32) P1 – Fazia o quê?
R1 – O ensino médio, segundo ano. Foi quando eu tive que largar, entendeu? Como eu não passei, no Paes de Carvalho não pode repetir, então como eu repeti no segundo ano, eu já estava no segundo ano, já estava fazendo prova pra fazer o terceiro, mas como eu repeti aí não tive... perdi a vaga e como eu já estava com esse meu negócio e era só eu e o dono tem que estar em cima, que ninguém tinha experiência e chegava à noite eu ia fazer compra e era hora que estava indo pro colégio, eu disse: “Eu tenho que escolher dar o conforto pros meus filhos”. Aí parei, em 1995. Justamente eu fiquei 1996, 1997, 1998, até 2021 trabalhando no mercadinho que eu tinha feito.
(53:34) P1 – 2021?
R1 – Ô, senhor amado! 2001.
(53:41) P1 – Então, nessa época a senhora parou de estudar, continuou trabalhando no mercadinho e estava com o Nego, cuidando das crianças também?
R1 – Também, porque eles estavam todos já em casa.
(53:50) P1 – E já eram grandinhos?
R1 - Já tinha 14 anos, a menina já tinha 18 anos, uma já estava casada e já foi melhorando. Aí o meu filho, esse eu me ajudava a fazer compra, falou: “Mãe, eu vou ‘botar’...”. Ele trabalhou num açougue de um senhor lá, pra ele ganhar a pontinha dele e aprendeu, aí: “Mamãe, eu queria comprar um material, que eu tenho esse pedacinho aqui, vou já fazer um açougue” e ele fez e deu muito bem. Deus deu muitas bênçãos pra gente. E aí o meu irmão tirou, pra ele, esse meu irmão que pagava a casa, nessa época, depois deixou de pagar, eu já tinha a minha casinha, que eu mandei fazer e comprou pra ele todo material, até os maquinários de cortar carne. Tudo, tudo, tudo, deixou completo pra ele. Só não ajeitou o espaço, o espaço foi sempre de madeira, só o piso que era... mas até o freezer, tudo, tudo, tudo, sabe? Só fazia a (55:05) de alvenaria, só isso, mas o resto tudo de equipamento comprava lá, como era? Não sei o que Norte. Como é? Esqueci agora o nome. Norte Refrigeração. Aí eu já com o comércio, ele já com a carne, o pessoal saiu de lá já vinham comprar lá comigo, eu fazia o Ceasa, vendia barato, jogava 10%, 15% o máximo, só pra poder eu vender logo. Eu fazia duas vezes o Ceasa, aí começou a evoluir uma maravilha. O que me acabou foi assalto. O que fez eu esmorecer e fechar, muito assalto. Eu tive dois assaltos e três tentativas, entendeu?
(55:54) P1 – Roubaram o quê?
R1 – Toda a minha renda.
(55:56) P1 – A renda e a mercadoria?
R1 – Não, era mais a renda e levaram aquela coisa, cortador de frios, entendeu? E o bandido com a arma na minha cabeça: “’Bora’, manda o que tu tem aí, senão eu estouro seu miolo de bala”. Aí você já viu como fica o meu clima, a minha situação, o nervosismo. É por isso, tantas coisas que eu já passei, eu tenho o sistema nervoso assim, rapidinho uma coisa abala. Se torna violência. Pelo amor de Deus!
(56:36) P1 – E aí fechou?
R1 – Tive que fechar, porque eu sabia que eu ia morrer de uma hora pra outra. Cordão eu já tinha, de ouro, tudo eles metiam a mão assim e arrebentava. Eu tinha funcionários, dois trabalhando comigo. Tinha a filha, ainda tinha mais gente, que eu ia pro Ceasa, me acordava cinco horas da manhã, eu mesma fazia e esse outro meu filho, o segundo, ia pro Ceasa fazer... ele sempre foi esperto pra comércio, ele tem uma ‘estrela’ pra comércio. Se eu tivesse condições de ‘botar’ um ponto aqui... eu trabalhei na praça de alimentação, vendia uma maravilha! O que me acabou também: associação. Me dediquei mais a lidar com o povo, sabe?
(57:30) P1 – Mas volta antes lá, de novo. (risos)
R1 – Foi justamente... ainda está muito longe. Quando ele também teve... se separou da mulher, tinha mulher já.
(57:47) P1 – Quem?
R1 – O meu filho, que tinha o açougue. Aí já desnorteia tudo, quando há uma separação. Aí depois já fui eu que fechei. Eu ainda continuei, mas devido a violência, que é grande... eles jogavam os funcionários todos pra trás do balcão, assim, empurrando. E meu filho arriscando a vida dele, pra encarar os bandidos. Ele tinha um revólver de 32 e os ‘caras’ com 38! Aí ‘botava’, dividia... meu filho cansou de disputar tiro correndo na rua, se livrando, porque meu filho pegava assaltando outro comércio. Aí queria dar uma de herói e já ia disputando tiro, entendeu? Ele gostava, quando era pequeno, muito, daquele... como é? Swat. Daquele filme Swat. Meu irmão tinha um revólver 32, então ele guardava bem e parece que ele chegou a observar, né? E meu irmão viajava e eu tinha saído e ele era pequeno, tinha acho que uns cinco anos. Aí um pouco mais ele foi, subiu em cima do guarda-roupa, tirou, achou, aí já na janela: “Tarãrã, tarãrã, tarãrã”, com o revólver na mão. A vizinha, que percebeu: “Não, Swat, não me atire”. Foi, foi, foi devagarinho e tirou o revólver da mão dele. “Não me atire, Swat”, sabe? Era muito minha amiga, que reparava eles também, ficava ‘de olho’ e aí tirou da mão dele. Foi dessa vez que justamente me mudei, que eu estava nessa outra casa, porque já fui pra Sacramento, de lá que eu possuí todos esses bens, cheguei a ter seis casas em Belém.
(59:59) P1 – Como?
R1 – Comprando, que eu vendia muito.
(01:00:03) P1 – Então, com o dinheiro do comércio?
R1 – Do comércio.
(01:00:07) P1 – Aí comprava casinha?
R1 – Comprava terreno barato. Nessa época era bem baratinho. E foi crescendo, construindo, tive seis casas. Aí, o que aconteceu? Ladrão me roubava, eu tive que vender a casa, pra pagar as contas no comércio. E graças a Deus vendi minhas casas, mas eu não fiquei devendo na ‘praça’. Meu nome sempre foi limpo, graças a meu bom Deus! Aí, no passar do tempo já nos separamos com o Barbudo, que chamo Barbudo também, ele, que ele tem barba. (risos) Aí o Barbudo não quis vir pra cá devidamente: “Tu vai arranjar outro”, sabe aquela coisa de ciuminhos bestinha? Aí estou sempre sozinha, nunca arranjei ninguém.
(01:01:03) P1 – Quando a senhora fechou o comércio já veio pra Barcarena?
R1 - Foi, demorou muito. Meu sobrinho que me convidou pra cá. Eu não conhecia Barcarena, só ouvia falar. Eu não sabia nem o porto que pegava pra vir pra cá. Foi através do meu sobrinho, que eles moravam em Monte Dourados e vieram transferidos pela Vale, nessa época, pra lá, de Monte Dourados e pegaram os funcionários e puxaram pra cá. E foi nessa época que eu estava assim que só tinha as coisas parte de limpeza, ainda tudo na grade, parte de armarinho, que eu tinha muito guardado. Fechava, porque ainda tiravam graça comigo, os moradores, que eu estava com medo de morrer, tudo trancado. Ora, quem já passou num risco de bandido?
(01:02:03) P1 - E quando chegou aqui em Barcarena, como é que foi?
R1 - Foi com esse convite: “Tia, venha pra cá”. Aí eram as férias de julho de 2002. Aí eu disse... sempre dá na veneta assim, que lhe avança, parece que diz assim: “Vai, ‘mete a cara’”, entendeu? Aí eu fiquei assim: “Mas eu não conheço nada lá” “Não, tia, venha aqui, venha pra cá, tia, porque aqui a senhora trabalha, a senhora sabe fazer comida, a senhora sabe vender, tanto na parte de alimento quanto na parte de comércio, a senhora é ‘virada’, tia. Venha pra cá e aproveite as férias”. Eu disse: “Meu filho, mas eu não tenho dinheiro pra eu alugar um ponto”. Eu já estava até passando necessidade, só não tinha porque eu tinha a mercadoria acumulada ainda. E ele me dando uma força ainda. E a minha pensão. Mas eu dizia que não dava pra pagar o aluguel. O que deu para eu pagar era o transporte de frete. Aí ele disse: “Não, tia, venha aqui que eu arranjo o dinheiro e a senhora, quando terminada a sua venda, a senhora vem e me dê o dinheiro”. E foi quando eu dei entrada no aluguel. Nessa época, ele me emprestou trezentos reais. Nessa época, estava cento e cinquenta o aluguel. Eu paguei o aluguel, fiquei com cento e cinquenta, fui comprar as compras, fazer as compras para eu trabalhar. Nessa época, como eu tinha material, que eu vendia frango assado, ‘televisão de cachorro’, eu levei tudo pra lá, essa mudança que eu levei daqui pra lá. Levei tudo, isso era uma mão-de-obra pra lá.
(01:04:01) P1 - De lá pra cá?
R1 - De Belém pra cá, entendeu? E aí foi quando eu comecei nova etapa de vida.
(01:04:12) P1 - E a senhora veio com quem?
R1 - Eu e Deus.
(01:04:16) P1 - Os filhos ficaram?
R1 - Ficaram lá. Aí todos já estavam ‘de maior’, já tudo com a sua vida, né?
(01:04:25) P1 - Deixou o Nego e veio sozinha?
R1 - É, aí eu vim. Ele não quis vir, com medo de eu trocá-lo por outro, sei lá. Aí eu estou sozinha, entendeu?
(01:04:38) P1 - Em 2002 isso?
R1 - Em 2002.
(01:04:40) P1 - E a viagem, foi bonita?
