O meu nome é Álvaro Alves Teixeira, sou carioca, nasci no dia 28 de março de 1935. Na semana que vem faço 72 anos. Eu sou engenheiro civil. Eu me formei na antiga Escola Nacional de Engenharia, no Largo de São Francisco. Eu fui da turma do Mario Henrique Simonsen, ele realmente foi um emblema da minha turma. Ele já era um iluminado. Eu andei tirando umas notas maiores do que ele, eu era “cdf”, era um estudante aplicado. Um belo dia, ele me convidou para estudar cálculo vetorial. Ele era inclusive assistente de professor. E ele olhava: “Não, esse negócio de cálculo vetorial é uma coisa antiga, vamos estudar cálculo tensorial.” Eu disse: “Ok, Simonsen, então vai estudar sozinho, obrigado, eu vou para casa.” Ele já estava muitos furos acima do meu nível de conhecimento e da turma de um modo geral.
Quando eu me formei, a Petrobras estava recrutando muita gente. Inclusive eles foram à Escola Nacional de Engenharia fazer palestras. Fui também influenciado por colegas de turmas anteriores que haviam ingressado na Petrobras, que falavam do futuro promissor da Petrobras. Eles inclusive me induziram a entrar no curso de extensão de geologia e petróleo, para ser geólogo de petróleo, porque nós íamos substituir a equipe de americanos comandados pelo Link. O salário dos americanos era o triplo ou o quádruplo do salário dos brasileiros, mas essa não era a razão principal, mas sim, realmente, a possibilidade de uma carreira interessante, o que depois se concretizou.
Eu me formei em 1957, entrei na Petrobras em 1958. Entrei na Petrobras fazendo o antigo Cenap, o curso de geologia de petróleo. Era um curso de dois anos, feito em Salvador. Existia um convênio entre a Universidade da Bahia e a Stanford University. O curso era todo em inglês, os professores americanos. Era um curso de alto nível, nós fazíamos o curso de quatro anos em dois anos. Nós éramos empregados da Petrobras em tempo integral. Foi um período sacrificado, mas...
Continuar leituraO meu nome é Álvaro Alves Teixeira, sou carioca, nasci no dia 28 de março de 1935. Na semana que vem faço 72 anos. Eu sou engenheiro civil. Eu me formei na antiga Escola Nacional de Engenharia, no Largo de São Francisco. Eu fui da turma do Mario Henrique Simonsen, ele realmente foi um emblema da minha turma. Ele já era um iluminado. Eu andei tirando umas notas maiores do que ele, eu era “cdf”, era um estudante aplicado. Um belo dia, ele me convidou para estudar cálculo vetorial. Ele era inclusive assistente de professor. E ele olhava: “Não, esse negócio de cálculo vetorial é uma coisa antiga, vamos estudar cálculo tensorial.” Eu disse: “Ok, Simonsen, então vai estudar sozinho, obrigado, eu vou para casa.” Ele já estava muitos furos acima do meu nível de conhecimento e da turma de um modo geral.
Quando eu me formei, a Petrobras estava recrutando muita gente. Inclusive eles foram à Escola Nacional de Engenharia fazer palestras. Fui também influenciado por colegas de turmas anteriores que haviam ingressado na Petrobras, que falavam do futuro promissor da Petrobras. Eles inclusive me induziram a entrar no curso de extensão de geologia e petróleo, para ser geólogo de petróleo, porque nós íamos substituir a equipe de americanos comandados pelo Link. O salário dos americanos era o triplo ou o quádruplo do salário dos brasileiros, mas essa não era a razão principal, mas sim, realmente, a possibilidade de uma carreira interessante, o que depois se concretizou.
Eu me formei em 1957, entrei na Petrobras em 1958. Entrei na Petrobras fazendo o antigo Cenap, o curso de geologia de petróleo. Era um curso de dois anos, feito em Salvador. Existia um convênio entre a Universidade da Bahia e a Stanford University. O curso era todo em inglês, os professores americanos. Era um curso de alto nível, nós fazíamos o curso de quatro anos em dois anos. Nós éramos empregados da Petrobras em tempo integral. Foi um período sacrificado, mas muito bom.
A minha primeira nomeação foi para Sergipe, Alagoas. Naquela ocasião, eu acho que era Sedeste, Setor Nordeste, com sede em Maceió. Fui ser geólogo de poço. Essa é a primeira etapa da geologia, sempre começamos no acompanhamento de poços. Eu fui ser assistente de um americano, o John Connely, um texano que falava bem arrevesado. Ele era daquela safra de americanos que participaram da Segunda Guerra Mundial e que quando voltaram receberam benefícios para fazer cursos superiores. Ele foi piloto da Segunda Guerra Mundial. Eu, realmente, me afeiçoei muito a ele, que me chamava de Al, não me chamava de Álvaro: “Vou te chamar é de Al”. No final, ele já largava tudo comigo, ia embora e eu ficava responsável pelo poço.
