Projeto Vale Memória
Depoimento de Márcia Ferreira Carlos Magno
Entrevistado por Karen Porto e Rosana Miziara
Rio de Janeiro, 17 de novembro de 2003
Realização Museu da Pessoa
Entrevista número CVRD_HV145
Transcrito por Elisabete Barguth
Revisado por Camila Catani Ferraro
P1 – Então, Márcia, a gente queria começar, você fala o seu nome completo, local e data de nascimento?
R – Bom, eu, Márcia Ferreira Carlos Magno, nasci no Rio de Janeiro, sou carioca, dia 19 de janeiro de 57.
P1 – E, qual é o nome dos seus pais e atividade deles quando você era criança, né?
R – Bom, minha mãe, Vera Magno, ela nunca trabalhou, né, a vocação dela sempre foi ser mãe e companheira, né, e foi uma companheira e tanto do meu pai, porque o meu pai, ele tinha duas atividades profissionais, ele era executivo do Banco do Brasil e era advogado e na carreira dele no Banco do Brasil ele teve que fazer algumas opções de viajar muito, né, e a minha mãe sempre botava as malas nas costas e íamos todos atrás. Então, na verdade a minha infância, ela foi passada no interior do Paraná onde eu fiquei durante nove anos, eu fui para lá com dois anos e voltei pro Rio com 10, morei no Rio um ano e pouco, depois fui para Minas, fui para Bahia, depois fui pro Sul e finalmente voltei pro Rio, então eu sou carioca de nascença, mas paranaense de coração, sem dúvida, eu acho que a questão com a Vale começou lá atrás, porque era muito coisa de terra, eu fui criada em fazenda, então foi uma experiência bem legal.
P1 – Mas, ele foi executivo no Brasil? ele foi para uma fazenda no Paraná, o que aconteceu?...
R – Não, ele foi ser gerente, na época o Banco do Brasil tava no ciclo do café, né, quer dizer, o Brasil tava produzindo muito café e o maior centro de produção de café, na época, era o Paraná, então toda hora abria agência no interior do Paraná para fomentar, né, todos os empréstimos pros produtores de café. Então meu pai foi para uma...
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Depoimento de Márcia Ferreira Carlos Magno
Entrevistado por Karen Porto e Rosana Miziara
Rio de Janeiro, 17 de novembro de 2003
Realização Museu da Pessoa
Entrevista número CVRD_HV145
Transcrito por Elisabete Barguth
Revisado por Camila Catani Ferraro
P1 – Então, Márcia, a gente queria começar, você fala o seu nome completo, local e data de nascimento?
R – Bom, eu, Márcia Ferreira Carlos Magno, nasci no Rio de Janeiro, sou carioca, dia 19 de janeiro de 57.
P1 – E, qual é o nome dos seus pais e atividade deles quando você era criança, né?
R – Bom, minha mãe, Vera Magno, ela nunca trabalhou, né, a vocação dela sempre foi ser mãe e companheira, né, e foi uma companheira e tanto do meu pai, porque o meu pai, ele tinha duas atividades profissionais, ele era executivo do Banco do Brasil e era advogado e na carreira dele no Banco do Brasil ele teve que fazer algumas opções de viajar muito, né, e a minha mãe sempre botava as malas nas costas e íamos todos atrás. Então, na verdade a minha infância, ela foi passada no interior do Paraná onde eu fiquei durante nove anos, eu fui para lá com dois anos e voltei pro Rio com 10, morei no Rio um ano e pouco, depois fui para Minas, fui para Bahia, depois fui pro Sul e finalmente voltei pro Rio, então eu sou carioca de nascença, mas paranaense de coração, sem dúvida, eu acho que a questão com a Vale começou lá atrás, porque era muito coisa de terra, eu fui criada em fazenda, então foi uma experiência bem legal.
P1 – Mas, ele foi executivo no Brasil? ele foi para uma fazenda no Paraná, o que aconteceu?...
R – Não, ele foi ser gerente, na época o Banco do Brasil tava no ciclo do café, né, quer dizer, o Brasil tava produzindo muito café e o maior centro de produção de café, na época, era o Paraná, então toda hora abria agência no interior do Paraná para fomentar, né, todos os empréstimos pros produtores de café. Então meu pai foi para uma área muito rica do Paraná, hoje eu acho que já tem no mapa, chama Porecatu, que é perto de Londrina, no norte do Paraná e ali a agência que ele foi abrir era a agência que deu fomento, não só financeiro, mas principalmente de orientação pros agricultores para trabalharem a terra e produzir o café. Então, a opção da gente na época foi morar em fazenda até porque era, eu acho, que uma das poucas opções de moradia no local e foi bastante interessante, porque não tinha luz elétrica, não tinha nada, então era um trabalho, assim, de desbravador, de bandeirante, que eu vivi e foi muito interessante.
P1 – Você tem quantos irmãos e irmãs?
R – Um irmão.
P1 – E o quê você lembra dessa época na fazenda, assim, lembrança mais marcante?
R – Olha, eu acho que são três questões, assim, fundamentais: a primeira foi o relacionamento com a terra, né, porque como eu saí do Rio de Janeiro muito pequenininha, quer dizer, eu ainda não era “urbanóide”, eu era uma criança, então enquanto aqui no Rio de Janeiro a gente tinha referência de outras brincadeiras que depois, 8 anos mais tarde, eu vim a conhecer, na fazenda, as minhas brincadeiras eram com bichos, quer dizer, eu tinha charretes, eu tinha cavalo, eu tirava leite de vaca, eu brincava com bezerro, eu corria atrás de galinha, subia em árvore para colher fruta... A outra segunda lembrança que eu tenho, é porque eu levei tiro de bala de sal, porque juntava uma patota e eu sempre fui moleque, então juntava a patota lá, os filhos dos gerentes do Banco do Brasil e a gente ia pegar fruta na fazenda vizinha que era de um cara maluco e que sempre dizia que quando a gente entrasse lá ele ia dar um tiro de bala de sal, até que deu um tiro de bala de sal, pegou em mim e ardeu… eu lembro que ardia...
