Entrevista de Simão Salgado da Silva
Entrevistado por Sofia Tapajós
Caetés, 14/06/2025
Projeto: Vidas, Vozes e Saberes em um Mundo em Chamas
Entrevista número: PCSH_HV1460
Realizado por Museu da Pessoa
P/1 - Entrevista de Simão Salgado da Silva, entrevistado por Sofia Tapajós, Caetés, 14 de junho de 2025. Projeto Vida, Vozes e Saberes em um Mundo em Chamas, entrevista número PCSH 1460. Bom, seu Simão, mais uma vez, obrigada.
R - Eu é que agradeço, eu que agradeço.
P/1 - Queria começar perguntando seu nome completo, local e data de nascimento.
R - Meu nome completo é Simão Salgado da Silva. A localidade aqui é Sítio Pau Ferro. E estamos aqui no município de Caetés.
P/1 - E qual o lugar que o senhor nasceu?
R - Eu nasci, a minha naturalidade é de Capoeiras. A data de nascimento é 20 de outubro de 1948.
P/1 - E qual que é o nome dos seus pais?
R - Pedro Saguardo da Silva e Josefa Brandina da Silva.
P/1 - Eles são naturais de Capoeiras também?
R - Naturais de Capoeiras também.
P/1 - Você sabe como eles se conheceram?
R - Na verdade, naquelas épocas, não tinha as tecnologias de hoje que se conhece através do WhatsApp. Naquela época, a juventude se encontrava em festas religiosas, tinha muito terço na época, rezava terço em homenagem a São Sebastião, Nossa Senhora Aparecida, São José, que é o padroeiro de Capoeiras. E aí todo ano tem as festas de São José, no mês de março, e a juventude da época se encontrava nessas festividades. Existia também muito reisado na época, tinha reisado, né? Rezava novenas, diversas diversões que existiam, cultural da época, a juventude se conhecia, se namorava e terminava casando.
P/1 - Simão, você sabe como escolheram o seu nome?
R - Para falar a verdade, eu acho que eles quiseram colocar o meu nome devido um tio meu e padrinho de batismo era Simão Godóis da Silva. E aí acho que meus pais quiseram colocar esse nome pra deixar um símbolo do nome da família.
P/1 - Você...
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Entrevistado por Sofia Tapajós
Caetés, 14/06/2025
Projeto: Vidas, Vozes e Saberes em um Mundo em Chamas
Entrevista número: PCSH_HV1460
Realizado por Museu da Pessoa
P/1 - Entrevista de Simão Salgado da Silva, entrevistado por Sofia Tapajós, Caetés, 14 de junho de 2025. Projeto Vida, Vozes e Saberes em um Mundo em Chamas, entrevista número PCSH 1460. Bom, seu Simão, mais uma vez, obrigada.
R - Eu é que agradeço, eu que agradeço.
P/1 - Queria começar perguntando seu nome completo, local e data de nascimento.
R - Meu nome completo é Simão Salgado da Silva. A localidade aqui é Sítio Pau Ferro. E estamos aqui no município de Caetés.
P/1 - E qual o lugar que o senhor nasceu?
R - Eu nasci, a minha naturalidade é de Capoeiras. A data de nascimento é 20 de outubro de 1948.
P/1 - E qual que é o nome dos seus pais?
R - Pedro Saguardo da Silva e Josefa Brandina da Silva.
P/1 - Eles são naturais de Capoeiras também?
R - Naturais de Capoeiras também.
P/1 - Você sabe como eles se conheceram?
R - Na verdade, naquelas épocas, não tinha as tecnologias de hoje que se conhece através do WhatsApp. Naquela época, a juventude se encontrava em festas religiosas, tinha muito terço na época, rezava terço em homenagem a São Sebastião, Nossa Senhora Aparecida, São José, que é o padroeiro de Capoeiras. E aí todo ano tem as festas de São José, no mês de março, e a juventude da época se encontrava nessas festividades. Existia também muito reisado na época, tinha reisado, né? Rezava novenas, diversas diversões que existiam, cultural da época, a juventude se conhecia, se namorava e terminava casando.
P/1 - Simão, você sabe como escolheram o seu nome?
R - Para falar a verdade, eu acho que eles quiseram colocar o meu nome devido um tio meu e padrinho de batismo era Simão Godóis da Silva. E aí acho que meus pais quiseram colocar esse nome pra deixar um símbolo do nome da família.
P/1 - Você conheceu ele?
R - Conheci. Eu me criei com ele, pra falar a verdade.
P/1 - Como que ele era?
R - Era um cidadão agricultor, trabalhador, respeitado na região, na comunidade, ele era uma liderança na comunidade. Todo mundo que conhecia ele, quando tinha qualquer dificuldade, algum problema familiar, pessoal, aí sempre procurava ele pra ele aconselhar, orientar como sair daquela situação. Ele era um líder comunitário, que tinha uma experiência e ele organizava aquela comunidade, a vizinhança, aconselhava, às vezes defendia até de uma possível confusão mais forte na família, na vizinhança. Ele era um cidadão muito respeitado.
P/1 - E você falou que foi criado com ele, como que era esse lugar?
R - Era comunidade Sítio Piado, município de Capoeiras. Em 52, no Nordeste aqui, foi uma seca terrível. Eu tinha quatro anos de idade e eu era muito doente, era pequenino e doente, e meu pai precisou se deslocar do município de Capoeiras para o Paraná, para trabalhar no café lá no Paraná, para adquirir a sobrevivência da famíli. E aí, como eu era pequeno e um pouco doente, eles achavam que eu não resistia à viagem para chegar no Paraná. Porque naquela época era pau de arara e eles gastaram 17 dias de viagem de Capoeiras a Maringá, no Paraná. E aí, eles já sabiam dessa trajetória, aí eles achavam que eu não resistia a essa viagem. Falou com o meu tio, que era tio do meu pai, eu já era tio segundo, ele era tio de primeiro grau do meu pai, e ele também era meu padrinho. Aí ele disse, “tio Simão”, ele chamava até tio Simão, “tio Simão, eu vou deixar o Simãozinho com o senhor e vou para o Paraná com o mais velho que era o mais forte, quando eu me estabilizar lá eu volto e venho buscar ele”. E aí por esse motivo eu fiquei. O que aconteceu é que quando foi em 65, o meu pai voltou do Paraná e veio me buscar, mas quando chegou aqui, ele olhou pra mim e disse, “meu filho, eu vim lhe buscar, mas não vou lhe levar”. Eu disse, “por quê, papai? O que é que tá acontecendo?” Ele disse, “é que você aqui, com seu pai adotivo, você está melhor do que os seus irmãos que estão comigo no Paraná. Porque aqui eles estão cuidando muito bem de você, estão lhe dando educação, estão fazendo o máximo com você. E lá, como eu sou trabalhador lá da... das grandes fazendas de café, os seus irmãos não têm o conforto que você tá tendo aqui. Então eu vou deixar você à vontade aqui. Quando você tiver um pouquinho mais maduro, como se diz no ditado nordestino, você precisa ir lá, pro modo de rever sua mãe, seus irmãos, mas eu não tô me achando com coragem de tirar você daqui desse conforto que você tá e levar você pra Paraná”. Foi essa a história.