Nessa época tinha de tudo, né? Era uma verdadeira “legião estrangeira”, tinha americanos – a maior parte era americana –, alemães, colombianos... Tinha gente muito boa e também gente sofrível. Havia uns verdadeiros aventureiros que vinham ao Brasil. Mas eu tenho um respeito muito especial pelo Walter Link, ele lançou as bases, estruturou o Departamento de Exploração da Petrobras. Durante muitos anos, a área de geologia foi uma das mais avançadas da Petrobras. Eu só o conheci nas conferências, porque eu fiz o curso de dois anos, e fui trabalhar no campo em 1960; fiquei dois anos em Salvador. Foi uma época excelente, muito boa. Eu morava num paraíso e não sabia. Quando eu cheguei lá, o Link já estava se retirando, ele já tinha completado os cinco anos e já estava fazendo o famoso relatório.
O “Relatório Link” é atribuído a ele sozinho, mas na verdade foi feito por um conjunto de geólogos brasileiros e americanos. Olhando em retrospectiva, foi um relatório extremamente consciente. O Link chegou ao Brasil com a experiência americana, ele foi gerente de exploração da Exxon. Ele olhou as bacias paleozóicas, a bacia amazônica – que está situada mais ou menos no Amazonas, Pará, na floresta amazônica. E ali, ele viu as chances de encontrar grande reserva de óleo, como era modelo nos Estados Unidos e em outras partes do mundo. Fez um esforço tremendo e os resultados foram desanimadores. Ainda hoje é muito difícil explorar na Amazônia. Hoje, sabemos que tem petróleo, sempre se soube, por causa de Nova Olinda, né? Mas as condições de logística, as condições de tecnologia, a sísmica naquele tempo eram muito precárias. Então ele ficou meio decepcionado. Junto com essa equipe, que tinha muitos bons geólogos brasileiros, estudou o Brasil, a produção – naquele tempo era nas bacias costeiras, Alagoas, para onde eu fui, e Bahia – e viu que isso no futuro não daria para suprir o país. Então, no relatório, ele deu duas recomendações: ir para o offshore ou ir para o exterior. A Petrobras acabou fazendo as duas coisas com grande sucesso. Ele realmente acertou em cheio. Não significa que não possam achar boas reservas em terra, mas acho que ainda vai demorar. Eu acredito nessa possibilidade, sobretudo, por causa do aumento do preço do petróleo e do o avanço tecnológico da sísmica principalmente. Mas na Amazônia tem as questões ambientais. Sempre tem uns entraves, mas é sem dúvida a área mais promissora.
Eu fiquei durante sete anos em Sergipe: por dois anos como geólogo de poço e depois como geólogo de poço sênior. Em seguida, eu fui chamado para o escritório, para ser uma espécie de chefe de sub-superfície – aquele que dos escritórios acompanha os poços. Nesse período, eu conheci a minha esposa e casei em Alagoas. Ela é realmente meu grande tesouro, fizemos 43 anos de casados. Quando fui para Alagoas, eu fui morar numa república, ao lado da casa dela. Mas não namoramos logo de saída não, demorou, sei lá, uns dois anos. Quando realmente começamos a nos encantar, casamos rapidamente. Eu ainda fiquei na região mais uns três anos.
Depois fui fazer um estágio na França. O General De Gaulle fez uma visita ao Brasil e ofereceu uma série de bolsas na área de petróleo, e eu fui um dos contemplados. Passamos seis meses na França, eu estava recém-casado, foi outra grande experiência. Eu não só aprendi francês correntemente, falava e escrevia, como eu vi muita coisa interessante que reproduzi num relatório, que foi best seller, bastante elogiado depois. Relatei o que se podia aplicar na Petrobras. Eu já estava vendo o futuro. Lá eles me levaram a uma área chamada “Bureau Bassins”. Eles já estavam estudando o Brasil naquele tempo, em 1966. Eu perguntei: “Mas estudando o Brasil, pra quê? Tem o monopólio da Petrobras”, “Ah, nunca se sabe.” Então aquilo me deu uma série de idéias, vi umas novas tecnologias que eu trouxe, visitei muitas empresas de serviço. A companhia se chamava RAP - Régie Autonome des Pétroles. Depois houve uma série de merges e essa companhia virou então a Elf, hoje é Total. Foi um estágio muito interessante e muito importante na minha carreira.
