INTRODUÇÃO.
MEMORIAS QUE VALEM é um relato que me dispus a fazer sobre minha história de trabalho na Cia.do Rio Doce (atual Vale), quando lá cheguei para trabalhar na área de Telefonia em outubro de 1981, egresso de outras empresas, para ser um dos precursores dessa área de serviço, junto com outros colegas. Nele registro fatos e passagens marcantes vividas nesta época até me aposentar em junho de 2009, sempre de forma impessoal, isenta e bastante realista. Na verdade, trata-se de um relato das experiências boas e difíceis passadas nesse período, no qual não me furto em comentar os fatos, segundo a minha visão crítica. Os nomes das personagens aqui foram omitidos. A pretensão é legar aos mais jovens que hoje lá trabalham, experiências de vida e de luta vividas durante minha passagem por este grande empreendimento da Vale, que é o Projeto Ferro Carajás, desde os tempos pioneiros.
MINHA CONTRATAÇÃO.
E finalmente o tão esperado dia chegou. Era início do mês de outubro de 1981 e após quase três meses de espera, que para mim foi uma eternidade, finalmente fui chamado a comparecer ao novo escritório da Amazônia Mineração (AMZA), ao que tudo indicava, para finalmente ser contratado. Quem me indicou a oportunidade de trabalhar no projeto foi um primo que trabalhava em São Luís, na companhia telefônica local (Telma) e conhecia bem meu futuro chefe que, à época, era o responsável pela área de telecomunicações da AMZA e era um dos pioneiros, desde os tempos que os americanos da US Steel Co detinham os rumos do projeto. Nessa época, eu desejava criar raízes em algum lugar, pois planejava me casar e constituir família após um périplo por diversos lugares no Brasil, trabalhando em empresas da área de Telecomunicações, privadas e estatais. Segundo fui informado, a AMZA era uma subsidiária da Cia. Vale do Rio Doce, empresa que já era conhecida nacionalmente, portanto aquele emprego, certamente, seria uma boa...
Continuar leituraINTRODUÇÃO.
MEMORIAS QUE VALEM é um relato que me dispus a fazer sobre minha história de trabalho na Cia.do Rio Doce (atual Vale), quando lá cheguei para trabalhar na área de Telefonia em outubro de 1981, egresso de outras empresas, para ser um dos precursores dessa área de serviço, junto com outros colegas. Nele registro fatos e passagens marcantes vividas nesta época até me aposentar em junho de 2009, sempre de forma impessoal, isenta e bastante realista. Na verdade, trata-se de um relato das experiências boas e difíceis passadas nesse período, no qual não me furto em comentar os fatos, segundo a minha visão crítica. Os nomes das personagens aqui foram omitidos. A pretensão é legar aos mais jovens que hoje lá trabalham, experiências de vida e de luta vividas durante minha passagem por este grande empreendimento da Vale, que é o Projeto Ferro Carajás, desde os tempos pioneiros.
MINHA CONTRATAÇÃO.
E finalmente o tão esperado dia chegou. Era início do mês de outubro de 1981 e após quase três meses de espera, que para mim foi uma eternidade, finalmente fui chamado a comparecer ao novo escritório da Amazônia Mineração (AMZA), ao que tudo indicava, para finalmente ser contratado. Quem me indicou a oportunidade de trabalhar no projeto foi um primo que trabalhava em São Luís, na companhia telefônica local (Telma) e conhecia bem meu futuro chefe que, à época, era o responsável pela área de telecomunicações da AMZA e era um dos pioneiros, desde os tempos que os americanos da US Steel Co detinham os rumos do projeto. Nessa época, eu desejava criar raízes em algum lugar, pois planejava me casar e constituir família após um périplo por diversos lugares no Brasil, trabalhando em empresas da área de Telecomunicações, privadas e estatais. Segundo fui informado, a AMZA era uma subsidiária da Cia. Vale do Rio Doce, empresa que já era conhecida nacionalmente, portanto aquele emprego, certamente, seria uma boa oportunidade para se fazer carreira. Na verdade, naquela época, o Brasil passava por uma daquelas crises de emprego, especialmente nas empresas estatais. Eu tinha saído da Telebahia, uma das estatais do grupo Telebrás pelas quais passei. Com a persistência da crise, eram grandes as dificuldades para me recolocar no mercado de trabalho. Eu já estava desanimando quando, afinal, veio esse chamado e recobrei as forças. Antes desta convocação formal, eu tive oportunidade de visitar o antigo escritório da AMZA, no bairro do João Paulo em São Luís, apenas para conhecer, onde tomei o primeiro contato com aquela, então, desconhecida empresa. Confesso que esse primeiro contato não foi lá muito animador, pois o escritório me pareceu muito acanhado. A AMZA ficava em um conjunto de salas apertadas e mal distribuídas em um prédio velho de dois andares, parecendo uma empresa pública, daquelas que aparentam meio decadentes à primeira vista, como era comum naquela época. De qualquer forma estava otimista, pois a indicação que eu tinha era que esta empresa estava iniciando, em nome da Cia. Vale do Rio Doce, uma grande obra no Maranhão e Pará, o Projeto Ferro Carajás cujo objetivo era extrair, transportar e embarcar minério de ferro das minas de Carajás no Pará até o porto de São Luís no Maranhão. Ao chegar às novas instalações da AMZA no dia da minha contratação, na área conhecida como Tupy, fiquei mais animado, pois ali nada lembrava aquele escritório do João Paulo, que conheci inicialmente. A Tupy era formada por um conjunto de prédios, com destaque para dois extensos galpões, um administrativo e outro operacional, além de outros menores, onde circulavam muita gente e um cheiro de coisa nova no ar. Na realidade, a Tupy, no passado, foi uma fábrica têxtil que, agora, estava sendo reformada para atender aos novos escritórios de implantação do projeto e era obra para todo lado. Fui conhecer primeiro o setor (era assim que se falava) onde eu iria trabalhar, que ainda estava em obra, porém tive uma boa impressão. Ele ficava ao lado do galpão administrativo e foi batizado como o prédio das Telecomunicações. Nosso setor era composto de algumas salas, separadas por grandes janelas de vidros, de forma que da sala do chefe era possível ter uma visão dos principais ambientes. Tudo era novo, a movimentação era intensa e aquilo tudo me atraiu, especialmente as salas reservadas aos telegrafistas e operadores de rádio, que já estavam trabalhando a pleno vapor. Fiquei impressionado com a performance daqueles futuros colegas, transmitindo e recebendo mensagens de voz, telegrafia e telex das primeiras frentes de obras da futura ferrovia. Duas coisas chamaram minha atenção. A primeira era o uso do pica pau , equipamento já em desuso naquela época. Para quem não conheceu ou ouviu falar, por meio do pica-pau, transmitia-se sinais de telegrafia em código Morse, sistema antigo e bastante rudimentar, muito usado no século XIX e início do século XX na construção das ferrovias norte-americanas, especialmente em sua expansão na conquista do oeste. A segunda era a qualidade da recepção nos enormes rádios de comunicação empregados à época, em especial, os SSB e VHF. Fiquei impressionado como os operadores entendiam o que estava sendo propagado naquelas transmissões pois, aos meus ouvidos, a recepção mais parecia um amontoado de grunhidos e chiados incompreensíveis. Os demais ambientes eram a sala de telefonia, o laboratório de telecomunicações, o depósito de material e a sala do chefe. A sala de Telefonia, se é que assim poderíamos chamar, era apenas uma grande sala vazia a espera dos equipamentos ainda por instalar. Esta sala era interligada a um pequeno ambiente contíguo, reservado para a Telefonista. Neste local estava instalada uma imensa mesa telefônica, da marca Telequipo, operada manualmente pela Telefonista por meio de muitas chaves. Este equipamento tinha capacidade para apenas 20 ramais telefônicos e cinco linhas externas. Fiquei meio decepcionado, pois fui egresso de empresas da área da telefonia pública e tinha trabalhado em centrais telefônicas automáticas, de médio e grande porte (eletromecânicas que naquela época era a tecnologia dominante) e aquela coisa ali, em nada lembrava o tipo de equipamento com o qual eu tinha trabalhado. Na minha visão, era um equipamento obsoleto e limitado e destoava em relação à grandiosidade do projeto. Bom, mas eu não estava ali para remoer o meu passado recente e sim para iniciar uma nova etapa em minha vida profissional, afinal minha contratação tinha por finalidade impulsionar a parte de telefonia, que até então era um serviço incipiente e limitado na Empresa. Na verdade, o forte da comunicação naquela etapa de implantação do projeto era a transmissão via rádio entre as diversas frentes de trabalho.
Fui encaminhado, a seguir, ao setor de pessoal (atual RH) para efetivar minha contratação e aí tive uma surpresa: até onde estava informado, eu iria trabalhar na AMZA, no entanto fui participado pelo gerente do recrutamento, que seria contratado pela Concremat, uma das empresas de Engenharia que atuava na implantação do projeto. Mas tudo bem, eu já estava ali mesmo, fazer o que...! De qualquer forma, me explicaram que este processo era transitório, que eu iria trabalhar subordinado a uma gerência da AMZA e que mais à frente, minha situação seria regularizada por meio de uma gerenciadora, a ser designada para tocar o projeto. Fui contratado ou fichado, como habitualmente se falava, naquele mesmo dia e comecei a trabalhar em seguida como funcionário da Concremat, porém à disposição da Superintendência de Implantação do Projeto Ferro Carajás, a lendária SUCAR. Mais à frente, no início de setembro de 1982 passei da Concremat para a Hidroservice, outra empresa de engenharia, igualmente originária de São Paulo, que assumiu o gerenciamento do projeto e absorveu a maior parte do pessoal técnico e administrativo ligado à SUCAR.
O INÍCIO DO MEU TRABALHO.
Após minha contratação formal, em uma ensolarada manhã do dia 01 de Outubro de 1981, coloquei-me à disposição do meu chefe, que indicou-me dois colegas com os quais trabalharia diretamente. Como toda nova atividade, eu estava meio inseguro, principalmente porque, até então, nunca tinha trabalhado com manutenção de sistemas de rádio comunicação, especialidade que era o foco do nosso setor. Embora eu fosse formado em Telecomunicações, curso técnico de nível médio, na antiga Escola Técnica Federal do Ceará, tive pouco contato com sistemas de rádio, mesmo porque o foco do curso era a área de Telefonia que passava por um crescimento excepcional no Brasil naquela época. Ao sair formado no início de 1975, trabalhei primeiro em uma multinacional de Telefonia, a Standard Electrica S.A. (SESA), uma subsidiária da International Telephone & Telegraph (ITT) americana, cuja sede era no Rio de Janeiro. Trabalhei quatro anos nessa empresa, rodando por vários estados do Brasil, implantando centrais públicas de grande porte para as concessionárias do antigo sistema Telebrás. Depois trabalhei em mais duas empresas, do próprio Sistema Telebrás, a Telma em São Luís do Maranhão e a Telebahia em Itabuna, sul da Bahia, antes de ingressar na AMZA. Meu trabalho nestas empresas sempre esteve focado no que ficou conhecido como comutação telefônica, ou mais precisamente, operação e manutenção de centrais telefônicas. Pois bem, os dois novos colegas se esforçaram em mostrar-me a rotina de trabalho, explicando-me toda a parafernália que usavam para manter os rádios e ramais telefônicos funcionando. Eles possuíam bastante experiência no assunto e era compreensiva a forma como transmitiam as informações, valorizando tudo que sabiam afinal, foram eles que montaram as estações de rádio e telegrafia nas frentes pioneiras da ferrovia. Também fui apresentado oficialmente, a mesa telefônica, aquela de vinte ramais e cinco troncos. Na realidade, este equipamento veio transferido do antigo escritório da AMZA, como um paliativo, até que equipamentos mais modernos e de maior escala fossem instalados. Para atender a demanda de ramais na Tupy, que era bem maior do que o antigo escritório do João Paulo, foi usado um artifício muito engenhoso, de forma a ampliar a quantidade de ramais interligados à mesa. Como a telefonista era quem intervinha manualmente em todos os ramais, era usado uma espécie de código para chamar um aparelho ou suas extensões. Assim, um toque apenas na campainha, gerado pela operadora, chamava um determinado ramal. Dois toques rápidos eram para chamar sua extensão e assim por diante. Era uma solução bem criativa embora tecnicamente não recomendável, pois sobrecarregava o sistema, mas naquela época de implantação era o que se tinha à mão. Com este artifício conseguia-se ampliar bastante a capacidade de ramais ligados à mesa telefônica, embora, vire e mexe, a coisa ficava meio confusa, pois o usuário do ramal às vezes tinha que discernir se o toque da campainha era para ele ou para uma de suas extensões. Um aspecto curioso era que a Telefonista conhecia todos os usuários pela voz, ao atender as solicitações de chamadas dos ramais e suas extensões, demonstrando bastante perspicácia e jogo de cintura. As chamadas externas, normalmente eram completadas pela telefonista, exceto para alguns poucos gerentes e suas secretárias, que tinham a prerrogativa de ter uma das cinco linhas diretas transferidas pela telefonista para que encaminhassem, por conta própria, sua chamada externa quando assim o desejassem. Na realidade aquele equipamento era o que se conhecia no jargão técnico como um PBX (manual), precursor do PABX (automático). Naquele mesmo dia, fui convocado por um dos novos colegas para fazer uma primeira manutenção, na área de telefonia. Pegamos alguns apetrechos de teste e fomos atender a um chamado de uma das secretárias da superintendência. O local era uma sala aberta, delimitada apenas por pequena divisória, estrategicamente localizada no centro do prédio administrativo, onde ficavam duas secretárias. O que primeiro chamou minha atenção foi a quantidade de aparelhos telefônicos que cada secretária possuía em sua mesa. Além do ramal da mesa telefônica, existiam dois interfones e mais dois aparelhos de linhas diretas, que eram extensões de seus chefes. A propósito, naquela época, este era o sinal mais claro e visível de status, ou seja, quanto mais aparelhos à mesa, maior poder e importância tinha seu dono e as secretárias, como prepostas de seus chefes, não eram diferentes. No início fiquei um pouco confuso pelo emaranhado de fios que saía de cada mesa, bem como estranhei a impaciência da secretária para que seu problema fosse logo resolvido, mas com o tempo fui me acostumando. Na verdade, eu não estava habituado a sofrer aquele tipo de pressão, já que nunca tinha trabalhado com o cliente final, ali na minha frente. No meu trabalho anterior, com Centrais Telefônicas, não havia esse contato. Por falar em pressão, lembro que naquela época os gerentes que tinham a prerrogativa de possuir secretárias eram como semideuses e as secretárias zelavam para manter essa áurea quase divina. Lembro de um deles, uma pessoa até bem-educada e de modos finos, porém meio impaciente. Ele não se conformava com o ruído que o disco do seu telefone emitia no retorno do número discado. Para quem não conheceu os telefones a disco, hoje peça de museu, eles faziam um barulhinho no processo de discagem que eu, particularmente até gostava, mas para aquele gerente, era um incômodo inaceitável. Sua secretária ficava aflita para explicar-me o porquê do incômodo que o barulho do disco fazia ao seu chefe. Segundo ela, ele alegava que aquele ruído tirava sua concentração no trabalho. Como ainda não havia disponível na Empresa o telefone de teclas, que até então era um dispositivo raro e caro, o jeito foi garimpar um aparelho no qual seu disco emitisse o menor ruído possível, o que não foi fácil. Foram feitas várias tentativas até que aquele “cristão” não ficasse tão incomodado. Acho que o venci pelo cansaço.