P1 – O quê é um tiro de bala de sal?
R – É uma bala de sal grosso numa espingarda, tipo, de ar comprimido, “concentradona” e quando ela entra o sal dissolve, né, no fluxo sangüíneo, então é uma ardência alucinada que te imobiliza! então eu levei perto do bumbum esse tiro e aí a criançada toda foi chamar meu pai, o pai de todo mundo e aí foi aquele auê na cidade… precisou vir o prefeito, o xerife, o xerife não!, o prefeito, o delegado, naquela época mais parecido com o xerife e até a dona lá da casa de tolerância, que era a terceira autoridade na região, para apartar a briga, porque o meu pai queria matar... eu tinha seis, sete anos e então essa foi a minha segunda referência de uma infância moleque. E a terceira foi a do golpe de 64, que eu era uma criança, nessa época eu tinha 7 anos e eu lembro que no galpão da minha fazenda tinha amanhecido com uns desenhos, né, dos símbolos comunistas e abaixo o governo e aquilo me assustou muito, porque como eu vivia no interior e não tinha nenhuma referência dessas questões políticas, né, aquilo me assustou muito, porque aí começou haver invasão, né, na época, hoje chamam de sem terra, mas na época já eram os sem terras, de todas as fazendas, então foi, assim, uma situação muito delicada, porque aí seqüestraram a minha mãe, a minha mãe e a mãe de uma amiguinha minha, porque queriam invadir parte da terra que era altamente produtiva. Então, assim, eu diria que esse período da minha infância ele foi sustentado por três sentimentos muito fortes, quer dizer, a coisa gostosa de você conhecer a terra, né, sentir o cheiro de terra molhada, saber quando vai chover só pelo barulho da terra, pelo coração da terra pulsando, aquela coisa da cultura do capiau, que é a cultura mais pura e mais verdadeira que pode existir, quer dizer, a coisa da Lua, do sal, da terra, enfim, é muito bacana; a dor, né, a primeira sensação de dor física muito grande que eu tive que foi o tiro e a coisa da limitação, porque quando a gente é criada no interior essa limitação, ela existe na tua educação, tipo, obrigada, por favor, com licença, mas a questão do espaço, né, que na minha cabeça poderia ser compartilhado, não era e a limitação aí foi o tiro e mais ainda a questão da invasão, né, dos sem terras, porque aí caracterizava mais a limitação do espaço. Mas ainda sim foi uma infância que eu não troco por ouro em pó, foi muito bom mesmo.
P1 – E lá você começou a estudar?
R – Lá eu fui alfabetizada no Paraná e fiquei até a terceira série, se bem me lembro. Quando eu voltei pro Rio fui estudar num colégio de freira, fui morar no Grajaú, num apartamento, quer dizer, eu morava em fazenda e fui morar num apartamento, não era um apertamento, mas diante da área que eu ocupava se tornava um ambiente, assim, muito restrito... Dei continuidade numa educação de colégio religioso, porque lá no Paraná já eram freiras, mas foi bacana, porque aí no Grajaú, na época, também proporcionava coisa para a molecada, então eu comecei a conhecer a bicicleta, que eu não conhecia, eu conhecia carroça, charrete, mas bicicleta eu não conhecia, patins, patinete, bolinha de gude, rolemã... então aquele meu lado moleque de terra, passou a ser moleque urbano, né, então tudo isso eu passei a conhecer e me deu uma sensação de liberdade grande, porque eu pegava a minha bicicleta e ia até a Praça Verdun que era a 10 minutos do Grajaú, mas ir sozinha, com 10, 11 anos para Praça Verdun era uma conquista de espaço que era o que eu buscava, né, porque eu tava acostumada com espaço grande e de repente eu tô ali numa “apertamento”.
P1 – Mas e a parte, assim, mais de angústia, te deu, de chegar numa cidade e não conhecer…?
R – Hmm… não, porque tinha muita coisa nova, né, tinha o lado também da minha mãe dizia: “Ah, quando a gente voltar pro Rio, você vai aprender ballet.”, aí eu comecei a aprender ballet... aquela coisa da mocinha, né? então o bichinho do mato começa a virar mocinha, então foi bem legal. Eu acho que a adaptação só do espaço, inicialmente, que eu senti um pouco falta, né, do poder ir e vir com tranqüilidade, porque tinha muito carro, esse tipo de coisa, mas criança se adapta muito facilmente, porque passa a ter outras referências bacanas, né, e foi... não fiquei traumatizada, não (risos).
P1 – Quem que exercia mais autoridade na sua casa? seu pai ou sua mãe?
R – A minha mãe, sem dúvida, a minha mãe! até porque o meu pai viajava muito, então ela cuidava sempre de mim e do meu irmão, assim, muito sozinha, né… trocava sempre idéias com o meu pai por telefone, mas a presença física, na escola, na educação mesmo foi a minha mãe, sem dúvida. Eu acho que na época era normal a mulher, ela ter mais influência nesse processo, né?
P1 – Mas ela era uma pessoa muito severa, como era?