Voltei para Sergipe, Alagoas, mas com a perspectiva de vir para o Rio. No ano seguinte, em 1967, fui transferido para a divisão de exploração no Rio de Janeiro, para a sede. Começava-se a falar a em ir para o offshore. Havia umas descobertas em terra, inclusive eu participei de algumas em Sergipe - Alagoas. Eu fiz o prospecto da maior descoberta de Sergipe na década de 60, do Campo de Carmópolis. Eu participei diretamente do prospecto e depois do início do desenvolvimento, da avaliação do campo. Era a maior reserva do Brasil na década de 60. Calculei a reserva. Naquela ocasião, realmente, passou a ser o campo mais importante do Brasil. Quando eu vim para o Rio, eu passei a trabalhar com todo Brasil e Carmópolis passou a ser uma das minhas tarefas. Essa descoberta foi em 1965.
Naquela ocasião, já se produzia petróleo em Alagoas e ainda havia muita perspectiva na Bacia de Sergipe, ao sul, mas não tinha produção comercial. Em Sergipe, trabalhávamos com o mesmo prospecto da Bahia, era objetivo profundo. Nesse prospecto de Carmópolis, nós tentamos ir para esse objetivo profundo e pegar um objetivo raso, porque parecia uma grande estrutura. Quase erramos a descoberta por 400 metros, ficamos no contato óleo/água, no limite do campo. Obviamente depois seria descoberto. Mas aquilo realmente foi muito interessante, quer dizer, nós furamos na beirada do campo, íamos acabar achando, porque depois a Formação Muribeca passou a ser a maior produtora da Bacia de Sergipe.
Eu vim para o Rio de Janeiro em 1967 e, em seguida, houve uma grande mudança na divisão de exploração com a chegada do Carlos Walter Marinho Campos. Inicialmente, ele foi designado para iniciar esse processo de exploração offshore, que era muito insipiente. A tecnologia naquele tempo era para águas muito rasas. Em seguida, ele assumiu toda a Divisão de Exploração e resolveu formar um grupo de elite. Eu fui chamado para esse grupo. Então eu passei a trabalhar diretamente com ele numa tarefa muito especial. Eu fui iniciador na Petrobras do que se chama “geologia de integração”, quer dizer, continuava a sub-superfície, a superfície, a gravimetria sísmica e a minha área era encarregada de integrar os dados. Ela se chamava Setin – Setor de Integração. Então essa era a minha função, onde eu comecei esse negócio. Dali saímos exploracionistas, uma pessoa interdisciplinar, que lida com todas as áreas. Foi muita com a sísmica. A sísmica sempre foi o método “rei” de alocação. E eles resolveram que o geólogo ia fazer a interpretação, porque normalmente eram eles que faziam a interpretação, o geólogo fazia uma aqui, eles faziam lá. Como começamos a integrar tudo, houve certa ciumeira, mas hoje é corriqueiro na Petrobras. Eu acho que isso foi idéia do Carlos Walter. Era idéia minha também. Foi um grande avanço que a Petrobras fez na área de exploração.
Depois houve outro avanço quando apareceu o “explotacionista”, o geólogo que trabalhava com os engenheiros de reservatório. Eles começaram a aparecer com o desenvolvimento da tecnologia de sísmica. A sísmica passou a ser uma espécie de tomografia da sub-superficie. Olhávamos as coisas, como geólogo, e sabíamos interpretar aquilo. Então, criamos o exploracionista, que foi um grande sucesso na Petrobras. Depois veio os “explotacionistas”, o homem que trabalhava com engenheiro de reservatório, integrando a geologia com a produção. A palavra explotacionista vem de explotar: produzir. Eu participei dessas coisas.
Eu fiquei no Setin de 1967 até 1970, era o início da exploração offshore. A primeira iniciativa do Carlos Walter foi furar nos deltas, o que dava grandes resultados na costa oeste da África; o delta do Níger, o delta do Mississipi. Mas os nossos deltas eram diferentes e as primeiras perfurações não foram bem sucedidas. Eu não tive, infelizmente, a chance de participar da primeira grande descoberta offshore, que foi Garoupa. Nessas alturas, eu já estava na Braspetro. Então eu fiquei participando desse grupo, formado em todas as regiões.
Em 1971, a Petrobras começou a ir para o exterior. Do nosso grupo, o gerente da área de superfície foi convidado a ser diretor de exploração da Braspetro. E aí ele me convidou: “Álvaro, você não quer vir para a Braspetro? Nós estamos com um joint venture, uma parceria, com a Chevron em Madagascar e nós precisamos de alguém para ser o representante residente lá.”; “Eu topo” Então, em janeiro de 1973, com duas malas, uma filha de um ano e meio, uma pilha de vídeo-cassete, me mandei para Madagascar. Foi uma excelente experiência.