Com o crescimento das instalações e a vinda de mais gente para a Tupy, a mesa telefônica Telequipo ficou pequena para a demanda e assim iniciamos a instalação dos primeiros sistemas de KS, que eram mini sistemas de telefonia, voltados para ambientes mais fechados e particulares. Meu primeiro contato com eles, na realidade, foi em um escritório de representação da AMZA no centro da cidade de São Luís e também no escritório de obras da SUCAR em Marabá, para onde eu viajava com frequência para dar manutenção. Destas viagens, a propósito, tenho lembranças de fatos pitorescos e históricos que mais à frente vamos relembrar.
O crescimento da demanda de telefonia na Tupy era acentuado. Um dia meu chefe lembrou da existência de uma central PABX, novinha, comprada no Rio de Janeiro, estocada no almoxarifado central e que seria instalada oportunamente. Fui conhecer este equipamento no almoxarifado para ver como ele estava acondicionado. Descobri que parte das embalagens do equipamento foi invadida por formigas e me exasperei, pois se tratava de um equipamento frágil e de ponta na época e não poderia ficar eternamente se deteriorando em um lugar como aquele, sem maiores cuidados. A bem da verdade, minha ansiedade em ver logo este equipamento funcionando é que sua efetiva operação me faria reviver meu antigo trabalho com centrais telefônicas automáticas. Não que eu não gostasse das minhas novas atribuições, tanto que participei de outras atividades do setor, auxiliando meus colegas, mas o meu xodó, sem dúvida, era o sistema de telefonia.
Lá pelo final de 82, finalmente, a nova central telefônica começou a ser instalada na sala reservada em nosso setor. O PABX era uma central ESK 400E, fabricada pela Siemens. A instalação foi bastante demorada, em vista de muitos problemas na fase de teste, causados pelo longo período em que o equipamento ficou estocado no ambiente agressivo do almoxarifado e, sem dúvida, pela contribuição das formigas.
A instalação foi feita por um técnico da filial Recife da Siemens, um sujeito meio caladão, mas que não se furtou em retransmitir o que conhecia do sistema. Colei nele como um carrapato para tentar assimilar o que fosse possível, pois meu chefe não previu treinamento específico do equipamento. A propósito, a falta de treinamentos formais nos equipamentos era uma constante naquela época da obra, pelo menos em nossa área, o que nos motivava a correr atrás para aprender na prática mesmo. O fato de não ter passado por nenhum tipo de treinamento formal foi um fato curioso que, na época, passou despercebido. De qualquer forma aprendi a desenvolver meios próprios para dar conta do recado e isto, seguramente, foi muito positivo, pois nos motivava a aprender, na marra, para executar nosso trabalho no dia a dia. Lembro muito bem, por exemplo, dos sistemas de KS. Quando comecei a lidar com este tipo de sistema, em especial os modelos da GTE, que era uma marca muito conceituada, tive muita dificuldade, pois, além de falta de treinamento, a documentação existente era uma cópia xerox em péssimas condições. Com a experiência que eu tinha adquirido em equipamentos eletromecânicos, nas outras empresas pelas quais havia trabalhado, me pus a levantar e redesenhar a mão o circuito destes aparelhos, no formato gráfico que eu conhecia. O resultado foi um trabalho muito bom, pois passei a dominá-lo completamente. Não que fosse algo muito complicado, mas ao ter à mão o pleno domínio do equipamento, sua manutenção ficava mais fácil. Um tempo depois, lembro que submeti estes desenhos, elaborados e aprimorados com o tempo, a um técnico representante da GTE em São Luís, que foi nosso fornecedor neste e em outros tipos de equipamentos e seu parecer me chocou. Não sei, mas presumo que ele ficou achando que eu queria competir com toda sua experiência ou então foi o vil ciúme, pois sua postura foi de total desprezo e desconsideração pelos meus desenhos. Fiquei muito magoado com esta pessoa, pois minha intenção era apenas obter um mero reconhecimento ou um afago no ego que tanto bem nos faz, quando acreditamos ter feito algo bem-feito. O mais triste deste episódio é que esta pessoa foi contratada, mais a frente, para trabalhar em nossa equipe, quando eu já era funcionário da Vale, inclusive foi eu quem o indicou ao meu chefe, afinal existia uma carência crônica de bons profissionais na região e ele, era um profissional com bastante experiência. Infelizmente, como eu temia, não tive uma convivência muito harmoniosa com esta pessoa, depois que ela foi admitida, mais à frente, período em que eu estava na função de Supervisor, cargo que exerci em um determinado período na Vale, que será visto mais à frente.
NOVOS DESAFIOS.
Com a ativação na Tupy da primeira central telefônica automática (Siemens, modelo ESK 400E), concluída após exaustivos testes e correções, foi possível oferecer um serviço telefônico de maior qualidade e confiabilidade aos usuários da Tupy. Este período foi marcado também por intensa ampliação no cabeamento externo para atender, com novos ramais, prédios anexos e em outras áreas no entorno da Tupy. Mais e mais empresas chegavam para tocar as obras da ferrovia e o ritmo ficava alucinante. Da nossa parte, o desdobramento era total. Cabos telefônicos partiam do nosso setor em várias direções para atender à crescente demanda. Eu, como o mais envolvido com a Telefonia, passei a registrar, por meio de desenhos em papel, toda a rede. Fazia estes registros à mão mesmo, pois nesta época computador pessoal com programas específicos não era nem cogitado. Meu chefe gostou tanto dos meus desenhos que pediu para fixá-los na parede em sua sala, atrás de sua mesa, o que me deixou muito lisonjeado. Qualquer visitante que ali chegava para conhecer nossa atividade de telefonia, tinha o detalhamento de toda a rede, que crescia dia a dia. Uma das áreas mais complicadas a se atender era o pátio de estocagem de dormentes, em vista do seu distanciamento da Tupy. Para atender esta área, tivemos que apelar a nossa velha companheira, a mesa telefônica de chaves da Telequipo, que foi reativada no escritório da Engevix, uma das empresas no projeto que tocava a construção da ferrovia. Este escritório ficava em uma elevação próxima ao pátio de dormentes, de onde se tinha uma vista privilegiada de toda esta área. Ao lado da Engevix ficava a construtora Odebrechet que mantinha seu próprio sistema telefônico com uma rede própria de cabos, para atendimento de suas instalações no pátio de dormentes, onde funcionava boa parte do seu processo industrial, com destaque para o tratamento dos dormentes e a soldagem dos trilhos, que partiam para a construção da malha ferroviária em direção a Carajás. Faço referência a Odebrechet porque lembro que tivemos atritos com seu pessoal de manutenção telefônica, contratado para prestar este tipo de serviço em sua área. O problema é que os cabos telefônicos, nossos e os deles (mais conhecidos como Fios Drops ou FE), seguiam juntos nos mesmos postes. Os nossos cabos transportavam ramais para a Oficina Ferroviária provisória, ainda em construção. Estas linhas eram muito críticas, pois seu percurso era longo em uma área de extrema vulnerabilidade a intempéries. A fonte de discórdia residia no teste nestes cabos em caso de defeito. Com frequência, o pessoal de manutenção da Odebrechet mutilava nossos cabos para procurar pelos seus. Esse conflito se agravou de tal forma que ficou insustentável, mesmo porque passamos a retaliar os cabos deles também. Depois de muitas escaramuças, de parte a parte, firmamos um pacto de não agressão, após efetivar uma medida simples como identificar quais cabos pertencia a quem.
Diga-se de passagem que essa manutenção no cabeamento externo do pátio era, para mim, uma operação traumática, isso porque, como o homem mais voltado para a Telefonia, normalmente essa tarefa ficava em minhas costas. Muitas vezes eu não tinha quem me ajudar nesta operação, pois meus dois colegas viajavam, com frequência, para as frentes de obras ao longo da ferrovia para instalar ou manter as estações de rádio comunicação. Meu trauma maior era lidar com uma escada feita de madeira bruta, com dois lances para acessar o posteamento. Essa escada era muito pesada para meu porte físico e ademais eu não estava habituado a este tipo de serviço. Outra questão crítica era o fato que nem viatura adequada existia em nosso setor para transportar esta tralha. Sempre que tinha uma ocorrência no pátio de dormentes eu procurava um motorista conhecido na central de transportes, que se dispunha a me ajudar a carregar aquela “bendita” escada, cujo transporte era feito dentro de uma Kombi com a porta traseira aberta para melhor acondicioná-la, já que não existia nenhuma viatura com porta escadas no teto, o que seria o correto. No começo este motorista amigo não reclamava em me ajudar com a escada, mas com o tempo, passou a me evitar e mesmo a se esconder quando eu me dirigia ao setor de transporte, para solicitar uma viatura. Não podia culpá-lo, afinal não era sua obrigação me ajudar, além dos riscos envolvidos. Sinceramente, por mais de uma vez pensei em desistir daquilo tudo, pedir demissão mesmo, quando tinha que bater escada (era assim que se falava) no meio daquele pátio. Sem dúvida, para mim, era um trabalho árduo e penoso. Felizmente, pouco tempo depois, foi contratado um colega, de porte físico mais avantajado e com experiência nessa lida, para encarar esta parte mais pesada do trabalho e aí minha aflição acabou.Com o aumento de mais pessoas e empresas chegando para tocar as diversas obras do projeto a próxima novidade foi a inauguração do restaurante na Tupy, localizado na parte final do galpão administrativo. Essa novidade foi muito aguardada porque, até então, tínhamos que almoçar em casa. Nosso horário de trabalho era único, das 8:00 às 17:00 h, com duas horas para o almoço. Mesmo a despeito deste intervalo mais elástico, enfrentávamos um desgaste enorme nos trajetos de ida e volta nos ônibus da empresa. Na realidade não comíamos e sim engolíamos isso porque, duas horas era um tempo exíguo em relação ao longo percurso a cumprir pelos poucos ônibus disponíveis e assim era uma correria sem fim. Ainda bem que naquela época, São Luís era uma cidade tranquila, com pouco trânsito, praticamente sem congestionamentos, do contrário esse tempo não seria suficiente. Assim, o início de operação do restaurante foi um evento muito auspicioso embora, no início, a qualidade da comida foi considerada sofrível por muitos. Todo o equipamento montado para o restaurante era de primeira linha, mas a grande verdade é que naquela época era grande a carência em São Luís de empresas e pessoal com experiência para trabalhar com refeição em escala industrial e, talvez, por isso a comida oferecida não agradou muito. Lembro de um episódio que ilustra bem este período. Certo dia saiu uma matéria em um jornal da cidade, ilustrada pela seguinte manchete: CVRD fornece comida de péssima qualidade a seus funcionários. A reportagem dava conta que muitos funcionários que trabalhavam para a CVRD reclamavam muita da comida preparada em seu restaurante, inclusive a matéria citava que a galinha cozida que era servida mais parecia canja para mulher parida (saiu assim mesmo na reportagem), idêntica a comida de hospital público. Sem dúvida, um evidente exagero. Não quero me fazer de advogado do diabo, mas, talvez o que tenha contribuído para elevar o nível das reclamações, quem sabe, foi nossa falta de costume com comida de restaurante industrial e, claro, a pouca experiência do pessoal do restaurante. De qualquer forma, a comida melhorou dali em diante. O lado bom da inauguração do restaurante foi que ele nos propiciou mais tempo livre no intervalo do almoço, acabando com aquela corrida maluca para comer em casa. Essa mudança foi boa para mim e para um grupo de colegas aficionados por esporte, isso porque nos fundos do galpão do Almoxarifado Central foi criada uma área de lazer com alguns jogos de salão para distrair os funcionários no intervalo do almoço. Entre esses jogos estava o tênis de mesa ou ping pong, para os menos iniciados. Eu desde sempre fui apaixonado por tênis de mesa, o qual praticava assiduamente (e ainda hoje pratico). O clima de disputa desse esporte no salão de lazer era intenso e virou, na verdade, um vício entre nós. Após o almoço, corríamos para o salão de lazer. Na verdade, engolíamos a comida rápido para não perder tempo. Lembro que eu mantinha uma muda de roupa em nosso setor, só para jogar. Ao término do intervalo do almoço voltava completamente suado e passava um tempo me refrescando em nosso laboratório e só depois trocava de roupa para reiniciar o trabalho. Meu chefe me olhava meio enviesado, especialmente quando eu demorava uns minutinhos a mais a voltar do intervalo do almoço, embalado que estava nas disputas ferrenhas com os colegas.
As viagens.
Fazia parte do meu trabalho atender localidades ao longo da ferrovia, desta forma tinha que viajar de vez em quando. O destino mais frequente era Marabá, onde funcionava um sistema de Telefonia KS no escritório de obras da SUCAR. Nestas viagens o meio de transporte era o avião bimotor que a Vale possuía naquela época, modelo Navajo, de prefixo RCL (Romeo Charles Lima). Essa aeronave era o meu terror pois, sempre que nela tinha que viajar, invariavelmente, passava mal, suando frio, vomitando, enfim era um vexame só. O problema não era apenas o meu insuspeito temor em voar, mas é que a aeronave, por ser de pequeno porte, voava em baixa altitude e assim, sujeita a muita trepidação. Na estação das chuvas a trepidação era causada por pesadas nuvens de chuva que naquela época eram bem mais intensas. No verão, caracterizado pela estiagem, o problema eram as queimadas, que começavam a infestar esta parte da Amazônia. Resultado: toda vez que tinha que viajar pela região eu passava mal só em saber que teria que enfrentar o “famigerado” Romeo Charles Lima. Lembro bem de uma das viagens, junto com um colega, advogado da empresa, na qual passei mal com a trepidação da aeronave enquanto ele, tranquilamente, de pernas cruzadas me observava impassível, sem nada sentir. Eu não me conformava em vê-lo calmo e tranquilo enquanto eu me desmanchava em vômito e suor frio. A viagem mais impactante, no entanto, foi marcada por uma quase tragédia: era uma linda manhã de sol quando saímos do aeroporto de São Luís rumo a Marabá. Quase ao mesmo tempo partiu outro avião Navajo, idêntico ao nosso, da Construtora Queiroz Galvão, que trabalhava para a Vale nas frentes de obra. Decolamos primeiro e não demos maior importância a este fato. Fazia parte de nossa rota uma escala em Pequiá (Açailândia), para deixar um passageiro nesta frente de obra. Pousamos tranquilamente em Pequiá numa pista asfaltada e bem conservada no meio da mata, mas que me pareceu bem estreita. Deixamos o passageiro no final da pista e ao fazer a volta para iniciar a decolagem, o copiloto, por sinal um conterrâneo meu do Ceará, notou e chamou a atenção do comandante que o Navajo da Queiroz estava chegando e se preparava para pousar ali também. Como a pista era estreita e só cabia um avião por vez, o nosso comandante decidiu não ficar preso ali e anunciou a decolagem imediata, o que, de fato, foi feito. Quando nossa aeronave começou a decolar, notei que nossos pilotos perderam o contato visual do outro Navajo e ficaram em estado de alerta, procurando pelo avião da Queiroz. De repente, escutamos um grito de pavor do copiloto, chamando o comandante pelo nome, ao mesmo tempo em que acionou nervosamente um comando de forma a fazer nosso avião guinar bruscamente à esquerda. Foi um susto geral. Na verdade, o nosso co-piloto localizou o outro Navajo na reta final para pousar e como as velocidades envolvidas são grandes, o perigo de uma colisão frontal das duas aeronaves foi real. Mais tarde, comentando o incidente com meu conterrâneo, ele tentou minimizar o ocorrido, acho que mais para justificar o ato inseguro e um tanto irresponsável, na minha visão, não sei se apenas do nosso comandante, do seu colega da Queiroz Galvão ou de ambos, afinal bastaria um contato por rádio para ajustar esse procedimento. Só sei que o susto foi grande.