R – Não, severa não. Eu acho que ela soube dosar bastante, até para não causar nenhuma dificuldade de adaptação, nem a mim, nem ao meu irmão, eu acho que ela soube dosar isso, perfeitamente. Quer dizer, assim que a gente chegou ela começou a mostrar para gente o quanto era bom a gente tá na cidade grande, né?. Então uma coisa que eu lembro com muita saudade foi a primeira vez que eu andei de bonde; meu irmão, ele sempre nasceu para ser rico (risos), então ele odiava andar de bonde, achava um absurdo aquele troço sacudia, então queria ir de táxi e a minha mãe: “Não, vamos de bonde, porque a gente vai olhando a cidade, vai conhecendo...” e eu queria ir de bonde, então foi uma das coisas, assim, que mais me deixou extasiada... a luz elétrica me deixou extasiada, porque até quase 10 anos eu não conhecia luz elétrica porque eu morava... eu sou da geração lampião, né, minha infância toda era lampião, querosene, aquele cheiro de querosene... então todo o conforto que a luz elétrica proporcionava na época, e proporciona até hoje, a minha mãe soube cativar muito a gente com isso, então era autorama pro meu irmão e bonde para mim, porque eu era apaixonada pelo bonde (risos), era eu poder ir para aula de balet às 6 horas da tarde, porque tinha energia, tinha luz e tinha o órgão elétrico que a moça do balet tocava, então isso tudo ela soube mostrar para gente, mas valorizando a nossa cultura de terra, né, a coisa da gente ir pro zoológico, ela dava aula pros amiguinhos, dizia que aqueles bichos, a maioria eu tinha convivido, a vaca, não tinha medo de vaca, de galinha de nada disso... então eu acho que ela soube dosar perfeitamente.
P1 – Ela é do Rio mesmo?
R – A minha mãe ela é do Rio, mas também ela foi criada em sítio, né, em chácara, então ela também tem uma raiz em terra muito forte, mas quando conheceu meu pai, já tava no Rio, já morava no Rio, já estudava no Rio... então ela já tinha um background também de terra muito grande, talvez até ela tenha sido muito gentil e sábia nessa adaptação minha e do meu irmão, porque ela viveu isso, né, então acho que ela deve ter resgatado lá a dificuldade dela quando criança, quando ela também veio pro Rio, de Campos, saiu de Campos e veio pro Rio, e ela soube dosar isso bem e nem eu nem meu irmão ficamos traumatizados com essa passagem.
P1 – E aí daqui vocês foram para Minas?
R – Aí vivemos um tempo em BH muito em função da carreira do meu pai e engraçado, eu não tenho muito a referência de Minas Gerais... a gente ficou lá 1 ano e pouquinho… a não ser as ladeiras que subia e descia o tempo inteiro, eu acho que nessa fase eu já tava cansada de mudar, porque eu já tava aí com 12 anos e você começa a ter laços, né, de amigos, meus primos todos aqui, então eu acho que eu tenho a defesa, eu acho que eu devo ter sofrido essa separação… então não recordo muita coisa, eu lembro que eu continuei estudando em colégio de freira, meu irmão em colégio de padre e aí, com 1 ano e pouquinho a gente voltou pro Rio, depois meu pai foi para Bahia e lá a gente visitava meu pai. Ficamos um tempo depois no Estado do Rio, Macaé, se eu não me engano, mas também a gente optou por morar no Rio de Janeiro e depois acabamos ficando aqui de vez e meu pai que viajava e voltava final de semana quando possível. E aí fiquei no Rio até a hora que eu me formei e aí fui morar para São Paulo, numa experiência profissional bastante rica, também.
P1 – Só, antes da gente chegar nessa coisa da formatura, eu queria te perguntar também sobre essa educação religiosa… quem que era muito religioso?
R – Olha, eu acho que, na verdade, na minha casa, apesar de ser uma família italiana pelo lado do meu pai e portuguesa do lado da minha mãe, nunca teve essa vocação de religiosidade exacerbada. Eu acho que na época, como as melhores escolas particulares sinalizavam pro ensino religioso, então era o São Bento, era, no caso, onde eu morava no Grajaú, era o Colégio Companhia de Maria que existe até hoje, que era de uma fundação francesa, então na época eram os colégios que tinham a melhor performance... o melhor retorno de aprovação na admissão, que na época existia, né, e depois pro clássico ou pro científico… então eu acho que foi por aí… não foi por uma religiosidade exacerbada e sim como referência de qualidade de ensino, só, só por isso. E foi interessante, porque eu acho que, de alguma outra forma, você ter uma educação religiosa é fundamental, é bacana... eu acho que ajuda você a definir o que você quer para tua vida. E como eu tive sorte dessas escolas elas não serem escolas muito exacerbadas, né: “Ah, tudo é pecado, ah.”, pelo contrário, as escolas, na época, elas já tinham um perfil até um perfil um pouco avançado para época, eu não sei, a questão do furo no carnê, que era um negocinho, que tinha lá, comportamento, performance, assiduidade... então como eu sempre fui moleca, eu subia, continuava subindo na mangueira da escola para roubar manga para chupar no recreio, isso não podia, então quando a madre superiora me pegava subindo, ela pegava meu carnê e furava lá: “comportamento: puf!” um furo no carnê!, e aí, se você tivesse três furos no carnê você era suspensa. Só que a gente descobriu que fazendo uma massinha com farinha de trigo e água você cobria, então a gente vendia essa tecnologia no recreio (risos). Então tirando isso e eu acho, aquela coisa de uma vez por semana, ter que ir na missa, então todos os hinos religiosos eu canto até hoje, porque tinha aquela obrigatoriedade de você ir à missa uma vez por semana… mas até isso mudou, porque o Roberto Carlos foi cantar na minha escola “Jesus Cristo Eu Estou Aqui”, então foi um espetáculo porque quebrou a forma da gente participar da missa, passou a ser uma missa interativa, eu entrei para grupos de jovens e aí foi quando eu descobri um trabalho social bacana. Eu acho que isso a religiosidade me deu, que é a questão da solidariedade, quer dizer, que a minha família sempre praticou, mas que, ao entrar no grupo de jovens, esse tipo de coisa, eu comecei a trabalhar com mais ênfase, né, então trabalhar em áreas mais pobres, tomar conta de criança, dedicar uma vez por semana, a gente dedicava, sei lá, 4 ou 5 horas da nossa juventude, cuidando de criança, cuidando de velho... Eu acho que isso é importante para formação da pessoa, né, então isso eu agradeço à educação religiosa.
P1 – Isso você fez, você entrou nesse grupo há mais ou menos? Não precisa dizer o ano, mas com que idade?...