A turma diz que Madagáscar é uma espécie de transatlântico no meio do oceano, né? É um pedaço de continente que se separou da África. É um país completamente diferente de tudo o que se imagina. É uma ex-colônia francesa, tanto que idioma oficial é o francês. E foi aí que realmente eu “me lavei”, porque eu sabia falar francês muito bem e falava inglês. Fui trabalhar junto à Chevron e eles não sabiam falar francês. Havia muitos relatórios, inclusive antigos da região, ainda do período colonial, todos em francês. Os franceses trabalharam bastante lá na ilha.
Então eu trabalhei junto a Chevron, que considero uma grande empresa, onde eu aprendi uma série de coisas também. A Chevron fez uma parceria com a Petrobras, era 50 por 50. A operadora – companhia operadora é aquela que executa todos os trabalhos de exploração –, em nome do joint venture, foi a Chevron. Em suma, era um projeto da Chevron que convidou a Braspetro a entrar de parceira em 50 / 50. E foi interessante porque eu fui olhar o outro lado mesa, o lado do negócio do petróleo, onde aparecem os contratos. Eu me lembro de quando li o primeiro contrato; tem o contrato de exploração, o contrato de concessão, que agora é tão normal no Brasil, mas tinha também o joint operating agreement, o contrato de parceria entre a Petrobras e a Chevron. Uma semana antes de viajar, eu fui dar uma lida e lá encontrei uma coisa chamada sole risk. Dizia que se um dos parceiros resolvesse ser contra um prospecto, não haveria... Porque numa parceria 50 por 50 só se os dois estiverem de acordo. Em caso de desacordo, se um deles quisesse prosseguir, seguiria sozinho, por isso essa operação se chama sole risk [risco próprio]. Mas, pô, uma parceria é como um casamento, como é isso? Isso parece um adultério no casamento. Então é a cláusula mais importante em um contrato de concessão, é o que dá estabilidade nas parcerias. Depois, eu a usei quando nós quisemos furar um projeto no Irã, no qual a Mobil não queria. Eu só não fiz um sole risk porque o Xá chegou antes e acabou o nosso contrato no Irã.
Eu fiquei em Madagáscar por dois anos. Primeiro eu era considerado uma pessoa estranha: “Bom, tem um camarada aqui que representa a Petrobras e ele vai fazer a auditoria do que nós estamos fazendo.” Me puseram no escritório, eu fiquei meio isolado lá, mas aos poucos fui granjeando a confiança e disse: “Eu sou parceiro de vocês, afinal de contas vocês também são geólogos como eu. Na hora de decidir uma alocação nós vamos discutir e se eu sentir que vocês têm melhores argumentos, eu vou apoiar vocês.” Com isso eu virei realmente um parceiro deles também. Aí começaram abrir os arquivos para mim, né? Furamos dois poços lá. O prospecto era muito parecido com a Bahia, com o horst ou alto Mata-Catu. [“Horst” é uma feição estrutural alta, formada por falhas geológicas]. A turma estava querendo furar um prospecto que era uma discordância acima do horst. Eu olhava para aquilo e dizia: “Mas isso não tem fechamento. Porque para ter óleo é preciso ter fechamento, isso é areia contra areia, e areia não fecha.” Ih, isso deu a maior quizumba Eu acabei vencendo e furaram o poço profundo, mas, infelizmente não tinha óleo. Mesmo assim, foi um grande prospecto; na minha opinião, valeu a pena ter furado.
Depois furamos outro prospecto com outro objetivo, aí já fui eu quem fez o prospecto, mas também foi seco, foi um poço mais raso. No final, eles não queriam que eu saísse, eu disse: “Olha, furamos dois poços secos, eu ainda tentei ir atrás de outros prospectos lá – nós viemos aqui para furar esses dois tipos de prospectos, não tem, a Chevron não está disposta...” Em dois prospectos durante dois anos gastamos só cinco milhões de dólares, pode imaginar o que é cinco ou sete milhões de dólares? Hoje a mesma coisa deve custo 20 vezes mais, não sei. E aí eu disse: “O negócio é o seguinte, furamos dois poços e se vocês não querem prosseguir nesse tipo de prospecto – realmente era um prospecto arriscado, ainda tentei vender – eu vou fazer o seguinte, eu quero voltar para o Brasil.”, “Não rapaz, você fica porque nós temos outros blocos aqui, porque que não fica para nos ajudar?”, “Não, eu vou voltar para o Brasil.” Nesse ínterim, o gerente de geologia da Braspetro aqui no Rio de Janeiro, resolveu voltar à Petrobras e eu acabei voltando para Brasil dois anos. Eu tinha vendido o meu apartamento no Rio. Fui ser o gerente de geologia aqui na sede; uma espécie de geólogo chefe.