R1 - Foi porque eu vim de caminhão. (risos) Vim no carro-baú, ainda! Fomos bater pro Caripi. Chegamos no Caripi, já tinha alugado o ponto, né? Já tinha alugado, negociado tudinho, era só chegar lá e começar a me organizar. Não tinha fogareiro. Aí meu sobrinho foi, levou pra mim o fogareiro. “Quando a senhora terminar, a senhora me devolve”. E foi assim. Dei conta de pagar o ponto, ainda morei mais três meses lá, ainda tinha dinheiro pra eu trabalhar, pra pagar outro aluguel. Aí comecei a ir atrás de aluguel, porque o prazo era só um mês, pra eu trabalhar. Então, o homem tinha mais coisas, ainda me deixou mais dois meses, demorei três meses lá, entendeu? Aí até eu conhecer direito, porque eu não conhecia ainda aqui.
(01:05:34) P1 - E qual foi a primeira impressão aqui, de Barcarena?
R1 - Olha, como por exemplo, assim, pela notícia, Vale, Albras, então isso chama atenção no olhar, no interesse de quem mudar de vida, que aqui tinha fonte de emprego. E aí justamente foi uma época que ‘bombei’, como dizia assim, na venda e os vendedores da praia iam lá comigo e eu vendia mais barato, entendeu? Fazia peixe frito, peixe assado, tudo eu fazia. Frango assado. Eu vendia frango inteiro, cortava os frangos tudo, me dava... me põe numa cozinha, (risos) que eu me viro muito bem. E aí é o atendimento também, agradável, então, estava sorrindo para um lado, para o outro. E aí foi que, realmente, eu decidi ficar aqui em Barcarena. Eu digo: “Para Belém, jamais”. Eu vou em Belém rápido, não demoro, já quero vir embora para cá. Aqui você tem uma tranquilidade, aqui você está com a sua janela aberta, essa porta aqui aberta. Se você visse assim, é porque está tudo bagunçado, mas todas essas plantações, tudo fui eu que fiz. Eu... aí foi quando houve a invasão para cá. Eu morei numa kitnet que a mulher me alugou, cinquenta reais, porque eu tinha que economizar, para eu trabalhar, porque eu já tinha... ter um ponto para poder... eu já vendia churrasquinho, para ajudar o meu dinheiro. E aí a mulher me alugou. Ela foi alugando os quartos dela, fazendo kitnet. ‘Mano’, peguei um quarto que tinha sentina. Ou sentina ou retrete. (risos)
(01:07:59) P1 – O que é isso?
R1 - Tinha um sapo cururu lá dentro do buraco, de madeira. Sentina é sanitária. Hoje em dia é sanitária. Antigamente era sentina, ou retrete. (risos) Eu comprei o penico (risos) e a minha necessidade jogava lá, por causa do sapo, que era muito grande. (risos) Ô senhor, meu Deus!
(01:08:24) P1 – O sapo estava dentro da privada?
R1 - Dentro, lá no fundo, onde estava o cocô. Não era lá em cima, que era um caixote. Aí sentava lá. E aí eu fui, fui. Meu Deus, eu tenho que sair, tenho que arranjar outro local, para poder mudar. Mais barato, para poder trabalhar. Aí arranjei, fui morar lá no Pioneiro. Aí foi a casa... olha, mas penei. O ‘cara’ disse que ia me alugar a frente todinha. Quando ele pegou o dinheiro, que eu me mudei, cadê? Fiquei num aperto assim, porque era só eu. Ele dizia que era só eu. Ele ficou de me alugar todos os compartimentos. Depois ele me ‘enrolou’ e eu fiquei. O meu filho arranjou um emprego aqui. Quando ele veio, veio para arranjar um emprego. Ele queria ir em casa para ficar e não podia ficar, com o ciúme da mulher dele. Olha aí! Aí a gente passou um bocado aqui. Meu filho teve que largar: “Mãe, vou embora. Tenho que largar aqui, que tudo é pago, a comida é paga. Tenho que levar comida, tenho que... ganho pouco. E pagar kitnet, pagar isso, não tem como. Aí a senhora está pagando, eu quero vir aqui, o ‘cara’ não deixa”. Tudo isso eu passei. E aí foi quando... uma luta grande. Teve uma invasãozinha ali na frente da Assembleia de Deus, na praça. Eu entrei nessa invasão. Consegui fazer uma barraquinha. Eu mesmo no meio lá, arranjando gente, amigo, para poder me ajudar lá, para fazer. Fiquei lá, para conseguir outra barraca, que já estava no plano de fazer outros boxes. Fiquei lá para segurar meu ponto. Trabalhava com venda. Churrasco, entendeu? Completo. Feijão, arroz, macarrão, churrasquinho. Era isso. Carne só de panela. Aí fui vendendo também. Foi na época que houve a construção das praças, eu me inscrevi. Nessa época era o Lorivalzinho, não era o Renato, nem o Vilaça. Aí me ‘botaram’ na lista. Aí eu ganhei, fui inscrita e ganhei o box. Sempre na vida da gente tem essas coisas: o inimigo não pode fazer ninguém feliz. Quando eu estava com envolvimento com a comunidade... vamos chegar aqui, na comunidade. Comecei a trabalhar na praça. Eu já morando lá no Pioneiro, no Jardim Cabano, lutando tanto, consegui um terreno lá.
(01:11:31) P1 – Saiu do aluguel?
R1 - Saí do aluguel. Mas eu saí do aluguel e dormindo em cima... porque não tinha dinheiro. Dinheiro era mal para se alimentar. Esse meu filho arranjou um emprego em Belém. Ele me trazia assim: “Mamãe, toma o dinheiro para comprar um saco de cimento”. Valência, que tinha uma moça que prestava também. Ela me ajudava e eu a ajudava. Então ela dizia: “Rosa, eu vou abrir o pé e tu vai tirando. Aí tu me paga por mês”. E foi o que aconteceu.
(01:12:02) P1 - Você falou que dormia onde?
R1 - Em cima das pedras, para poder fazer a (01:12:07). O que eu fazia? Jogava papelão, pegava, catava papelão de caixa, jogava e dormia ali, naquele papelão, porque não tinha dinheiro para fazer o piso. Mal fui conseguindo levantar, pra cobrir. Ainda foi só um pedacinho, outro lado ainda faltava.
(01:12:31) P1 - Nessa época já era 2002, 2003?
R1 - Não, nessa época era já 2003.
(01:12:37) P1 – 2003?
R1 - Era 2003. 2003? Não. Era. Já ia para entrar para 2004. Era final de 2003 para 2004, porque em 2004 eu saí de lá.
(01:12: 48) P1 - E a senhora estava decidida a ficar em Barcarena?
R1 - Em Barcarena, já não queria mais ir para Belém.
(01:12:53) P1 - Nem para Almeirim, nem para lugar nenhum?
R1 - Não, não, não. Só mesmo aqui. Com essa informação, divulgação, empresa, emprego, eu sabia que não ia ter essas condições, pela idade. Mas disse: “Eu vou saber como autônoma. Autônoma sei me virar. Eu tenho a ‘estrela’ para autônoma, trabalhando, tendo condições, capital de giro, eu vou correndo”. E aí foi quando eu fazia coxinha e ‘botava’ para vender. Aí tinha um rapaz que pegava, só fazia coxinha, fornecia e vendia, eu vendia para ele. Isso foi nos ajudando de tirar para alimentação, porque ainda sobrava picadinho, fazia as coisas. A gente ajeitava com o almoço e era só eu, praticamente. E aí foi quando eu consegui para fazer (01:13:54). Não foi o piso, foi (01:13:56). E não tinha seixo, não, era pedra. E aí consegui fazer esse compartimento, fazer essa coisa. Já consegui ‘botar’ um armador de rede, ‘botar’ cama, instalar cama, que já tinha. E aí foi quando eu consegui justamente o ponto na praça, lá e de lá foi como eu fui desenvolvendo. Consegui o box, comecei a trabalhar no box. Aí eu digo: “Vou ter que ir com isso mesmo aqui, com o que eu sei”.
(01:14:39) P1 - E vendia o que, no box?
R1 - Caldos.
(01:14:44) P1 - Caldos de quê?
R1 – Eram sete caldos, sete tipos de caldos: de caranguejo, de mocotó, até aquele que dá no pau, como é o nome?
(01:14:56) P1 - Palmito?
R1 - Não, não, aquele bicho que dá no pau, esqueci. Era encomenda que as pessoas me faziam. Juru... turu.
(01:15:04) P1 - Não sei o que é.
R1 - Turu é o que dá no pau, dentro do pau. Aquilo é muito forte para o peito, tira do pau e come.
(01:15:15) P1 - É um molusco branco assim?
R1 - Isso, entendeu? E tinha um senhor que se invocou comigo, que eu tinha que fazer para ele. (risos) Caramba, nunca nem provei. São duas coisas: turu e aquele outro, que é igual uma barata, como é? Que eu chamo igual uma barata. Mexilhão, não como. Não tem quem faça eu comer isso, pra mim é uma barata. Inteiro assim, não estava descascada, estava inteiro.
(01:15:45) P1 - Cozinhava, mas não comia?
R1 - Não, não. E era bem pouco cozinhar também, bem pouco entrar. Só fazia para ele mesmo, não vendia nem para vender, era só para ele mesmo, para ele tomar, vontade mesmo.
(01:15:55) P1 - Vendia bem os caldos?
R1 - O que eu fazia era: para não perder o freguês eu tinha que fazer. E aí eu fazia caldo de carne, de frango, de mocotó, de caranguejo, de camarão, que era uma delícia. Camarão, caranguejo, mocotó saíam divinamente. E caldo de feijão. Já fazia. E a sopa. Aí na praça, meu Deus, não tinha uma sopa, que era minha, que era famosa, porque eu fazia a vontade do cliente. Ele quer: “Põe um caldo de mocotó, mas eu quero com sopa”. Aí tirava um pouquinho de mocotó, misturava com sopa. “Eu quero caldo de frango” Aquele frango chega aquele caldo pastoso, entendeu? “Quero de frango. Me dê um pouquinho de feijão. Coloca o caldo de feijão dentro”, entendeu? Então, ali eu fazia a vontade do cliente. Ele se sentia bem à vontade. E foi justamente dessa lida com a comunidade, que era muita reunião e eu cansada, já chegava de noite, sete horas. Tinha duas, três reuniões, perdia uma e despriorizava as duas. Era assim, chegava de noite, aí não tinha mais pra onde eu ir para a praça. Muito cansada, para trabalhar.