R – Olha, não... mas eu entrei eu tinha uns 14 anos e fiquei até 18... Porque aí quando entrei para faculdade eu saí, porque eu já não tinha mais tempo de nada, porque também eu já entrei para trabalhar no jornal. Mas durante quatro, quase cinco anos, eu fiz trabalho voluntário e foi muito bacana, foi uma fase também muito gostosa da minha vida.
P1 – Essa fase da adolescência, você começou a fazer trabalho… que mais que veio de novo, assim, que você lembra? você voltou pro Rio nessa fase, né?
R – Voltei, o que teve de novo...
P1 – Como era sua vida social?
R – É, que eu acho que definiu muito a minha opção inicial profissional, que era ser diplomata, foi o contato que eu passei a ter com o tio do meu pai que era embaixador aposentado e era um cara muito voltado a cultura, Pascoal Carlos Magno. Então eu ia muito para casa do meu tio e ele me contava muito o que era ser um diplomata, associada à questão da valorização cultural do teu país, então aquilo soava para mim como um conto de fadas. E ele morava numa casa muito bonita lá em Santa Tereza e ele foi uma das pessoas, assim, que mais incentivou o teatro brasileiro e aí tinha tido toda uma história com o teatro Dulce, formado grandes atores, Cassilda Becker, Sérgio Cardoso, Tônia Carrero... Então às vezes eu tava, eu menina, né, vendo aquelas novelas da Rede Globo, Irmãos Coragem, não sei o que, de repente tava na casa do meu tio conversando com ele, entrava a Tônia Carrero, eu ficava “uau!”, a ídala, né, uma mulher linda, maravilhosa... então, ao mesmo que entrava o cônsul, sei lá não sei da onde lá para conversar com ele, ele falava não sei quantos idiomas... Então essa coisa da cultura, quer dizer, eu saí lá da minhoca da terra, lá de Porecatu, de repente venho pro Rio de Janeiro: a minha janelinha começa abrir com energia, com o conforto que a energia traz, eu estudando, começando a estudar história do mundo, geografia do mundo e de repente eu ter uma fonte viva que era o meu tio, uma pessoa deliciosa, falando de como era o mundo, a relação com o mundo e isso, para mim, e a relação com a cultura, isso, para mim, foi um aprendizado muito bacana e é uma coisa muito forte na minha adolescência e juventude. Tanto é assim, que a minha primeira opção era seguir a carreira diplomática, que eu cheguei a fazer a prova pro Instituto Itamarati, Instituto Rio Branco. E uma das coisas que ele me incentivou muito também, que aí eu acho que era a segunda opção da minha formação profissional... eu sempre gostei muito de escrever e meu tio era um escritor, então ele me motivava muito a escrever. Eu era um pouco tímida, então as coisas que eu queria falar e não tinha coragem, aqueles pensamentos do adolescente diante das diversidades, da sociedade, coisa e tal... eu escrevia muito e aí ele teve um dia que ele, como presente de 15 anos, ele pegou os poemas que eu tinha, editou um livro e me deu de presente; então foi um dos presentes mais gostosos que eu ganhei na minha vida, então ele foi uma pessoa importante também na, assim... no meu processo de crescimento e amadurecimento. Talvez eu não tenha tido uma adolescência rebelde como é normal na adolescência, porque ele foi um grande parceiro, de me mostrar a poesia do mundo, a cultura, essa coisa do mundo lá fora como é...
P1 – E você freqüentava a casa dele, você saía sozinha do Grajaú e ia para lá? como era isso?
R – Não, não. Eu ia com o meu irmão e minha mãe ou então com minhas primas mais velhas, porque minhas primas iam paquerar os artistas, né, que estavam sempre lá e eu ia junto porque eu ficava, assim, sentadinha do lado dele, absorvendo aqui toda aquela cultura e aquela cabeça privilegiada que ele tinha.
P1 – E aí você decidiu ser diplomata?
R – Aí eu queria fazer a carreira de diplomata. Eu lembro que na época também eu jogava vôlei e no mesmo dia, no dia seguinte quando eu ia fazer a segunda prova pro Instituto Rio Branco, que eram fases eliminatórias, né, então você fazia a prova de português, inglês e francês... se passasse, aí faria, era história, geografia, uma coisa assim... então passei na primeira fase e entre uma fase e a segunda fase, eu jogava vôlei pelo Flamengo e a gente tava num campeonato e aí no dia anterior da segunda fase, eu fui jogar e me deu uma dor na perna muito grande e desmaiei. Resultado: era crise de apêndice! e aí eu fui operada de urgência e perdi a prova, da segunda fase que era história, geografia etc e tal... E mesmo com o atestado médico de que eu não poderia ter comparecido, o Instituto Rio Branco não aceitou uma segunda chamada, disse que eu deveria fazer a prova só no ano seguinte e eu fiquei tão... não adiantou meu tio interferir em nada que, não, não, não, só o ano que vem. E eu fiquei tão irritada, tão decepcionada com essa coisa que aí eu parti para minha segunda opção de carreira, que seria ser jornalista, mas com a intenção de falar mal de diplomata (risos), e aí fui fazer comunicação, não me arrependo, acho que...
P1 – Mas por que a segunda opção era jornalismo, da onde surgiu?
R – Eu acho que por causa da questão do gostar de escrever, né, e eu sempre, meu pai e minha mãe, sempre me motivaram muito o hábito da leitura, né, e eu na escola já fazia o jornalzinho da escola, do grupo jovem eu já participava da elaboração do jornalzinho, tinha a rádio também... então essa coisa da comunicação sempre me fascinou muito, então era a minha segunda opção, se eu não passasse para carreira diplomática eu ia então no outro, tentar fazer a carreira de jornalista. Só que motivou antecipar isso, que eu fiquei com tanta raiva e tão decepcionada, enfim, pelo radicalismo, né, do Instituto Rio Branco que eu, para não perder o ano eu resolvi logo fazer vestibular para comunicação, fiz, passei, agora também vou falar mal o tempo inteiro, de diplomata (risos)...