P/1 - E aí voltando ali para 1952, você tem alguma lembrança dessa seca?
R - Tenho. Essa seca de 52, eu ainda me lembro dela, foi uma seca terrível. Não se lucrou lavoura na região. Na época não existia os comércios de hoje, de mercado [tosse], desculpe, que hoje a facilidade é grande. Porque quando faltam cereais aqui na região, os comerciantes ligam pra São Paulo, Paraná, o Mato Grosso, Rio Grande do Sul, enfim. E aí quando é com dois, três dias encosta carretas e mais carretas de cereais. Naquela época era tão sofrido porque não existia transporte, assim, com grande facilidade de... trazer cereais de fora, era uma dificuldade muito grande. E aí nessa seca de 52, o que aconteceu: As famílias agricultoras daqui da região, eles se deslocavam daqui para a divisa de Pernambuco com Alagoas, e às vezes até para Alagoas mesmo, para trabalhar na cana. E aí lá trabalhavam no corte da cana, na limpagem de cana, plantação de cana, e ganhava um dinheirinho e sempre a cada 15 dias eles vinham trazer mantimento para a família que ficava em casa. A mulher, os filhos, traziam um mantimentozinho, e voltava pra trabalhar no corte da cana novamente. Até quando passou essa fase da seca, que aí os agricultores retornaram, retornavam e começaram a plantar a sua lavoura de milho, feijão. Naquela época se produzia muita batata, jerimum e macaxeira. E aí era onde tiravam a sobrevivência.
P/1 - E aí na sua infância nesse sítio, como que você consegue descrever como era o sítio, a paisagem, as plantas?
R - Naquela época havia muita vegetação natural, né? E tinha aí roça de plantações, nós plantávamos milho, feijão, plantávamos muita mamona, algodão, feijão de corda, mandioca, plantava mandioca também. E eu me criei na roça junto com meu pai, ajudando na colheita de algodão, de feijão de corda, de mamona e também no cultivo do milho e do feijão. E também ele criava também umas duas, três vaquinhas, que aí depois, quando passou a fase da seca, aí as coisas foram se modernizando mais, melhorando, né? Aí ele conseguiu umas duas vaquinhas e eu ajudava no cuidado dos animais, tirando a ração, ajudava no leite, e assim eu me criei nessa, nesse manejo de agricultor.
P/1 - Entendi. E quando você não estava na roça, tinha alguma coisa que você gostava de fazer?
R - Sim, eu gostava muito de bater uma bolinha, apesar que eu fui muito ruim jogador de bola. E também ainda frequentei um pouquinho a escola. Eu não aprendi bem a ler, porque o meu pai era “carrancista”, naquela época eram todos, e ele dizia que estudo de pobre era cabo de enxada. Aí não deu muita oportunidade de eu estudar, mas, mesmo assim, não impediu que eu frequentasse uma escola. Aí eu aprendi a assinar o nome e leio muito pouco, mas ainda leio uma coisinha. E aí a diversão era essa, final de semana ia para um campinho de bola. Naquela época existia também uma história de uns “praudos”, pessoas com cavalo que faziam aposta para o cavalo que chegasse primeiro. E até gente a pé também tinha essa cultura de “praudo” de gente a pé correndo. Saiam os dois e o que chegasse primeiro era o vencedor. E a gente frequentava muito isso.
P/1 - E você tinha comentado das festas religiosas, dos reisados, você tem alguma lembrança?
R - Tenho, sim. Tinha a festa de São José, tinha a festa de Nossa Senhora das Dores, tinha os terços, as novenas e a gente frequentava também. Festa de final de ano, Natal e Ano Novo, a gente ia também para a cidade, se deslocava do sítio, da zona rural, para a cidade, que aí tinha festa, missa de Natal, missa de ano, e a gente frequentava, toda essa cultura a gente frequentava, que até hoje ainda existe, Natal e Ano Novo, não acabou. Mudou, daqueles tempos que eu alcancei hoje, é tudo diferente, mas continua.
P/1 - Tem alguma história em alguma dessas festas que você lembra um momento?
R - É, as namoradinhas, né? Na época, quando eu fiquei rapazinho de 16, 17 até 18 anos, aí a gente ia para as festas e aí ficava movimentando ali no meio do público. E aí de repente passava uma moça, a gente dava uma olhada, “Eita, aquela moça me agrada”. E aí a gente já começava a procurar ela e ter uma conversa e lá vai. E aí acontecia os namorozinhos, né? [risos]
P/1 - Você namorou muito nessa época?
R - Não muito porque eu me criei numa cultura que a gente respeitava muito os pais. E os pais da gente da época, eles eram “carrancistas”. Então eles não davam muita liberdade pra gente se soltar muito, não. Era meio preso. Mas a gente dava as “escapulhadazinhas” e namorava sim.
P/1 - E dessas festas, tinha alguma que era relacionada a algum evento da natureza? Alguma coisa da Caatinga?
R - Sim, tinha sim. A gente alcançou muito, eu da época e a minha família, a gente alcançou muito o que a gente chamava de adjunto, que era mutirão. Fazia mutirão pra ajudar uns aos outros. Por exemplo, fazia o mutirão pra lhe ajudar no final de semana, no sábado, pra limpar a sua roça, 15, 20 até 30 agricultores, se fazia aquele mutirão, limpava a sua roça, na hipótese que eu tô fazendo. Aí já ficava agendado pra no outro sábado vir pra minha roça. Aí fazia o mutirão, aí da minha roça já ficava marcado pro outro vizinho e assim tirava o ano todinho com essa cultura de mutirão que nós chamava de adjunto. E nesse adjunto tinha muita, ele chamava de cantiga de... Não me lembro, agora me deu um branco como era que eles chamavam. É que eles cantavam muito nos adjuntos, né, e aí surgia toada, repente, essas coisas. E sempre à noite tinha um samba, samba de coco, folguedo de roda que eles chamavam. Aí sempre tinha um jantar reforçado e depois do jantar aí tinha o samba de coco, o brinquedo de roda e daí por diante.
P/1 - Tem alguma cantiga ou toada, ou repente, que você lembre?
R - Depois que eu fiquei de idade, a memória “fracou” um pouco e eu não lembro muito bem. Eu só lembro que eu tentei lembrar do que eles cantavam na roça e até agora não estou conseguindo recordar. Mas tinha várias cantigas que o pessoal cantava, mas no momento agora me deu um branco, eu não lembro muito bem. Mas era mais toada mesmo, e os brinquedos de roda que eles cantavam.