(01:17:18) P1 - Mas as reuniões, como é que começaram essas reuniões, do quê?
R1 - As reuniões eram com a prefeitura, entendeu? Dentro da prefeitura. Era das empresas, assim, mas arranjando, por exemplo, assim... me deu um branco agora. Como é?
(01:17:37) P1 - Era reunião de morador?
R1 - Da CODEC. Não. Era pra fora, mesmo. Era pra mostrar à entidade que a gente já estava aqui, consolidando, entendeu? Luta, era pro SPU. A gente ia fazer a manifestação, no SPU. Aí tinha a ordem de reintegração de posse, a gente ia pra Belém. Então, eu não parava. Era uma luta. Agora eu tenho mais sossego, um pouco.
(01:18:01) P1 - Mas a senhora já estava trabalhando nessas associações? Como que era?
R1 – É, cortei. Da praça, eu trabalhava na praça. Chegou um convite me oferecendo um terreno. Agora. Convite: “Rosa, você não quer comprar um terreno assim e assim, que nós estamos entrando ali, naquela praça, na Vila. Entrando aqui”. E eu, como estava bem, já comprava as coisas tudo à vista. Já chegava e comprava à vista, porque o movimento era muito bom. Tinha muita gente, nessa época. Ninguém ia trabalhar fora. O emprego aqui estava ‘bombando’. Então, corria muita ‘grana’. E aí eles procuravam pra ir fazer compra lá e almoço, janta. Eu ainda ficava, às vezes, para o almoço, mas era difícil eu ir. Só quando eu tinha que tratar lá, eu ainda ficava para o almoço. Eu já fazia meu almoço lá, entendeu? Quando me ofereceram, eu fiquei: “Onde é?” “Não, vou te levar lá”. Aqui tudo era mata. Só estava bosqueado. É essa que eu queria tirar uma foto, ver se recuperava, que está no CD. Eu andava por cima do meio dos matos, cozinhando uma macaxeira, parece que eu tinha uma macaxeira, alguma coisa, o homem que estava cortando aqui, eu andando no meio do mato, aqui. E quando colocaram a energia também, tenho tudo isso aqui também. Quando... aí eu vim ver. Aí eu disse, mas eu olhei, mato: “Como é que eu vou dar conta para limpar isso aqui, para ainda fazer uma casa?” Aí, como eu tinha um terreno... olha só, dessas minhas casas eu ainda tinha um terreno, que esse meu ex, que é o Barbudo, tinha comprado para ele lá, para nós dois. Depois ele não fez questão e me deu. Aí eu vendi.
(01:20:16) P1 - Aqui em Barcarena?
R1 - Lá em Outeiro. Aí eu vendi lá, foi o que eu construí aqui. Quando eu ganhei, quando eu comprei o terreno aqui, tudo bosqueado. Aí tive que... aí foi o tempo que o meu genro também foi indenizado ali pela Aeronáutica, ele trabalhava na Aeronáutica e também ele comprou tudo pertinho aqui. Aí começou a fazer. Então, ‘bora’ comprar o material de meia. A gente comprava de meia, entendeu? Uma carrada de areia, tudo barato, pedra, tudo barato, a gente fazendo tudo de meia, assim. Eram dois pedreiros e um trabalhava em um turno, outro no outro, entendeu?
(01:21:00) P1 - O convite era para vir criar o bairro?
R1 - Para comprar aqui. Para poder fazer casas, porque estava na invasão e tinha que fazer. Essa é área da Codebar. Essa área aqui toda é da Codebar.
(01:21:16) P1 - Quem fizesse casa podia...
R1 – Ainda não passou para a prefeitura. Ainda é do SPU, do governo federal, toda essa área. E aí tinha aquela coisa que a gente ia para Almirante Barroso, fechava, a gente não conseguia dormir direito: “A Codebar vai tirar a gente. A Codebar já veio...”. Era assim. Eu só tinha esse quartinho, dois quartinhos que eu estava fazendo nesse terreno, aqui do lado. De lá eles estavam filmando e a gente se escondia, (risos) para ele não ver a gente. Quando não eles passavam com drone, para filmar se realmente estava habitado. Eles estavam para tirar, para tomar a gente daqui, que era o pessoal da SPU. E a gente, quando era do movimento, para ir cobrar lá, levavam umas 45, cinquenta pessoas. Quando eles voltavam para ver aqui, não tinha quase ninguém. Entendeu como era? “Isso é especulação, vocês não querem nada. Como é que vocês vão com trinta, quarenta, para ganhar uma questão do SPU?” “A gente consegue”, a gente dizia, inventava, porque muita gente trabalhava, não tinha tempo para ir buscar. A gente já fazia aquele blábláblá, para garantir o terreno do ‘cara’ e assim eu fui comprando. Comprei um, comprei dois, comprei três. A minha filha comprou bem do lado. Esse aqui era o meu terreno. Como a primeira pessoa, que era grileira, (risos) que estava vendendo, que foi me oferecer, essa rua aqui era um terreno de uma. Quando abriu, o topógrafo veio e abriu como rua, se apossaram desse terreno aqui. Foi uma briga, era só eu. E aí você lidava com pessoas de má índole, pessoas de toda espécie, bandido, era tudo quanto é coisa. Então, ali eu já fui com medo, me poupando e acabei perdendo. O que eu fiz? Cortei uma boa parte, tirei uns quatro ou cinco metros só e dei esse resto para eles, lá. Inclusive, a mulher fez tanta questão, nunca morou, nunca fez nada e aí nem o dono não mora e ficou assim. Eu disse: “Está vendo que foi dado por Deus e não vão conseguir morar aí?” Tudo alugado, mas ele não mora aí, entendeu? Então, foi com muita luta que eu consegui e acabei perdendo, porque a mulher não ressarciu meu dinheiro, perdi. Nessa época eu comprei por quatrocentos reais e tudo foi comprado. Eu não cheguei assim totalmente: “Vou invadir”. Comprei do ‘cara’ que tinha já feito a bosqueada.
(01:24:01) P1 - Comprava de quem, então?
R1 - Era da pessoa, do grileiro que tinha já feito a invasão aqui, estava tudo bosqueado. E se achava como... entendeu? E essa aí foi vendendo. Tudo por aqui foi marcando topógrafo e tudo foi ganhando dinheiro. Tanto ele ganhou dinheiro, como o topógrafo ganhava dinheiro, todo mundo ganhava dinheiro. Aí que eles foram vendendo. Tanto prova que o maior terreno é esse, o meu, aqui, porque fui uma das primeiras moradoras.
(01:24:33) P1 - E os caldinhos estavam como, nessa época?
R1 - Eu estava vendendo, ‘bombando’. Eu já estava vendendo, porque eu já morava, que eu vinha do Jardim Cabano para ali, entendeu? Já estava trabalhando lá. Só que eu queria um local mais perto para o meu trabalho. E aí foi que eu dei para o meu filho a casa que eu estava, que eu estou falando que ele morava perto, dei para o meu filho. Esta casa aqui ainda estava só, estava assim... como é que dá o nome? Só furado aqui, cavado e fazia alicerce. Ainda não tinha... no meio da mata, no meio da coisa. A gente ia bosqueando, cortando a madeira, chamando o pessoal com máquina, iam cortando, iam limpando ao redor, ia abrindo, ia abrindo. É assim que fomos fazendo, devagar. E a Codebar fiscalizando a gente, mas a gente não desistiu. Aí era reunião para um lado, era ‘onda’ para um lado, era ‘onda’ para outro lado. Meu Deus do céu! Que não era só a sua comunidade. Eram sete comunidades, praticamente, que estavam nessa luta, para adquirir o seu terreno, entendeu? Porque, quando veio a empresa, a prefeitura não se preocupou para preparar. Então, houve um inchaço populacional, em busca de emprego, em busca de boa vida, porque a divulgação estava grande...
(01:26:00) P1 - E estava vindo gente.
R1 - E estava vindo gente. Então, houve esse inchaço populacional, de gente. Aí, justamente, vieram. Muitos pegaram dois, três terrenos. Eu não. O terreno que eu tenho é o que eu estou morando, aí eu planto, porque a minha vontade era isso, para plantar, para mim... e aí foi, justamente, eu fui ficando, ficando. Aí foi o tempo que essa grileira que estava vendendo, depois que ela encheu o bolso, passou para outra pessoa, entendeu? Aí essa outra pessoa já veio para presidente. Aí fizemos a reunião, a assembleia, tudo, preparava já, direitinho. Ela se tornou como presidente. Eu, como tesoureira, entendeu? E aí foi o seguinte: a composição da diretoria, foi tudo feito, tudinho. Aí, quando foi feita a inauguração... inauguração não. Como é, meu Deus do céu? Foi feito o documento original, o CNPJ, tudo.
(01:27:20) P1 - Da associação?
R1 - Sim, com ela lá. Ela iniciou lá.
(01:27:24) P1 - Que ano que era?
R1 - 2009.
(01:27:26) P1 - Então, a senhora já tinha conhecido todo mundo, já estava bem acolhida.
R1 - Eu já estava morando em 2008. Eu tinha comprado em 2007, em 2008 eu estava morando. Só que aqui não tinha associação, só era o terreno. Aqui já construíram o terreno em 2021, que construímos isso aqui. Agora, há pouco.
(01:27:42) P1 – Como?
R1 - Todo esse tempo ficamos no terreno, que luta o povo não quer, quer só o benefício. Vem a nós, vem a nós, não quer ajudar.
(01:27:51) P1 - E aí a senhora foi vivendo essa parte social?