P1 – Você fez vestibular para qual faculdade?
R – Eu fiz para hoje é a Faculdade da Cidade, né, na época era o Centro Unificado Profissional, era lá em Jacarepaguá. Era uma universidade nova, super diferente, assim, com os melhores profissionais da época, das áreas de publicidade, jornalismo e aí fiz lá, enfim, depois fiz pós graduação e comecei a trabalhar muito cedo em jornal também.
P1 – Quer dizer, aí você já entrou para faculdade e já começou a trabalhar?
R – Com 1 ano e meio de faculdade eu simulei um currículo. Eu tava doida para começar a trabalhar em jornal, meu negócio era jornal, processo gráfico da informação, processo de produção da informação, não só a apuração, mas como é que o que eu apuro vira o jornal no dia seguinte. Isso sempre me fascinou muito. Então tinha um outro tio que era vizinho do sub editor do Globo e ele me falou: “Ah, Márcia, tão procurando estagiários lá pro Globo.”, eu falei: “Ah, mas eu só to no segundo período da faculdade.”, aí ele falou: “Mas manda.”, eu falei: “Não adianta porque só aceita a partir do sexto período.”, então eu simulei um currículo dizendo que eu já tava indo pro sétimo período, e aí seis meses depois me chamaram, fiz todos os testes que tinha que fazer e aí me chamaram para trabalhar, fazer estágio no Globo no departamento de promoções. E aí foi um negócio engraçado porque... ela deve tá rindo porque ela conhece a história... o cara do departamento pessoal: “Márcia, preciso da declaração da tua faculdade de que você tá no sétimo período.”, “Ah, eu esqueci, não sei o que.”, eu passei enrolando assim, uma hora é porque eu esqueci, outra hora é porque a pessoa que ia me dar não tava na secretaria no mesmo horário que eu, depois: “A secretaria pegou fogo, tá um caos.”, até que não tinha mais desculpa, eu falei: “Olha, desculpa, eu vou pro quarto período ainda, não tô cursando o oitavo período...”, só que eu já tava fazendo um trabalho bacana e foi melhor para mim, porque eles cancelaram o meu contrato de estágio e eu tirei a minha autonomia, então eles me pagavam com RPA... passei a ganhar mais, né, e logo depois, quando aí me formei, eles me contrataram para trabalhar, mas foi um barato, porque eles acharam muita graça e audaciosa, né, a estudante... mas foi a minha verdadeira escola foi lá.
P1 – Isso a gente tá falando de, para gente ir contextualizando…
R – Olha, eu tinha uns 17 anos, então isso tem, to com 46… 70 e poucos.
P1 – Essa época, você teve alguma experiência? você falou da época do golpe militar e nesse momento, entrar no jornal, né, 73, 74, tinha sempre uma grande discussão com o governo militar... você tem alguma referência disso?
R – Tenho. Tenho da bomba do Rio Centro, né... Eu tava trabalhando no Globo, eu era estagiária e eu lembro que tava uma zum zum zum na redação, tititi, “que diabo tá acontecendo?”, de repente todas as luzes do jornal se apagaram, a polícia do exército entrou e ficou atrás de cada uma das mesas, né, dos jornalistas…. é porque o jornalista do Globo tinha conseguido fazer, o repórter, né, a maldita foto do capitão lá, no Puma e ele no CTI. E o exército então, queria aquelas fotos de qualquer maneira, então aquilo... eu voltei lá atrás na infância... aquilo me assustou muito e no final conseguiram negociar essa foto. Agora... eu era muito jovem, eu era estagiária da área de promoções, então eu não vivi essa coisa da redação do jornal, só depois é que eu fui trabalhar em redação de jornal. A coisa política, ela ficava muito latente no jornal, é o elevador, é porque o elevador é comum, né, então às vezes quando eu subia com o pessoal que cobria política, o que fazia mesmo a geral, cobrindo o Rio de Janeiro, o movimento da Cinelândia, eu ouvi os comentários... E o meu tio também, o tio Pascoal, ele foi um ativista político, assim, muito grande, então as coisas que eu não entendia eu ia buscar entender com ele e o meu pai às vezes falava: “Ó, pega leve com o tio Pascoal que ele tem uma veia, assim, um pouco esquerdista demais (risos), você já tá fazendo jornalismo, cuidado, não sei que...”, Mas enfim... foi um processo que eu vi acontecer, assim, diante dos meus olhos, né?. E uma das coisas também, depois, que ficou muito caracterizado no meu processo de aprendizado de jornalismo, foi na época do Mão Branca que era um grupo de extermínio, né, que existia e criou o seu personagem, o Mão Branca, que acabava com todos os bandidos da baixada Fluminense e isso eu acompanhei de perto, porque eu cobria muito as desovas lá dos cadáveres, né, dos bandidos... Isso foi um castigo, inclusive do chefe de redação, que eu sempre fui, assim, arrumadinha, jeitosinha e eu chego na redação do Globo (risos), eu saí da área de promoções para área de redação de salto alto, toda bonitinha, de brio: “Essa mulher não vai render aqui, né, porque repórter arrumada, cadê o jeans e o tênis?”, aí o cara, de sacanagem, mandava eu cobrir Mão Branca, dizendo que eu ia desmaiar na primeira vez que visse um cara morto, com o olho para fora... e eu desmaiei mesmo (risos)... só que ninguém sabe, vai saber agora, né?. Mas como o motorista da Rural, na época o Globo tinha Rural, era o carro de reportagem, então era o Milton, ele era um pai de santo, assim, da melhor qualidade... e ele olhava para mim, eu tinha os cabelos “aqui”, ele falava que eu era a encarnação da Santa Bárbara (risos), e o repórter fotográfico era uma criatura das mais generosas que eu já... o filho tá até como presidente do sindicato que é o Alberto Jacó, e o Jacó resolveu me adotar também... eu muito menina, tava com 18 anos, então a gente combinou que eles não iam dizer pro Renan Miranda, na época era o chefe de reportagem, que eu tinha desmaiado, quando viu desova lá, enfim… Então o momento político e o momento da violência no Rio de Janeiro, mais até da violência, porque aí eu passei a cobrir foi dois fatos, assim, bastante importante na minha carreira como repórter.