P/1 - E como que eram esses brinquedos de roda?
R - Formava uma roda com homens e mulheres e cantava uma moda e saía trocando de par. Eu tirava você, aí dava uma rodada, aí você já me escanteava pro canto da roda, já pegava ele e assim sucessivamente fazia aquele rodeio trocando de par. E o samba de coco era um homem e uma mulher pegado na mão e dava um passo pra lá e outro passo pra cá e batendo o pé, e cantando uma moda.
P/1 - Legal. Teve algum desses mutirões, desses adjuntos que te marcou assim?
R - Todos eles pra mim, marcou, às vezes quando eu... Tiro um tempinho, que eu sento num lugar e eu fico imaginando como foi a minha infância, a minha adolescência para o mundo de hoje, que é totalmente diferente, me deixa muita recordação. E todos esses eventos me marcaram. Uns mais que outros, é lógico, mas todos me marcaram.
P/1 - E você ficou em Capoeiras até quando?
R - Eu fiquei em Capoeiras até 1986. 88, perdão. Em 88 eu me desloquei do sítio para a cidade. Fiquei quatro anos. Em 92 eu passei para o município Caetés.
P/1 – [tosse] Desculpe.
R - Sem problema.
P/1 - E como você sentiu essa mudança do sítio para a cidade?
R - Na verdade, quando eu saí do sítio, lá do próprio município de Capoeiras, para a cidade, a mudança foi, eu posso até dizer, que foi por uma ignorância minha mesmo. Surgiram alguns problemas familiares lá e eu desanimei, eu dige, eu vou mudar. Aí vendi o sítio que eu morava e mudei pra cidade, lá eu fiquei quatro anos. Mas eu senti naquele momento que não era o meu forte, não era a cidade. Aí foi quando eu retornei para o município de Caetés, comprei uma propriedadezinha, lá nessa propriedade eu devo ter ficado uns quatro anos, mas era uma propriedade pequena e o meu filho que mora aqui ao lado, é tanto eu que nem ele, a gente criava uns animais, umas vaquinhas. E ele um dia chegou em casa e disse, “papai, vamos ver se nós achamos um local com mais espaço, uma propriedade maior, porque aqui tá muito imprensado pra nós dois manter o nosso criatóriozinho”. Era pequeno, mas a propriedade também era pequena. Aí eu saí, sem querer mais, eu vim conhecer essa propriedade aqui, que eu tava sabendo que isso aqui tava à venda. Isso aqui era uma propriedade de 2 mil quadros, não era nem hectare, era 2.000 quadros, que equivale a 2.200 hectares, e o proprietário daqui já tinha falecido e os herdeiros, quando dividiram, colocaram à venda. E aí várias pessoas do Agreste e até de outra região saíram comprando terra aqui. Aí quando eu soube disso, foi quando esse filho meu falou assim, “papai, vamos comprar um localzinho maior, com mais espaço”. Aí um dia eu peguei o carro na BR, desci ali na entrada e aí vim olhar. Aí cheguei aqui e me agradei desse local aqui. Isso foi em 2008. Aí eu, quando voltei pra trás, eu disse a ele, “ó, eu olhei uma propriedade acolá, lá e eu me agradei. Vamos lá comigo, se você se agradar também, nós compramos uma propriedade maior”. Aí voltei com ele, mostrei por onde eu tinha passado aqui, um vizinho da gente já tinha comprado uma ali do outro lado, aí eu já sabia a divisa pra onde era, aí mostrei, digo, “ó, se agradou daqui?” “me agradei, papai”. “vamos comprar”. Aí nós compramos primeiro 12 hectares. Nos 12 hectares, foi onde eu construí essa casa, construí logo uma cisterna, que não tinha, depois que eu construí a casa e a cisterna, eu me passei pra aqui e não tinha energia. Nós “passemos” aqui seis meses no escuro, no candeeiro, usando vela, candeeiro de gás. Não sei nem se você sabe o que é candeeiro de gás, eu me criei no candeeiro de gás. Lamparina que chama. Após seis meses, eu tinha feito o pedido da energia, após seis meses foi que a energia chegou. Aí, quando a energia chegou, aí melhorou bem, a gente começou a investir em tecnologias aqui. Nesse meio tempo, as duas filhas minhas, a caçula e a outra encostada, elas... estavam estudando e surgiu uma oportunidade de uma matrícula para elas fazerem estudar no SERTA [Serviço de Tecnologia Alternativa], lá com o Tião, com o Roberto, com outros que não sei se vocês chegaram a conhecer eles. Dessa turma da época só tem Tião, os outros se afastaram já para outras atividades. Mas na época era Tião, Roberto, Moura, e aí surgiu a oportunidade de fazer essa matrícula e eles foram fazer, viver essa experiência lá de estudar técnico em agroecologia. Se formaram as duas. E eu também, na época, através do programa de cisterna, eu também fiquei fazendo parte das Cáritas Diocesana de Pesqueira, que trabalhava com o programa de cisternas e também trabalhava também a parte de agroecologia também. Aí juntou as duas coisas, as duas filhas minhas que se formaram em agroecologia e eu que convivia com a Cártias no mesmo ritmo de agroecologia, as Cáritas me levavam para intercâmbios fora do município, aqui na região do Sertão, também em outros estados, eu fui para Alagoas, fui para Rio Grande do Norte, fui para Paraíba, fui para Minas Gerais. E tudo isso nesse sentido de agroecologia. E aí eu fui buscando experiência e trazendo, e a gente começou a investir aqui em tecnologias de convivência com semiárido, um plano de convivência, onde a gente aprendeu a não desmatar, desmatar só o necessário. A gente aprendeu também a manter a propriedade equilibrada sem poluição, até hoje a gente mantém isso, aqui você não vê vidro jogado a céu aberto, você não vê garrafa pet jogada a céu aberto, copo descartável. Enfim, a gente mantém um equilíbrio, e a gente foi investindo e investindo que se tornou, através disso aí, se tornou uma propriedade referência, aonde a gente recebia visitas de outros estados, de outras instituições, vinha à universidade com alunos fazer pesquisa aqui, vinha escola do município, até de outro município, trazia os alunos pra ver a nossa convivência aqui, o nosso plano de convivência com o semiárido. A gente produzia mudas nativas e frutíferas e a gente comercializava com os visitantes. Se tornou uma propriedade sustentável, e a gente se sentia aqui bem com a vida, feliz com a natureza, e dando essas palestras com a população. Quando foi em 2014, chegou esse grande empreendimento aí, que começaram a se expandir aqui, se instalar em 2014, mas quando foi em maio de 2016, eles ligaram as turbinas. Quando eles ligaram as turbinas, a gente já percebeu de imediato que a coisa tinha dado errado. Aí veio o transtorno mental, na saúde, na produção, desmoronou tudo. E a minha esposa, que ela vivia de bem com a vida aqui, ela entrou num estado de nervo, num estresse, numa depressão, e um dia ela olhou pra mim e disse, “você vai esperar eu morrer pra poder tirar eu daqui num caixão?”. Aí eu não tive escolha, parti para a cidade, busquei uma casa de aluguel, coisa que nunca tinha acontecido na minha vida, eu aos 60 e poucos anos, na época, eu nunca tinha pagado aluguel, sempre morei no sítio, em propriedade minha, e fui para a cidade pagar aluguel, porque ela não estava mais suportando a situação de viver debaixo desse empreendimento. E aí quando eu parti para a cidade, aqui ficou abandonado, que até hoje continua abandonado. Hoje não está sendo mais uma propriedade de referência, hoje está sendo uma propriedade de pesquisa sobre os impactos que vem acontecendo na propriedade, na família, na produção, na roça, em tudo, enfim. Em lugar de ser uma propriedade de referência, hoje está sendo, para mim, está sendo um pesadelo. Porque eu deixei a vida, a minha vida de agricultor para viver na cidade, e o meu sonho que eu tinha aqui, que era um sonho realizado, se tornou agora um pesadelo para mim. Isso é muito desconfortável para mim. Às vezes, quando eu venho para aqui, que eu lembro como isso aqui era antes e o que está sendo hoje, às vezes eu choro, porque me dói o coração eu saber que foi uma coisa que a gente construiu com tanto amor, com tanto carinho e que mostrou que a coisa dava certo, que funcionava e hoje a gente ver isso aqui abandonado dói o coração, não tem jeito.
