Projeto: Museu Clube da Esquina
Depoimento: Arnaldo Godoy
Entrevistado por: José Santos e Adriana Angélica
Local: Belo Horizonte, 17 de abril de 2004
Realização: Instituto Museu da Pessoa
Entrevista: 003
Transcrito por: Maria da Conceição Amaral da Silva
P/1 – Arnaldo, bom dia.
R – Bom dia.
P/1 – Queria começar a entrevista perguntando o seu nome completo, data e o local de nascimento.
R – Meu nome, eu só uso Arnaldo Godoy. Tem o Augusto no meio, mas fazem muitos anos que eu só uso Arnaldo Godoy. Eu nasci dia 25 de junho de 1951. E eu nasci no Rio de Janeiro, mas vim para Belo Horizonte com um ano, menos de um ano. E sempre morei ali no Santo Antônio, Lourdes. E estou com 52 anos com corpinho de 51. (riso)
P/1 – (riso) E Arnaldo, antes da gente entrar no assunto Clube da Esquina, eu queria que você pudesse contar bem sucintamente, é claro, a sua trajetória profissional e política.
R – Olha, eu sou, eu vivi em uma família, a gente morava na Rua São Paulo, 289. Uma casa com cinquenta pessoas que moravam ali. Dormia e comia com cinquenta pessoas. Vovó, vovô, os dez filhos com vinte e cinco netos.
P/1 – É mesmo?
R – (riso) É. Então isso, e é uma família assim, o Madrigal Renascentista foi formado em casa da minha avó, a Maria Lúcia Godoy. O Isaac Karabtchevsky foi o primeiro maestro do coral, morava na casa da vovó. Então fui sempre criado nesse ambiente assim musical, cultural, muita discussão política. Imagine cinquenta pessoas no tempo de Juscelino, Lacerda, Jânio, Jango. Era uma efervescência na casa da vovó. Quer dizer, além das cinquenta pessoas tinha um Madrigal e onde tem muitas pessoas sempre chegam mais pessoas, né? E aí você vai sendo formado nesse ambiente de cultura, de discussão política você vai aprendendo. E quando eu entrei para o colégio estadual, 1968, período político do Brasil bastante conturbado. O movimento militar, golpe militar, o AI-5 e evidentemente que a gente se embrenhou nessa,...
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Depoimento: Arnaldo Godoy
Entrevistado por: José Santos e Adriana Angélica
Local: Belo Horizonte, 17 de abril de 2004
Realização: Instituto Museu da Pessoa
Entrevista: 003
Transcrito por: Maria da Conceição Amaral da Silva
P/1 – Arnaldo, bom dia.
R – Bom dia.
P/1 – Queria começar a entrevista perguntando o seu nome completo, data e o local de nascimento.
R – Meu nome, eu só uso Arnaldo Godoy. Tem o Augusto no meio, mas fazem muitos anos que eu só uso Arnaldo Godoy. Eu nasci dia 25 de junho de 1951. E eu nasci no Rio de Janeiro, mas vim para Belo Horizonte com um ano, menos de um ano. E sempre morei ali no Santo Antônio, Lourdes. E estou com 52 anos com corpinho de 51. (riso)
P/1 – (riso) E Arnaldo, antes da gente entrar no assunto Clube da Esquina, eu queria que você pudesse contar bem sucintamente, é claro, a sua trajetória profissional e política.
R – Olha, eu sou, eu vivi em uma família, a gente morava na Rua São Paulo, 289. Uma casa com cinquenta pessoas que moravam ali. Dormia e comia com cinquenta pessoas. Vovó, vovô, os dez filhos com vinte e cinco netos.
P/1 – É mesmo?
R – (riso) É. Então isso, e é uma família assim, o Madrigal Renascentista foi formado em casa da minha avó, a Maria Lúcia Godoy. O Isaac Karabtchevsky foi o primeiro maestro do coral, morava na casa da vovó. Então fui sempre criado nesse ambiente assim musical, cultural, muita discussão política. Imagine cinquenta pessoas no tempo de Juscelino, Lacerda, Jânio, Jango. Era uma efervescência na casa da vovó. Quer dizer, além das cinquenta pessoas tinha um Madrigal e onde tem muitas pessoas sempre chegam mais pessoas, né? E aí você vai sendo formado nesse ambiente de cultura, de discussão política você vai aprendendo. E quando eu entrei para o colégio estadual, 1968, período político do Brasil bastante conturbado. O movimento militar, golpe militar, o AI-5 e evidentemente que a gente se embrenhou nessa, pela redemocratização do país. Mas sempre tendo a arte, a atividade artística, a música, o teatro como instrumentos de, enfim de libertação, de prazer e de humanização. Eu me formei em História, na Fafich na UFMG. E também sempre com o movimento DA (Diretório Acadêmico), DCE (Diretório Central dos Estudantes). Participando politicamente desses movimentos, todos nós participamos disso, né?