Uma viagem marcante foi quando fui a Carajás pela primeira vez, acompanhando meu chefe em uma visita técnica e, de cara, fiquei deslumbrado pela serra dos Carajás, em especial pela Vila de N5 que me pareceu idílica. Foi paixão à primeira vista. Recordo que falei a mim mesmo que um dia iria trabalhar em Carajás (como de fato ocorreu), pois tudo ali me atraiu. A visão da floresta, o clima ameno, a organização, a limpeza, os jardins bem cuidados, a tranquilidade e segurança, enfim tudo me encantou. Talvez tenha contribuído também o fato de que, nesta época, eu era recém-casado e morava em um bairro popular em São Luís cujas carências eram muito acentuadas. Sempre fui ligado a plantas, árvores, enfim, a o meio ambiente em geral e Carajás preenchia todas as minhas expectativas quanto a uma vida ligada à natureza, além de muita organização. Nesta viagem conheci pessoalmente os colegas que trabalhavam com telecomunicações/telefonia na Mina e a despeito de ligados também a SUCAR, desempenhavam suas funções de forma regional e autônoma, mesmo porque nesta época existia uma separação, de fato, entre as obras na Mina, Ferrovia e Porto, modelo que persistiu algum tempo após o início efetivo da operação do projeto. Outra viagem marcante foi durante o episódio da revolta dos garimpeiros de Serra Pelada, em dezembro de 1987. No auge deste movimento, por acaso, eu estava em Marabá e pude constatar o clima de revolta dos garimpeiros contra a Vale, a qual culpavam de todas as suas mazelas na região. O comando dos garimpeiros estava hospedado no mesmo hotel onde eu estava e tive oportunidade de presenciar reuniões, bem como conversas informais dos líderes do movimento no saguão do hotel, montando estratégias de como enfrentar a Vale ou o governo, caso suas reivindicações não fossem atendidas. Eu ainda não era da Vale, mas para todos os efeitos era como se fosse. Imagina se eles descobrem que o “inimigo” ou seu representante estava logo ali, do lado deles? Arrisquei-me muito, sem dúvida...! No escritório em Marabá, a instrução que tínhamos era que, em caso de tentativa de invasão do prédio administrativo, para depredar ou para queimá-lo, como os garimpeiros propagavam, não deveríamos reagir. A recomendação era evacuar o escritório sem opor resistência. Deixei minha maleta de ferramentas, estrategicamente na porta dos fundos do prédio, temendo o pior. O clima era de total insegurança e todos estavam num clima de apreensão sobre o que poderia ocorrer. As notícias chegavam freneticamente dando conta que um grupo de garimpeiros marchava sobre a ponte rodo ferroviária em construção no Rio Tocantins e que pretendia invadir a cidade para protestar contra a Vale. Esse grupo foi rechaçado a bala pela PM local, inclusive houve mortes na ponte o que só aumentou o clima de tensão. Bem ou mal, felizmente, a PM dominou a situação, ajudada por um político famoso que, à época, se auto proclamava representante dos garimpeiros. Assim o conflito não teve o desfecho que todos temiam. No outro dia fui tratar de meu retorno a São Luís em avião de carreira, mas fui convidado pelo meu velho amigo e conterrâneo, copiloto do Romeu Charles Lima, a seguir no Navajo da empresa, que estava de passagem por Marabá a caminho de São Luís, mas passando antes por Carajás. Aceitei o convite e lá fui eu, mais uma vez, com a possibilidade de passar mal como sempre, mas feliz por retornar para casa. Entre Marabá e Carajás, o comandante foi informado pelo rádio que novos tumultos de garimpeiros ameaçavam a região. Suas novas ordens eram que o avião teria que ficar retido em Carajás à disposição de um general do SNI (Serviço Nacional de Informações) que foi deslocado de Brasília pelo governo federal, para acompanhar a movimentação dos garimpeiros que agora ameaçavam invadir a Serra dos Carajás. O movimento, portanto, tomava uma dimensão bem maior e o conflito foi destaque na mídia nacional. Ao chegarmos a Serra dos Carajás, o clima era de total apreensão, quase pânico. Corriam histórias de gente que saiu mato adentro com medo da invasão iminente dos garimpeiros. Ficamos retidos, eu e os pilotos, dois dias no Hotel Luxor, na vila de N5, esperando que a aeronave fosse liberada. Foram dois dias de insegurança e incertezas, mas, felizmente, o movimento arrefeceu, o que nos permitiu retomar a viagem a São Luís.
Tive oportunidades de viajar também em um dos três helicópteros usados no apoio às frentes de obras. As demandas surgiam para fazer testes nos rádios de comunicação, embarcados nas aeronaves, cuja manutenção era de responsabilidade do nosso setor, mas sempre que eu era convidado, declinava sutilmente o convite. Dizia sempre aos comandantes: “vão lá que eu fico aqui em solo, fazendo o papel de torre de controle para responder ao chamado de vocês”. Decididamente, voar não me entusiasmava muito, só o fazia quando era imprescindível. Meus dois companheiros da SUCAR, mais habituados a voar nestes helicópteros, eram os especialistas na manutenção destes rádios, portanto a bola era deles. As viagens que eu mais gostava eram para atender a manutenção do sistema telefônico no escritório da empresa em Belém. Para começar, minha estadia era feita no hotel Hilton, o único cinco estrelas da cidade. Não que eu fosse uma personalidade importante, mas nessa época de implantação a opulência era grande e havia um convênio com este hotel para hospedar os visitantes, funcionários ou não, envolvidos com o projeto.
Os transferidos e incertezas.
Em abril de 1982, começaram a chegar os primeiros funcionários transferidos do Sistema Sul. Quem primeiro chegou foi o pessoal do recrutamento e seleção, com a missão de iniciar a teia de contratações, preparando o início da pré-operação da Ferrovia. Foi a primeira vez que tive contato com a farda da Vale pois até então, todos que trabalhavam em São Luís eram da AMZA, ou lotados em empresas gerenciadoras e terceirizadas. No primeiro momento aquela farda, com o logotipo da CVRD, exerceu um fascínio muito grande, pois quem a usava parecia um ente superior, pelo menos para nós, meros nativos. Este sentimento talvez fosse reforçado pela altivez daqueles funcionários, provenientes de Vitória. Eles pareciam predestinados. Inicialmente eles foram alojados em hotéis nos melhores bairros de São Luís e ficaram por um bom tempo, mesmo depois de trazerem suas famílias para se instalarem em definitivo na cidade. Lembro que um tempo depois, a Fundação Vale do Rio Doce (FVRD), entidade ligada a Empresa, que naquela época financiava casas para funcionários, construiu e disponibilizou imóveis para a venda, reservadas apenas aos transferidos de Vitória. Os apartamentos maiores e mais bem localizados foram destinados aos Gerentes e pessoal mais graduado. Em seguida foram construídas casas em conjuntos habitacionais, destinadas a funcionários transferidos com perfil técnico/operacional, porém houve uma certa resistência de boa parte deles para ocuparem estas imóveis. Na verdade, eles não queriam abandonar o conforto dos hotéis ou casas alugadas pela empresa, a que estavam habituados. Segundo eles, aquelas novas moradias ficavam em bairros distantes e adiaram a compra enquanto puderam. Essa queda de braço perdurou um bom tempo e isso, de certa forma, foi bom para os nativos e outros funcionários recém-admitidos, pois a FVRD cansou de esperar pelos transferidos e abriu o privilégio de adquirir esses imóveis a todos os funcionários, indistintamente. Eu, inclusive, fui um dos beneficiados, depois de entrar na Vale mais à frente, quando consegui adquirir uma dessas casas. Fiquei muito satisfeito por trocar minha casa menor, localizada em um bairro mais afastado e carente de serviços públicos por uma bem maior e mais confortável, financiada pela FVRD e ser atendido pela estrutura da empresa que naquela época cuidava de toda a infraestrutura do conjunto, pelo menos até um certo período. Nesta época cresceu muito a movimentação em vista do grande número de pessoas que chegavam para trabalhar, não só de Vitória, mas de outras cidades e regiões do país, bem como por contratações locais. Ao redor da Tupy, novos prédios anexos foram inaugurados para abrigar este novo contingente, como o prédio da Superintendência de pré-operação (SUNOR), o prédio da futura Superintendência do Porto (SUPOC), o Treinamento, o Recrutamento, entre outros. Também cresceu bastante o número de empresas contratadas para as obras da Ferrovia, que entrava em um ritmo frenético e para o início da construção dos prédios e instalações definitivas. No boqueirão, o futuro Centro de Controle Operacional (CCO) foi o primeiro prédio a ser erguido, já voltado para o início da fase de pré-operação da Ferrovia. Essa época, para mim, foi marcada por incertezas, isso porque, a exceção dos antigos funcionários da AMZA, que tinham a garantia de passar primeiro para a Vale, restava a nós, funcionários de gerenciadoras e empresas contratadas, apenas aguardar para ver se seríamos contemplados também para ingressar no quadro funcional CVRD. De certa forma, para mim, foi uma época tensa, pois a cada dia eu testemunhava a passagem de mais e mais colegas para a Vale. Em meu setor, além do chefe, meus dois companheiros mais antigos, bem como os operadores de rádio e telegrafistas começaram a mudar para a Vale. Até aí tudo bem, afinal eles eram mais antigos que eu e tinham preferência, mas o tempo ia passando e mais e mais gente passava para CVRD e eu, nada. Em 1983 chegou a primeira leva de técnicos provenientes da Paraíba e do Ceará, contratados para formar as primeiras equipes de manutenção, que estavam se estruturando para atender a operação da ferrovia. Essa gente foi contratada para trabalhar, inicialmente, sob a orientação dos técnicos de Vitória que àquela altura já formava uma equipe experiente e coesa, exercendo uma liderança natural sobre os mais novos. A eles competia treinar as futuras equipes de manutenção da eletroeletrônica, mecânica etc.Nessa época, mesmo sem ser ainda Vale, consegui participar, como convidado, de alguns treinamentos junto aos novos técnicos que chegavam e assim tive a oportunidade de constatar a grandeza e a importância dos equipamentos que estavam sendo instalados para atender a futura operação da ferrovia.
A vinda dos técnicos da Paraíba e do Ceará só foi possível porque o recrutamento tentou selecionar técnicos no Maranhão, por meio de exames na Escola Técnica, porém, as notas dos candidatos locais foram muito baixas, o que indicava um descompasso entre a formação técnica no estado em relação a outros centros. Eu, sinceramente, não concordei muito com essa estratégia de privilegiar técnicos de fora, especialmente porque fui testemunha de alguns desvios que demonstravam que boas notas não eram, necessariamente, sinais inequívocos de que o funcionário era bom de trabalho. Em nosso setor na SUCAR, por exemplo, foi contratado um rapaz de São Luís, após a saída dos dois colegas pioneiros para a Vale. Pois bem, este novo colega nem técnico formal era, apenas possuía curso do Senai, porém, desde o início, demonstrou muita competência e uma paciência como eu nunca tinha visto. Era impressionante sua habilidade em recuperar equipamentos ou mesmo componentes, aparentemente sem conserto. Naquela época de dinheiro farto, característico de obra, ele destoava, pois insistia sempre em recuperar o irrecuperável e, quase sempre, conseguia. Aprendi muito com ele e talvez venha daí até hoje minha mania em tentar aproveitar tudo também. Mais à frente, quando eu já era da Vale, fiquei penalizado porque este colega não conseguiu passar também. O motivo foi que ele não tinha um curso técnico formal, conforme exigido. Foi uma pena, pois mesmo sem ter formação ele era competente, humilde e com muita disposição para trabalhar, qualidades que fazem muita diferença. Não tenho dúvidas que sua contribuição seria excepcional à nossa equipe. A opção da Vale por técnicos de fora, em detrimento dos técnicos locais, em minha opinião causou alguns prejuízos. Na área do Porto, por exemplo, lembro que foram contratados muitos técnicos do Sudeste, em especial cariocas, que após pouco tempo em São Luís reclamavam muito por não se adaptarem ao estilo de vida na cidade, segundo eles, muito provinciano, de forma que muitos deles conseguiam licença para viagens a suas cidades de origem. Outros não aguentaram e se desligaram cedo do projeto. Lembro de ter visto anúncios que a Vale publicava em vários jornais de circulação nacional para atrair técnicos. Até no jornal Zero Hora de Porto Alegre cheguei a ver. Ora, convenhamos, seria mais fácil e menos dispendioso investir em mão-de-obra local, mesmo a despeito do desnível técnico que, afinal de contas, não deveria ser tão crítico, creio eu. Tenho certeza de que, em pouco tempo, a aparente desvantagem técnica seria compensada pela dedicação e o empenho dos técnicos locais que ansiavam também em ingressar no projeto. Felizmente essa política não vigorou por muito tempo e os técnicos maranhenses puderam provar suas qualidades, o que ficou demonstrado após as primeiras efetivações de estagiários locais. À medida que a SUNOR e SUPOC cresciam, a SUCAR definhava. Neste período foi instalada a primeira central PABX para atender a pré-operação, no novíssimo prédio do Centro de Controle Operacional (CCO) da ferrovia, na praia do boqueirão. O equipamento era uma ARD 561, fornecida pela Ericsson do Brasil. Fui conhecê-la de perto embora sua operação e manutenção não fosse de minha alçada, pois até então eu não havia passado para a Vale. Nessa época minha ansiedade aumentou bastante, pois as instalações no CCO, já indicavam a grandeza e importância que seria a fase de operação e eu ainda estava restrito na SUCAR, preso na Tupy. De qualquer forma procurei estreitar os laços com meus antigos colegas e sempre me coloquei à disposição para ajudá-los, mesmo porque tinha muito interesse em aprender sobre esse novo equipamento, especialmente porque, na eventualidade de passar para a Vale, não teria dificuldades em me integrar ao trabalho e a nova equipe.
Meu ingresso na CVRD:
Felizmente, pouco tempo depois surgiu minha oportunidade e finalmente fui convocado a fazer os exames para ingressar na CVRD, no entanto não foi uma passagem lá muito tranquila, em vista de um contratempo na fase dos exames médicos. Na parte dos exames clínicos, tudo bem, sempre gozei de excelente saúde. A surpresa veio após um teste de vista que incluía uma avaliação, por meio de um livrinho japonês com figuras coloridas no qual era necessário identificar números e letras lá inseridas. Esse teste era idêntico ao que os Detrans aplicavam a novos motoristas, usado para detectar deficiência na identificação das cores básicas (daltonismo), só que neste órgão público esse teste usava algumas poucas figuras, as quais eu nunca tive dificuldades em identificar. No tal “livrinho”, usado no recrutamento, ele possuía muitas páginas com inúmeras figuras, o que demonstrava bastante rigor. Até a primeira metade do temerário “livrinho” eu me saí bem, mas na outra metade em diante, tive bastante dificuldade. O especialista que aplicou o teste, ao final, concluiu que eu era daltônico. Fiquei bastante surpreso e, claro, não concordei com o diagnóstico. Argumentei que tinha trabalhado em grandes empresas de telefonia pública, nas quais tinha trabalhado com cabos telefônicos que usavam intensivamente código de cores para identificação dos diversos pares telefônicos. Igualmente, no meu trabalho na SUCAR, lidava com cabos telefônicos e nunca tive dificuldades em distinguir o código de cores, porém não teve jeito, o especialista manteve seu diagnóstico e sai de lá arrasado. Como convencer aquela “criatura” que eu não era daltônico? Cheguei cabisbaixo no meu setor e fui direto falar com o chefe. Ele também ficou surpreso e me prometeu falar com o chefe do recrutamento, de forma que me fosse dada uma nova chance. Passados alguns dias, muito angustiantes por sinal, fui convocado a fazer um novo exame. Fui meio receoso, porém disposto a vender caro o meu “daltonismo”. Antes de revisar as famosas figurinhas, pedi ao especialista para ver e comentar as figuras mais difíceis que tinha me atropelado e na conversa consegui distinguir as nuances de cores entre as bolinhas que formavam os números e letras, embora em algumas delas não conseguisse ver a figura, de fato. Acho que meu problema era mais de percepção espacial. Felizmente o profissional, desta vez, se convenceu que eu não era daltônico e fui aprovado no teste. Sai de alma lavada e enxaguada, afinal eu não era “daltônico”, que alívio!