P1 – E você passou de promoções para área de repórter porque você quis? você foi lá solicitar?
R – É, porque eu fiz um trabalho inicial nas eleições de 76, 74, não me lembro bem, 76... que eu coordenei todo grupo de estagiários que o Globo contratava para fazer apuração, né, nas zonas eleitorais. Então, eu, na época eu já trabalhava na área de promoções e o Péricles de Barros, que era o gerente de promoções, me indicou para coordenar esse trabalho dos estagiários. Na época eram 400 estagiários e aí me saí super bem porque no final eu editava matéria e esses boletins para serem aproveitados pelo redator mesmo. E aí eles gostaram do meu texto aí eu pedi para ir para área de redação, fui aprovada e fiquei, né... me mandaram logo para polícia.
P1 – E nesse momento, assim, qual era a sua ambição? o que você queria, assim, você tinha isso na cabeça, onde você queria chegar?
R – Eu tinha, eu queria muito ser editora, mas eu queria ser editora de uma revista que falasse de gente, de pessoas... Eu acho que era mais ou menos uma revista como tem hoje, a “Você”, que eu acho que é a única publicação que mexe com o meu lado de jornalismo, quer dizer, eu gostaria de editar a Revista Você, pela proposta editorial, pelo foco das matérias. Mas naquela época não tinha essa referência, eu queria muito fazer matéria de pessoas, né, então eu lembro que eu fazia muita matéria do... tinha uma promoção que o Globo fazia, chamava... ai meu deus... Operário Padrão!, que era em convênio com o SESI, então a gente ia, quando o Rio tinha indústria, né, então a gente ia nas diversas indústrias do Rio que faziam a eleição do Operário Padrão e esse camarada ele concorria entre as indústrias do Rio, o Rio elegia o Operário Padrão do Rio e depois os Estados, cada um mandava o seu representante e tinha operário padrão Brasil. Então era história de pessoas muito legais, muito queridas, né? que eram pessoas, não só como profissionais competentes que tinham agregado alguma coisa ao negócio, enfim à produção daquela empresa, mas porque tinham outros atributos como seres humanos e que eram muito valorizados no trabalho... Então eu achava isso o máximo, o máximo. Eu lembro que eu entrevistei um senhor que era aqui do, ele nem existe mais, o Estaleiro Verolme, aqui no Rio de Janeiro, e era assim, se tivesse que personalizar papai noel, era ele, porque ele era a imagem do papai noel, senhor bem roliço, todo vermelhinho e com o cabelo branco e uma barba branca, mas de uma competência no trato do negócio... eu não lembro exatamente o que ele fazia lá no processo de produção do estaleiro, mas que era uma pessoa... era o mestre, entendeu?, toda a garotada, até mesmo os engenheiros que entravam iam tirar dúvida também com ele. E era, assim, era um mestre também no trato da relação humana, então eu gostava muito de escrever sobre isso, né?
P1 – E aí desse momento, você ficou no jornalismo? Em que momento a sua carreira foi numa direção de empresa?
R – Bom... Eu saí do Globo, fui para São Paulo, eu fiquei no Estadão...
P1 – Você foi para São Paulo por trabalho?
R – Fui, o Globo fez...
P1 – Posso fazer uma pergunta, você já tinha casado nessa época do Estadão?
R – Não, eu fui pro Estadão eu tinha 21 para 22 anos. O Globo tinha feito uma redução nos quadros aí eu saí e surgiu essa oportunidade de eu ir trabalhar no Estadão, fiquei 4 meses trabalhando no Estadão mesmo, em São Paulo e depois eu fui transferida para Santos, onde eu morei um ano e meio e foi uma outra experiência muito interessante. E aí quando eu voltei pro Rio, dois anos e pouco, depois, tinha uma crise muito grande nos jornais do Rio, né?. Eu não queria trabalhar na Última Hora, até porque tava quase morrendo, o Dia, na época, não era esse projeto editorial que é hoje, era aquela coisa de muito enfoque em violência e editoria policial, o JB com problemas já naquela época e o Globo, também não contratando... E aí eu tratei de buscar uma alternativa que foi trabalhar em assessoria de imprensa, aí eu fui convidada a trabalhar na assessoria de imprensa da Secretaria, na época, Estadual de Educação e aí tomei gosto pela coisa e comecei a ler mais sobre comunicação e não só sobre jornalismo, e aí veio o primeiro convite para montar a área de comunicação do falecido Lorde Brasileiro... Gente, a gente percebe que tá ficando adulta ou madura, né (risos), quando todas as tuas referências acabaram, ou não existem mais, enfim...
P1 – Mas isso não é… (risos)... é o Brasil.
R – (risos) A minha primeira experiência aí do lado de cá da comunicação, né, foi montar a área de comunicação do Lorde Brasileiro. E a partir dali eu comecei a ler muito, a estudar muito comunicação e me encantei, porque eu via a possibilidade da comunicação de tá trabalhando não apenas um relacionamento específico com a imprensa, mas toda uma gama de relacionamentos, enfim... para dentro de casa, para fora de casa... E aí tomei gosto pela coisa e não larguei mais.
P1 – Mas como foi esse impacto? Quer dizer, a sua experiência em comunicação era jornalismo, né, aí você vai montar uma coisa de comunicação numa empresa enorme...