P/1 – Hum, hum.
R – E depois nós fizemos uma... os primeiros filhos, a gente se agrupou, vários casais, formamos uma escolinha Pés no Chão. E dessa escolinha foi o Patrus, o Nilmário, para a gente dar uma educação diferenciada aos nossos filhos, no ponto de valores, da solidariedade, do não individualismo. Enfim, uma, do que a gente sempre sonhou. E esse núcleo foi um núcleo do PT e foi o único partido que eu me filiei, foi o Partido dos Trabalhadores. E sempre militando aí como educação, eu dei aula no Instituto São Rafael, dou aula lá até hoje. Colégio Praxedes aqui de Belo Horizonte. E militando nos sindicatos, dentro do PT, até que eu fui por essa atitude assim, diferenciada de propor o movimento das pessoas com deficiência assim, uma autonomia, dignidade, sem depender da caridade, da piedade e a gente buscar a nossa cidadania. E também por estar mexendo com essa questão cultural. Dentro do PT não tinha ninguém com esse perfil, né?
P/1 – Hum, hum.
R – E trabalhava muito com a juventude eu fui candidato junto com o Patrus. O Patrus prefeito, eu fui eleito, né, foi uma zebra na época. (riso)
P/1 – (riso)
R – Sem grana. E depois eu, foi o primeiro mandato. E fui nisso. Então fui secretário de Cultura, diretor do Museu de Belo Horizonte. O prefeito Célio de Castro me convidou, né? Num gesto dele assim e eu loucamente aceitei ser secretário da Cultura. Acho que deu, foi legal. Voltei para a Câmara em 2000 e está aí. Eu não sei se eu, resumidamente é essa.
P/1 – Ah, não, está ótimo. E, ô Arnaldo, você poderia contar como o Clube da Esquina chegou até você? No início foi pela música ou pelas pessoas?
R – Foi pela música, como eu disse, assim, nós somos na casa da vovó, nós somos vinte e cinco netos. E todos nós tocamos violão. Tocamos, a gente canta. Tanto que são várias bandas que a família foi formando ao longo desses anos. Então a gente ia tocar nas garagens da cidade. Na Santa Teresa ali, era pertinho da casa do Beto Guedes, minha tia morava ali, na esquina com a Rua Dante com Pouso Alto. Então a gente sempre fazia, então foi sempre pela música. A gente foi se aproximando mas os caras já eram cobras, né? A gente estava engatinhando assim, dando aqueles arremedos, aquele insights assim. Foi pela música que a gente chegou perto do Clube da Esquina. E muita influência nas músicas que a gente compunha, os meus primos, meus irmãos. É isso. A gente chegou por conta da música, a amizade veio depois.
P/1 – E como é que veio a amizade?
R – A amizade é assim, a gente vai, hoje está mais consolidado, né? Porque a gente trabalhava profissionalmente em outra área, a gente nunca fez da música uma atividade profissional, um ganha pão, enfim. Então a gente foi dar aula. Outros meus irmãos, meus primos mexeram com outras coisas. Então os contatos eram assim, não eram constantes, mas foi só depois assim de... nossa quanto tempo depois? Só depois, 1980 e tantos que a gente começou a... em 1989 nas campanhas políticas buscando esses artistas para trabalhar nas campanhas do PT, entendeu? Que a gente foi tendo esse contato mais próximo. E hoje assim, com o Fernando, com o Tavinho Moura, com o Beto, com o Lô. Então, com o Marcinho e com o Murilo Antunes se consolidou em relação a mim a partir dos (anos de) 1990 com maior intensidade.
P/1 – E, Arnaldo, voltando então um pouco para trás, você chegou a organizar festivais de música? Como é que foi isso?