A próxima fase foi mais prazerosa. Cumprida as etapas formais da admissão, concluídas no dia 14/11/1984, data efetiva que entrei na CVRD, fui receber o fardamento. Hoje, talvez, para um novo funcionário que recebe a farda pode parecer uma etapa corriqueira e sem muita relevância, mas para nós, pioneiros que almejavam muito ingressar na empresa, sem dúvida era um evento marcante. Lembro bem que ao chegar à noite em minha casa, convoquei minha jovem esposa a se desdobrar para fazer os ajustes nas bainhas da calça para poder usá-la no dia seguinte. Após concluir os ajustes, ela pendurou a farda num cabide em nosso quarto e antes de cairmos no sono, ficamos um bom tempo admirando-a como se fosse um troféu cobiçado. No dia seguinte, sai orgulhoso com a nova farda para trabalhar, agora como funcionário, de fato, da Cia.Vale do Rio Doce. Apresentei-me para trabalhar no prédio do CCO, após os três anos que passei na Tupy, durante a fase de implantação. O fato de já conhecer parte da equipe me deixou mais à vontade, mesmo a despeito da turma ter crescido bastante com a contratação de novos técnicos, eletricistas, cabistas de rede e estagiários que formavam uma equipe bem mais numerosa, voltada agora para a fase da operação. Os antigos colegas da implantação que ainda ficaram na Tupy, com os quais ainda mantive um estreito contato, passaram para a Vale posteriormente com a extinção da SUCAR, exceto o mais dedicado deles, que não foi aceito, conforme relatado anteriormente. A nova gerência na Vale era bem mais estruturada. Enquanto na SUCAR eu me reportava apenas a um chefe, agora na SUNOR e posteriormente na SUFEC, a coisa era bem mais complexa, pois a gerência na qual a área de telefonia estava inserida cuidava também de telecomunicações, sinalização, força energia e outras especialidades na área de eletroeletrônica voltadas para a Ferrovia. A hierarquia era extensa, pois além do supervisor, que cuidava do dia a dia da turma, existiam as figuras do chefe de Seção, Setor, Divisão, Departamento até chegar ao Superintendente. A exceção desta última instância, os demais chefes participavam ativamente, em maior ou menor grau, de tudo. Além desta estrutura formal, os técnicos provenientes de Vitória exerciam uma influência natural, não só treinando as novas turmas como também intermediando as diretrizes da gerência superior para estruturar as diversas especialidades de forma a azeitá-las ao formato que já era praticado no Sistema Sul da Vale (Ferrovia Vitória a Minas). A nova turma de Telefonia, a qual me incorporei possuía, não só mais recursos de pessoal, como também de material, inclusive viaturas próprias e bem equipadas, mesmo porque a área a ser coberta era bem maior e dispersa, portanto exigia uma estrutura mais profissional. Assim, a falta de veículo equipado para a manutenção de campo, bem como pessoal capacitado e treinado, problemas que enfrentei no início na implantação, era coisa do passado. A supervisão imediata da turma era feita por um dos antigos colegas da SUCAR, o que primeiro passou para a Vale. Ele distribuía as tarefas nas manutenções mais rotineiras, bem como na implantação de novas instalações. Com o tempo uma nova especialidade surgiu dentro da Telefonia, a manutenção da parte do que seria o embrião da informática, mais especificamente na modalidade do Teleprocessamento, que veio somar-se às atuais, relacionadas à manutenção das centrais PABX, KS e rede telefônica. Essa nova especialidade iniciou-se timidamente e alguns técnicos da turma foram direcionados a prestar apoio mais ostensivo, sendo o responsável direto um jovem técnico da turma da Paraíba, que logo virou especialista nesta área, dentro da Telefonia. Podemos dizer que o teleprocessamento começou quando técnicos da Embratel instalaram o primeiro modem, ainda no prédio da Engevix, equipamento que permitiu nossa ligação ao computador central da IBM (Main Frame), instalado no CPD em Vitória, dando assim o pontapé inicial na informatização dos processos no agora denominado, Sistema Norte, que a partir deste evento marcante para todos nós, não parou mais de crescer.
Surpresas na nova Gerência.
Como era de praxe, incorporei na nova turma o hábito de tudo registrar, por meio de desenhos manuais. Assim, continuei registrando a distribuição da rede telefônica que se ampliava velozmente. Os dados eram minuciosos, detalhando a distribuição dos pares telefônicos que interligavam as diversas áreas. Esse trabalho com o tempo chamou a atenção do chefe do Setor de Eletroeletrônica, a exemplo do que aconteceu com o chefe na SUCAR, na fase de implantação. Esse chefe, um engenheiro paulista e novo na estrutura do Departamento, era um sujeito meticuloso além de bastante exigente. Pude perceber desde o início que ele era o maestro de toda a área da Eletroeletrônica, pois, invariavelmente, estava envolvido nas estratégias e embates técnicos junto às diversas áreas e cobrava, de forma veemente, todas as turmas de manutenção sob seu comando. Ele, inclusive, ministrou treinamentos específicos em vários equipamentos que estavam sendo implantados ou por implantar na área de Telecomunicações/Sinalização voltados para a operação da ferrovia, demonstrando total domínio sobre o assunto. Para a maioria dos colegas ele era reconhecido como um profissional, competente, tecnicamente falando, mas possuía um tom que para muitos soava autoritário, ou seja, faltava-lhe um pouco de traquejo social ao cobrar ações e metas a seus supervisores o que, inevitavelmente, atraiu para si descontentamentos. Um dos supervisores incomodados era justamente o nosso, da Telefonia. Desde o início notei que existia uma animosidade entre ambos, o que não era bom. Sempre ao ter oportunidade, alertava nosso Supervisor, que além de chefe era meu amigo, sobre eventuais consequências daquela disputa pois o chefe do Setor, além de um perfil hiperativo, do tipo que não foge a uma boa briga, tinha também total e irrestrito apoio do chefe do Departamento, responsável por sua vinda ao projeto. A propósito, essa era uma questão peculiar, na medida em que esse gerente, como chefe de Setor, deveria reportar-se ao chefe de Divisão, seu superior imediato na hierarquia, porém, na prática, ele tratava tudo direto com o chefe do Departamento, rivalizando as atenções e criando um clima de disputa interna pelo poder na eletroeletrônica. Com o tempo, ele como chefe do Setor, conseguiu impor-se e ficar à frente da parte executiva da Eletroeletrônica, deixando para seu “rival”, o chefe da Divisão, a parte mais institucional e burocrática.
O acirramento das divergências entre o nosso Supervisor e o gerente do Setor chegou a um ponto insustentável, pois as determinações do chefe eram tratadas com pouco caso por nosso Supervisor. Um belo dia fui convocado a comparecer à sala do chefe do Setor, oficialmente para ele conhecer os registros que eu fazia da rede telefônica, que tinha chamado sua atenção, segundo me confidenciou um colega da turma de Vitória, que intermediava assuntos institucionais com as gerências superiores. Surpreso, peguei meus desenhos, embarquei em nossa viatura e me desloquei até o prédio da Engevix, onde o chefe estava lotado e fui lá atender sua convocação, enquanto os colegas da equipe ficaram conjeturando sobre os reais motivos daquela convocação, afinal o normal seria ele convocar o Supervisor e não um técnico para prestar-lhe informações. De fato, no início o chefe se interessou em conferir detalhes da documentação que eu havia levado, porém no meio da minha exposição ele disparou assim mesmo: “a partir de hoje você é o novo Supervisor da Telefonia”. Tomei um susto danado e perguntei: “como assim, por que eu”? Ato contínuo ele passou a desfilar impropérios contra o atual Supervisor, como justificativa para sua decisão ao mesmo tempo em que elogiou meu trabalho, argumentando que eu era a pessoa mais indicada para comandar a Telefonia. Confesso que fiquei atordoado pela súbita indicação, pois não estava preparado nem tinha experiência para assumir uma responsabilidade daquela, afinal sempre fui uma pessoa com perfil mais executivo do que gerencial. Bom, mas como era uma característica dele, a decisão já estava tomada e eu teria que encarar essa missão daquela data em diante. Após receber algumas instruções rápidas sobre meu novo papel na Telefonia, sobre o que ele esperava de mim e coisas do gênero, fui liberado para comunicar aos meus, agora, subordinados sobre a mudança. Na viatura ao retornar a nossa área, minha cabeça estava a mil. Eu, como novo Supervisor da Telefonia! E agora, que seria de mim? Como eu ia enfrentar esse desafio sem ao menos ter uma preparação formal? E o antigo Supervisor e demais colegas da turma, como iriam receber essa notícia? Nosso motorista, que para nós era como um membro da equipe, notou meu ar de preocupação durante o trajeto e tentou conversar, mas eu estava tão imerso em meus pensamentos que quase não dei atenção. Ao chegar, respirei fundo, e ao entrar na sala todos me olharam com um ar ansioso, como adivinhando que eu era portador de grandes novidades. O Supervisor e os técnicos mais chegados me levaram a uma sala reservada e foram direto ao que interessava: “e aí, como foi sua conversa com o chefe”? Eu, meio sem jeito, medindo as palavras e meio constrangido falei: “pois é, ele determinou que de hoje em diante eu sou o Supervisor da Telefonia.”! O alvoroço foi geral, todos me cumprimentaram efusivamente, mas logo a seguir o Supervisor, com os técnicos fazendo coro, passaram a me cobrar uma postura firme perante o chefe. Segundo eles, eu não deveria me dobrar fácil as suas exigências e me pressionaram a continuar o clima de beligerância com o chefe. Fiquei sem argumentar inicialmente diante daquele bombardeio cerrado. No meu íntimo não concordava muito com toda aquela cobrança, afinal, como novato na turma, não conhecia bem o chefe, o que não me permitia julgá-lo da forma como eles me impuseram, ou seja, não tinha passado pelos traumas durante a convivência deles com o chefe, especialmente o Supervisor. Depois, analisando friamente aquele episódio, ficou evidente a imensa mágoa que tomou conta do nosso Supervisor. Para ele, certamente, foi difícil ser destituído daquela forma, sem ao menos ser convocado pelo chefe para ser informado oficialmente, o que foi um erro imperdoável. Da minha parte, o que eu podia fazer? Eu estava tão atordoado quanto o Supervisor só que em situação distinta. Para não criar atritos desnecessários naquele momento concordei, em termos gerais, com as cobranças de todos durante aquela fatídica conversa, porém deixei claro que contava com a ajuda e um mínimo de comprometimento deles para que eu levasse adiante a missão que me foi imposta pelo chefe. Aparentemente todos concordaram e fiquei mais tranquilo, afinal até aquela data, além de colegas de trabalho, éramos amigos, inclusive era costume nos encontrarmos nos happy hour às sextas ou fins de semana para bebericarmos umas cervejas e assar uma carne. Assim, confiei, inocentemente, que tudo poderia transcorrer sem grandes problemas. Ledo engano...!
A difícil missão de gerenciar pessoas:
No início da minha gestão como Supervisor, minha atuação foi, mais ou menos, aceita pela turma. Lembro-me de um episódio simples, bobo mesmo, que ilustrou a disposição geral do agora ex-supervisor e demais colegas da equipe, ao sairmos em grupo pela primeira vez em nossa viatura, a Kombi. Era de praxe que o supervisor tinha a prerrogativa de sentar-se no banco da frente, ao lado do motorista, como indicação à equipe e ao público em geral que aquela pessoa, ali na linha de frente, era o chefe daquela turma. Pois bem, ao sairmos a primeira vez em que eu, de fato, era o Supervisor, tomei assento na segunda fila de bancos da Kombi, local normalmente reservado aos técnicos, ao qual eu estava habituado. De imediato o ex- supervisor não concordou e teve a anuência da equipe, indicando que meu lugar, dali em diante, era no banco da frente, como mandava uma espécie de “protocolo”, não escrito, porém respeitado por todos. Argumentei que aquilo não era importante para mim, eu poderia ficar no meu lugar habitual, mas não teve jeito e assim tive que assumir meu lugar de destaque na viatura. Este tipo de postura dava ideia do meu desconforto no início, ao enfrentar situações corriqueiras nas quais eu tinha que me posicionar e assumir meu real papel de líder da equipe. Bom, mas com o tempo, a resistência dos colegas mais antigos, capitaneados pelo antigo supervisor, só cresceu. A eles, se juntou por último aquele técnico da GTE que me deparei na época da implantação na SUCAR e com o qual não tive uma boa experiência, conforme comentei anteriormente. Estes colegas, por serem os mais conceituados entre os demais, formavam um grupo coeso e afinado, sempre prontos a contestar tudo e, normalmente, não se esforçavam em ajudar. Em várias ocasiões, nas quais necessitei de um apoio mais ostensivo nas dificuldades do dia a dia, eles faziam corpo mole. Lembro que nossa rotina diária começava com um rápido café da manhã, antes do início do expediente só que, aos poucos, por pura pirraça, esse tempo ficou bastante elástico, invadindo o horário de trabalho, mesmo com algumas urgências necessitando de pronta intervenção, obrigando-me a cobrá-los respeito ao horário de início do trabalho, de fato. Nas ações que demandavam a participação mais efetiva da equipe, muitas vezes me via obrigado a planejar e prever sozinho as estratégias, pela absoluta falta de comprometimento deles. Reconheço que problemas eventuais deste tipo são normais ocorrer em qualquer equipe de trabalho, mas da forma como parte da turma orquestrava contra mim era um claro sinal de boicote, além de indisciplina. Uma das ações que eles trabalhavam bem era cooptar os colegas mais novos para sua causa de forma a deixar-me isolado, como uma espécie de castigo por eu não ter me alinhado a eles no propósito de contestar o chefe do Setor. Como eu não me indispus com o nosso gerente, virei persona non grata entre eles. O fato de não contestar o chefe tinha uma motivação simples: eu não tinha nada contra ele, muito pelo contrário, achava-o uma pessoa altamente preparada e competente, embora reconhecendo sua falta de sensibilidade e polidez ao cobrar ações aos seus comandados. Com o tempo, aos trancos e barrancos como se diz, fui me adaptando e tomando gosto por minhas novas atribuições mesmo porque, como a prática demonstra, o exercício do poder, por menor que seja, abre muitas portas, residindo aí seu principal fascínio e comigo não foi diferente. Quando ingressamos nessa roda viva e convivemos com pessoas, ambientes e situações diferentes, há um envolvimento natural que nos obriga a decidir de qual lado devemos nos posicionar, dessa forma depois que assumi, de fato, o cargo, eu tinha por obrigação me alinhar com as diretrizes da Empresa e com minha gerência imediata e o preço a pagar por este alinhamento foi caro. Posso afirmar, com a mais absoluta convicção que o período no qual estive como Supervisor da turma, que durou de 1985 até 1991, enfrentei os piores momentos em meus 28 anos na Vale, isso porque junto com os conflitos internos, normalmente presentes em qualquer equipe de trabalho, tive que engolir o boicote branco imposto por parte da equipe. Não foi fácil...! Lembro que ao retornar para casa ao final do dia, estava esgotado, com uma dor de cabeça crônica que me perseguiu de forma insistente, motivada não só pelos desafios e dificuldades no trabalho, mas, e especialmente, por ter que lidar com aqueles membros turrões da equipe. Nesse período foi muito importante o apoio e a compreensão da minha mulher, a quem eu confidenciava meus dissabores no trabalho. Se não fosse por ela e por meus filhos menores, eu teria largado tudo aquilo. Hoje reconheço que me faltou habilidade e preparo para lidar com todas essas dificuldades, mas eu era muito novo, sem experiência e perfil para o cargo e fui colocado nessa situação por pura contingência, conforme já colocado. Após passar por vários cursos de capacitação e treinar variadas ferramentas de gerenciamento, senti-me mais encorajado a enfrentar os desafios como supervisor. Hoje, relembrando aquele período, entendo como foi difícil suportar toda aquela pressão. Lembro-me de muitas passagens em eventos, reuniões, encontros etc. com a turma ou com o público externo, nas quais minha atuação era demandada. Eu, que sempre fui meio tímido, agora tinha que enfrentar situações inusitadas e desafiadoras todo dia. Acho que essa nova experiência me deu mais desenvoltura, tornando-me uma pessoa melhor, mais aberta e disposta a enfrentar melhor os desafios. Sinceramente falando, às vezes admirava-me com minha performance. A cada nova conquista eu ganhava mais confiança. Esse é um aspecto interessante no exercício do poder que só é sentido quando o exercemos. No dia a dia, apareciam imprevistos nos quais tinha que decidir, de preferência de forma equilibrada e sábia, o que nem sempre é muito fácil. Quando acertamos mais que erramos, a motivação aumenta, criando um círculo virtuoso que nos impulsiona a enfrentar melhor os desafios, massageando nosso ego e isso é muito bom. Lembro bem de um episódio no qual tive que enfrentar uma questão meio complicada que me encheu de confiança. O episódio foi um acidente com nossa viatura, a Kombi, que se envolveu em uma batida com um trem da Companhia. Como citei anteriormente, nosso motorista era tratado como um membro da equipe e sempre demonstrou ser uma pessoa cuidadosa e responsável, mas, um dia se descuidou e avançou, inadvertidamente, por uma passagem de nível no pátio de dormentes e foi colhido de raspão por uma locomotiva. O acidente não teve grandes danos materiais e, felizmente, não machucou ninguém. Mesmo assim, o evento não deixou de ser grave, afinal uma viatura bater com um trem não é um fato comum. Em princípio, claro, a culpa era do nosso motorista, isso porque, a norma é clara: o trem sempre tem prioridade. Fui chamado às pressas para avaliar o ocorrido e ao chegar ao sinistro, me deparei com o chefe da Central de Transporte, um colega com fama de durão, esbravejando e gesticulando muito para nosso motorista ao lado das placas de sinalização no local, repreendendo-o energicamente, inclusive ameaçando-o com demissão, por seu flagrante descuido em não observar a sinalização. Argumentei que eu precisava conversar primeiro com o nosso motorista para saber sua versão, mesmo sabendo que seria difícil justificar sua imprudência. Como supervisor eu tinha a obrigação, pelo menos, de prestar um apoio formal ao nosso colega. Pelo chefe do transporte o motorista já estava demitido, porém insisti que tomaria sua versão e posteriormente faria um relatório do ocorrido, encaminhando meu parecer. Só desta forma aceitaria uma decisão formal sobre eventuais penalidades. O chefe do transporte resmungou bastante, mas teve que aceitar. Ao voltar a minha sala, chamei o motorista, conversamos bastante, escutei suas explicações. Ele estava muito envergonhado, reconheceu que falhou e se desmanchou em desculpas. Ato seguinte dei início ao relatório a que me propus fazer. Até hoje tenho comigo esse documento, um dos primeiros que fiz como Supervisor, Ele foi inicialmente escrito à mão (texto eletrônico em computador ainda era uma raridade) e depois bati à máquina, daquelas antigas de escrever, para dar um ar mais formal. No texto procurei exaltar as qualidades do colega motorista, para livrá-lo de uma demissão quase certa. Não sei se o relatório foi decisivo ou influenciou, só sei que nosso colega motorista não foi demitido e após prestar serviço por mais um tempo entre nós ele foi deslocado pela Gerência do Transporte para atender outra área na Empresa.