O José Ignácio era o meu diretor: “Me deixa dar uma olhada lá como é a coisa”, “Não, lá é muito bom”, “Mas qual será o meu salário?”, “Não, depois você arranja lá, isso é uma parceria, você pede dinheiro a Chevron.” Eu cheguei lá e já tinham arranjado uma casa para mim. Eu fui para casa e achei péssima. Primeiro estranharam: “Ih, rapaz, brasileiro louro, parece americano. Mas é assim?”, “É, tem gente de tudo quanto é jeito que você possa imaginar.”
A minha esposa ficou decepcionada, a minha filha era pequena, tinha um ano e meio. Então houve um choquezinho. Além do mais eu cheguei lá com cinco mil dólares no bolso. Eu disse: “Bom, o que eu faço?” Comprei um carro de segunda mão. Comecei a conviver com eles, até que o diretor foi até lá outra vez, eu disse: “Olha, eu não vou ficar nessa casa, pô, eu comprei o carro...” Hoje, quando o cara é expatriado, eles dão um carro, dão não sei o quê... Mas, realmente, foi uma experiência que no final foi muito gratificante. Aí ele me autorizou a mudar de casa. Eu fui para uma casa boa, com jardineiro, uma casa espetacular Começamos a dar recepções até melhores do que os americanos. Porque os americanos, quando são designados só para o exterior, eles levam tudo, toda prataria, todo cristal, tudo Eu não tinha nada. Começaram a me convidar, depois quem realmente dominava a socialmente o pessoal éramos nós. O ponto mais alto foi a festa de carnaval que fiz na minha casa, com o embaixador dos Estados Unidos. Tinha uma secretaria brasileira, ela era casada com americano. A festa foi o grande acontecimento no grupo estrangeiro lá; o baile de carnaval de 1975, uma grande festa.
Come-se muito bem em Madagáscar. Lá tem a influência francesa. O país ficou independente da França em 1960, mas manteve toda a cultura francesa, né? A língua é malgaxe. É uma língua que eu nunca aprendi e que ninguém sabe a origem, que usa a repetição das palavras. Ninguém conhece a raiz do malgaxe. A língua oficial era o francês. Madagáscar deixou de ser possessão francesa em 1960, com a independência, mas continuou ligada a o que eles chamam “a área do franco”, inclusive a moeda era conversível. E os franceses, como sempre, deixam bons restaurantes e um serviço de informação terrível. Quando eu cheguei lá eu recebi um telefonema não sei de quem, dizendo se eu não estava precisando de uma empregada. Não sei quem deu informação, não sei nem quem telefonou. É o que eles deixam arrumado. Deixam também um correio extremamente bem organizado. Lá, como os telefones eram precários, a turma marcava encontro pelo correio: “Quero encontrar você amanhã, às 10 horas” e funcionava. A comida era espetacular, comia-se muito bem. O supermercado era como um supermercado da França.
O povo é diferente de tudo. Lá têm castas como na Índia. Tem a casta alta, porque o país tem uma costa inclinada. Então tem o pessoal que eles chamam do “Haut Plateau”, da parte alta; a capital está nesse “Haut Plateau”. E ela cai na direção do Estreito de Moçambique, lá eles são quase negros, são chamados “côtiers”, há toda uma gradação. Tem os “merinas”, eles são altos, meio claros, olhos amendoados. O cabelo vai variando e a altura também. É um país muito parecido com o Brasil, tem os mesmos minerais. Mas é um país devastado, as florestas foram devastadas. É um povo interessante, eles são muito medrosos, supersticiosos, provavelmente, o pessoal de alto nível não é assim, são formados na França. Eles têm umas casas compridas de dois andares, com umas janelinhas, a porta é pequenininha, para não entrar o “pacafú”, o papa-figo. O “pacafú” é equivalente ao papa-figo no Brasil, lá do nordeste, que sai a noite para comer os fígados das crianças. Eles só andam em bando. Se um cara vinha negociar alguma coisa, ele vinha com dois ou três, viviam sempre em conjunto. Foi uma experiência muito interessante.