P/1 - Simão, eu vou voltar um pouquinho, eu queria te perguntar como que você chegou na Cáritas Diocesana?
R - Sim, pergunta muito bem. Aconteceu que a Cáritas Diocesana de Pesqueira, na época, ela veio construir cisternas no município de Caetés, Capoeira e região. E na época eu morava no Agreste ainda, e na minha casa não tinha uma cisterna. Aí eu me inscrevi na associação, que até hoje continua sendo via associação, eu me inscrevi na associação para conseguir uma cisterna. E consegui. E o que aconteceu foi até... eu acho até engraçado. Porque quando a gente construiu as cisternas, foram 17 cisternas no município de Caetés na época, primeiro investimento das Cáritas em Caetés, 17 cisternas, eu fui um dos contemplados. E aí quando finalizou a construção da cisterna, que botaram o cadeado na cisterna, tirou foto com a família, aí a Cáritas de Pesqueira, a coordenadora do projeto era Neilda Pereira, hoje ela está a nível de estado, mas na época ela era municipal, a coordenadora, ela propôs uma inauguração das 17 cisternas. E essa inauguração não foi uma festa, foi uma missa, celebrada pelo Pároco da Cidade em homenagem àquele benefício que beneficiou 17 famílias, e eu fui um dos contemplados. E a gente convidou o padre da cidade, não me lembro na época quem era o padre, isso foi em 2006, aí eu não lembro o padre da época, que aí já mudou de vários e eu não estou lembrado agora no momento. Mas o padre veio, nós reunimos as famílias beneficiadas e a vizinhança, e o padre celebrou a missa e no final era pra fazer os agradecimentos do acolhimento da família com pedreiros, com a instituição que construiu, o pessoal que forneceu o material de construção, enfim, todo um processo. E aí a coordenadora Neilda Pereira, ela disse, “seu Simão, o senhor é quem vai fazer essa fala de agradecimento ao pároco que celebrou, as famílias que foram beneficiadas pelo acolhimento, tanto da instituição como das empresas que forneceram material, enfim, o senhor vai fazer esse agradecimento”. Eu disse, “não [tosse], de jeito nenhum. Eu nunca peguei no microfone pra falar, nunca. Eu não sei falar em público, eu nunca falei em público. E não é eu que vou fazer esse agradecimento, é você que vai fazer essa fala”. Ela disse, “não senhor, eu escolhi o senhor e é o senhor mesmo”. Aí eu não tive escolha, né? Peguei o microfone, eu acho que até tremi, porque eu nunca tinha pego no microfone, mas aí falei do meu jeito, né, do meu jeito, eu nunca mudei minha fala. Eu falo do jeito que eu sou, do jeito que eu aprendi. Aí eu fiz a minha fala de agradecimento e ela gostou da ideia. Logo em seguida, deu início à programação de cisternas, e o que foi que aconteceu? Ela disse, “olha, o senhor está sendo escolhido agora para fazer o acompanhamento da construção de cisterna no município. O senhor foi um beneficiário, fez uma fala de agradecimento e eu lhe escolhi através da sua fala, eu lhe escolhi para o senhor ser agora um coordenador do programa no município”. Eu digo, “se você ver que eu tenho competência, eu aceito”. E aí eu acompanhei a programação de construção de cisterna, além da Cáritas veio a FETAPE [Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado de Pernambuco], que constrói cisterna no município, veio o PRORURAL [Programa de Apoio ao Desenvolvimento Rural Sustentável de Pernambuco], que construía cisterna, e veio o SERTA também, que construía cisterna também na região. E eu acompanhei todas essas instituições, e para melhor lhe dizer, foi construído 2750 cisternas de dezesseis mil litros, que eles chamam primeira água, no município de Caetés. 2750. E eu acompanhei todas essas construções de cisternas, coordenei elas. Depois veio um programa de cisterna calçadão, nós temos uma aqui, depois você vai ver. E aí foram 342 cisternas calçadão, que eles chamam de segunda água. Eu coordenei novamente toda essa programação. Através disso, foi quando a coordenadora foi me levando para intercâmbios no estado, fora do estado, e terminou me gratificando para o exterior. Foi quando me levaram para a América Central, eu passei para o El Salvador, Guatemala, Colômbia e Panamá. Fizemos uma rotina lá, nesses estados, lá da América Central, conhecendo a realidade de lá. E aí dei continuidade. Nesse meio tempo também me colocaram como diretor-presidente da Associação, eu passei uns oito anos na associação, e através disso também me arrastaram para dentro do Sindicato dos Trabalhadores Rurais do Município. Eu estou há 13 anos no Sindicato, fiquei 8 anos como diretor de política agrícola, agrário e meio ambiente, e depois me colocaram na presidência, eu estou como diretor-presidente do Sindicato, vai fazer 4 anos agora em novembro, nesse ano faz 4 anos. Esse ano vai ter reeleição e eu tô me candidatando novamente, se os agricultores, porque aí é a eleição do Sindicato, é votada pelos agricultores associados, filiados ao sindicato. Aí se a população que votaram em mim na eleição passada, se eles acharem que eu devo continuar e queiram votar em mim novamente, eu fico mais quatro anos, se eles acharem que deve ter mudança, entrar outra pessoa, eu caio fora e volto para a agricultura.