R1 - E eu fui vivendo aí. Depois que eu via que ela mandava arrecadar o dinheiro, entregava para ela, a gente não via nada, entendeu? Só um barracão simples. “Eu vou ‘meter a cara’, fazer um ofício e vou tomar essa posição”, entendeu? Aí foi que ela ficou meio ‘mordida’ comigo. Até hoje ela tem. Porque eu fiquei desde 2011 até agora. Ninguém se manifesta. Vai haver uma eleição agora em novembro.
(01:28:28) P1 - Até hoje a senhora é presidente?
R1 - Sim.
(01:28:31) P1 - Como que é o nome da associação?
R1 - Associação Comunitária Luz Divina. ACULUDI. É a simplificada dela, entendeu? E aí foi essa grande passagem, esse grande histórico na minha vida. Fui tendo conhecimento, aí já fui candidata, mas nenhuma vez para cá, para o município. Mais era federal. Ah, sim, fui para vice-prefeita. Você lembra do Valmir? Em 2012 eu fui candidata para vice-prefeita do professor Valmir.
(01:29:13) P1 - Daqui de Barcarena?
R1 - Sim, com o Vilaça. Mas quem é que vai ficar com dinheiro? (risos) O Valmir nem fazia questão de fazer campanha. Só assim. Aí aqui. Para Belém ainda fiz para federal. Depois a gente vai vendo, vai conhecendo o que é a política, sabe? Então, estou perdendo o meu tempo. Cuidar de mim, cuidar... e é assim que eu estou.
(01:29:42) P1 - E o comércio foi até quando, de sopa, de caldinho?
R1 - De sopa? Foi até 2022.
(01:29:49) P1 - Agora há pouco.
R1 - Por quê? Ia continuar. Era só dar um tempinho de eu ter folga, porque eu já participava de curso. Eu não tinha tempo, porque era muito curso, para justamente lapidar essas comunidades que não sabiam conversar, não sabiam dialogar. Era só o ‘meu pirão’, né? Era na porrada. Cobrando, cobrando, mas não sabia como cobrar. Tinha que ter esse preparo. Então, veio o IEB, uma instituição que começou: “Olha, não é por aqui, é por aqui para a gente chegar, para a gente dialogar”. Quando chegava na porta das empresas e fechavam, que não atendiam de jeito nenhum, o tempo da Vale, meu Deus, era aquele atrito com as lideranças, os quilombolas, as pessoas. Aí foi quando aproveitou essas comunidades, que ainda estavam na flor da pele, para ver se conseguia consolidar, a gente ia com eles para cá, lá para Borajuba, que eram famílias tradicionais, entendeu? Se apegamos com eles, essa turma todinha ia para lá, fazia manifesto e o ‘pau cantava’. Então, foi isso que fez para que a gente hoje esteja consolidada aqui. Muita luta, muita luta. Ia para Almirante Barroso, fechava a Almirante Barroso. Tem até hoje o jornalzinho, com máscara. No tempo era a Dilma que era a presidente.
(01:31:34) P1 - Então, a senhora tentava lidar com as duas partes da vida: trabalhava lá nos caldinhos e...
R1 - Três partes da vida: associação, caldinho e minha casa.
(01:31:47) P1 - E o que mais tomava tempo da senhora?
R1 - Ambos. Porque, para a comunidade, eu não acho, eu dizia assim: “Olha...” Nunca, acho que não cheguei a dizer. Agora, um tempo desse que eu digo: “Eu tenho horário para atender”. Então, naquela época era muito procurado. Agora, não, cada qual está tranquilo, é difícil procurar para fazer um documento, uma declaração, entendeu?
(01:32:13) P1 - As pessoas batiam na sua porta?
R1 - Estão tudo estabilizadas. Era. Não deixava. Eram sete horas, até oito horas da noite: “Fulano está entrando no meu terreno, fulano está isso aqui”, entendeu como é? “Eu quero uma declaração, eu quero fazer isso, eu quero fazer aquilo”. Então, era muito procurada.
(01:32:28) P1 - E como a senhora aprendeu tudo isso, saber como resolver?
R1 - A vivência, minha filha, é obrigada. A gente aprendeu. Isso foi na marra. Eu não fiz nenhum curso. Eu não fiz nenhuma faculdade para trabalhar, como tu falaste. Era um tipo de assistência social. E é mesmo. Lidar com o povo. Saber controlar o ânimo de povo. Ixi! Eu já levei, que eu ganhava da prefeitura, meu Deus do céu! Para construir essa pista aqui, o camarada se jogou na frente da máquina, porque eu que não reclamava com a prefeitura, parece que até eu ganhava da prefeitura. Uma simples pensionista, coitada, lutadora, que não tem nem... prefeitura não está nem aí para mim. Então, fomos assim para conseguir esta comunidade, com muita luta e todas as comunidades foi com muita luta. A gente ia para Almirante Barroso e depois houve eleição. Sim, aí eu disse que ia tomar aqui, que eu ia assumir. E foi quando foi, foi, foi, foi. É isso que eu tenho. As coisas do começo eu perdi quase tudo. Mas eu ainda vou ter essa possibilidade de ver se eu recupero, aí eu vou te mandar. Olha, essas árvores foram todas destocadas. A raiz dessas árvores passava, eu ficava batendo foto, bati foto. Lá no meio dela, de baixo, a bicha tinha, mais ou menos, eu aqui, ela tinha quase isso aqui, mas a metade daí, do tamanho da árvore. Do tamanho. Olha, eu me levantei, sou muito desobediente.
(01:34:28) P1 – Imagina! Dona Rosa, a senhora ganhava pra fazer esse trabalho social?
R1 - Nada, nunca ganhei nada. Nunca. Tiro é do meu dinheiro, minha filha. O pouco que eu tenho e que Deus, eu não posso mentir, está vendo. Sabe o que faz a gente ser assim? É porque a gente tem uma longa passagem na vida, porque dinheiro para mim não vale nada. Vale só para suprir a necessidade. Mas o que vale é o que a gente tem, o que a gente gosta de fazer. E foi para cá que fui trabalhar com o movimento social. Aqui que eu aprendi, entendeu? Trabalhar com o movimento social. E as pessoas, por exemplo, de outra comunidade, a gente vê, a gente vai pegando, vai copiando, vai vendo como vai. Eu tenho que aprender. E na marra, na marra. Com violência, vem cobrar. Eu tenho que dar o jeito de ser advogada, mostrando o direito. É isso.
(01:35:33) P1 – E ameaça?
Queria que vocês me ajudassem. Isso era para estar com janela, isso aqui. Era para estar rebocado. Esse povo não ganha mal, entendeu? Mas o egoísmo é tão grande, minha amiga, entendeu? Que não tem a capacidade de pagar uma mensalidade, sabe, com até cinco reais por mês. Eu não aumento nada. Todo mundo por aí aumenta, dez reais, eu não. Para ver se eu adquiro, mesmo para pagar o básico: água, luz, tudo isso aqui. Vou te mostrar que eu estou com três papéis de água aqui. Vou até te mostrar. Isso vai acabar saindo do meu bolso. Eu posso mostrar aqui a mensagem que eu fico pedindo para colocar, para pagar para mim, entendeu? E não é grande, é cinquenta, setenta, a luz cobram. Então, fui servir esse ‘cara’ daqui do lado, essa construção, associação, que tanto eles me maltrataram, eu digo: “Não, se é uma associação que faz para o bem do povo, não olha a quem, entendeu? E o nome dela não está assim, fácil. É Luz Divina, entendeu? Luz Divina. Eu entro dentro dela, sabe assim? Me acho dentro dessa luz, entendeu? Que Deus me ilumina. Deus está aqui, sempre de cabeça erguida, doente, cheia de problema. Minha amiga, você não pode imaginar, entendeu? Eu tenho problema cardíaco, tenho arritmia cardíaca, problema de visão, de coluna, de rim, já perdi 50% do rim, entendeu? E estou adquirindo a diabetes. Tudo foi a diabetes. E meus filhos todos são diabéticos. Todinhos. Então, isso aqui eu só tenho a agradecer a Deus, Dele me dar essa luz, essa força, essa energia. Eu tenho que saber conversar, Deus me usar e saber lidar com cada um, sabe? Teve uma vez um senhor disse para mim: “É, Dona Rosa, a senhora é consoladora”. Falou mesmo assim: “A senhora é consoladora, porque a gente vem com um conflito imenso, o camarada vai sair de lá mansinho e tal” “Obrigada” “Nada. Agradece ainda”.
(01:38:35) P1 - Faz a conciliação.
R1 – É, entendeu? Isso tudo tivemos preparo, sabia?
(01:38:40) P1 - Ah, é?
R1 - Eu tenho, eu tenho, eu tenho... como é? Aquele brasão da polícia militar.
(01:38:46) P1 - Dona Rosa, a senhora estava me contando dessa luta da associação. Quais foram as coisas que a senhora conseguiu oferecer para a comunidade, aqui na associação? Cursos, ações.
R1 - Quando a empresa, devidamente muita cobrança pela responsabilidade social com a comunidade, então era um embate muito caloroso, (risos) vamos dizer a verdade. Então, era impacto ambiental, entendeu? É a poluição do ar, a contaminação da água, de coliformes fecais aqui dentro da vila, derramamento. Quando estourava um tubo lá, meu Deus, contaminava as águas dos rios. Então, todo mundo se sensibilizava, fazia todo esse protesto lá. Vinha mais da Imerys, que é a Imerys que trabalha com isso, não é? E, nesse caso, ia para os rios, aquilo chegava a ficar aquele líquido branco, muita soda cáustica, muito... e aí isso, conforme também com a nossa pressão, fez a empresa também ficar fazendo o seu regimento interno mais qualificado, para mostrar para o povo que ela está fazendo, está se esforçando para se habilitar, para justamente ter defesa do meio ambiente, entendeu? Para estar aqui, meu Deus, você não imagina de qual tinha quando... eu acho que até eles pensavam assim e até evitavam muita gente para frequentar, entendeu? Porque só acabava não trazendo nada, era só plá, plá, plá, plá e baque forte. Era muito... o impacto ambiental era muito grande aqui, mesmo. Derramamento, as plantas... até hoje a gente ainda sente aquelas ‘polígenes’ pretas, ainda caem em cima das árvores, mas não é tanto quanto para lá, para o rumo do Conde, para o rumo lá da... os igarapés foram todos cortados. Hoje em dia você está vendo que até em Belém tamparam aquela doca, você já viu como a enchente deu. Mal planejado. Não sei nem como é que eles vão fazer. Então, aqui não está sendo diferente. Mas eu achei que, conforme o nosso diálogo com as comunidades, foi através da Hydro que já começou a chamar. Porque no tempo da Vale não tinha negócio nenhum. Aí, através da Hydro, eles foram vendo que realmente precisava ter um diálogo com a comunidade, para eles conhecerem mais a comunidade, entendeu? Para saber a problemática. A comunidade é só um todo, mas cada um tem um problema diferente. Aqui já é um lado urbano. O lado para lá já é mais agricultura, que vive de pesca. Aqui foi atingido, mas não foi diretamente, foi indiretamente atingido, a qual eu faço parte do...