De Madagáscar, eu vim para o Rio, ser geólogo-chefe, gerente de geologia da Braspetro, na sede. Eu cheguei no final de 1976, e eu pedi: “Eu quero fazer uma volta por todas as áreas de operação.” Naquele momento, eu estava com a minha filha e a minha mulher. Então, nós fomos à Argélia, à Líbia, ao Egito, ao Iraque e ao Irã. Eram as cinco áreas principais da Braspetro. Tinha uma área na Colômbia também, onde eu fui posteriormente. Mas ela estava concentrada nas bacias do Oriente Médio, que realmente eram mais promissores e do norte da África. Eu visitei todas essas áreas. Fiquei encantado com o Egito. A Argélia era complicado, a Líbia pior ainda. O Iraque era um país interessante, era muito amigo do Brasil, eles eram muito, muito ligados. O Irã estava no tempo do “Xá”, caminhando para uma se tornar uma sociedade mais ocidental, então, havia grandes estradas, grandes carros, grande supermercados. Você ia para um restaurante a noite encontrava cinco mulheres sozinhas jantando, como se vê hoje aqui no Brasil. Ninguém creditava que ia acontecer o que aconteceu no Irã. Realmente. Virou uma república fundamentalista. Isso aconteceu em 1978 ou 1979. Quando eu passei ainda estava tudo legal. Eu fiz esse giro pelo mundo em 1976, passei dois meses viajando, dei a volta ao mundo, foi outra grande epopéia.
Eu vim para o Rio, passei a ser o geólogo chefe, trabalhando com a operação dessas áreas. Havia também a Colômbia, onde nós tínhamos uma operação interessante, com uma produção razoável. Era uma associação com um grupo colombiano, uma empresa chamada Colbras – Petróleo Colombo Brasileiro S.A., em Bogotá, que naquele tempo era uma cidade maravilhosa. Eu estou falando da década de 70.
Paralelamente, estávamos em outras áreas, olhando outras áreas, vendo outras possibilidades. Aí entramos em Angola. Eu participei da primeira missão junto com o nosso grande amigo Haroldo Ramos da Silva, que foi diretor da Petrobras, e o Luiz Reis. Eu acho que o Luiz Reis continua na Braspetro, ele foi o presidente da Petrobras América, há cerca de uns 10 anos. Fomos os três fazer a primeira incursão para buscar uma área em Angola, que resultou num joint venture com a Texaco, bloco 2, que está produzindo até hoje. Nós trabalhávamos em equipe. Tinha os geofísicos, o chefe da geofísica era o Luiz Reis, o geólogo... Eu fazia a interpretação. Mas, nesse caso, estávamos trabalhado juntos, os dois eram exploracionistas. Sempre tem um economista. Fazemos uma avaliação geológica, onde se atribui os riscos, analisa as possibilidades de sucesso, o possível volume. Faz-se uma análise, uma simulação econômica, se passar... Naquele tempo, havia ainda a taxa de retorno, eram tantos por cento positivos. Então se calculava quanto se queria investir e havia toda uma simulação. Era assim que se decidia. Existem bases técnicas para se decidir, obviamente, sempre tem o risco. Por mais que a tecnologia tenha avançado, a exploração de petróleo não é determinística. Ela colhe os dados. Os geólogos podem ter interpretações diferentes e realmente só se confirma quando o poço é furando. Mesmo depois de furar, pode haver óleo, mas pode ser um óleo pesado, pode ter sido deteriorado por bactérias, há um montão de riscos. Então, é isso que dá a graça, é isso que dá um charme à exploração. No dia em que a exploração se tornar determinística, ela vai perder completamente o seu charme, vai passar a ser uma atividade qualquer. Mas ainda é assim; tomara que continue dessa forma. Mas está, estão chegando lá, viu? A sísmica tem evoluído de tal maneira que está quase vendo a natureza do fluído que tem lá em baixo, o que era impossível de se pensar naquele tempo.
Naquele período, entramos também na Guatemala, ampliamos a exploração na Colômbia e entramos num joint venture muito rápido nas Filipinas, onde furamos um poço que não deu certo. Mas aí foi uma sucessão de acertos. Na Guatemala chegamos a achar petróleo, mas não foi comercial, chegou a produzir mil barris por dia. Nesse caso, éramos associados à Spain Oil. Em todas aquelas áreas que eu falei, Iraque, Argélia, Líbia e Egito, nós éramos operadores. No Irã, nós fazíamos parte de uma companhia mista. Era a Mobil, a Nioc, a companhia estatal do Irã, e a Braspetro. Formou-se uma companhia. As companhias botavam pessoas nessa companhia mista, tinha gente das três empresas. Chamava-se HOPECO – Hormuz Petroleum Company. Esse nome vem do Estreito de Hormuz , na entrada do Golfo Pérsico (ou Arábico), onde estava situado o bloco operado por essa empresa mista. Mas nós abandonamos essa área à “toque de caixa” com a queda do Xá. Ela foi praticamente nacionalizada e tem uma estrutura bem grande, nós deixamos um poço lá, ele foi abandonado porque tinha H2S, eles disseram que tinha H2S – gás sulfídrico. É um gás terrível em termos de saúde, pode matar em poucos segundos e ataca toda tubulação. Então não estávamos preparados para isso, era um navio velho e o poço foi abandonado, já tínhamos furado uns 30 metros com óleo. Para mim, ainda tem muito óleo lá. Mas abandonamos um grande projeto. Inclusive aquele que eu falei que eles não queriam furar; porque o contrato era apertado, mas a estrutura era tão grande: “Vamos furar esse negócio.” Eu já estava indo para o sole risk quando a coisa desmoronou.