P/1 - Nessas cisternas das famílias teve alguma cisterna que você acompanhou, que te marcou, que você lembra com força assim?
R - Olha, eu acho que muitas delas me marcou, porque foi um programa que veio para beneficiar as famílias no sentido de essa cisterna ela veio para as famílias ter uma produção. Como essa produção era para se dar, e em alguns lugares se deu. A Cisterna calçadão, ela veio para manter uns quintais produtivos, para as famílias ter uma horta, para ter o seu coentro, a sua cebolinha, a sua alface, enfim, horta comunitária que eles chamavam, quintais produtivos, para manter um pequeno criatório de galinha, um pequeno criatório de ovelhas, que não fosse um criatório expandido, mas fosse um criatório que tivesse três, quatro, cinco ovelhas, porque não ia faltar água. E isso me marcou algumas delas porque, teve gente que realmente valorizou o programa. Hoje, isso está um pouco esquecido, com o decorrer do tempo, as famílias foram se acomodando um pouco. Mas, de início, teve um cidadão numa comunidade aqui de Caetés, que chama Caldeirão do... do Chapéu, é, Caldeirão do Chapéu. Que o rapaz, ele mostrou mesmo o interesse, ele manteve por muitos anos um quintal produtivo, onde ele tinha de tudo, a gente chegava lá, fazia gosto. Ele tinha alface, ele tinha o coentro, a cebolinha, ele tinha o criatório de galinha. Isso marcou pra mim. Enquanto outros, quando a gente fechou o programa, que entregou o programa às famílias, que eles ficaram por conta própria, muitos abandonou, mas teve uns dois ou três que manteve até certo pouco tempo que eu acredito que nunca mais eu acompanhei nunca mais visitei essas famílias, mas eu acredito que ainda tem alguns que ainda estão mantendo isso e aqui pra mim também, marcou também pra mim porque através desse programa foi onde eu tornei a propriedade referência a minha cisterna calçadão, ela manteve por muito tempo aqui a produção das hortaliças, de plantas, plantações que a gente tinha aqui, a gente manteve. Eu ainda tive até um criatóriozinho, um pequeno criatório de tilápia. Eu tenho um tanque ali que está abandonado, mas eu criava umas 70, 80 tilápias, que em vez de quando a gente captava uma para assar, comer ela assada na brasa. E isso me marcou muito, tanto essas que eu falei dos vizinhos de sítios diferentes, como a minha própria aqui do sítio Pau Ferro. Marcou muito pra mim.
P/1 - E você consegue descrever como era antes o sítio de Pau Ferro?
R - O sítio de Pau Ferro, quando eu cheguei aqui, era mata bruta, como fala o ditado popular nordestino, não tinha nenhuma benfeitoria, era só o matão, a mata virgem, como chamava. E aí eu entrei, o primeiro passo foi cercar as divisas por onde eu marquei para comprar e comprei. Aí o primeiro passo foi cercar. Depois da cerca, o primeiro passo foi a casa de moradia, depois da casa, a gente foi investindo em quintais para galinha, um curralzinho onde eu ainda criei um gado, umas ovelhas. Aí depois a gente investiu em barragem, tem duas barragens grandes aqui na propriedade. Depois veio as cisternas pelo programa. E a gente investiu, eu tive também aqui um biodigestor, onde eu gerava gás aqui, eu passei aqui uns três anos sem comprar gás no comércio, gerava gás na propriedade aqui. A gente investiu também num sistema de reaproveitamento de águas de uso, de reuso, a gente aproveitava a água da pia, de lavar prato, do tanque de lavar roupa e do banheiro. E essas águas passavam por um filtro e aí saía lá na frente mais ou menos limpa para aguar as plantações. Tudo isso foi coisa que a gente investiu na propriedade e depois a gente foi investindo em outras tecnologias. Eu tenho um banheiro ecológico aqui, depois vocês vão conhecer, que essa foi uma ideia que as meninas trouxeram do SERTA, e a gente implantou ele aqui. E aqui a gente mesmo foi os engenheiros e os pedreiros. A gente não teve pedreiro de fora, a gente não precisou de engenharia, de agrônomo, a gente mesmo desenhou e construiu. Vocês vão conhecer. Depois a minha esposa ganhou uma santazinha de presente, você até já viu ela ali, agente construiu também um lago, um pequeno lagozinho. Fizemos uma estrutura, um tipo de um santuáriozinho, onde a santa está até hoje. E isso chamava muita atenção do público que vinha, que perguntava “quem foi o engenheiro técnico que desenhou isso aqui?”. Não, foi a própria família, isso chamava muita atenção. E aí daí por diante. Nós temos um pé de juazeiro ali, que era o nosso auditório, você vai conhecer também, vocês vão conhecer. Era onde a gente reunia o público que vinha conhecer a propriedade. Nós não ficávamos em casa, até porque o espaço em casa se tornou pequeno para as visitas, porque a gente recebeu grupo aqui de pessoas de 60 pessoas, então a gente ficava lá no pé de Juá, que o espaço é bem amplo, e era o nosso auditório de palestra. Domingo passado, agora, a gente recebeu aqui uma média de 40 famílias de sítios diferentes porque a gente vem numa luta batalhando por uma compensação pelo prejuízo que essa empresa tornou com a gente, e a gente criou um grupo de famílias de outros sítios que também são afetados que a gente criou uma Escola dos Ventos. Essa Escola dos ventos a gente se reúne mensalmente em sítios diferentes. O mês passado a gente foi para Buíque, se reuniu numa comunidade lá. Esse mês agora a gente se reuniu aqui. O mês que vem a gente já vai pra outra propriedade em outro sítio. E aí por isso criou a Escola dos Ventos pra se reunir, debater, discutir quais os meios que a gente tá buscando pra receber uma compensação por parte da empresa que afetou todo o município, outros municípios também. E aí a gente vem até com processo na justiça, esperando que a justiça reveja o nosso prejuízo que a empresa causou e dê uma compensação, porque eu penso até ainda, na hora que eu receber uma compensação por parte da empresa, eu não posso mais ficar aqui para investir, mas eu penso em investir ainda em outro local distante dos aero geradores, onde eu possa recomeçar ainda. Não sei se vai dar mais tempo, porque quando eu fiz isso aqui, eu ainda tinha força e coragem de trabalhar manualmente. Hoje eu tô com 77 anos, aí a minha força já tá se esgotando, eu tenho a vontade, a vontade não me falta, mas as forças não é mais a mesma. Mas eu ainda tenho vontade de recomeçar em outro canto, mostrar que é possível se viver no semiárido, numa região que chove menos, e que a gente tem condições de sobreviver e tirar o sustento de dentro da propriedade investindo em tecnologias de convivência.