(01:42:58) P1 - A senhora foi impactada.
R1 - Faço parte do TAC, que é o termo de conduta, termo de ajustamento de conduta. E aqui nós representamos quatro comunidades, que é a Vila dos Cabanos, Luz Divina, Jardim de Independência e Nossa Senhora de Fátima. Cada representante, são dez representantes, se tornam vinte por causa dos suplentes, mas são dez representantes titulares, a qual eu sou titular também. Nós representamos todas essas comunidades de um a dez, representação dessas entidades e aqui é justamente a qual eu estou representando, é pelo TAC aqui. Inclusive ontem teve uma reunião, foi um bafafá, em Belém. O Funbio, que está com a grana, mas vai ficar com a grana, mas é aquela coisa, eles têm medo, estão no TAC, nós estamos passando pelo TAC, mas eles querem passar por cima, porque eles são acuados pelas outras lideranças que, no final, estão dentro do TAC também.
As pessoas que passam por lá também os representam lá. Mas é aquele que eu quero mais, quero mais. Então, já talvez não seja nem essa indenização, porque essa aí é aquela questão do derramamento, da chuva, de contaminação.
(01:44:48) P1 - Mas volta um pouquinho. A senhora estava falando que aí mudou um pouquinho, quando virou Hydro e aí começou a ter diálogo.
R1 - Sim, o diálogo. Aí já veio, começaram a chamar e muitos não queriam ir, porque aquele embate, só querem papapapapapa, só querem comprar, estão comprando a comunidade, estão comprando isso, estão comprando aquilo, para falar bem, entendeu? Mas eu acho que quem está no começo é de ver que tem mudança. Então, você vai ‘meter o pau’ todo o tempo que está sendo beneficiado? Não, né? Então, isso foi uma grande chance, que tivemos esse tripé de diálogo: município/prefeitura, empresa e sociedade civil. Daí é que veio o bendito diálogo, entendeu? E é justamente o que eu dizia, que eu não parava, porque é capacitação pra tudo quanto é lado: curso para cá, curso para ali, até o CNV tem, entendeu? O CNV é a conversa não violenta, entendeu? Tudo isso já fizemos, mas muito não capta tudo, né? Nem se esforça.
(01:46:16) P1 - A senhora lembra mais ou menos das capacitações que a senhora...
R1 - Meu Deus!
(01:46:21) P1 - As mais importantes, que a senhora guardou?
R1 - Olha, o CNV, porque é a conversa não violenta; organização social, que é a organização da sua entidade também, como saber lidar com o CNPJ, como tem que fazer, organizar. ‘Aletramento’ de informática, de internet também. Só que eu não peguei bem, né? (risos) Porque eu não tenho computador. Agora está cheio de computador aí, mas não tem professor para me ensinar. Porque o tempo que teve o curso aqui eu não tinha tempo, porque me chamavam para cá, como que eu podia sentar? E aí, com esse diálogo, a empresa começou a se familiarizar com as entidades. Ainda tem umas arestazinhas, mas eles já estão conseguindo aparar. Eles já estão mais para ouvir as demandas da comunidade na calma, do que no grito, que antigamente era grito. E eles vinham, foram se chegando devagar. Polêmica aqui ambiental, problema daqui, vazamento daqui e o ‘pau tora’ de novo, aí vão na manha e vão dizendo, chamam a gente agora, para ver. A gente vai nos lugares lá onde estão colocando aparelhos, já mostra. Pelo TAC também eu já participo e já tenho outro convite particular, porque tem empresa que trabalha com meio ambiente, aí somos convidadas para a gente ver lá como é que está, como é que eles vão fabricar, aproveitar o rejeito. Então, isso aí tudo dá um esclarecimento para a gente, de conhecimento. Como se trata a água. Claro, você não vai acreditar 100%. Sempre fica com a dúvida, um ponto de interrogação na cabeça. Mas pelo que já era antes, nem esse tipo de diálogo que a gente tinha, você já está 80%. Porque essa harmonia, que é tanto a prefeitura quanto as empresas e a sociedade civil já estão tendo diálogo, tanto com a prefeitura, já chamam, já teve agora o PPA, já tem o Conselho da Cidade, já tem isso aqui, tudo eu já participei. Já fui até de Defesa Civil, conselheira. Eu já não sou do Conselho da Cidade agora, porque eu já estava há dez anos e nunca vi sair nada da gaveta. Aí eu tenho que... mudou, já não participo de lá. Mas eu participo já do TAC, eu sou suplente do meio ambiente também, em Belém, do estado. E assim a gente vai chegando num ponto que põe na cabeça da gente que realmente, assim, eu já vivi muito polêmica, agora é mais consenso, não é mesmo? Então é isso que falta, o que está havendo com o povo: estão se lapidando. Esses cursos estão trazendo muito benefício, trazem ideias. Participo do IBS. O IBS é uma... Instituto Barcarena Sustentável. É a Iniciativa de Barcarena, de sustentabilidade. E aí vêm projetos e projetos. O primeiro projeto foi a Luz Divina, que ganhou. O primeiro projeto que a empresa ‘botou’ no ar, que disse assim: “Agora vamos começar a fazer projetos”. E foi a Luz Divina que foi contemplada. Digitando Cidadania. Está ali o banner, lá. O banner deles aqui.
(01:51:09) P1 - Como é que chama o projeto?
R1 - Digitando Cidadania.
(01:51:18) P1 - E o que é o projeto?
R1 - O projeto era de informática.
(01:51:22) P1 - Para a comunidade?
R1 - Para a comunidade. Aí tem foto, o certificado. É porque eu tenho muito para mandar, não sei se vai suportar no seu celular. (risos) Então, esse benefício que trouxe para nós foi para a comunidade. Só tem benefício para a comunidade. Gente, olha, com todo sacrifício que eu passo, eu não recebo um centavo. Estou com essa dívida agora, para pagar. Tiro do meu dinheiro. Eu recebo um salário-mínimo, ainda pago o empréstimo, tenho que comprar meu remédio. Não dou conta de comprar, porque tem o do SUS, mas eu tenho que comprar particular, entendeu? Remédio manipulado por causa do rim. Eu não posso tomar qualquer remédio. Então, nessa aí eu divido o coração, meu coração parte, porque eu digo: “Ou para cá, para cá, a prioridade. Ninguém está me ajudando, mas eu vou ‘quebrar o galho’”. Faço logo isso aqui, da associação, depois eu pego o retorno. Não retorna. Não retorna. Não pego esse retorno, para eu cobrir o que eu gastei. Não tem nem esperança, entendeu? Se você vier filmar tudo aí dentro, eu posso mostrar para vocês os computadores que compraram e as cadeiras que recebemos e aí em cima são os ventiladores, tudo dado pelo DEMA. Foi a parte dada pelo projeto da Hydro, sustentável e foi dado também pela máscara, que foi o tempo da Covid, que é a Barcarena Sustentável. Como eu faço parte da comissão de Todos pelo Trabalho, aí fomos vendo, principalmente nesta época, problema de família se separar, problema... crianças que saíam do colégio, ficavam em casa. Aí mamãe quer merenda, mamãe quer isso, querem saber o que querem, não saber os direitos e deveres de uma mãe solo fazer, de cumprir com aquela responsabilidade de dar o que comer, o que vestir, o que estudar para aquele filho, a educação. E ainda chega em casa com esse problema da Covid. E ela, coitada, tem o sonho, que ela já teve o início de função de costureira, mas não foi à frente, porque não teve as oportunidades. Não tem uma máquina para costurar. Se teve, já quebrou, já deu defeito. Então, isso aí, a IBS ajudou muito. Pegou três comunidades legalmente constituídas: Luz Divina, Vila Nova e Renascer com Cristo. Está bem ali no mapa, pra não dizer que é mentira, está ali. Então, fomos parceiras delas. Construíram acho que 17 mil e uma fração de máscaras. O que eles fizeram? Dentro da comissão de Todos pelo Trabalho, fomos ver de cada momento, porque como tinha toda essa problemática, que tal trabalhar? Tinha as instituições que davam apoio: Microlins, Senai, Senac, até da prefeitura também, que vinha participar, entendeu? Então, deu todo esse apoio, para que viesse a ser realizada essas mulheres no... como é que se diz assim? Na coisa de trabalho, como é? Esqueci agora. Então, era renascer de novo. Se tu visse cada história, porque o meu celular troquei, apagou muitas fotos, mas tinha muitas fotos de declaração de moradoras, de mãe de família, naquelas dificuldades, brigavam com o marido, havia até separação. E, com isso, essas mulheres ganhavam de sete, seis mil construindo, fazendo máscara. Olha, trouxe até união na família, entendeu? Pagou as dívidas que estavam, porque não podiam trabalhar e estavam com dívida. Tudo isso trazia um transtorno na família. Então, eles... e construímos essas máscaras. Depois, o que a IBS fazia? Ia com assistência social, que é justamente o que falei, que a prefeitura estava nessa, pegava os voluntários e ia para distribuir nas comunidades as máscaras, de graça. Pagava-se um e setenta por cada máscara. Trinta centavos dava pra associação. A associação, com esses trinta centavos, juntou, deu para comprar vinte cadeiras, uma geladeira, um fogão, um armário, com esses trinta centavos, juntando. Banner, esse banner foi tudo pago pela máscara e algumas coisas. A grade. Toda gradeada com dinheiro da máscara, que eu me preocupo muito com a segurança, porque tem tanta coisa de valor aí dentro. Então, foi assim a nossa... primeiro foi esse projeto, aí veio o projeto da Hydro, depois da máscara, tudo junto. Acho que aquilo explodiu, o projeto. Depois veio o DEMA, que foi o primeiro, mas foi tudo construído no mesmo problema da Covid. Mas, como eu tinha conseguido uma empresa, ela construiu na fase da Covid mesmo. E, logo em seguida, já foi preparando os documentos, que é um protocolo e tanto, para organizar com documento e aí conseguimos já dar o início, ela pronta, já dar a entrada logo no início do curso. Aqui fez curso criança de dez até setenta e poucos anos, assim que quisesse. Teve senhoras que hoje em dia queriam vender roupa pela internet, tudo isso elas aprenderam. Isso trouxe aquela clareza de conhecimento, da tecnologia, entendeu? Isso trouxe muitas... tem moças aí, senhoras, eram jovens que nem eu estou te falando, de dez anos. Está aí, tem foto.