Tinha um geólogo da Braspetro, o Perrella; já escutou falar no Perrella? [José Maria de Lima Perrella] Ele dizia: “Olha, se você quer caçar elefante, você vai aonde? Eu vou à África. E se você quiser encontrar um campo grande vai para o Oriente Médio.” E, realmente, lá encontramos o elefante, no Iraque, em 1976. Nós descobrimos o campo de Majnoon, o elefante que o Perrella preconizava: um campo de 100 quilômetros de comprimento, com 10 de largura e 20 bilhões de reserva. Eu não me lembro qual era a reserva brasileira naquela ocasião, na década de 70, mas o campo era 10 ou 20 vezes maior que a reserva brasileira. Aí descobrimos um outro campo, descobrimos Nahr Urm, com cinco bilhões. Os dois campos eram próximos, próximos. Ficavam na fronteira entre Irã e Iraque, que é uma linha no deserto. A nossa área era exatamente nessa fronteira. Inclusive houve uns problemas com a sísmica, porque às vezes estava do lado de lá, vinham os guardas iranianos e prendiam, porque estavam em território iraniano, mas não sabíamos. Depois soltavam, naquele tempo a relação Irã-Iraque não era como nos tempos do Xá. Eles tinham chegado a um acordo, marcado a fronteira, mas era uma linha no deserto.
No Iraque, a produção estava na mão de um consórcio de americanos e ingleses, quando o Al-Bakr nacionalizou e o Brasil foi o primeiro país a comprar o óleo nacionalizado. O Presidente Geisel e o Ueki tiveram a coragem de comprar esse óleo e foi uma coisa que eles nunca esqueceram: “Olha, se vocês não comprassem aquele óleo talvez a nossa nacionalização tinha vingado.” Isso escutei de um ministro iraquiano. E, inclusive, por causa disso, durante algum tempo os petroleiros da Petrobras ficaram ameaçados de arresto nos poços estrangeiros, havia ameaça de arresto. E isso gerou uma relação muito forte do Brasil e Iraque, inclusive para suprimento de petróleo. Então era uma relação muito forte, abriu espaço para a Mendes Junior ir lá fazer grandes obras de engenharia. Não sabíamos que o nosso amigo Saddam, que derrubou o tio dele, que é o Al-Bakr, estava se preparando para a guerra. Eles estavam fazendo edifícios... Eu pensei que eles estavam usando o dinheiro em infra-estrutura, construindo estradas, estrada de ferro para a fronteira com a Jordânia, estavam tentando des-salinizar o deserto. “Pô, na hora em que essas obras de infra-estrutura ficarem prontas, esse país vai deslanchar.” Só que eles estavam preparando para se tornar potência em armamentos do Oriente Médio. O Saddam torrou uns 80 ou 100 bilhões de dólares em armamentos.
As segundas maiores reservas do mundo estão lá, continuam lá. O campo de Majnoon está abandonado. Começamos a desenvolver o campo, a avaliar. Nós furamos uns sete, oito poços. Encontramos desde óleo pesado até óleo extremamente leve, um óleo tão leve que pensamos que fosse água no teste de formação. Fizemos um dique – porque apesar de ser um deserto, aquilo não é o deserto como estamos acostumados. O deserto mais lindo que eu já vi foi da Argélia, com aqueles montes de areia cor de rosa. Lá é uma espécie de silte, uma argila. Durante o verão, com o degelo dos Alborz – daquela montanha que separa o Irã do Iraque –, aquilo vira um pântano, e fica com dois metros de altura de água e, nesse período, a vida explode: peixes, pássaros... Mas aquilo regride para o norte quando no inverno e volta para o sul no verão.