P/1 - Você falou das compensações, teve alguma ideia de compensação ou reparação imaterial?
R - A gente está buscando um entendimento para ser indenizado por parte da empresa. Mas essa empresa que atua aqui nessa comunidade de Pau Ferro, que aqui é o Santa... São Clemente. Parque de São Clemente, Ventos de São Clemente. Essa empresa é muito dura de acordo, ela não entra em acordo com as famílias. Já quem fica do outro lado do município, que é com divisa com o Paranatama, a empresa que está atuando lá é mais sensível. Já tirou mais de 40 famílias pagando uma indenização e uma indenização razoável que está dando para as famílias. Aqueles que querem investir em outra propriedade estão se deslocando das suas propriedades que foram afetadas e estão comprando sítios em locais distantes e estão se situando. E outras famílias já optaram para ir para a cidade, comprar casa na cidade. Mas a empresa de lá está dando uma compensação, uma indenização que está sendo razoável. A... essa que atua aqui não teve acordo até agora. Foi caso que nós fomos para a justiça, está rolando um processo na justiça, o Estado também está acompanhando e a gente está esperando que uma hora o Ministério Público dê um parecer favorável a todas as famílias que estão afetadas aqui, que são muitas.
P/1 - E como que foi o processo da chegada da empresa?
R - A empresa chegou em 2014 aqui no Pau Ferro, abordou as famílias, foi um período de uma seca muito grande aqui, de 2012 até 2019, as famílias estavam sofridas e a empresa chegou dizendo que ia trazer um investimento para o município, que ia gerar muito emprego, muita renda e ia favorecer a população. E o pessoal sem ter conhecimento, nós não tínhamos conhecimento disso aí. Aí a gente acreditou que realmente ia trazer um grande benefício para o município e para as famílias. Realmente, trouxe sim. Por quê? Por onde passou a rede eólica, as famílias que pegou a rede de eólica e a rede de distribuição da energia, a rede de alta tensão, as famílias receberam uma indenização muito boa. E até quem pegou os aero geradores recebe um valor mensal. Agora a vizinhança que ficou, que nem eu fiquei aqui e muitos, a gente só ficou com o problema. E o que eles disseram que era emprego e renda foi um emprego temporário. Enquanto estava no... No processo de instalação dos parques, empregou muita gente e gerou renda no município. Porque veio gente de fora que alugou casa na cidade, isso gerou renda, p pessoal que se instalou na cidade investiu no comércio, porque comprava em mercado, em açougue, em farmácia, em loja. Quer dizer, gerou renda sim, mas foi temporário. Isso só foi dois anos e pouquinho, que eles começaram em 2014, em 2016 eles ligaram as turbinas. Quando eles ligaram as turbinas, acabou o emprego. Mandaram todo mundo embora. Até a própria empresa se relocou para outros estados. Ficou apenas algumas pessoas que dão manutenção nos aero geradores, mas não são gente do município, são gente que vem de fora para dar manutenção. Então o emprego foi temporário. Agora o problema veio definitivo. É famílias adoecidas, eu já contei um pouco da minha esposa, e são várias famílias que estão passando por um processo de adoecimento.
P/1 - E como você se sentiu quando ligaram o aero gerador?
R - Com três dias eu senti o tamanho do impacto, porque aí o meu filho que mora do outro lado, ali, a 100 metros daqui, ele chegou e disse, papai, tô com três noites que não durmo, com esse avião em cima da casa e se não houver um socorro, ele se achava que ia enlouquecer. Aí foi quando eu entrei em ação e aí comecei a mobilizar principalmente as Cáritas Diocesana, que me deu uma força muito grande, um apoio e até hoje acompanha. E aí a gente entrou numa mobilização com as famílias impactadas e “comecemos” esse processo de reunião. Nós tivemos audiências públicas com o Ministério Público e a gente já buscou entendimento com o Estado. A CPRH [Agência Estadual de Meio Ambiente], que é um órgão fiscalizador do Estado, que autoriza e desautoriza grandes empreendimentos, e a gente vem nessa batalha até hoje, mas não tivemos ainda um parecer favorável.
P/1 - E tem alguma coisa que você acha que não pode ser indenizada, que não tem como colocar um valor?
R - Não. Veja bem. Aqui, o que a gente tem na propriedade minha aqui, deve ser indenizado tudo que eu construí aqui. Desde a casa, os reservatórios de água, quintais de galinha, curral de animais, todos esses investimentos que eu fiz aqui, como eu falei, do biodigestor, o banheiro ecológico, o santuário, a minha produção que eu tinha aqui que acabou. Eu acho que isso tudo tem que ser reparado. Eu não posso sair daqui tendo um grande prejuízo, perdendo alguma coisa que eu construí com muito respeito, com muito amor, com muito carinho e eu deixar pra trás abandonado e eu não ser compensado. Eu não acho justo. Eu tenho que ser compensado aqui de tudo que eu fiz aqui, porque tudo que eu fiz teve um custo, teve um trabalho. E teve também um valor sentimental daquilo ali. Isso pra mim é o que mais pesa, é o meu valor sentimental. Então eu acredito na justiça, primeiramente a de Deus e segunda a dos homens, que aqui precisa ser revisto tudo que eu implantei aqui é que eu seja compensado.
P/1 - E como que você acha que as eólicas afetam, afetaram a caatinga?