(01:59:10) P1 - Tudo isso no projeto de digitalização?
R1 - Digitalização. Projeto era Digitando Cidadania. Aí tem eles com diploma, estudando, o professor dando, está ali a lousa, aula. E eles não enxergavam direito, eles iam lá para frente. Tudo está na mesa, estão copiando lá, do quadro.
(01:59:31) P1 - Quanto tempo de projeto?
R1 - Dois anos, correto. Conseguimos... como diz?... certificar cento e... não sei se foi cento e dois, ou duzentos e dois, não estou bem lembrada, mas foi mais ou menos essa quantidade.
(01:59:52) P1 - O que a senhora sentiu com essa realização, minha querida?
R1 - Realizada. Ainda falta mais. Eu ainda tenho sede de mais vitórias, de mais sonhos realizar. De quando eu parar aqui e deixar essa comunidade, tudo já com plaqueamento, com o nome das ruas, que é dificuldade das pessoas. Onde é a associação aqui rebocado, tudinho feito, aqui já ter sala para cursos, entendeu? Então, isso aí ainda falta, não estou bem realizada, mas o que eu já fiz, entendeu, de luta para chegar ao que está aí... olha, eu mesmo digo: “Meu Deus, só eu. E se tivéssemos a gente, não estaria melhor? Me ajudando. Estaria melhor.
(02:00:48) P1 - Esses projetos têm muito impacto na vida das pessoas, né?
R1 - Muito, muito, muito, muito. E eles ainda perguntam. E eu estou atrás para arranjar o curso, pelo menos para pagar o professor. E o professor que ganhava dois mil e noventa, que a Hydro pagava, ainda jogou a associação na Justiça. A associação ainda sofreu com Justiça. Colocaram o dinheiro, a Hydro depositou X, ainda mexeram duzentos reais, desfalcou. Esses duzentos reais, para repor, que a gente não tinha reserva. A associação foi só para pagar o professor. Tudo foi gasto na ponta do lápis, compramos computador, tudinho, entendeu? Toda a equipe aqui fizemos essas bancadas, tudinho, com o dinheiro do projeto. Não sobrou dinheiro nem para comprar água, nem material de limpeza. A gente pedia para os alunos comprarem um tambor de água, eles já viam e já compravam, ‘botavam’ no papel. Acho que ainda tem aí, anotado: fulano deu tanto, fulano deu isso, que comprava tambor de água para eles beberem, copo, tudo isso aí doava.
(02:02:07) P1 - E, Dona Rosa, e a construção da associação, como a senhora fez para tudo isso?
R1 – Não. Como te falei que projeto foi um em cima do outro. Veio a máscara. Logo em seguida, foi em pleno mesmo da pandemia a máscara, quando já foi aliviando um pouquinho, mas ainda estava forte, a gente ainda andava de máscara, até nas aulas aqui, você vai ver, ainda estávamos com máscara, demos continuado, não parou. Era reunião online; uma reunião fechada, mas muito protegidas aquelas pessoas que eram contempladas, pra um projeto.
Então, isso aí foi um preparo com aquele cuidado com as pessoas, com a saúde, usava o álcool, usava tudo, tudo trouxeram. Essa assinatura de imagem, tudo eles trouxeram. Sabe, a Hydro é muito perfeccionista. Então, ela trazia tudo para orientar pra gente como a gente devia fazer também, porque o nome dela levava ali, nos certificados. É um histórico bem vivenciado, sofrido, mas, porém, eu estou realizada. Com essa urbanização agora, água, esgoto, tudo já está feito, falta só a fazer a ligação. Eles fazem reunião, ainda falta até mandar uma reunião que a gente tem com eles, a gente batendo foto. Eles ficaram das ruas que deixaram tudo malfeito, que quebraram as máquinas, eles já vieram com a minha pressão lá. Vocês pegaram direitinho, deixaram tudo bagunçado. E aí já vão, já bateram foto, já vão ajeitar aí. Ainda está um pouquinho, mas eles já vêm fazer isso aí. Não sei quando, mas vêm, entendeu? Depois desse curso daqui, que já deu início. Não, foi antes. Entre o intervalo da máscara, estava esperando, preparando o documento e deixando acalmar mais, por causa do acúmulo de alunos que ia ter, o problema da Covid. Mas aí entrou de carrão o DEMA, fundo DEMA, que foi uma... daquele do boi, Haidar, daquele do boi que mata... como é? Haidar, né? É. Do boi. Morreram cinco mil, parece, que foi, bois. Aí que foi para o Ministério Público, o fundo DEMA foi, entrou e ainda pegou quase quatro milhões, que era justamente para aplicar. Eles queriam mais para plantio, criação de peixe, mais assim, né? Mais para a área quilombola. Esqueci agora o nome que dá, para as famílias tradicionais. E aí eles viram a demanda muito grande de lideranças lutando para conseguir uma sede. Então, o DEMA dividiu esse dinheiro para todos eles, para quem quisesse fazer. E aí sabe o que elas faziam? A DEMA, por isso que eu tenho maior confiança no trabalho dela, que ela faz aquilo: fazer acontecer. Então, a gente tinha reuniões locais, fazia oficina, entendeu? Aprender como fazer o orçamento, dava ideias, se a pessoa queria pegar o dinheiro e comprar, mas tinha, tudo, que ter nota fiscal, entendeu? E muitos se perderam, porque foram comprar para economizar, pensaram que tinha que economizar sem nota fiscal, demorou muito a prestação de conta. Mas, graças a Deus, já foi tudo resolvido, já peguei a última parcela, que justamente não foi mais para a construção, senão a gente já estava aqui bem adiantada, foi com materiais, equipamentos.
(02:06:59) P1 – Então, hoje a associação funciona dessa forma?
R1 - Fez. Ela só fez esse curso. Aí, quando construiu, entregou na chave e logo em seguida entrou o curso Digitando Cidadania. Um foi em cima do outro, estou te falando que foi uma coisa assim, sabe, inacreditável o que eu estava vendo acontecer. Só Deus mesmo me dá essa força, essa inteligência, essa maneira de eu agir, sem ter muita experiência. Eu não sou contadora, não sou advogada. Isso foi pelo dia a dia da nossa vida, na nossa vivência. E conforme a gente vai ouvindo a necessidade de cada morador, aí a gente vai ouvindo: “Olha, eu quero fazer a básica”. Nossa, dava longo no começo muita gente. E quando esse curso terminamos, está a inauguração da sede aí, quando foi inaugurado, tudo aí. Quando foi construído, foi inaugurado. E aí veio o curso justamente da Digitando Cidadania, feito depois do barracão estar pronto? Já ganhamos a terceira... Era uma? A terceira. Esqueci agora o nome, meu Deus do céu! A outra parcela. Aditivos. E justamente que foi comprado esse material, não tivemos para coisa. Estão querendo agora uma pessoa que venha colaborar, para a gente terminar essa sede. Colocar as janelas, que isso ainda, acho que até antes de morrer eu ainda consigo. Mas é isso, é a força boa de vontade, minha força. E ainda tem pessoas que falam, tem pessoas que ainda me odeiam. Isso tudo, tudo isso eu relevo.
(02:09:24) P1 - É por amor que a senhora faz?
R1 - É por amor. Chega um funcionário, um secretário, um vice-secretário: “Dona Rosa, você está todo esse tempo lá na associação? E por que não troca? Por que a senhora está lá?” Assim mesmo. Eu conto a minha situação de saúde. “E por que a senhora está lá?” “Meu amigo, você sabe a palavra que é amor? Amor, tu pode... tudo tem um pouquinho. Não precisa mais te dizer, só dizer que é amor”. Sem interesse de nada, eu não ganho um centavo. Eu que ainda pago as contas da associação. É difícil um pagar. Esse rapaz aqui que fez esse trabalho aqui, a associação emprestou a energia e a água. Ele mandou só cento e cinco reais. Estou com três papéis de água aqui e um de energia. Já até paguei um da energia, só tem três papéis. Com o meu dinheiro. Olha, Deus é tão maravilhoso, minha filha, porque tu não sabe quanto eu... e os meus filhos, assim, trazem para quem? Aí eu já puxo para cá, entendeu? “Mamãe, já é para a associação!” Assim, eu fico cobrada. Tu não imagina o quanto eles me cobram! Tem as vezes que eu fico zangada. Eu faço até escondido, tudo escondido. Não conto nada para eles, não participo quase... eles nem participam nada aqui.
Não tem esse negócio de família estar envolvida aqui, é só eu. Tenho o maior cuidado com as coisas da associação. Não tem um material desse aqui da associação na minha casa. Tanto prova que o computador... eu queria até botar um para eu aprender lá, porque eu já esqueci. O tempo, quantos anos eu fiquei sem computador? Agora que eu ganhei esse do último, o computador completo, porque queimou o CPU. Fiquei quase dois anos sem nada fazer. Só na boca, entendeu? E eu pagando, entendeu?