Episódios marcantes.
Uma das atribuições do supervisor é apoiar e cuidar do seu pessoal em todas as demandas possíveis, incluindo, claro, sua integridade física. Lembro de um episódio, um tanto insólito, que tive que tratar. Uma de nossas Telefonistas mais antigas, uma senhora muito distinta, equilibrada e sem histórico de faltas, não apareceu para trabalhar durante dois dias seguidos e não deu notícias, tampouco atendeu ligações para sua residência, disparadas por suas colegas telefonistas. Como ela não costumava faltar ao seu plantão, era estranho este sumiço. Nessa época não existia celular e como ela morava sozinha (era natural de outro Estado, separada, sem filhos e não tinha nenhum parente na cidade), todos se perguntavam o que poderia ter acontecido. Uma de suas colegas mais próximas lembrou que ela havia confidenciado, em oportunidade recente, que sofria de um problema cardíaco, porém leve. Ficamos imaginando então, quem sabe, ela tivesse passado por algo grave, como um infarto. Alarmado com esta possibilidade, fui pessoalmente ao seu apartamento para investigar. Lá chegando, bati insistentemente à porta, mas, não obtive resposta. Procurei falar com os vizinhos mas ninguém tinha informações. Imaginando o pior, decidi procurar por um chaveiro para abrir aquela porta. Se ela não tivesse nenhum ferrolho acionado por dentro, conseguiríamos abrir e investigar. O chaveiro não teve muita dificuldade para abrir aquela porta e a seguir adentrei aquele apartamento com o coração na mão. Eu estava tenso, nervoso, esperando me deparar com o pior. Com respiração ofegante e passos lentos fui penetrando nos aposentos, um a um. O ambiente estava escuro e sombrio e a cada cômodo vasculhado o suspense aumentava, como nos filmes de Hitchcock. Após examinar todos os aposentos, felizmente a cena que eu imaginava encontrar não ocorreu. O apartamento estava vazio e fui tomado de um grande alívio. Mas onde podia estar nossa sumida afinal? Voltei a Empresa e quando lá cheguei, fui informado que ela, finalmente tinha ligado, informando que tinha ido ao interior do Estado, teve um problema e ficou impossibilitada de ligar para informar seu paradeiro. A bem da verdade, quem quase enfartou foi eu, pelo sufoco que passei. Felizmente tudo acabou bem. Outro episódio marcante que lembro bem dava ideia de como era difícil tratar algumas questões, obrigando-me a tomar atitudes firmes, quando necessárias, de forma a desencorajar demandas, aparentemente justas, mas que são totalmente descabidas. O episódio foi o seguinte: um dos colegas da equipe, um rapaz muito jovem que entrou como estagiário e posteriormente agregado a equipe como funcionário, sem ideia de como funcionava uma grande Empresa, certa vez veio solicitar que eu liberasse para ele, como doação, uma mesa de escritório, sem uso momentâneo em nossa área, para seu uso particular. Alegou que morava em um cômodo alugado e se ressentia por não possuir um móvel deste tipo para ele retomar seus estudos. Expliquei, com todo o cuidado possível, que não era possível atendê-lo da forma que ele imaginava pois isso contrariava normas da Empresa. Ele talvez pudesse conseguir isso quando houvesse algum leilão ou coisa do gênero, realizado periodicamente pela área de materiais. Prontifiquei-me, inclusive, em obter informações a respeito. Ele sem muita paciência e talvez influenciado pelos colegas turrões, entendeu minha negativa como algo pessoal e assim, foi criado um conflito que se estendeu por um bom tempo. Sua percepção era que eu, como supervisor, não dei apoio devido ao seu justo direito de voltar a estudar. Sempre que possível ele comentava sobre esta minha suposta insensibilidade com os demais colegas da equipe. Infelizmente, não tive como atender sua expectativa como ele esperava. Fazer o quê! Outro episódio que lembro bem foi o caso do Supervisor BG. É consenso que a relação entre supervisor e seus comandados sempre é passível de conflitos em qualquer atividade empresarial e na Vale não era diferente, afinal, é de praxe que cada lado defenda suas convicções com unhas e dentes o que, inevitavelmente, geram conflitos. Acontece que conflitos podem e devem ser tratados do modo mais racional possível, antes que fiquem mais sérios, de forma a permanecer em níveis aceitáveis, cabendo ao gerente conduzi-los da melhor forma possível. Naquela época, com novas áreas sendo criadas, novos processos e novas ideias no ar, era inevitável que conflitos surgissem em profusão nas diversas áreas. Tanto isso foi real que numa determinada ocasião, lembro bem, todos os supervisores das áreas operacionais foram convocados pelo Gerente da Manutenção para uma reunião formal em um auditório na área administrativa. Todos chegaram sem saber ao certo o propósito da tal reunião. Esse gerente, um senhor grandalhão, com fama de durão e sem papas na língua, começou sua fala de forma enigmática, comentando sobre os supervisores, por ele chamados de BG, relacionando-os aos conflitos nas áreas que chegavam ao seu conhecimento. Todos ficaram se entreolhando sem saber, afinal, o que era um supervisor BG. Seria um elogio? Seria uma nova categoria especial de supervisor? Depois do suspense inicial veio a surpresa: esse Gerente esclareceu que as letras BG, pasmem, eram as iniciais de “Bunda Grande”. Na verdade, o motivo do encontro foi passar um pito em todos nós, ou pelo menos na maioria. Segundo esse gerente, o supervisor BG era aquele gestor que ficava sentado com seu “Bundão” o dia todo no conforto da sua cadeira no escritório refrigerado, sem acompanhar diretamente seus comandados nas áreas operacionais, sem conviver com suas dificuldades e anseios no dia a dia no trabalho de campo, evitando boa parte dos conflitos. Segundo esse gerente, a presença ostensiva do supervisor em campo, poderia abater muitos problemas no seu nascedouro, o que era uma colocação bastante razoável. Ficou, portanto, explicado a designação do que era o supervisor BG. A reação da maioria dos ali presentes foi de pura surpresa, talvez até de constrangimento, afinal o gerente estava coberto de razão. Depois de todo o sermão que fomos obrigados a escutar e as discussões subsequentes, voltamos às nossas áreas, no mínimo, articulando o que fazer para mudar nossas atitudes. Eu, de minha parte fiquei impressionado pela disposição e franqueza desse Gerente, que eu já admirava por seu estilo direto e sem firulas, desde que o conheci, quando ele chegou transferido de Vitória no início da pré-operação da ferrovia. Como demonstração de apoio, senti-me impelido a escrever, à mão, um bilhete a ele para dar minhas impressões sobre aquela reunião, elogiando sua iniciativa. Entreguei esse bilhetinho a sua secretária, que ficou de repassá-lo. Não sei se ela entregou e se ele leu, pois não tive mais retorno, embora não fosse essa a minha intenção. Não lembro bem o que escrevi naquela ocasião. Só sei que foram palavras de apoio e incentivo, tomando os devidos cuidados para não demonstrar bajulação. Um “causo” hilário que recordo bem, foi o aparecimento de uma cobra em uma das nossas centrais telefônicas, a do PABX no CCO. Era início de mais um dia de trabalho e um dos técnicos da equipe executava uma manutenção de rotina no equipamento. Eu estava envolvido com minha rotina quando, de repente, ouvi um barulho ensurdecedor de uma tampa metálica caindo ao chão, seguido de um grito de pavor. Corri assustado para ver o que ocorria, quando me deparei com o colega trêmulo, quase sem fala, apontando para uma cobra que havia caído do equipamento após ele abrir uma de suas tampas. Ficamos, eu e ele, meio atordoados, sem reação e a cobra, que devia estar mais assustada ainda, rastejou de volta e penetrou, rapidamente, na espessa fiação do equipamento. A “fera” devia medir uns 40cm e parecia ser venenosa. Uma coisa era certa: tínhamos que expulsar aquele bicho dali, do contrário, ninguém mais se arriscaria a tocar naquela central para dar manutenção. Ao final de muita discussão, inclusive com colegas de outras áreas que chegaram atraídos pelo alvoroço, concluímos que o meio mais eficaz para expulsar aquele intruso dali seria desmontar o PABX, até encontrá-lo. O PABX do CCO era o maior de todos e possuía muitas unidades empilhadas em bastidores. Após conseguirmos a autorização da gerência superior, a “grande caçada” foi planejada para iniciar ao meio-dia, horário de menor movimento do tráfego telefônico. Improvisamos uma vara com um laço na extremidade para capturar nossa presa. Uma ideia bem criativa. Éramos umas seis pessoas e entre elas havia um rapaz da limpeza do prédio, novato no serviço, porém um tanto delicado, segundo as más línguas, pois destoava dos “machões a toda prova”. Iniciamos nossas “operações de guerra”, retirando as tampas frontais do equipamento, uma a uma, amontoando-as no corredor entre os bastidores. Após o desmonte de quase todas as unidades do PABX, chegamos às últimas e, de certa forma, mais relaxados e um pouco decepcionados por nossa “caça” não ter dado, até então, o ar da sua graça. De repente, na penúltima unidade, logo acima de nossas cabeças, surgiu aquele “bicho”, como do nada, com a cara e metade do corpo de fora nos encarando firme como se perguntasse: afinal, o que vocês querem comigo..? Aqui estou eu..! A cena seguinte foi pura comédia pastelão: todos aqueles “machões” correram ao mesmo tempo (inclusive eu, claro..!), abalroando as tampas do equipamento, causando um pandemônio sem igual. Recuperados do susto, porém em lugar seguro, olhamos de volta a “cena do crime” e eis que o rapaz da limpeza, aquele que diziam ser delicado, empunhando a vara sozinho (ele não fugiu como nós), conseguiu laçar e a seguir pegar com suas próprias mãos aquele “monstro” que tanto vexame acabava de nos impor. Ainda meio assustados, chegamos perto daquele rapaz, admirados por sua coragem e um tanto envergonhados pelo papel deprimente que proporcionamos, afinal, nós, “os valentes machões”..! Que vexame..! E nossa reputação, como ia ficar...? Assim, o episódio além de cômico, para não dizer trágico, serviu como lição para nós, machistas convictos, pelo excesso de confiança e por subestimar a coragem daquele rapaz que, a propósito, de delicado não tinha nada, o que constatamos posteriormente ao conhecê-lo melhor. Além das minhas demandas técnicas e administrativas, normais no dia a dia como supervisor, uma atribuição, em especial, me causava muito desconforto e apreensão: a avaliação de desempenho da equipe. Essa atividade, normalmente feita nos meses finais do ano, era uma ferramenta da empresa, criada para medir e pontuar os funcionários em relação à sua performance durante o ano. Era atribuição de todo gerente convocar seus subordinados um a um, reservadamente, para fazer sua avaliação de desempenho. O formulário, alem de relacionar questões bem elaboradas, possuía também uma parte subjetiva na qual o funcionário e o gerente, por meio de uma conversa o mais franca possível, eram incentivados a colocar suas eventuais diferenças. Eu me esforçava em manter um clima amistoso e imparcial, porém alguns membros da equipe sempre usavam variados argumentos de forma a contestar a avaliação, às vezes de forma raivosa, quando suas expectativas (invariavelmente traduzidas em boas notas), não era o que esperavam. De certa forma, essa atitude era uma reação normal, afinal a maioria de nós, normalmente, sempre acha que faz tudo certo e da melhor forma possível. São raras as pessoas que possuem autocrítica para reconhecer suas limitações e falhas. Assim, na época das avaliações, eu me preparava para o estresse que elas geravam, esmerando-me para ser o mais justo e imparcial possível. Não me arrogo o direito em dizer que fazia tudo certo ou que minhas convicções sempre deveriam prevalecer. Eventualmente eu cometia erros de cálculo nesta complicada e difícil missão de avaliar pessoas, tarefa em que poucos gerentes detêm habilidades, de fato, para executar de forma isenta, sábia e sem conflitos.