Como estava falando, o campo de Majnoon era na fronteira com o Irã. Durante o verão, com o degelo, a água passa por cima daquela área, fica com dois metros de água, cheio de plantas, e peixes. Eles fazem uns barcos feitos de junco, como é feito no Lago Titicaca; inclusive eles colocam o gado nesses barcos de junco, colocam o gado vivo ali em cima. Então nós fizemos um dique de terra com mais ou menos três metros de altura e seis metros de largura, e tinha uma estrada de 200 quilômetros. Tivemos que circundar o campo todo e ainda fazer uma estrada com um ponto seco. Durante a guerra ficou conhecida como a Ilha de Majnoon, porque ficava seco, né? Isso foi tudo destruído, ficou destruído. Nós achamos o óleo em mil até quatro mil metros, uma coluna, de uns 500 a 600 metros de óleo; eram vários tipos de óleo. A última acumulação era inclinada para oeste, porque se fosse para leste estaria no Irã. Devido até ao movimento das águas dos Alborz entendeu? Incrível Eu cheguei a ir ao Irã, para discutir com a companhia do outro lado a geologia daquela área. Fiz uma viagem secreta, porque ninguém podia saber que eu tinha ido ao Irã conversar com o consórcio de companhias internacionais que naquela ocasião era responsável pela produção no Irã. Eu fui lá, foi interessante. E eles acabaram furando uns poços ao lado, tentando ver se o óleo se estendia para a área deles.
Foi o grande sucesso da Braspetro. Aquilo inclusive criou na nossa cabeça a “síndrome de Majnoon”: qualquer coisa menor do que um bilhão de barris parecia insignificante. Foi uma fase um pouco difícil, qualquer campo menor era “humm”. Eu chamava de a “síndrome de Majnoon”; eu estou com a “síndrome de Majnoon”. Uma vez eu fiz uma exposição para o presidente Joel Rennó, que não gostou muito: “Olha, tudo é pequeno, tudo.” Foi terrível, porque olhávamos aquele negócio, nossa Nós nunca tínhamos visto tanto óleo na vida. Você já pensou quando encontrar uma coluna de 400 metros de óleo? Hoje, nem os grandes campos daqui. Majnoon foi a maior descoberta do mundo na década de 70. Tem outra coisa, o campo ainda seguia para fora, porque nós tínhamos um bloco e ele não se restringia ao nosso bloco não. Nós escutamos falar que na verdade deve ter uns 30 ou 40 milhões, mas nós tínhamos a maior parte.
E quem era o geólogo chefe lá no Iraque? Quem? O atual diretor de Exploração e Produção Guilherme Estrella. Ele era o meu comandado. Quando formei a minha equipe no departamento de exploração na Petrobras, no Divex, ele fazia parte do meu grupo de ouro. Então nós o mandamos para o Iraque. Eu cheguei lá ele disse: “Álvaro, olha aqui essa estrutura Era até pequenininha, mas eu fiz uma correção...” Aí veio o exploracionista. “Essa estrutura é muito maior.” Ele estava correto. Tinha o Baccar Grande geofísico, grande geofísico. Nós somos colegas no curso do Cenape, nós formamos juntos. O Muhamad Baccar é um geofísico de estrela, eu aprecio muito o Baccar. Por razões políticas, ele acabou saindo da Braspetro. Eu também tive problemas políticos, aconteceu comigo também. Então, nós ficamos revoltados quando o Iraque resolveu nacionalizar o Campo de Majnoon. Um belo dia resolveu. Ele tinha colocado o Brasil perto da área da refinaria de Abadan, na fronteira, os franceses estavam mais ao norte, na região dos curdos, e tinha colocado os indianos na zona neutra, com o Kuwait. Os indianos não acharam nada, os franceses acharam coisas pequenas e resolveram vender para os iraquianos. Ficamos só nós de companhia estrangeira. Só agora nós entendemos porque eles fizeram aquilo. Era o palco da guerra. Foi uma sorte, não termos desenvolvido o Campo. Naquela ocasião, era um investimento da ordem de 1,5 a 2 bilhões de dólares, teríamos perdido tudo. Hoje, inclusive, a tecnologia é outra, completamente diferente. O Campo está lá à disposição, os franceses sempre tiveram com um olho muito grande lá. Ainda estão lá os campos de Nahr Urm e de Majnoon.
Na Argélia, também, tivemos uma descoberta interessante: Ras Toumb. O Baccar deve ter falado de Ras Toumb, “cabeça de alho”, Ras é cabeça. Essa descoberta foi feita em pleno deserto mesmo, na fronteira com a Tunísia; aquilo que é um deserto bonito. Era uma grande estrutura. Nós achamos óleo no primeiro poço. Os franceses ficaram muito magoados conosco, porque eles tinham acabado de devolver aquela área. Furamos 10 poços, mas só achamos óleo em três, os outros sete foram secos. Na Líbia, nós achamos óleo da Bacia de Murzuk, lá no interior. Essa bacia de Murzuk
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