(02:11:37) P1 - Para a associação sobreviver ela precisa do quê?
R1 – Olha, pagar as mensalidades que ela paga: água, luz, manutenção. Se você vir aqui no canto, já tem infiltração, entendeu? Os pombos deram ali, derrubaram três folhas de PVC. Tudo isso eu tenho que pagar, porque ninguém faz de graça. Não tem morador que venha se disponibilizar para dizer: “Dona Rosa, eu faço, é para a associação”. Parece que a associação não vale nada para eles.
(02:12:07) P1 - Mas eu digo para ela sobreviver, ela precisa do apoio da comunidade?
R1 - Precisava. Precisava muito do apoio, justamente. Com esse salário, com esse dinheirinho que ia receber... por exemplo: se tiver trezentas famílias, porque a gente não conta nem casa, porque família tem gente que faz duas, três casas num terreno só. Já aumentou. Mas a gente está contando com mais de dois mil e poucas famílias aqui, que tem gente que faz três casas num terreno. Aumentou. Quando a gente manda uma coisa assim: “Olha, estou precisando”. Mando foto, comprovante. “Estou devendo isso aqui, me ajude” “Isso aqui não pago”. Não dão nem ‘tchum’.
(02:12:54) P1 - Então, além da comunidade, ela precisa participar desses projetos?
R1 - Precisa participar. Quando se fala nisso aqui, é o egoísmo, é muito grande. Muito grande. Eu acho que eles criam esses projetos e pensavam que eu estava ‘nadando’ no dinheiro. Eu só imagino isso. Se é ela, se dane para lá. Ouve também o outro morador: “A senhora está aqui porque quer”. É só assim. Morador que eu fui denunciar, não denunciei, mas fui notificar, principalmente lá para o SPU, que houve uma invasão numa área aí, que era a rua. Até hoje ela diz assim: “Eu lhe odeio”. Eu não fui na casa dela, não a notifiquei, ninguém foi para a polícia, nem nada. Eu só fiz levar para eles, lá, para eles terem conhecimento. E tudo isso aí, o que eu já peguei de deboche. Tem gente que diz assim: “Sai da frente da minha casa”. Tudo isso é ouvido.
(02:14:08) P1 - E o outro lado? Imagino que também tenha muita gente que agradeça.
R1 - Agradece. Aqueles que foram beneficiados, que vieram aqui, eu conto com eles, porque esses que são contra a minha gestão, o meu trabalho, que não querem nem saber como é que eu faço, são poucos. Então, para mim, eu sou mais aqueles. Agora, eles são muito acomodados. É por isso que quando dá a eleição, eles nem querem comparecer. Se tem outra chapa, eles não querem nem saber. E eu acabo ficando. Eu não vou ‘jogar a toalha’, para outro vir destruir, ou já pegar feito, que eu tenho ciúmes com as coisas daqui, Deus me livre! Cuidado, para durar mais.
(02:14:58) P1 - Qual que é a sua maior alegria, hoje?
R1 - Hoje, primeiramente eu ter saúde, ter vida para poder continuar nesse trabalho. Ter força, ter energia, a compreensão das pessoas. Realmente, aqueles que que querem que realize. Eles estão vendo saindo frutos, o que está acontecendo na comunidade. Eles falavam tanto assim, mas agora eles estão vendo que realmente não é a prefeitura que se preocupa e sim uma liderança que leva os problemas para lá e eles têm que trazer para cá, de benefício. Parece que está caindo na ‘cachola’ deles, que realmente tem que se unir com a liderança. Eu passo fome, chego na hora, vou comer coisa errada, porque passo da hora da alimentação e estou em reunião. Não paro. Se eu lhe mostrar da IBS o que eu já perdi e já tenho outra marcada, para Belém. Era para eu estar tudo nisso aí. Já estou parando porque, justamente, eu tenho horário, se for tenho que levar a caixinha da insulina, tem que estar me acompanhando, tem minha companheira agora. Então, a minha maior satisfação é de ter realizado, ter erguido esse centro comunitário e já está acima, já está pouco, já está para ver uma empresa que realmente possa me ajudar. Até à prefeitura já pedi. Eles dizem que não podem: “A senhora quer que eu viva presa, não sei o quê?” É assim que é a desculpa deles, entendeu? Porque isso aqui não é nada para eles fazerem. Isso que eles estão fazendo é a comunidade perder oportunidades. O que eu já perdi de oportunidade? Curso do Senai. Curso para costureira. Curso de empreendedorismo, dada pela prefeitura, porque eu não tenho carteira. Não está feito com segurança, para eles colocarem um quadro para ficar, já terminar a reunião do curso, porque o curso não vai durar só um dia. Então, é a segurança daqui. Aqui eu fecho e, de madrugada, eu me acordo e venho andar aqui, na rua. Com uma lanterninha, qualquer barulhinho eu já venho olhar. Quem vigia sou eu. Ainda tem a vigilância.
(02:17:40) P1 - Hoje a rotina da senhora, como que é?
R1 - A minha rotina. (risos) A minha saúde, cuidar da minha saúde, ir para médico, fazer exame, participar das reuniões, de cursos de formação, cuidar da minha casa, que mora só eu e Deus. Tem coisa para homem fazer, eu já não faço, porque sou limitada. Mas eu vou conseguindo, sabe? Conciliar todos aqui. Um pouquinho daqui, pouquinho dali. Tem pressa para cá? Então, priorizo. Já vou fazer isso aqui. Deixo para depois. Minha casa está cheia de louça para eu lavar, entendeu? Então, eu largo alguma coisa, porque eu sei que isso aqui a oportunidade é única. Então, eu já priorizo. Isso aí, mais tarde eu já faço, entendeu? Então, essas são as coisas que eu vou, do dia a dia, fazendo. Mando pelo Zap, convido, curso para cá, curso para ali. Mando todas as informações que eles me mandam. Mando, jogo no grupo. Tem gente que sai do grupo para eu não cobrar, entendeu? Às vezes passo, eu venho de lá da rua, cansada, um solão, com dor na minha perna, que é o problema da coluna, que eu tenho hérnia de disco. Às vezes, eu pedindo a Deus: “Meu Deus!” Dou uma parada, encolho a minha perna, que tem aquele problema do ciático, nervo ciático. Aí eu venho andando, parando a minha perna, encolho a minha perna, passa gente que não diz assim: “Dona Rosa, a senhora quer uma carona, para lhe levar?”
Passa do lado. E às vezes não dá nem bom dia, que é tão de graça, Deus é tão maravilhoso. (02:19:44), porque um carinho deles, um bom dia, isso me eleva mais a minha estima. Um bom dia deles, carinhoso. Então, isso aí eu não tenho. Passa de carro, não dá um adeusinho, não dá nada. Então, eu acho assim: por isso que eu te digo que é uma luta muito árdua quem é a liderança, realmente, que luta pelos seus direitos, pelo direito coletivo, larga tudo o que você tem para fazer. Perdi já consulta, eu já perdi exame. Às vezes, quando eu tenho uma reunião, eu já vou lá no laboratório e peço para mudar até o dia, porque naquele dia eu tenho reunião. É assim que eu faço.
(02:20:38) P1 - Ao mesmo tempo que a senhora é a voz da comunidade, é os ouvidos quando vai nas reuniões, não é? É isso.
R1 - Mas aqui, quando a gente convida para uma reunião, não querem. Tem gente aqui, se você passar, não conhece ainda a associação. E aqui é um local que entra e sai de gente. É gente vendendo casa, entra novo morador, entendeu? É assim. E aí, quando entra o morador, o que vendeu não diz: “Olha, tem uma associação, tem isso”. Não. Porque eles não pagam, aí acham que não tem direito nenhum de ajudar, nem orientar aquele que tem que se cadastrar. Olha, já tem que fazer uma nova, de novo, chamada para cadastramento, porque tem muita gente novata aqui. Muita gente. Que não conhece que é a presidente, não conhece que tem uma associação. Agora, tem essa aqui, que tinha, que eu mandei fazer, depois que fizeram essa puxada, escondeu. Do DEMA já mandei fazer isso aqui. O do DEMA deu dinheiro (02:21:49).
Não teve dinheiro nem para pagar o transporte para ir buscar. Ele me aconselhava para comprar aqui. Eu digo não, nem aqui. Não tem transporte para ir buscar. Foi uma moça que eu vi, que eu abri ali, ela estava aqui na frente da mãe dela: “’Mana’, me dá para pegar uma televisão”. Até televisão tem aí. Falta só instalar. Tem o... como é que dá o nome? Eu chamo... mas é outro nome que dá, agora, tecnicamente, não é assim. Mudou. Era o Datashow, agora não é, é outro nome. Como é? Era o Datashow, agora está aí, novinho, entendeu? Tudo eu comprei o que era necessário mesmo para dentro da comunidade, para dentro da associação, para que, na hora de uma necessidade, quer fazer uma reunião, já tem o Datashow, entendeu? Tem tudo isso aí. Tem central de ar, tudo tem aqui.
(02:22:52) P1 – Dona Rosa, estou ouvindo a senhora me contar, estou entendendo que é um passinho por vez, mas tem muita coisa realizada, não é?
R1 - Muita, muita. Tem muita coisa realizada. E falta realizar.
(02:23:04) P1 - Me fala um sonho.
R1 - Um sonho? Eu acho de... o sonho é o de eu realizar tudo o que eu penso, tudo o que eu quero. Esse é um grande sonho, porque eu não sonhar... eu tenho que sonhar acordada. Não sonhar dormindo. Acordada porque tem coragem de ver quem está contra, quem está a favor, quem está querendo ajudar, quem está estendendo a mão, entendeu? Eu não sei nem para onde vai essa minha entrevista, mas eu creio que vai ser bem aproveitada, então... com todo o meu prazer de estar com vocês aqui, eu nem fome não tenho e faço uma ideia vocês, que nem merendaram, também. Mas eu fico muito contente, porque onde eu ando aqui: “Ê, Dona Rosa”. Assim, quando eu vou passando: “Oi, oi. Bom dia!” “Bom dia!” (risos) Aí, eu acho graça, meu Deus! Tão maravilhoso Deus é. Dar uma palavra, um bom dia, de graça. Passa ao meu lado. Aí, eu que dou o bom dia, entendeu? Aí, eu vou analisando, conhecendo as pessoas, a personalidade de cada um, como é que ele trata as pessoas. Se tu não dá um bom dia durante o dia, para uma pessoa... em casa, como é que ele se acorda?