Mais atividades e hierarquia.
A cada dia mais gente era incorporada à nossa equipe, totalizando vinte e duas pessoas, todas funcionárias diretas da CVRD, incluindo quatro telefonistas que faziam parte da turma, bem como os primeiros estagiários que foram efetivados como funcionários, notadamente os que mais se destacaram. Nossa atividade fim era manter o sistema telefônico. A contratação de mais funcionários para a equipe foi motivada não só pelo crescimento desse sistema, mas também para atender a rede estruturada da informática, atividade que foi acrescida à nossa equipe com o tempo. Esse modelo foi importado do sistema sul, na qual sua área de telefonia já executava. Entre nós, o marco inicial desta nova atividade se deu após a instalação do primeiro modem (equipamento pelo qual trafegam dados entre dois pontos) entre São Luís e Vitória, conforme comentado anteriormente. Essa instalação ficou a cargo da Embratel e permitiu viabilizar a ligação dos primeiros terminais IBM. Lembro perfeitamente quando o técnico da Embratel concluiu os ajustes finais no modem, após dois dias exaustivos de testes e ajustes, com o seguinte comentário: “pronto, aí está o famoso modem instalado e em funcionamento. Façam bom uso dele”. Hoje, relembrando esse episódio, não é exagero afirmar que aquele foi um dia histórico, pois marcava a entrada, de fato, do Sistema Norte da CVRD na era dos sistemas informatizados. A partir deste evento, toda a parte de infraestrutura da rede de teleprocessamento, ficou sob a responsabilidade da nossa turma, dessa forma tivemos que tocar mais essa especialidade dentro da Telefonia e lidar diretamente com o pessoal técnico do CPD, tanto em São Luís como em Vitória, o que para nós foi importante na medida em que agregava mais destaque a nossa área, sem falar no ganho de novos conhecimentos. Nossa atribuição era instalar, programar e manter a rede de terminais IBM que eram conhecidos como terminais burros, isso porque não possuíam processamento próprio, como os atuais computadores. Todo o processamento era feito em Vitória. Estes terminais foram os primeiros equipamentos usados em larga escala para disponibilizar serviços de dados aos, à época, privilegiados usuários deste tipo de serviço. Aos poucos eles foram disseminados amplamente por toda a empresa até que foram substituídos, bem mais a frente (início dos anos 90) pelos computadores pessoais (PC). Em meados de 1985 cursos de capacitação foram uma constante e alguns membros da turma, eventualmente, ficavam ausentes em treinamento, inclusive eu. Uma das minhas primeiras ausências foi uma viagem a Vitória para uma visita técnica ao Centro de Processamento de Dados (CPD), para me familiarizar com os recursos da informática. Minha visita tinha o claro propósito de me ambientar com essa área, que crescia exponencialmente. Para mim tudo era novidade, as quais eu, como técnico formado exclusivamente na área de Telecomunicações/Telefonia, pouco ou quase nada conhecia. Confesso que fiquei meio inseguro quando cheguei ao CPD e conheci suas instalações, que naquela época já funcionavam em prédio próprio. Tudo ali era grandioso e diferente para mim. Entre outras novidades, fui apresentado ao famoso Mainframe da IBM, que era a unidade computacional de grande porte que atendia toda a empresa de forma centralizada. Fiquei impressionado com a variedade de informações. Mesmo com a boa vontade do responsável técnico em explicar-me como aquilo tudo funcionava, tive dificuldades em entender, mesmo porque, naquela época, nem um simples teclado eu ainda sabia manusear direito, quem dera entender toda aquela parafernália de equipamentos novos e diferentes...! Foi um choque para mim. A propósito, lembro que me puseram numa sala para “lutar” com um terminal IBM e o seu teclado, para eu pegar mais intimidade, mas foi dureza...! Acho que ali tive a antevisão que a Informática seria uma área muito importante para a empresa, como de fato ocorreu. A forte impressão que a Informática me deixou, na verdade, não foi gratuita. Naquela época a Telefonia, a exemplo de outras áreas técnicas tradicionais como Telecomunicações, Elétrica, Eletrônica, Instrumentação e outras, reinavam absolutas na empresa e todos os seus processos, sejam técnicos ou administrativos, eram feitos manualmente. A área de Informática veio para mudar tudo. A maioria do seu pessoal era formado por jovens, graduados em novas tecnologias, diferente de tudo que tínhamos até então. Em geral, sua equipe técnica tinha formação superior, usavam com frequência termos e expressões em inglês, transparecendo sempre um ar superior, que incomodava os técnicos mais antigos e conservadores que não simpatizavam muito com os clichês típicos por eles usados. Segundo os mais críticos, o pessoal da informática abusava da autossuficiência e arrogância. Pude sentir esses sentimentos quando estive em outra visita a Vitória para conhecer e trocar experiência como o pessoal da Telefonia no Sistema Sul. Nesta época, esses técnicos, em sua grande maioria eram respeitáveis senhores com muito tempo na empresa, em vias de se aposentarem, ao contrário do nosso pessoal técnico no Norte, formado por pessoas bem mais jovens. Era evidente a indisposição ou, diria melhor, o despeito que os colegas da Telefonia no Sistema Sul nutriam em relação ao pessoal da Informática, até certo ponto compreensível, afinal a percepção geral era que eles eram nossos competidores. Conforme comentado anteriormente, o gerente do setor que me designou como supervisor era uma pessoa competente e ativa, porém faltava-lhe sensibilidade para tratar com seus subordinados. Ele se envolvia com muita determinação em todas as supervisões da eletroeletrônica que estavam se estruturando para dar suporte ao início da operação da ferrovia carajás. Ele era o “maestro” e preenchia todos os espaços na condução das estratégias. Com o tempo ele criou uma rivalidade com o chefe da divisão, seu superior imediato, aparentemente por este ter um perfil mais circunspecto, por ser mais cauteloso e menos audaz, como muitos comentavam sem muito constrangimento. O gerente da divisão era um dos transferidos de Vitória, enquanto o gerente do setor foi egresso da empresa Siteltra-Telefunken, uma fornecedora de equipamentos de radiocomunicação para a Vale e chegou para trabalhar em São Luís a convite do gerente de departamento. Com o tempo o gerente do setor conseguiu a proeza de bypassar o gerente da divisão, tratando a maior parte dos assuntos que envolviam decisões com o gerente do departamento. O gerente da divisão ficou meio de lado, tocando assuntos mais institucionais da eletroeletrônica, ajudado por alguns assessores de confiança, como ele também oriundos de Vitória, que também se envolviam em todas as áreas, como já comentado. Na prática funcionavam duas estruturas paralelas que, muitas vezes, competiam entre si, gerando sinergias contrárias dentro da mesma área. Neste contexto meio confuso eu como um dos supervisores da equipe não podia nem deveria tomar partido, apenas tentava cumprir as diretrizes que me chegavam, usando jogo de cintura para não afetar suscetibilidades. Normalmente eu me reportava mais ao gerente do setor, afinal foi ele que me designou e me cobrava de uma forma mais ostensiva. A insana mania de concentração do chefe do setor não lhe permitia cuidar de tudo como desejava. A solução foi contratar um engenheiro com experiência para ajudá-lo a cuidar das diversas áreas e assim diminuir um pouco sua carga. Como a telefonia era a área menos estratégica entre as demais supervisões para a operação da Ferrovia, ficamos ligados diretamente a esse novo gerente, que era egresso do sistema telebrás, ou seja, um homem de telefonia. Ele preencheu a vaga de gerente de seção, cargo que estava vago até então. Com essa contratação fui incentivado a usar essa instância. A chegada desse novo gerente no início foi providencial porque passamos a contar com um interlocutor com experiência no assunto e com ele foi possível tratar a maior parte dos problemas na telefonia. Ele era uma pessoa muito calma, ponderada, sabia ouvir e em pouco tempo se integrou à equipe. Naturalmente, com o tempo começou a promover mudanças, impondo sua marca pessoal. Além desse novo cargo na hierarquia, a telefonia passou a contar também com um gestor informal, representado pelo nosso antigo chefe da área de telecomunicações, lá do início da implantação pela SUCAR, que ainda finalizava os últimos processos desta fase e que, na sequência, foi extinta. Ele era uma pessoa muito conceituada por todos, especialmente porque era um pioneiro histórico e faltava-lhe pouco tempo para aposentar-se. Na verdade, sua função era mais decorativa, como um ícone, uma espécie de reserva moral da equipe, por seu histórico de trabalho e lealdade sempre demonstrada à Empresa e aos seus superiores, desde os primórdios. Dessa forma, nessa nova configuração, nossa área de telefonia ficou amarrada a uma estrutura hierárquica imensa que, na prática, dificultava muitas tomadas de decisões. Qualquer mudança de estratégia ou comunicado que demandasse uma decisão importante, para cima ou para baixo, era necessário percorrer um longo caminho. Tomando como exemplo uma necessidade importante, ela tinha que passar por nosso gestor informal que retransmitia aos chefes (pela ordem) de seção, setor, divisão e departamento, isso sem contar alguns assessores técnicos de Vitória, mais ligados ao gerente de divisão, investidos também como gestores eventuais. Convenhamos, era muito cacique para pouco índio! Na prática, a função deste novo chefe de seção contratado era filtrar boa parte das demandas para repassar o mínimo possível para cima e vice-versa, do contrário era o caos. Mesmo assim, lembro que muitas vezes nos chegavam orientações e/ou diretrizes simultâneas do chefe de seção, setor e divisão numa clara superposição de poderes. Imagino que as outras supervisões da eletroeletrônica, ligadas a essa mesma estrutura, tinham os mesmos problemas
Projetos e mudanças profundas.
Com a ampliação da rede estruturada da informática para atender a demanda de mais terminais IBM, nossos técnicos direcionados a atender essa especialidade ficaram tão envolvidos que nossa gerência achou por bem separá-los da turma da telefonia, criando outra área de serviço, a supervisão de teleprocessamento. Essa nova supervisão ficou sob a responsabilidade de um jovem colega da Paraíba, muito inteligente e perspicaz. Assim, a telefonia voltou a ter sua formação tradicional, composta apenas por duas áreas que se complementavam. Uma delas cuidava das centrais telefônicas, que era responsável pela operação e manutenção dos equipamentos de forma a manter os PABXs (CCO, Porto, Oficina e Pelotização) funcionando ininterruptamente. A outra atividade cuidava da rede física dos cabos telefônicos que eram distribuídos externamente a todas as áreas na Empresa. Na prática o trabalho dos técnicos que cuidavam de uma ou outra especialidade era diferenciado. Os técnicos das centrais, entre os quais eu me incluía, eram em menor número. Por ser uma atividade mais técnica, era exigida desse grupo uma formação mais específica e seu trabalho era segregado nos prédios nos quais eram instalados os vários PABXs. O pessoal que cuidava da rede telefônica era em maior número e desenvolviam seu trabalho em campo, instalando e mantendo a rede de cabos telefônicos externos e internos que saíam dos PABXs até o aparelho telefônico do usuário. Por ser um trabalho mais rotineiro e pesado, esse grupo era formado, em sua maioria, por eletricistas e cabistas (especialistas em cabos telefônicos) e ficaram alocados numa área operacional anexa à oficina central da ferrovia. Assim como a turma do teleprocessamento, o pessoal da rede telefônica também foi separado, mais tarde, em outra supervisão, sob a liderança do antigo supervisor. A separação da telefonia em três áreas distintas me incomodou um pouco, isso porque não participei dos bastidores e não fui consultado em nenhum momento destes eventos, simplesmente fui comunicado da separação e ponto final. Consumada a separação da telefonia em três áreas distintas, continuei atuando como supervisor apenas da área das centrais telefônicas. O lado bom das mudanças para mim foi que me livrei dos aborrecimentos e do estresse que os antigos colegas turrões me faziam passar. Para mim foi um período de calmaria muito bom e providencial, isso porque me deixou com mais tempo para me dedicar a projetos e trabalhos técnicos de maior relevância, que começaram a ser implementados no âmbito do sistema de telecom/telefonia em toda a CVRD. Destaco entre eles a interligação, por voz, entre as diversas áreas da empresa no país, conhecida como “Carrier”, um antigo nome importado do sistema sul, permitindo aos usuários do sistema norte e sul se falarem mutuamente via ramal telefônico. Na época esse recurso foi um avanço extraordinário, pois permitiu reduzir, substancialmente, os custos com ligações interurbanas, via sistema público. Esse recurso foi possível com a instalação de uma central telefônica de trânsito no CCO que permitiu interligar todos os PABXs do sistema norte, incluindo as localidades ao longo da ferrovia e posteriormente Carajás, com as centrais de trânsito de Vitória, Itabira e Rio. Nessa época também começaram a ser instalados os primeiros equipamentos de tecnologia digital, em especial o sistema digivox. Esse sistema era do tipo KS, fornecido pela Ericsson, que passou a atender a alta gerência, bem como áreas de maior relevância da empresa, de forma reservada, adicionando recursos tecnológicos mais avançados e com melhor qualidade. Esse começo na digitalização do sistema telefônico demandou novos conhecimentos, não só para nós como aos usuários, de forma a capacitá-los a novos e revolucionários recursos. Outro projeto importante foi o Plano Diretor de Telecomunicações e Teleinformática (PDTT) que deu o início ao planejamento para a modernização de todo o sistema de telecom/telefonia, entre eles a substituição dos PABXs analógicos por equipamentos de tecnologia digital. Esse trabalho foi coordenado pela área de engenharia de telecomunicações, que convocava periodicamente os representantes das unidades no país para reuniões de trabalho na sede da empresa, no Rio de Janeiro. Eu fui um dos representantes do sistema norte. A interação periódica com colegas das demais áreas da empresa no pais foi muito importante, não só por permitir o compartilhamento de experiências, como também para definir padrões e normas para a futura Rede Telefônica Digital (RTD-CVRD), projeto que culminou com mudanças profundas na rede de Telecom/Telefonia em toda a Empresa. As discussões nessas reuniões eram profundas e minuciosas.
