Os carnavais da Didá sempre são focados em cultura afro-brasileira, mas tem um recorte ainda dentro disso, que é a mulher negra. A gente sempre escolhe temas relevantes pra nós, que falem sobre a nossa realidade econômica, social, cultural. Nunca é muito fácil, aliás, nunca é fácil, nem um pouco fácil levar o bloco pra rua. Eu parei nos dois mil ali, mas agora são quatro mil, e são mulheres e crianças. A gente continua insistindo na idéia de não vender a fantasia, mas trocar por alimentos. É muito difícil um patrocínio. É uma luta que a cada ano se repete e eu fico sempre muito triste porque eu gostaria de poder oferecer ou criar uma estrutura onde aquelas mulheres não tivessem nem um tipo de dor de cabeça, sabe? A melhor roupa de todas. A banda melhor a gente já tem: a Didá mesmo. O melhor trio, a melhor estrutura, onde elas se sintam realmente acarinhadas, porque o fato de nós não vendermos é justamente pra atrair o público que a gente tem como prioritário, que são as mulheres mais sensíveis a essa realidade econômica, mulheres que realmente precisam ouvir o que a gente tem a dizer, que elas são importantes, que elas são belas, que elas são fortes e que nós estamos aqui pra impulsionar a luta delas na família, na comunidade que elas estão. As outras mulheres são também bem-vindas, mas prioritariamente são essas que nós desejamos. Então eu não posso dizer: “A partir do próximo ano aquele teu sonho de sair carnaval, você vai ter que ter tanto pra adquirir”. A gente não quer fazer isso. Mas cada ano eu tenho surpresas boas, mas especialmente dois anos atrás, no carnaval de 2005, a Didá fica numa rua e a fila chega a 400, 500 metros de distância da sede, pra entregar as roupas. E elas já estavam o dia inteiro naquela fila porque o tecido não chegava. A gente não tinha dinheiro pra tirar do aeroporto. E aquilo vai dando uma angústia, uma tristeza tão grande, porque não é aquilo que você pensou. Você tenta...
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Os carnavais da Didá sempre são focados em cultura afro-brasileira, mas tem um recorte ainda dentro disso, que é a mulher negra. A gente sempre escolhe temas relevantes pra nós, que falem sobre a nossa realidade econômica, social, cultural. Nunca é muito fácil, aliás, nunca é fácil, nem um pouco fácil levar o bloco pra rua. Eu parei nos dois mil ali, mas agora são quatro mil, e são mulheres e crianças. A gente continua insistindo na idéia de não vender a fantasia, mas trocar por alimentos. É muito difícil um patrocínio. É uma luta que a cada ano se repete e eu fico sempre muito triste porque eu gostaria de poder oferecer ou criar uma estrutura onde aquelas mulheres não tivessem nem um tipo de dor de cabeça, sabe? A melhor roupa de todas. A banda melhor a gente já tem: a Didá mesmo. O melhor trio, a melhor estrutura, onde elas se sintam realmente acarinhadas, porque o fato de nós não vendermos é justamente pra atrair o público que a gente tem como prioritário, que são as mulheres mais sensíveis a essa realidade econômica, mulheres que realmente precisam ouvir o que a gente tem a dizer, que elas são importantes, que elas são belas, que elas são fortes e que nós estamos aqui pra impulsionar a luta delas na família, na comunidade que elas estão. As outras mulheres são também bem-vindas, mas prioritariamente são essas que nós desejamos. Então eu não posso dizer: “A partir do próximo ano aquele teu sonho de sair carnaval, você vai ter que ter tanto pra adquirir”. A gente não quer fazer isso. Mas cada ano eu tenho surpresas boas, mas especialmente dois anos atrás, no carnaval de 2005, a Didá fica numa rua e a fila chega a 400, 500 metros de distância da sede, pra entregar as roupas. E elas já estavam o dia inteiro naquela fila porque o tecido não chegava. A gente não tinha dinheiro pra tirar do aeroporto. E aquilo vai dando uma angústia, uma tristeza tão grande, porque não é aquilo que você pensou. Você tenta botar todo mundo dentro de casa, mas não cabe todo mundo dentro de sua casa. Você tenta dar água, você tenta arrumar sombreiro, mas você não tem como dar conta daquele número de pessoas. E as pessoas se entristecem, reclamam, te chamam na janela. E o vizinho chama a mídia: “A Didá está fechando a rua”. Aí chega a polícia: “Mas minha senhora, a senhora precisa acabar com essa fila” “Mas, moço, eu não posso, eu não tenho como acabar com a fila”. Enfim, é uma história. Eu já estava muito, muito, muito deprimida. A gente trabalhou, como sempre, sem dormir, dias e dias, e eu fui pra rua meio temerosa porque eu estava tão exausta que eu não sabia claramente o quê que eu tinha feito, no quê que tinha dado daquilo tudo. Porque a gente começa a dialogar, elas entendem. Elas falam: “Não, Viviam , eu levo, eu faço a minha roupa em casa: “Me dê o meu tecido que eu vou costurar em casa, costuro a dos meus vizinhos”. Enfim é uma super mobilização porque além daquele caos - sabe que o caos é a base da ordem - da Didá, tem o caos das comunidades onde elas moram porque são ruas e ruas que vão juntas, mulheres que vão juntas, cada uma com os seus filhinhos, que são geralmente muitos, pra saírem na Didá. Então eu fui exausta, exausta à noite. Chegou lá no trio, eu subi no trio. Porque eu ainda toco. Se eu não tocar eu não faço mais nada. Eu ainda toco. Então a gente foi caminhando pela Araújo Pinho e quando chegou na entrada do Campo Grande eu não sei de onde elas surgiram e como elas estavam tão lindas. Mas foi o ano que elas estavam mais lindas e o bloco estava enorme, estava gigante. E eu disse: “Eu não sei como aconteceu, mas a mágica está feita”. Eu acho que foi a mágica da dedicação e do amor que a gente teve a cada dia pra que aquilo acontecesse. Os políticos não sabem o que é, não participam disso. Mas a fé de cada uma, a crença, a paixão, o respeito de cada uma com a outra, o espírito de colaborar: “O que é que eu posso fazer pra ajudar? Vamos ser independentes e autônomas nesse momento”, foi o que fez aquele desfile, um dos mais brilhantes de todos os anos. Eu falei: “Eu tenho força e todas nós temos mesmo, não sei de onde”. Tem um mito que é o mito de cultura, de religião africana, que fala que Obá se perdeu com os filhos na mata. E pra ela voltar pra casa ela tirou a água do próprio ventre. Ela tirou a água da própria barriga e conseguiu navegar com os filhos até o retorno pra casa. E eu acho que a mulher é muito isso. Ela tira da barriga, da entranha, do útero, ela tem uma força que emana nos momentos que ela mais precisa, é uma força que está sempre se superando, o que é mais bacana. Se a gente consegue fazer isso, eu tenho a percepção de que ilimitadamente eu consigo fazer mais e melhor a cada ano. Essa é a história desse momento.
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