R - Afetou de uma maneira que não tem nem palavra para descrever. Porque primeiro veio o problema nas famílias, problema pessoal, adoecimento, trouxe transtorno de todas as maneiras. Causa insônia, depressão, problema de audição, eu já estou com problema de audição. Daqui a poucos dias vocês vão ligar pra mim e eu não vou atender não é porque eu não quero, é porque eu não vou ouvir vocês, a voz de vocês. Já estou com problema sim. E isso vem causando em toda a população em torno dos aero gerador. Afetou os bovinos leiteiro, as vacas de leite diminuíram a produção. Afetou a criação de galinhas, as galinhas, elas diminuíram a postura, como se chama o ditado nordestino, as galinhas não, não consegue mais pôr normal, não consegue mais tirar pinto. As mulheres deitam as galinhas, as galinhas não tiram mais as ninhadinhas de pinto normal que nem era antes, os que nascem já nascem doentes e morrem. A minha nora, ela criava em torno de 150 galinhas. Hoje ela acha que não tem cinco. Porque não teve como manter mais. Não teve como manter. O meu filho criava em torno de 50 suínos porcos. Tá, as pocilgas estão lá fechadas. Não tem mais um. Porque eles começaram a entrar no estresse e se comer, se matar. Ele teve um prejuízo enorme, teve que parar. Eu criava aqui umas 70, 80 ovelhas. Num ano só, eu criei 15 filhotes de borrego na mamadeira, porque as ovelhas pariam e já abandonavam o filhote. Outras abortavam, não chegavam nem a parirem. E outras entrou num processo de retardar a recria, elas não enxertavam mais normal como é um criatório normal, elas levavam um ano, um ano e meio, dois anos para poder enxertar. Isso foi um prejuízo enorme. Eu tive até que parar com o criatório, não tem mais uma aqui, veio um problema na produção. A gente tinha uma vazante ali embaixo que hoje está abandonada, o mato cresceu e as plantações estão acabando de morrer. A gente já tinha diversas frutas, caju, manga, pinha, laranja, limão, acerola. Enfim, a gente tinha uma horta produtiva. Essa produção ela acabou também com esse vento que esses aero geradores jogam um vento artificial as frutas floram, mas não vingam e muitas já estão morrendo aqui ao redor vocês vão ver daqui a pouco uma série de pé de laranja, de caju, de pinha que já morreu, tá morrendo todas elas. Tem pé de laranja e de limão aqui que eu plantei que tá com seis anos ele não saiu da cova, do jeito que eu plantei ele tá não cresce mais. Outro grande prejuízo que a gente teve aqui foi na abelha. Aqui, quando eu cheguei aqui, tinha abelha nativa, que era uma coisa extraordinária, eu tinha até um plano de formar um apiário de abelha nativa, para eu ter mel de abelha nativa aqui, tanto para consumo humano como para comercializar, porque aqui dava para fazer, porque aqui nós temos muita vegetação. Isso foi de água abaixo. Você não acha uma abelha hoje para fazer um remédio. A abelha sumiu com isso aqui. Outro prejuízo enorme aqui foi nos pássaros. Aqui você não vê mais um pássaro cantar. Aqui não canta mais um bacurau, aqui não canta uma mãe da lua, aqui não canta um acauã. Os pássaros pequenos, o galho-de-campina, o canário, muitos desapareceram. E o maior prejuízo agora está sendo nos que ainda restam alguns, o urubu, o carcará e o gavião. É passar ali e morrer. Faz poucos dias que esse filho meu passou ali pra chegar na BR, tava um urubu sem a cabeça, a cabeça dele ninguém sabe nem onde ela voou, tava só o corpo no meio da estrada. O meu filho, numa roça de palma aqui, que ele tira palma dos animais, que ainda cria, ele achou 11 gaviões mortos dentro da palma. Passou ali, morre, passou ali, morre. Quer dizer, isso foi um prejuízo tão enorme na natureza, que eu vou contar uma história, não tem nem como descrever. Eu não tenho nem palavra para descrever. Porque o prejuízo foi fatal, foi enorme. É constrangedor.
P/1 - O que você sempre saudade?
R - De tudo aqui, eu sinto saudade do canto dos passarinhos. Como eu falei antes, eu tô há 13 anos no Sindicato. Eu chegava meio dia e meia, uma hora da tarde, almoçava e deitava numa rede ali atrás e tem um reservatóriozinho de água ali que eu sempre mantinha ele limpo e com água e um caixote com ração para os pássaros. Olha, de toda a cidade de pássaro vinha comer a ração e beber água, tomar banho e cantar. Aquilo ali não tinha preço para mim, não tinha preço. Eu passava o resto da tarde ali, até quando o sol esfriava para eu ir para as atividades da roça e cuidar dos animais, das plantações, eu ficava só olhando aqueles pássaros se alimentar, tomar banho e cantar. Hoje isso acabou, acabou. Isso pra mim é... eu não tenho nem palavra, viu? Foi um golpe fatal, prejuízo enorme.
P/1 - E hoje no Sindicato dos Agricultores e Agricultoras, como é seu cotidiano, seu trabalho?
R - É, eu passei pra cidade, agora eu saio de casa oito horas, sete e quarenta, até oito horas. Aí venho pro Sindicato, trabalho até meio dia e meio, uma hora, s vezes até se estende um pouquinho. Na parte da tarde eu faço visitas na zona rural, porque a gente tem um trabalho de fazer visitas nas propriedades, para fazer declaração de posse. Porque grande parte dos agricultores de Caetés eles não têm escritura pública. Eu descobri isso quando eu entrei no Sindicato. A grande parte dos agricultores tem um recibo de compra e venda. Por exemplo, eu comprei esse caderno que você está com ele na mão, mas ela não passou uma escritura pública no cartório registrada, a gente passou um recibo de compra e venda. O recibo de compra e venda é um comprovante que eu lhe comprei e lhe paguei, e é um comprovante pra você que você me vendeu e recebeu. Não é um documento original, é um comprovante de pagamento. E aí, para esse pessoal acessar políticas públicas, eles precisam de um papel comprovando que ele é um agricultor familiar e que comprou e que pagou e que a propriedade é dele. Precisa ter um registro. Aí por esse motivo eu faço visitas nas propriedades, preencho um formulário com as famílias, eles vêm no Sindicato e lá a gente cria uma declaração de posse, quatro confrontantes assinam, vai no cartório autentica e aí é aceito pelas instituições que trabalham políticas públicas. Por exemplo, o Agroamigo, que é o PRONAF [Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar], mas aqui se trata de Agroamigo, o Agroamigo, se o agricultor não tiver essa declaração de posse, ele não acessa o CAF [Cadastro Nacional da Agricultura Familiar], que é a antiga DAP [Declaração de Aptidão ao PRONAF], foi substituído pelo CAF, Se não tiver essa declaração, não acessa o CAF. E se não tiver o CAF, não acessa o Agroamigo, que hoje a mulher tira 15 mil, o esposo tira 12 e a filha ou um filho maior de 16 anos tira oito. E aí, aplicando correto, pagando em dia, entra com 40% de rebate. Isso é coisa nunca vista. Em 2024, a gente fechou o município com investimento de 14 milhões desse Agroamigo na agricultura familiar, isso gera uma renda, um emprego no município, porque a família que tira os três valores que eu falei, a mulher, o homem e o filho, tira 35 mil para pagar com rebate de 40% deixam uma renda extraordinária na família. Aí eles investem, muitos investem em mais compras de terra, investem em criação de animais, investem na própria agricultura, reformam a casa, isso deu uma renda extraordinária no município. E aí a gente, no Sindicato, além desse documento de declaração que eu falei, a gente emite muito o CAF, que era a DAP, a antiga DAP. A gente emite, em média, de 60 a 70 CAF mensal. E esse pessoal, todos eles, acessam as políticas públicas. Porque aí, além do Agroamigo, vem a cisterna, vem o auxílio, o salário, a aposentadoria, que tudo isso precisa desse comprovante. E aí a gente trabalha, faz esse trabalho no sindicato que beneficia o município por igual. Todos os agricultores são beneficiados.
P/1 - E como você se sente sendo diretor-presidente?