R – Era o Colégio Estadual Central, exatamente nesse período que eu falei do golpe militar, do AI-5, a música, o teatro, sempre através dessas linguagens sempre podia dizer da nossa aspiração de liberdade, de libertação, de sonhos, enfim, da redemocratização. Então, a gente fazia os festivais no colégio estadual que era um momento assim, muito importante para nós com aquela... com as liberdades poéticas e com aquela rebeldia própria da juventude, né? Os festivais eram momentos assim de contestação, de tensão. Então quando eu estava no colégio estadual, no grêmio com vários companheiros, né? O Bernardo Mota Machado, o Décio, enfim não vou falar mais porque vou acabar esquecendo nome de...
P/1 – (riso)
R – Mas a gente fazia esses festivais, jornaizinhos, etc e tal, que compuseram um momento importante da minha vida e eu volto a insistir, a linguagem artística sempre como importância na construção desse desejo de um Brasil melhor, de humanização. Que eu acho, como diz a Adélia Prado: “O céu estrelado vale a dor do mundo.” Quer dizer, se a gente se humanizar a gente consegue transformar a dor em coisa positiva.
P/2 – Eu queria te perguntar uma coisa porque todo mundo que te conhece sabe que uma frase que é muito cara a você é: “A vida não é só isso que se vê”, né?
R – (riso)
P/2 – (riso) Então eu queria saber se, o que é que não se vê no Clube da Esquina, que não está dito normalmente e que é a vida, né? Que é mais rico do Clube da Esquina?
R – Eu vou dizer para você assim: as pessoas que hoje eu tenho amizade, o profundo senso de humanização que esses caras tem. É impressionante assim. Minha mãe está fazendo agora dia 25, fazendo 80 anos. Toda vez que ela lê as crônicas do Fernando, eu estou falando Fernando que ele escreve no jornal, né?
P/2 – Hum, hum.
R – Toda vez que ela lê, ela chora, porque ela sente uma profunda sensibilidade do Fernando para as coisas simples, para a vida. Então você conversa assim com o Fernando Brant, ou conversa com o Tavinho Moura, você conversa com o Murilo assim, são uns caras que tem a alma belíssima. Então o que não se vê no Clube da Esquina, apesar das músicas, das letras, dos versos, da melodia expressarem muita coisa, mas as pessoas deles, os... Isso apesar de estar, de uma forma ou de outra, estar sendo expresso na obra deles, mas conhecê-los assim, é um enriquecimento para quem os conhece. Porque eles são profundamente humanistas, profundamente íntegros nos sentimentos e tal. Eu falo isso com muita emoção, porque o pai do Fernando morreu a pouco tempo, então ele escreveu uma crônica do pai dele, não sei se vocês tiveram a oportunidade de ler?
P/1 – Não, eu não li.
R – Uma coisa belíssima assim, lindíssima. Então assim que eu, dá até vontade de chorar porque é muito bonita, e minha mãe tem o Fernando como filho. Ela até convidou o Fernando para o aniversário dela por conta disso. Não sei se eu respondi Adriana.
P/1 – Não, está bem respondido, né, Adriana?
P/2 – Muito bem.
P/1 – E eu queria que você falasse um pouquinho, a gente está tratando, focando muito assim no projeto agora o Clube da Esquina nº 1. Se você tem alguma recordação específica de alguma música desse disco, desse momento que o disco saiu?
R – Ah, é até cruel falar de uma ou de outra música. Aquele disco é... é até cruel. Mas antes de responder, esse “a vida não é só isso que se vê” é um verso de uma música do Paulinho da Viola, né?
P/2 – Hum, hum.
R – Sei Lá Mangueira.
P/2 – Que a Elizeth Cardoso gravou, que ficou muito bonita.
R – Exato, é linda, né? E é um verso do Hermínio Bello de Carvalho. Então em minha primeira campanha eu estava batendo um texto assim, escrevendo na máquina de datilografia, escrevendo um texto para mandar para um jornal ou coisa que o valha, e eu sempre fico com uma música na cabeça. Sempre estou cantando alguma coisa, né? E aí eu por acaso, essa música veio e eu falei assim: (canta) A vida não é só isso que se vê...” eu falei: “Pô, achei o meu slogan.” (riso)
P/1, P/2 – (riso)
R – E aí falei com o Paulinho: “Paulinho...”, aí mostrei para o Paulinho, ele veio aqui coincidentemente, eu falei: “Paulinho, eu vou falar uma coisa para você, eu roubei um verso seu que é de uma música.” Eu mostrei para ele, ele olhou, leu, falou assim: “Ah, está bem roubado.” Mas, é não, não vou citar a música não.
P/1 – Tá bom.
R – Não vou citar porque eu acho que assim, muito marcante aquilo. Acho que seria injusto com as outras não citadas, né?