Nessa mesma época surgiu uma mudança inesperada na hierarquia da nossa área. Foi uma mudança de peso que ocorreu com a saída inesperada do chefe do setor, aquele que me indicou lá atrás. Ele deixou a Empresa para dedicar-se a projetos particulares. Esse evento deu início a mudanças promovidas pelo gerente de divisão que reassumiu suas prerrogativas, de fato, no comando da área da eletroeletrônica, a qual estávamos ligados, agora sem a concorrência do chefe de setor. Um belo dia, meados de 1991, recebo uma mensagem formal, curta e grossa, do chefe da divisão, com cópia a todo o corpo gerencial do nosso Departamento, designando o colega da Supervisão de Teleprocessamento como novo Supervisor da Telefonia, unificando as três áreas (Centrais, Rede Telefônica e Teleprocessamento). Para mim foi uma surpresa pois, não fui convocado a, pelos menos, conversar a respeito, ou seja, nosso gerente usou o velho e covarde expediente ao destituir um colaborador, sem ao menos comunicá-lo antes em uma conversa presencial, franca e direta, expondo os motivos. Seguramente teria sido mais elegante e correto da sua parte, mas enfim..! Fiquei chocado com minha destituição, não pela perda do cargo em si, mas pelas circunstâncias que, para mim, mais parecia uma punição por eu ser um indicado e supostamente aliado incondicional do, agora, ex-chefe de setor que saiu. Sem dúvida foi o momento mais difícil que enfrentei nos meus longos anos de Vale. Não foi fácil me submeter a uma estrutura, cujo supervisor designado foi meu subordinado e membro de um grupo que me fez oposição sistemática, desde a minha indicação no passado. A bem da verdade, o colega indicado como novo Supervisor era o mais ponderado do grupo, mas, a despeito desta atenuante, para mim, foi uma humilhação muito grande. Lembro bem do dia em que fui convocado para a posse formal da nova Supervisão, agora instalada no antigo prédio do PCM no Porto. Antes de adentrar ao prédio pensei na minha família, mulher e dois filhos pequenos, para me dar forças, de forma a enfrentar aquela posse que na minha percepção tinha ares de revanche. Ao entrar na ampla sala de reunião, engoli em seco e me resignei ao me deparar com a turma reunida, todos com olhares furtivos a me observar e ao centro o novo Supervisor e seu imediato ao lado (aquele ex supervisor do passado), ditando as novas diretrizes dali em diante. Suportei firme aquele evento, mas confesso que não foi fácil para mim. Consumada a posse da nova supervisão, fui designado a atuar no local onde sempre estive lotado, no prédio do CCO-Térreo e continuar a cuidar das centrais telefônicas como sempre fiz, junto com meu antigo pessoal. Mesmo no ostracismo, continuei a desenvolver meu trabalho de forma ética e cordata, agora voltado só para a parte técnica, porém uma ideia fixa passou a me dominar: eu tinha que mudar de área, nem que fosse para atuar em uma nova atividade na Empresa, de preferência longe de São Luís, em vista do meu desconforto e decepção com tudo que passei. A primeira ideia que me ocorreu foi mudar para a área de meio ambiente, atividade com a qual sempre me identifiquei. Elaborei e a seguir encaminhei uma correspondência à gerente da área. Ela me convocou posteriormente para uma entrevista e me recebeu muito bem. A conversa foi muito boa, nos identificamos bastante, mas sobre a possibilidade do meu ingresso na área, houve uma dificuldade intransponível, a minha falta de formação acadêmica na área.
TRANSFERÊNCIA PARA CARAJÁS:
Passada a frustração por não poder ingressar na área do meio ambiente, outra ideia me ocorreu, talvez mais promissora: tentar uma transferência para a Superintendência das Minas (SUMIC) em Carajás para trabalhar na mesma atividade de Telecom/Telefonia. Nessa época eu já trocava informações com o supervisor desta área em Carajás, mesmo porque nossos sistemas caminhavam para uma forte integração e, por coincidência, soube que ele tinha uma vaga para técnico em telefonia com experiência, o que era meu caso. Trabalhar em Carajás era uma antiga aspiração minha, ideia que destoava do senso comum na época, na medida que todos fugiam dessa possibilidade. Na verdade, muita gente queria sair de Carajás e não ir para lá. O passo seguinte foi conseguir liberação junto a minha gerência para viabilizar essa transferência. Felizmente não foi muito difícil conseguir. Acertados os trâmites entre as duas superintendências, SUFEC e SUMIC, me programei para mudar de mala e cuia. Deixei minha casa aos cuidados de um colega e amigo do Porto, que após minha partida se mudou para lá com sua família. Após a saída da minha mudança pegamos, eu e minha família, o trem de passageiro, rumo a Carajás para enfrentar esse novo desafio. Lembro bem desse dia da partida. Um colega da minha turma e fraterno amigo, que inclusive ficou em meu lugar, foi me deixar na estação ferroviária. Eu estava triste e melancólico em deixar para trás anos de dedicação ao meu trabalho em São Luís, ao mesmo tempo esperançoso que tempos melhores viriam em Carajás, afinal mudanças de rumo muitas vezes são benéficas em nossas vidas. Cheguei a Carajás, altas horas da noite, no início de outubro de 1991, após uma extenuante viagem no trem de passageiros, que nessa época ainda não possuía vagões com ar refrigerado. Um colega da minha nova gerência foi nos pegar na estação de Parauapebas e nos levou direto para o hotel Maxwell, um dos dois únicos hotéis no Núcleo Urbano naquela época. Ficamos hospedados um tempo por lá até conseguir uma casa da empresa e esperar pela minha mudança que estava a caminho. Desde minha primeira visita a Carajás, como comentei anteriormente, fiquei impressionado com o lugar e a expectativa em morar ali era a melhor possível. Minha primeira residência foi na rua Amazonas. A casa que me foi destinada, possuía três quartos e demais dependências, tinha um amplo jardim cercado por cerca viva, como era ou ainda é padrão por lá e um quintal bem arborizado, que me agradou bastante. Eu e minha família ficamos muito bem acomodados. Os primeiros dias foram de puro deslumbramento. A natureza, o clima, a limpeza, a segurança e as pessoas em geral, tudo me encantava. Eu achava o máximo não me preocupar com portas e janelas abertas o dia todo, os brinquedos das crianças jogados no jardim de um dia para o outro. Eu costumava me referir a Carajás como a ilha da fantasia, isso porque tudo ali era diferente, nada de pobreza extrema, falta de limpeza pública, moradores de rua, violência urbana e demais mazelas do Brasil real. Com o tempo e a consequentemente vivência, descobri que aquele ar de paraíso idílico, habitado por pessoas, supostamente conscientes e felizes, que tanto me chamou a atenção, escondia certas assombrações bem comuns e que o lugar era habitado por pessoas normais, com suas angústias e ansiedades reais.
Quanto ao trabalho que assumi como técnico na SUMIC, tudo bem, afinal o tipo de atividade era a mesma que eu exercia na SUFEC, inclusive os equipamentos eram, por assim dizer, irmãos, isso porque a primeira grande central PABX instalada no Sistema Norte veio da CVRD-Rio, que foi dividida em duas para ser reinstalada, uma parte no CCO em São Luís e a outra na Mina de N4 em Carajás. Passada a euforia da chegada a cidade comecei a observar melhor a rotina de vida do local. O que ficou claro desde o início era que existiam normas e regras a serem observadas, não só as estabelecidas pela empresa, mas também, e principalmente, as que envolviam a interação comunitária, traduzida por laços de amizades, ajuda mútua e tolerância, aspectos importantes para uma boa convivência. Em relação às regras da empresa, achei que eram pertinentes. Nunca me senti tolhido ou vigiado, como reclamado por uma pequena parcela da comunidade. Na minha opinião, as normas impostas pela empresa eram bem razoáveis, considerando que as duas áreas habitadas, Vila de N5 e Núcleo Urbano, ficavam imersas numa área de mina e conservação ambiental, a Floresta Nacional de Carajás e, portanto, sujeitas a um controle mais restritivo. Em relação à vida comunitária, eu e minha família nos integramos desde cedo. Por meio de um grupo de amigos, adquiridos com o tempo, o lazer nas horas livres era muito prazeroso. Eram frequentes os encontros de fim de semana para cantarolarmos MPB ao violão e percussão, regados a churrasco e muita bebida, ora na casa de um, ora na casa de outro, reuniões nas quais podíamos extravasar as tensões da rotina confinada de vida e do trabalho no qual vivíamos. Ficaram famosos, em especial, os encontros na casa de um conterrâneo e amigo, morador da vila de N5 (que aos poucos estava sendo desativada). Em sua ampla residência de madeira, em uma rua bonita e sossegada da Vila de N5, a gente reunia para curtir, além de boa música, um carteado que corria solto, em especial o jogo de Poker, acompanhado de muita comilança e bebida, enquanto as crianças corriam e se divertiam à vontade pelas ruas do entorno. Essas farras, normalmente, duravam o dia todo, até altas horas da noite. Outro lazer garantido era às sextas e sábados na feirinha do Núcleo Urbano, local de encontro dos amantes da culinária local e das bebidinhas, bem como apreciadores de boa música regional e MPB com artistas da região, que a empresa, por meio, da Administração de Núcleos, contratava para se apresentarem no coreto da feirinha todo fim de semana. Outro polo de lazer à disposição dos moradores era a barragem do geladinho, uma área afastada usada para captação de água para o processo industrial da mina, onde era possível pescar pequenos peixes, tomar banho de cascata, além, claro, de fazer churrasco. Posteriormente essa área foi interditada por questões de segurança, pelo perigo de atrair felinos. Outra opção de lazer era o Docenorte Esporte Clube (DEC), um amplo espaço de lazer no Núcleo Urbano, com muitos esportes e equipamentos e um belo parque aquático. Outro local de destaque era o parque zoobotânico, no qual eram realizados, periodicamente, eventos de lazer e cultura e onde se podia fazer passeios maravilhosos, cercados de flora e fauna exuberantes.
A ROTINA DE VIDA EM CARAJÁS.
Nos primeiros meses em Carajás tudo eram flores. Nosso encantamento era total. Eu e minha família nos integramos perfeitamente às atividades sociais, culturais, esportivas etc, patrocinadas pela empresa. Eu, em especial, fui frequentador assíduo do Clube Docenorte, onde praticava tênis de mesa, uma das minhas paixões, desde sempre, junto com outros apreciadores do esporte. Aliás, nos jogos olímpicos da CVRD (Olivale) tive o privilégio de representar o tênis de mesa por São Luís, no meu período na SUFEC e Carajás, depois que me transferi para a SUMIC. Meus meninos também participavam de atividades como natação, judô, passeios ciclísticos etc. No início, ao ver o clube pouco frequentado nos fins de semana, eu me perguntava: por que boa parte dos moradores não frequentavam mais assiduamente o clube? Por que não participavam mais ativamente dos eventos promovidos pela administração de clube, que se desdobrava para promovê-los? Obtive as respostas naturalmente. Os moradores mais antigos estavam cansados das mesmas facilidades de sempre e procuravam, especialmente em Parauapebas, outros meios de lazer e distração, ou seja, elas trocavam a ilha da fantasia, que era Carajás, pelo Brasil real no “pebinha de açúcar”, como era costume se referir a Parauapebas, com todas suas carências. Comigo não foi diferente, em termos. Depois de um tempo, nos fins de semana, passei também a frequentar o pebinha, visitando colegas da ferrovia, onde fazíamos churrascos, jogávamos poker e nos distraíamos nos bares e nas compras pelas ruas precárias da cidade. Também passei a frequentar o clube dos ferroviários (ASFEP), para jogar peteca, um esporte muito bacana, que foi difundido pelos mineiros de BH. Após os jogos a gente tomava todas, claro..! Depois das farras, eu tratava de voltar para a nossa ilha da fantasia, linda e segura como sempre. Esse era o segredo para suportar o sentimento de isolamento que alguns moradores se queixavam na serra. Por falar em voltar, hoje relembro como éramos imprudentes (me incluo aí) no retorno ao Núcleo Urbano dos fins de semana agitados, muitas vezes à noite, com chuva, cerração e, claro, alcoolizados. Nessa época não havia lei seca. A segurança da Vale não se esforçava muito para cobrar respeito quanto a subir a serra sóbrio, mesmo porque nessa época não existia bafômetro. A vistoria era só a cara do freguês. Os 25Km até chegar ao Núcleo eram muito perigosos e o risco era enorme. Felizmente nunca sofri nenhum acidente, mas foram muitos os colegas e visitantes que tombaram na estrada Raimundo Mascarenhas, não só na subida da serra como também entre o Núcleo e a Vila de N5, nos seus áureos tempos. A maior parte dos acidentes foram causados, sem dúvida, pelos efeitos do álcool. Além da segurança, limpeza e organização, presentes no Núcleo Urbano, uma característica era visível e marcante: o uso intensivo de bicicletas que trafegavam em ciclofaixas sinalizadas nas avenidas principais. Nessa época, início da década de 90, ciclovias e ciclofaixas ainda eram uma raridade nas cidades do “Brasil real”. Na primeira oportunidade que tive, comprei bicicletas para meu uso e da família. Meus meninos logo descobriram uma pista de bicicross para manobras radicais em uma área adequada para tal. Eu e eles adorávamos pedalar em ruas bem conservadas e sinalizadas, sem grandes perigos. Por falar em ruas, lembro que numa época a administração de núcleos, mandou instalar floreiras nas vias secundárias, dispostas de forma a reduzir a velocidade dos carros e assim minimizar os riscos de acidentes no trânsito. Era surreal aquilo, mesmo porque muita gente, ao parar seu veículo próximo a uma das floreiras, acabava se chocando com ela ao sair, por não calcular bem a distância ou esquecer da “bendita”, feita com cimento armado e dura como rocha. Resultado: depois de muitos prejuízos e reclamações retiraram toda aquela tralha das ruas. Mas voltando às bicicletas, quando cheguei em Carajás, ainda era permitido ir com elas do Núcleo Urbano à Vila de N5 e vice-versa, distantes 10 km uma da outra. Lembro que fiz este percurso com meu filho mais velho em um dia chuvoso e frio. Posteriormente essa permissão foi revogada pelo risco de encontrar animais silvestres no caminho. Essa possibilidade era bem real, tanto que o índice de colisão de veículos com animais de grande porte, como antas, por exemplo, nesse percurso era muito alto. Por falar em animais silvestres, lembro do triste episódio, ocorrido em dezembro de 1991, no qual uma criança foi atacada e morta por uma onça, quando ela penetrou na mata com um grupo de amiguinhos, nas cercanias do Núcleo. Após esse terrível acidente a empresa teve que se mobilizar para bloquear o acesso de moradores às áreas de mata, onde existiam até placas de sinalização que alertavam para o perigo, mas que não não eram respeitadas e, portanto, não se mostraram eficientes. A solução encontrada foi instalar uma cerca de mais de quatro metros de altura em torno do Núcleo. Foi uma obra grandiosa, cercar toda uma cidade. Para entrar ou sair do Núcleo, foram providenciadas duas guaritas, uma no acesso norte e outra no acesso sul, com vigilância 24 horas, bem como um portão para a casa de hóspedes. Com essa providência os moradores do núcleo urbano passaram a gozar de mais segurança. Antes de implantar essa cerca, a área de segurança armava armadilhas em locais estratégicos para capturar felinos que, eventualmente, penetravam na cidade, o que era uma medida paliativa. Uma das coisas que eu mais gostava em Carajás eram as caminhadas diárias, normalmente feitas na avenida Karajás, que contornava o Núcleo Urbano. A visão da floresta, ao lado de trechos dessa via, era deslumbrante. O silêncio era quebrado apenas pelo barulho dos pássaros e animais silvestres que, ocasionalmente, apareciam. O destaque maior eram os macacos guaribas, também conhecidos como bugio ou capelão, que ao amanhecer e entardecer emitiam um grito aterrador, normalmente para marcar território, segundo especialistas. Quando cheguei a Carajás e escutei aquele barulho pela primeira vez, fiquei curioso em conhecê-los. Não foi difícil encontrá-los, guiando-me pelo barulho e ao vê-los em bando com suas famílias no alto das árvores, fiquei fascinado. Minha mulher não gostava muito da gritaria deles, pois a deixava triste e melancólica. Uma das visões mais estonteantes nas cercanias da Av. Karajás era uma imensa castanheira, árvore de grande porte nativa da região, que ficava numa da ilha de mata. Para mim essa árvore era um monumento a ser reverenciado, tal sua beleza e imponência. Nas minhas caminhadas eu sempre parava um tempo, de cabeça para o alto, admirando-a. Era pura idolatria. Guardo algumas fotos dela. Nessa época, não lembro qual o ano, inventaram de fazer um carnaval fora de época, justamente na Av. Karajás. Para mim era um despropósito aquele bando de gente bebendo, gritando e pulando carnaval ao som de um trio elétrico, bem ao lado da floresta com todos os bichos no entorno. Era surreal aquela imagem. Relembrando mais belezas marcantes, não poderia deixar de falar da estrada Raimundo Mascarenhas, parte da PA 275, que ligava a Mina de N4, passando pela Vila de N5, Núcleo Urbano até a portaria da Vale em Parauapebas. Sua beleza era indescritível à época, especialmente na parte da descida na serra. Lembro bem dos túneis de árvores que se formavam envolvendo a rodovia em alguns trechos, bem como a vegetação exuberante, com samambaias gigantes, bromélias e outras espécies nativas, que emolduravam o percurso de 25 Km entre o Núcleo e Parauapebas. No meio da descida da serra existia um recanto onde era possível tomar banho em uma bica canalizada que jorrava água pura e cristalina. Infelizmente, por questões de segurança, os túneis de árvores foram eliminados, em vista dos frequentes temporais que derrubavam árvores no leito da rodovia. Eu mesmo, uma vez, fiquei retido na descida da serra pelo bloqueio de árvores num destes temporais. Lembro que eu, junto com outros motoristas bloqueados, tivemos que unir forças para remover algumas árvores caídas na rodovia, de forma a continuar nosso percurso até Parauapebas. Acho que, à época, faltou empenho maior na conservação da rodovia para podar as árvores mais vulneráveis e assim manter a beleza daquela parte da estrada, que era lindíssima. Outro local de destaque era a casa de hóspedes, onde eram recebidos os visitantes ilustres. A casa, construída em um lugar deslumbrante, com uma visão privilegiada da floresta amazônica, possuía dez apartamentos de alto padrão e demais instalações para receber com conforto e sobriedade o visitante mais exigente.