R - Eu me sinto orgulhoso, posso até falar assim, eu me sinto orgulhoso porque me colocaram lá, eu quando entrei eu não tinha experiência, não vou negar que eu não tinha experiência, mas aí quando me colocaram lá, que eu me situei, eu fui adquirindo a experiência, eu fui buscando me capacitar, eu passei por diversos cursos de formação, mesmo eu não tendo leitura, mas passei por vários cursos de formação. A gente participa de vários eventos pela FETAPE, pela CONTAG [Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares], onde a gente passa por uns professores muito eficientes, que passam informações muito precisas para a gente, e com isso eu adquiri conhecimento que hoje eu não tenho medo de dizer. Eu presto um serviço dentro do município que talvez outros diretores, não querem desmerecer, os que passaram antigamente, mas hoje eu presto um serviço dentro do município que vem sendo admirado por muitas pessoas, porque eu dou atenção, eu recebo com respeito, com carinho, eu ajudo da maneira que eu posso. Eu não deixo um agricultor sair mal satisfeito, porque mesmo eu não podendo ajudar ele naquilo que ele me buscou para ele conseguir um benefício, mesmo eu não tendo condições de eu ajudar naquele momento, mas eu abro um caminho pra ele. Eu digo, procure fulano, procure ciclano, procure outra instituição que talvez possa lhe ajudar, que eu nesse momento não tô podendo. O agricultor ainda sai satisfeito, mesmo eu não atendendo as necessidades dele, ele ainda sai satisfeito. A gente faz um programa de rádio na Rádio Jovem Capoeira aos domingos, das 11h ao meio-dia, e está tendo uma grande audiência, e o que vem na semana do Sindicato de Agricultores que eu nunca tinha visto eles, não conhecia, porque o município é grande, e até de outros municípios, que vem de gente dizer, eu assisti seu programa, o senhor está de parabéns, muito obrigado por o senhor ter falado nos agricultores, ter orientado, ter explicado. Isso para mim, eu gosto de dizer, é um motivo de muito orgulho.
P/1 - E como você vê o futuro aqui de Caetés e da região?
R - Assim, Caetés é um município que ele vem se desenvolvendo muito. Através de tecnologias, de experiências, de convivência, eu vejo o município, ele vem crescendo fortemente, na área da pecuária, na área da agricultura, investimentos, grandes investimentos estão se propagando no município. Está criando indústrias na cidade, que gera emprego e renda. E eu vejo o município de Caetés desenvolvendo muito bem, eu vejo o futuro de Caetés de um futuro muito promissor, muito bom.
P/1 - E como voce vê a Caatinga?
R - Agora a Caatinga eu vejo ela se degradando, porque tá faltando ainda conscientização na população que mora em torno da Caatinga. O pessoal ainda investe muito em desmatamento, queimada. E aí eu vejo isso um grande prejuízo. Se a população do município de Caetés e região, não só Caetés, mas eu falo no geral, se a população tivesse consciência que para produzir dentro da propriedade não é necessariamente queimar e desmatar, porque eu aqui produzia e vocês estão vendo aqui a minha propriedade uma propriedade coberta, mas eu produzia o milho, o feijão, a pastagem para os animais e tirava o alimento que nem eu falei, a gente não precisava de feira para ter a nossa alimentação de verduras na nossa mesa. Da alface, o coentro, a cebola a gente tirava aqui e era debaixo das árvores, não era preciso desmatar. A palma, para alimentar as vacas, os animais, é debaixo das arvores, não precisa desmatar. O milho e o feijão, tira debaixo das árvores, não precisa desmatar. Então tá faltando muito conscientização. Quando eu vejo o pessoal meter um trator de esteira, né, uma retroescavadeira, dentro da Caatinga, tirando a baraúna, tirando a aroeira, tirando o juá, tirando a imburana, “entuiando” e botando fogo, aquilo me parte o coração. Porque nós estamos contribuindo para a grande desertificação do Nordeste. Isso é uma contribuição para desertificar. E isso me parte o coração.
P/1 - E como você acha que a sua história pode ajudar nessa conscientização?
R - Divulgando, fazendo divulgação da minha história, levando ao público, a nível federal, estadual, federal, municipal, se possível até para o exterior, contar a minha história, a história de Simão. Eu acho que isso vai ajudar muito, porque eu sempre digo, de cada 100 pessoas que ouvir a minha história, se 3 ou 4 pegarem o meu exemplo, já é uma mudança, eu já não perdi com aquela palestra. Eu me vejo assim.
P/1 - E como você vê o seu futuro daqui pra frente?
R - O meu futuro daqui pra frente é pouco, eu posso dizer assim. Porque eu completo 77 anos agora, dia 20 de outubro, se Deus quiser. Já estou um pouco cansado, né? E eu não vou ter muito futuro por a frente, pra desenvolver tecnologias, planos de convivência, a força não dá mais. A vontade é muita, mas a coragem tá pouca. Mas eu espero que a minha família, meus filhos, meus netos, eles sigam o meu caminho. E que eles não façam os 100% que o Simão fez, mas se eles fizerem pelo menos 50, já eu não perdi o que eu deixei.
P/1 - E o que você acha que é essencial de ter esses 50%?
R - A conservação da natureza, a preservação do meio ambiente, o respeito à natureza, porque eu tenho dito e continuo dizendo, tudo que nós fizermos contra a natureza não fica sem resposta. A resposta vem. E o pior é que quando ela cobra, ela cobra com juros. A natureza não traz um pagamento para a gente só daquilo que a gente praticou. Ela também vai trazer um jurozinho meio alto que a gente vai sofrer na frente as consequências daquilo que a gente praticou.
P/1 - Como foi contar essa história hoje?
R - Eu me sinto desabafado. Para mim foi um desabafo. Isso me deixa feliz por eu contar a minha história. Saber que a minha história vai muito mais além do que a daqui do Sítio Paulo Ferro. Eu me sinto assim... Eu volto a dizer, eu fico otimista, orgulhoso de poder contar a minha história para ela sair ao público. Espero que isso mostre um resultado.
P/1 - Faltou falar alguma coisa que você queira colocar?
R - Só agradecer, primeiramente a Deus por esse momento, até tá mandando já uma chuvinha, isso é maravilhoso, agradecer a Deus, agradecer a vocês por essa oportunidade que me deram de eu contar mais uma vez a minha história, poder mostrar a vocês os meus sentimentos, o meu trabalho que eu implantei aqui, poder mostrar também, vocês levarem isso, e que vocês possam também repassar, por onde vocês possam repassar essa história, para que algumas pessoas digam assim, “não, a história de Seu Simão, ela precisa a gente também seguir um pouquinho dessa história, porque é uma história que traz a verdade, a realidade, e que isso abre um caminho, mostra uma luz para que as coisas comecem a mudar”.
P/1 - A gente que agradece, Simão, pelo seu tempo, disponibilidade.
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