P/1 – E...
R – Não sei, eu não gosto, esse é um, qual é o melhor livro, né? O único livro que eu falo que é o melhor eu falo que é só o do Grande Sertão Veredas, esse eu não abro mão. O resto, eu não falo melhor música, eu acho....
P/1 – Não, não era nesse sentido...
R – Mas complementou, sim, emocionalmente, né?
P/1 - ...mas vamos, você se lembra quando esse disco foi lançado? Se você escutava na sua casa? Tinham comentários?
R – Nossa, essas bandas que eu falei da família, a gente ouvia demais. Depois eu lhe mando um disco que a gente fez agora, os Godoys...
P/1 – Ah é?
R – É, um CD que a gente fez de brincadeira assim e tal. Mas eu vou mandar para você ver a influência que tem, essa construção melódica do Clube da Esquina, que a gente ouvia demais o Clube da Esquina. Ouvia demais. Esses caras todos. Então ficava, era Beatles, Clube da Esquina, era o que a gente ouvia. Eram os Rolling Stones e eu ouvia muitos sambas e tal. E ouvia demais o Clube da Esquina. E lia muito. A gente lia muito, assim, o pessoal que estava comigo a gente lia muito as letras, os textos, as reportagens, tudo o que saía a respeito do Clube da Esquina, porque realmente era uma referência para nós. Se você me permite, vou falar só assim, esse momento do Clube da Esquina no Brasil inteiro ele é coincidente com outros grupos, né, eu acho. Na Bahia, também por final da segunda metade da década dos anos de 1960 o que é que tem? É Caetano, Gil, Gal, Capinam, Torquato. No Rio de Janeiro, apesar de os caras já serem mais velhos, o Cartola, o Paulinho, o Nelson Cavaquinho foram todos redescobertos por volta dessa época. Em São Paulo também tem Mutantes, Língua de Trapo, Premeditando o Breque. Então assim, o golpe militar, ainda que quisesse e quis calar a boca e apagar os sonhos de todos nós, ele provocou isso. Mostrou a força da criação artística em várias regiões do país. E que se consolidaram esses grupos todos e nacionalmente. Essa coincidência eu queria fazer um estudo mais detalhado sobre isso. Eu não sei se vocês concordam com esse...
P/1 – Não, é interessante. Isso tem que ser aprofundado, né?
R – Não é?
P/1 – Sem dúvida. E Arnaldo, para terminar aqui esse nosso primeiro bate-papo, eu queria que você contasse para a gente o que é que você acha desse momento agora, dessa criação do Museu do Clube da Esquina?
R – Olha, eu falei para vocês que eu fui diretor do Museu Abílio Barreto, é o Museu Histórico de Belo Horizonte.
P/1 – Hum, hum.
R – Fui secretário de Cultura. Eu acho a memória, as referências, as referências inclusive assim físicas, as referências imateriais, são muito importantes para a construção da nossa identidade. Das nossas identidades brasileiras. E são importantes por que essas identidades? Porque sem elas a gente não constitui uma nação. E sem constituir uma nação a gente não vai fazer desse país, um país bom de se viver com menos injustiças sociais, com melhor qualidade de vida. Então esse Museu Clube da Esquina ele é muito importante porque além da qualidade musical e poética, é um marco na... é uma referência afetiva, uma referência ambiental de Belo Horizonte que nos ajuda, que nos agrega, que nos faz sentir pertencer a uma coletividade. Assim como Cruzeiro, Atlético, partidos políticos, o Clube da Esquina é um desses pontos que a gente senta em volta para tomar cerveja, tomar água, tomar um suco e conversar sobre o Clube da Esquina. Sobre o que eles fizeram, o que eles estão fazendo, o que eles deixaram, sabe? Os sonhos, os amores, os desejos. Todos nós que vivenciamos aquilo e as gerações que não viveram, mas se referenciam nelas também naquele momento. Então o museu, no sentido de preservar essa memória, de preservar esse sentimento, esse desejo de pertencimento eu acho que é fundamental. Por isso eu estou batendo palma para o Clube da Esquina e para vocês aí do Museu da Pessoa que não pare com esse projeto porque o Brasil é feito por indivíduos, né? E cada indivíduo tem a sua história. E a história de cada um faz a história brasileira.
P/1 – Ô, Arnaldo, muito obrigado então pela sua entrevista.
R – Obrigado a vocês por terem me convidado.
P/2 – Obrigada.
(Fim da entrevista)
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