(02:24:48) P1 - Qual é o grande aprendizado dessa vida, Dona Rosa?
R1 - Muito. É isso que, de onde eu vim, para ter essa sede de conhecimento, isso é maravilhoso. E esse conhecimento, saber usar. Não ficar só para si. E esse conhecimento eu quero pôr em prática, porque eu tenho uma experiência... eu não vim lá do alto, eu vim de baixo. Então, eu sei da vala, até subir numa goiabeira. Então, isso aí é uma... que eu levo para mim, tem horas que eu fico: “Eu tenho que fazer”. É como aconteceu na minha infância, até para arranjar emprego era assediada. Largava, não ia mais fazer entrevista. Era assim, muito perseguida. Mas eu tinha ‘dedo podre’ para marido, né? (risos) Mas é assim mesmo, a vida da gente é essa, né? E depois eu escolhi: eu vou é cuidar da minha vida.
(02:26:20) P1 – A senhora está sozinha hoje?
R1 - Estou, estou. Há 21 anos.
(02:26:26) P1 - Está bem?
R1 - Graças a Deus! Bem. Então, isso aí... nem namorado eu não tenho, nem nada extra, nada, nada, nada, nada, nada. Eu ponho a minha fé na coisa de Deus, Ele que vai me guiar, Ele que foi, põe assim as coisas que penso. Claro que a gente é humano, pensa, né? Mas eu digo: “Olha, eu já vivi, já me estraguei um bocado dos meus sentimentos. Então, eu quero ‘botar’ o meu sentimento mais saudável”, não é mesmo? Tem esse negócio de online, né? De coisa assim, que eu fico só escutando e tirando a graça, né? Eu rindo. Aí o camarada fala: “Eu quero arranjar uma mulher”. Como é que o ‘cara’ é fazendeiro está procurando mulher? Aí a pessoa, olha como é que estuda, né? Um fazendeiro quer procurar mulher. Ainda de setenta anos, entendeu? Ele quer para ser mãe dele, entendeu? E a gente não tem que se iludir com isso. Então, isso aí traz... tudo isso é aprendizado. Eu vou aprendendo como é a mídia, como a gente tem que lidar, né?
(02:27:40) P1 - A prioridade é outra, né?
R1 - É. Muito. Eu sei aproveitar os meus dias de vida que eu tenho, entendeu? Bem vivido. Eu, graças a Deus, não sou inimiga de ninguém. A gente tem inimigo, mas eu não sou inimiga de ninguém, entendeu? Às vezes tem gente que se incomoda com o meu silêncio dentro de grupos, porque grupos acham que têm muito álibi para falar, criticar e fica debochando e fica falando isso aqui, isso aqui está errado, isso aqui está... eu fico na minha. O meu silêncio fala muita coisa. É. Porque eu vou analisando o tipo de personalidade que a gente está vivendo. A gente vive com tanto tipo de personalidade, que a gente vai aprendendo a escolher. Então, isso aí, gente, pela vida que vocês estão me... coisas que eu tinha até esquecido. Tanto prova (risos) que eu procurei essa minha foto, mas eu vou mandar. Eu vou ver se o rapaz dali do (02:28:56) tem possibilidade de buscar o começo da nossa luta aqui, que foi até com o ministro... não é ministro, não. Como é? Felício Pontes. Conhece, né?
(02:29:17) P1 - Como é que foi, Dona Rosa, para a senhora relembrar a sua história e contar para a gente?
R1 - Olha, quando tu me despertaste: “Dona Rosa, eu quero história. Assim, lá da sua juventude, sua criança” eu disse: “Meu Deus, eu não tenho nenhuma”.
(02:29:33) P1 - Não, não. Como é a sensação de contar a história?
R1 - Sabe que é uma coisa que estava acumulada? Eu não falava para ninguém. Eu estou me abrindo com vocês, contando coisas que eu nunca contei do meu pai. Não era só do meu pai, sabe? Eram tios, cunhados, sabe? E eu me defendendo. É por isso que eu digo assim: “O sofrimento traz a esperteza da criança que eu era, em saber me defender, não me aproximar”. Eu já sentia. Tem um porém aí: até pra abraçar meus filhos eu tenho medo, sabe? Porque veio da minha família. É uma coisa que eu nunca contei, estou contando agora.
(02:30:39) P1 – Foi bom se abrir, também? Tem uma parte boa nisso?
R1 – Nunca tinha falado pra ninguém. Fica comigo mesma, nunca tinha falado. Vocês me exploraram, viu? (risos) Tiraram lá do meu subconsciente. (risos)
(02:30:56) P1 – Mas não é bom reconhecer a força?
R1 – Ótimo, é um alívio, sabe? Outro dia estava na IBS, tem horas que eu fico (02:31:05) e então eu fico com tanta coisa ruim, aí eu já paro. Coisas de lembranças ruins. Aí eu digo: “Tenho vontade de fazer um diário, alguma coisa assim”, sabe? Pra ver a luta, porque a gente não é reconhecida. Um trabalho desses não é reconhecido. Mas eu trabalho com tanto amor, de querer ajudar, eu ajudo as pessoas trazendo esse curso pra cá e quero trazer mais pra cá. Essa é a minha maior satisfação: fazer o bem sem olhar a quem, entendeu? Que fale! Isso faz crescer. Quem que vive? Nem Jesus agradou, faça uma ideia eu! Não tem.
(02:32:02) P1 – O importante é que quando a senhora deita na cama, a cabeça...
R1 – Durmo tranquila, porque eu não tenho o que pensar e dizer assim: “Meu Deus, eu maltratei alguém, fui com ignorância com alguém, então fiz mal a alguém”.
(02:32:16) P1 – Pelo contrário, né?
R1 – Pelo contrário. O que cair na minha mão, que eu puder ajudar, eu estou pronta pra ajudar. E eu estou querendo avançar de novo com curso pra cá, que eu estou cheia de computadores aí pra avançar com cursos, de novo voltar e quero também ‘botar’ máquina de costura pra aqueles principiantes, porque o que a IBS – só juntar esse pouquinho, depois tu joga pro começo – fez foi reaproveitar essas mulheres. Agora já tem... elas estão trabalhando agora com profissionais. Então, acho que você vai saber disso, a Estilo Barcarena. Ela já tem... como é? Esqueci agora como é a forma que trabalham, meu Deus, que ela já tem. Se associaram, tamparam tudo, fizeram CNPJ, tudinho, estão trabalhando na construção de qualidade, encomenda de empresas. Aí já aproveitaram essas mulheres, que já (02:33:29). Olha, se te contasse um relato de mulher que não tinha experiência de nada, aí quando veio a costura: “Não sei fazer nem pra dobrar isso aqui” e já vinha aquele grupo pra ensinar, dava força, está errado. A costureira vem: “Não, faz assim”. Estão aí, no meio das mulheres de Barcarena. Olha, elas fizeram a roupa da presidente, esqueci o nome dela, que é junto com o (02:34:07), presidente titular, fez dois vestidos e ela vestiu lá na Noruega, em uma apresentação que ela foi fazer e fez o relato: “Esses dois vestidos aqui eu vou usar em duas...”, fizeram o vestido pra ela, as costureiras aqui. Então, isso traz um resumo, uma... ela pode dizer: “Olha, lá em Barcarena estão fazendo isso, tem grandes profissionais”. Aquelas mulheres que estava praticamente sem valorização profissionalmente.
(02:34:45) P1 – Eu consigo ver o brilho nos olhos da senhora, falando isso.
R1 – É verdade. Eu tenho... fiz parte disso também. Elas estão hoje em dia como estão através dessa máscara. Então, isso aí é um grande testemunho, uma grande... e eu estou mais ainda: ainda teve mais oitenta mulheres que estão dentro da Hydro como profissionais, que parece que estão se engajando, devagar, mas sem curso, sem profissão pegaram essas mulheres, que agora que estão se capacitando pra entrar.
(02:35:24) P1 – Muito orgulho, né?
R1 – Muito. E faço parte da IBS, a gente está junto. Como eu até relatei que lá, por exemplo, com nove pessoas a gente fica debatendo cada situação de cada comunidade, como é que a gente faz, aí sugere. Eu até falei: “Isso aqui é um laboratório de pensamentos”. A gente vai pra realizar, depois joga pra lá, vai pra Hydro, mostra lá o que tem que fazer, chama o pessoal da administração da Hydro e vão fazer pesquisa, vão olhar, está tudo ok, tudo bem. Isso é uma satisfação. É a valorização. Em cada ponto que a gente esteja seja valorizado. Sou bem atendida, bem recebida, com todo respeito, maior consideração. Sou bem considerada.
(02:36:16) P1 – Que bom! Dona Rosa, a senhora teve quatro filhos, tem netos?
R1 – Cinco netos.
(02:36:22) P1 – Que história bonita!
R1 – Aliás, dez netos e cinco bisnetos. (risos)
(02:36:28) P1 – Quatro filhos, dez netos, cinco bisnetos!
R1 – Já ia esquecendo o principal. (risos)
(02:36:36) P1 – Por último, qual o legado que a senhora... ainda tem muito trabalho pela frente, mas a senhora já tem um legado enorme!
R1 – Isso aí é felicidade mesmo, de realizações até nesse ponto que eu cheguei e daqui pra frente vai se realizar mais, na fé em Deus. Ele que me ajuda, eu O ponho na frente. Está só eu, Ele me ajuda. Vou pra rua: “Senhor, em acompanhe, que lá vai dar tudo certo” e dá certo. Encontro pessoas boas, sorridentes, felizes, que eu não sei o nome de vocês, mas vocês estão aqui e eu fico muito grata pela visita de vocês e de vocês terem me escolhido pra poder eu fazer esse relato.
(02:37:24) P1 – A gente que agradece.
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