R – É, mas aí eu fiz o estágio, assim, na assessoria de imprensa que era o outro lado do balcão. E você trabalhar numa secretaria, né, estadual, ainda mais de educação, te começa a abrir também outras janelinhas na questão de relacionamento, então, você levar um projeto de educação pra, e seja ela que não era educação só o ensino da alfabetização, mas até educação sexual, né, que na época a Lucy Vereza fazia um trabalho belíssimo, de você se relacionar desde as comunidades carentes e até com a assembléia ou a câmara, para você negociar maior verbas, enfim, com o próprio governo do Estado... Então essa coisa da negociação, né, de relacionamento... isso foi me dando uma canja muito interessante e aí fui buscar ler que diabo é isso de comunicação dentro de empresa, né, qual é o papel de um jornalista, por exemplo, dentro de uma empresa. E aí fui para o Lorde e foi bárbaro porque eram todos militares, né, e aí com um trabalho de comunicação a gente conseguiu quebrar alguns paradigmas de comportamento de relação do Lorde, na época, de relacionamento com cliente, lá na época...
P1 – É companhia de navegação?
R – Era, que tinha o monopólio das exportações no Brasil. Então foi onde eu aprendi muita geografia, eu aprendi muito comércio exterior, tanto que depois eu fiz um curso de pós graduação que eu acho que era para acalentar um pouco aquela história da diplomacia que não tinha dado certo, né... E aí foi... Aí eu acho que eu fui muito autodidata na época, porque no Brasil, na época, não tinha essa questão da comunicação empresarial, né, as empresas, elas tinham o RP, que nada mais era que aquele cara que não tinha dado certo em lugar nenhum, mas que falava trocentos idiomas e que era simpático, então recebia as visitas e coisa e tal... ou você tinha o assessor de imprensa, mas que era o cara que redigia os discursos do presidente, da diretoria, que mandava release só, não interagia com a mídia... E aí eu viajava muito também e comecei a ver como é que essa coisa funcionava lá fora, e aí comecei a tomar gosto mesmo.
P1 – E de lá, você ficou muito tempo no Lorde? como é que foi essa coisa?
R – No Lorde eu fiquei... Nossa Senhora, no Lorde eu fiquei quase quatro anos e aí eu ouvi um anúncio numa empresa de tecnologia Borus e aí mandei meu currículo lá, participei do processo de seleção, eles queriam contratar uma gerente, um gerente para área de comunicação, aí fui para Borus...
P1 – Mas por que você sentiu que tinha chegado no limite?
R – Eu achei que tinha chegado o meu limite porque a navegação não mudava e ia abrir todo o processo... a Lorde naquela época já tava mal das pernas, eu falei: “Essa meleca vai quebrar e eu vou ficar aqui a ver navios.”, não, não, não... Toda hora arrastavam um navio do Lorde por falta de pagamento no exterior, então era uma coisa doída mesmo e eu falei: “Não, eu tenho que pensar na minha carreira, ok, eu to aqui há quatro anos, quase cinco, já dei a minha cota e agora deixa eu buscar o meu crescimento profissional.”. Sabia ali, naquele instante, que eu não queria voltar pro jornal para ser jornalista e que eu queria continuar nessa coisa maravilhosa, assim, de comunicação dentro de empresa que ainda era uma coisa, né, pela ausência de literatura e de tudo e até de formação acadêmica mesmo. E aí respondi a esse anúncio da Borus e lá fui eu. Passei e fiquei lá quase 15 anos, eu acho que foi a minha grande escola em comunicação empresarial, né, porque eu passei por três empresas diferentes, quer dizer, a empresa ela, um ano depois que eu tava lá ela completou 100 anos e aí fez o centenário e aí mudou a marca, ela mudou a logomarca “Borus”, dois anos depois ela mudou, ela comprou uma outra empresa e passou a ser a segunda maior empresa de tecnologia no mundo, quer dizer, a primeira era IBM que era a Big Blue, aí nasce a Big Red, que era isso porque era vermelha, então todo um processo de aculturamento, de fusão de empresas bem sucedidas, tanto Borus, quanto Unisys, uma empresa que tinha na época 40, sei lá, não sei quantos mil empregados, culturas diferentes, operando em 80 países, então isso começou a me dar uma oportunidade de conhecer esse processo de comunicação internacional muito grande, né?. E ela nascia como a maior empresa de mainframes e serviços de tecnologia, então outra mudança de cultura... Então foi um processo, assim, muito enriquecedor, quer dizer, eu entrei para uma empresa com um nome, dali três anos era outra empresa muito maior com outro foco de atuação e três anos depois de novo, ela muda de novo o core business dela e deixa de ser uma empresa de mainframes para vender tecnologia da informação. Então passou por esse processo todo de cultura, tanto aqui no Brasil como no exterior e foi muito rico.
P1 – E você ia muito para fora?
R – Ia, ia muito para fora, compartilhava muito as dificuldades com os Estados Unidos, com a Europa, com a Índia, onde a Unisys tinha, não sei se ainda tem, um centro muito grande de desenvolvimento de software, então era culturas muito diferentes, né, a gente teve reunião com indiano, o que era muito engraçado, porque eles não olhavam para gente... Então foi uma bela escola, né, e essa oportunidade de conhecer lá fora uma realidade de comunicação que no Brasil começava a acordar e que lá fora já existiam grandes empresas de estratégia de comunicação, gestão de marca, gestão de situação crítica... Isso, aqui, começava a se falar, então foi muito enriquecedor, né, a minha vivência na Unisys. E depois a oportunidade, como era uma empresa que não era muito agressiva no seu posicionamento de comunicação, a partir do momento que ela passou a vender tecnologia da informação, a gente começou a mexer com a cultura dos clientes no Brasil, então fazia parte da venda, né, dos serviços da Unisys, o trabalho de comunicação, para que o público interno de uma Gradiente, por exemplo, entendesse a chegada daquela nova tecnologia, coisa e tal... Então isso também me abriu um aspecto muito grande de negócios diferenciais na indústria, em prestação de serviço, em comércio, em banco, então foi muito enriquecedor, foi muito bacana.
P1 – Nesse momento que você foi estudar, fez pós graduação? como que é?
R – Foi no início da Unisys eu fiz pós graduação e depois a minha escola foi muito os cursos que eu fiz lá fora, nada de pós graduação, mas muito de workshops e vivências também em clientes... eu passei 4 meses na Disney, ajudando a implementar o Epcot Center... então foi bárbaro... eu fui conhecer “ojaria” (?) então eu acho que me deu assim… a tecnologia me trouxe oportunidades de um trabalho de comunicação que eu acho que nenhuma pós graduação me trouxe. A pós graduação me orientou e educou, a vivência foi o dia a dia, ir pro interior do Paraná, eu voltei pro Paraná para organizar as cooperativas aí de soja, entendeu? então o quanto a tecnologia agrega o negócio, o cooperado entrar lá no meio do campo e ter uma unidade de Touch Screen e o cara tá lá com a produção dele de soja no silo e tá de repente precisando de grana, ele vai lá nesse touch screen, ele vai com a bolsa de Chicago, que é a bolsa de grãos... isso, a gente tá falando disso de 12 anos atrás e ver quanto tá a soja, se tá boa para vender, se não tá, se tá bom ele manda vender parte e é tudo na época, já automatizado. Então a coisa da humanização da automação foi o que eu aprendi a fazer e foi o que me deu uma oportunidade muito grande de trabalhar para o acesso de comunicação. E aí saí de lá fui para Light trabalhar, serviço público, também foi outra experiência...
P1 – Você também saiu de lá, falou: “Aqui cheguei.”...
R – Não, chega! 15 anos quase, né, não tinha mais o que fazer, né... E aí eles sinalizaram com um projeto desafiador muito grande na Light, que tinha acabado de sair daquela crise de 98 com a imagem no pé e aí fui trabalhar, né, com os franceses, quer dizer, saí de uma cultura americana fui para uma cultura francesa... foi uma experiência muito rica também, de prestação de serviço público. Saí de lá fui para telefônica, trabalhar com os espanhóis. Então a minha vida, assim, eu diria do amadurecimento profissional, eu trabalhei pras culturas internacionais e quando veio o convite para eu vir para Vale do Rio Doce e eu trabalhar para uma empresa brasileira vencedora, né, foi, nossa... foi um presente.
P1 – Você já tinha tido contato antes com a Vale?
R – Não, a não ser pela leitura de jornal, pelo que a Vale representa aí para economia do Brasil, não, não tinha. Então quando me convidaram para vir para cá, eu falei assim: “Uau, que bacana.”, porque isso aqui é um mega desafio, e principalmente para mim, né? Na maturidade, na minha carreira profissional eu ter vivenciado tantas culturas internacionais bem sucedidas e até estar questionando um pouco da capacidade do brasileiro de ter, realizar, né, porque as minhas referências foram com americanos, com alemães, com ingleses, franceses, com espanhóis... A minha última experiência com brasileiro tinha sido o Globo, mas não como comunicação empresarial e sim como repórter. Então eu vim para dentro da Vale, uma empresa brasileira, feita por brasileiros e vencedora como é, isso me fez resgatar muito a minha... o meu orgulho de ser brasileira, que eu tinha esquecido, né, aquela coisa do brasileiro que dá certo, do brasileiro que é sério, que faz acontecer, que realiza, mas que infelizmente não é essa referência que a gente normalmente tem. Então esse resgate eu agradeço muito à Vale, de usar verde e amarelo com o maior orgulho, e todo o processo mesmo de privatização da Vale, da aspiração da Vale de tá entre as três maiores, quer dizer, isso é muito bacana.
P1 – Então qual foi os primeiros impactos, né, de cultura organizacional que você chegou aqui a seus maiores desafios desde o momento que você chegou na Vale?
R – Olha, eu acho que o maior, um dos maiores desafios foi entender a Vale, até pela grandiosidade da Vale, né. Até para que a gente pudesse fazer, iniciar um processo de comunicação competente, a gente tinha que entender a Vale e o que a gente percebeu foi que a Vale ela tava com uma questão até, um problema, né, comum a todas as empresas que passam pelo processo de privatização, no caso da Vale, exacerbado pelo tamanho dela, que é de múltiplas personalidades, né. A Vale ela, quando eu cheguei aqui, ela era uma empresa de multifaces, então a Vale do norte não conhecia exatamente o que a Vale do sul fazia, muito menos o que a Vale da Bahia faz, então primeiro era organizar e conhecer essa empresa de 60 anos, bem sucedida, mas de múltiplas personalidades, né, mesmo tendo uma orientação, uma missão para 2010, mas ainda sim, com múltiplas personalidades. A outra coisa foi conhecer a capilaridade da Vale, né?. A Vale é uma empresa grande que atua em Nova Iorque, em Barém, mas atua no interior de Minas, em Belém, em Carajás, em Vitória, em São Tomé das Letras, seja aí qual for o nome... entender essas regionalidades, né, para que a gente também pudesse fazer um trabalho organizacional competente da comunicação, né, e a terceira coisa era quebrar os guetos, né, porque a comunicação ela era dirigida pela liderança operacional local, então ela era muito subserviente muito reativa. Então acho que esses três, essas três questões foram, assim, mais desafiadoras no início, né, meu na Vale. Acho que hoje eu tenho, quando olho para trás, eu tenho um ano e meio, e eu tenho muito orgulho do que eu e minha equipe a gente construiu, eu olho para lá e falo assim: “Uau, a gente já fez isso tudo?”. Mas acho que a gente já iniciou um processo importante de um único DNA para empresa, né, hoje o operário, o empregado de Carajás tá vendo o que o cara de Minas tá fazendo, que sabe o que o cara de São Luís faz, então a gente trazer a empresa como uma única empresa é uma coisa importantíssima pro processo dela de conhecimento.
P1 – Mas o quê vocês fizeram para fazer isso praticamente...
(Fim da Entrevista)
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