MEU TRABALHO EM CARAJÁS.
Conforme citei anteriormente, consegui viabilizar minha transferência para Carajás para atuar na mesma atividade que fazia na SUFEC em São Luís, ou seja, manutenção do sistema telefônico, que na SUMIC possuía uma estrutura semelhante. A rede de Telefonia em Carajás atendia não só a área industrial, por meio dos PABXs da Mina de N4, PCE e da Mina do Manganês, como também a área de serviços no Núcleo Urbano, composta pelo PABX da Administração de Núcleos e PABX Hospital Yutaka Takeda. Também era de nossa alçada os minis PABXs que atendiam aos dois Hotéis do Núcleo, o Maxwell e o Almaribe. O atendimento ao Núcleo nos permitia atuar como uma espécie de provedor de Telefonia à comunidade, complementando o atendimento público de Telefonia fixa, a cargo da Telepará. Nessa época ainda não existia celular. Nosso atendimento abrangia vários estabelecimentos e áreas de serviço como o Colégio Pitágoras, Clube Docenorte, TV Carajás, Segurança Patrimonial, Casa de Hóspedes, Manutenção Civil, Hangar, Cineteatro e outras áreas de serviço, assim como empresas terceirizadas. Também eram contempladas com ramais telefônicos algumas residências de gerentes e funcionários essenciais para acionamentos de emergência (eu fui um dos contemplados), isso porque a Telepará, ou não tinha disponibilidade ou atendia de forma precária, dessa forma existiam ramais telefônicos CVRD espalhados pela cidade, o que demandava da equipe, frequentes deslocamentos entre as áreas industriais das minas e o Núcleo Urbano. Existiam também ramais remotos, via rádio, para atender localidades distantes, como Serra Leste, Salobo e outras áreas ainda em prospecção. O escritório de representação CVRD em Belém também era de nossa alçada. Um dos nossos atendimentos mais sensíveis era o Hospital Yutaka Takeda, quando da manutenção em ramais nos ambulatórios e apartamentos, muito dos quais ocupados com pacientes internados, o que representava um risco real de contaminação. Outro atendimento diferenciado era a Casa de Hóspedes, especialmente nas visitas VIPs que aconteciam com certa frequência. Nesses eventos todas as áreas de manutenção da empresa ficavam de prontidão na casa de hóspedes ou fora dela para atender qualquer eventualidade. Dependendo da importância do visitante, como presidentes, estrangeiros ou não, bem como visitantes ilustres, o plantão podia durar o dia todo. Lembro bem de uma visita marcante, a do Presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC), em abril de 95, quando houve um acidente de grande repercussão nacional, com feridos e quase envolvendo o próprio FHC, quando ao dar uma entrevista no deque suspenso de madeira, junto a piscina, parte do tablado cedeu com o peso dos jornalistas, fotógrafos e cinegrafistas que cobriam a visita. Foi um corre-corre danado. Do local onde eu e meus colegas estávamos de prontidão, vimos socorristas passarem com macas, numa agitação frenética. Felizmente só houve feridos leves. Um fato marcante que pude observar ao chegar a SUMIC é que existiam muitas reclamações sobre a performance do sistema telefônico da empresa, que se revelaram procedentes, em virtude de problemas técnicos. Existia também muita desinformação, de boa parte dos usuários, sobre como usar bem o sistema assim, com a anuência do meu supervisor, em fevereiro de 1992 iniciei um trabalho informativo, via correio eletrônico, abordando aspectos relacionados ao uso correto do sistema, além de pesquisas para aferir o conhecimento e satisfação dos usuários. Esse trabalho teve muita repercussão entre os usuários do sistema tanto que, um belo dia, recebi a visita do chefe da minha Divisão, em meu local de trabalho, para me parabenizar pela iniciativa e a seguir me comunicar que eu estava sendo promovido, especialmente por conta desse trabalho informativo, sobre o qual ele se desdobrou em tecer elogios. Foi uma surpresa boa, pela qual eu não esperava. Posteriormente repliquei essa série de informativos no âmbito da SUFEC, afinal era um tipo de trabalho que eu estava habituado a fazer quando por lá trabalhei. Por conta desse trabalho, fui convidado a escrever para um jornalzinho interno, que circulava no âmbito das Minas, de forma a ampliar a divulgação das informações. A TV Carajás também se interessou e veiculou matérias e entrevistas sobre o assunto. A participação dessas mídias foi interessante porque foi uma oportunidade para divulgar também informações sobre a iminente substituição das centrais PABXs analógicas por centrais de tecnologia digital que estavam sendo planejadas para toda a CVRD, a cargo do Plano Diretor de Telecomunicações e Teleinformática(PDTT). Na sequência, publiquei mais trabalhos informativos, após a instalação dos primeiros equipamentos de tecnologia digital, em especial, o sistema KS Digivox, que incorporava novos recursos e facilidades que, à época, eram inéditos na comunicação de voz. Outra inovação, que a propósito trouxemos da SUFEC, foi a possibilidade de consultar informações de ramais e usuários em uma lista telefônica eletrônica por meio do aplicativo Roscoe, nos terminais IBM. Era um sistema rudimentar, comparado ao que veio mais tarde, mas funcionava bem. Que eu saiba foi a primeira lista telefônica eletrônica na CVRD, Sistema Norte. Após conhecer e me integrar ao trabalho em Carajás, passei a traçar alguns paralelos entre os dez anos que trabalhei na ferrovia (SUFEC) e o que estava vivenciando na Mina (SUMIC). Apesar da empresa ser a mesma existiam diferenças sutis, no mínimo passíveis de questionamento. Assim, em maio de 93 elaborei, cuidadosamente, uma (longa) correspondência a SUMIC, relacionando diferenças na abordagem das demandas do seu quadro de pessoal, comparada com a SUFEC. Aproveitei o lançamento de um manual com o código de ética da empresa, no qual dava abertura para críticas e sugestões e relacionei diversos pontos, que na minha opinião, contribuíam para manter um clima de apartheid entre os funcionários. Dei o título a correspondência de “Uma palavra a SUMIC” e a encaminhei, oficialmente, via área da comunicação interna. Nela, questionei algumas particularidades adotadas pela SUMIC que não existiam na SUFEC, citando regalias dispensadas aos funcionários do quadro de comando, que no meu entendimento, possuíam alguns privilégios, entre eles, horários diferenciados de trabalho, ônibus especiais de transporte, direito a almoçar em casa, acesso aos estacionamentos internos na empresa, acesso a chamadas telefônicas particulares de forma irrestrita e outras regalias que não eram dadas aos funcionários do quadro geral. Pouco mais de dois meses depois, recebi uma resposta formal da SUMIC, encaminhada pela secretária do Superintendente, agradecendo minha iniciativa e respondendo item a item meus questionamentos, de forma didática, porém circunstancial, apelando sempre para as peculiaridades da SUMIC em relação a SUFEC. Algumas respostas foram satisfatórias, outras nem tanto, mas não insisti mais no assunto. Acho que dei meu recado e fiquei satisfeito. Só não gostei de uma atitude, não sei se de iniciativa apenas da secretária do superintendente, ao encaminhar o retorno com cópia oculta ao meu Supervisor, que estava fora de Carajás, viajando a serviço. No dia seguinte fui interpelado por ele, por meio de uma mensagem com a seguinte pergunta: “bom dia, gostaria de saber qual o significado dessa palavra” (a SUMIC). De imediato retornei a ele, com a mensagem original em anexo, para o entendimento da resposta a ele retransmitida pela secretária e informando que minha mensagem foi encaminhada, formalmente, pela comunicação interna. No seu retorno, ele nada mais comentou a respeito, o que foi prudente de sua parte pois eu não permitiria nenhum tipo de repreensão, afinal não cometi nenhuma transgressão.
FATOS PITORESCOS/PRIMEIROS PROBLEMAS.
Nas primeiras visitas a colegas e vizinhos do Núcleo Urbano pude observar que a maioria deles possuía muitos móveis feitos com madeira nobre da Amazônia, em especial o mogno e o cedro, que eram usados e empilhados em suas residências, segundo eles, para levá-los quando retornassem a suas cidades de origem, Brasil afora. Observei que alguns moradores mais antigos tinham tantos móveis em suas casas, que era difícil circular em seus cômodos sem esbarrar em alguns deles. Eram peças variadas, como sofás, poltronas, mesas, cadeiras, armários, camas e outras peças do gênero, que, em geral, eram enormes e pesadíssimas. Era visível o exagero, talvez em razão do preço que, à época, era convidativo assim, o frenesi era enorme para adquirir a maior quantidade de móveis possíveis. Quem alimentava esse próspero comércio, legalizado até então, eram movelarias que existiam em profusão, especialmente em Parauapebas. Depois que deixei Carajás soube que a extração e comercialização dessas madeiras nobres foi proibida. Apesar de me considerar um “ecologista militante”, cai em tentação e passei a adquirir móveis também, mesmo porque os que eu trouxe na mudança de São Luís, em sua maioria, estavam em estado deplorável. O que quebrou minha resistência para ir às compras, além do preço, foi uma matéria que vi na TV Liberal de Belém, mostrando quantidades enormes de madeira, especialmente mogno, estocadas no porto de Belém, prontas para embarque ao exterior. Eu pensei comigo: se os gringos podem dispor dessa madeira, por que eu, como brasileiro não poderia também? Minha primeira aquisição foi uma cama enorme de mogno, que comprei de um colega de trabalho. Ela parecia uma cama de rei dos tempos medievais, toda entalhada, um desbunde total. Mais tarde consegui passá-la adiante e mandei fazer uma mais simples. Com o tempo, aos poucos, fui mandando fazer outros móveis em Parauapebas. Até hoje, passados muitos anos, ainda tenho parte deles aqui comigo, em perfeito estado. O investimento valeu a pena porque são móveis para durar a vida toda. Alguns deles doei a familiares. Na verdade, hoje estou na fase do desapego e já tentei me desfazer dos maiores e mais vistosos, porém não obtive um preço justo e dessa forma , continuo com muitos deles. Embora estejam fora de moda, são peças especiais de um tempo que não volta mais. Sobre o paradoxo de eu me considerar um ecologista e ter móveis de madeira de lei, um colega e dileto amigo na Vale de São Luís, sempre que possível, fazia chacota, dizendo que até a tampa do vaso sanitário da minha casa era de mogno. Pura zoação, claro..! Fim de ano, na semana entre o Natal e ano novo, era tempo de recesso no trabalho em Carajás, um direito assegurado aos funcionários da SUMIC. No meu primeiro recesso, em dezembro de 1991, juntei a esse período minhas férias e embarquei no trem de passageiros com minhas crianças com destino a São Luís para, de lá, seguir para minha cidade natal, Fortaleza. Minha mulher não veio conosco porque era recém-contratada do antigo Banco Real no Núcleo Urbano, uma oportunidade muito boa que apareceu para ela quando chegamos a Carajás. No início da nossa vida de casados, em São Luís, ela não teve essa chance, só cuidava das crianças e do lar. Pois bem, embarcamos no trem em Parauapebas e mal sabia eu que passaria por fortes emoções, para não dizer sufoco...! Foi nessa viagem que recebemos a notícia, via rádio no trem, da tragédia com a criança que foi morta pela onça no Núcleo Urbano, comentada anteriormente. A notícia se espalhou a bordo do trem como um rastilho de pólvora. Todos ficaram chocados com o fato e ansiosos por mais notícias. Nessa época, celular era só uma promessa na região. Outro fato, porém, marcou mais essa viagem. Quando o trem chegou nas imediações de São Pedro da Água Branca, ainda muito distante de São Luís, recebemos a notícia, via rádio, de um acidente ferroviário na linha mais a frente e ficamos retidos por um longo período até que alguém no Centro de Controle Operacional da ferrovia (CCO), em São Luís teve a infeliz ideia de reunir e mandar vários ônibus para pegar os passageiros e assim dar continuidade a viagem, distribuindo as pessoas em cada coletivo, conforme a localidade de destino. Digo infeliz ideia porque a viagem foi massacrante, em especial para quem se dirigia às últimas estações do percurso, especialmente ao ponto final, em São Luís, como eu. Os ônibus eram velhos e desconfortáveis, aparentemente sem condições para enfrentar um longo trecho em estrada de chão, ainda a percorrer. Foi um sufoco! Eu achava que não íamos conseguir passar por algumas pontes de madeira, estreitas e mal cuidadas. O motorista se revelou um ás ao volante, ao transpor algumas delas, aparentemente sem as mínimas condições de segurança. O risco era enorme e todos estavam apreensivos. Por conta desse estresse, um dos meus meninos, o mais novo, passou mal e vomitava sem parar. Ainda bem que uma professorinha dele do Colégio Pitágoras estava a bordo no mesmo vagão e me ajudou bastante. Na situação emergencial em que foi reunida essa frota de ônibus, não foi previsto motorista de reserva para os destinos mais longos e o pobre condutor teve que enfrentar firme o desgaste daquela fatídica viagem, sem ajuda. Lembro bem que em nosso ônibus, com o desenrolar da viagem, sempre havia algum passageiro próximo ao motorista para conversar com ele, de forma a mantê-lo firme ao volante. Justamente na minha vez, já altas horas da noite, notei que ele deu uma “piscada legal” e quase dormiu. Não tive dúvidas, mandei ele parar no acostamento e descansar o suficiente para prosseguir. O coitado se esticou na proteção do motor, ao lado do volante, e dormiu quase instantaneamente. Resumo da ópera: saímos numa quinta feira de Parauapebas e chegamos no domingo a São Luís no início da manhã. Posteriormente fiquei sabendo que a linha não demorou muito mais a ser desimpedida, além do tempo que ficamos retidos e nosso trem de passageiros chegou bem antes a São Luís. Conforme comentei anteriormente, minha primeira residência em Carajás foi na rua amazonas, uma das primeiras ruas ao norte do Núcleo Urbano, do lado oposto as ruas mais glamourosas ao sul, por assim dizer. Explicando melhor: ruas e casas no Núcleo Urbano, eram distribuídas conforme a posição hierárquica do funcionário na empresa. O pessoal do quadro de comando formado por gerentes, engenheiros e funcionários mais graduados moravam em casas maiores e mais confortáveis nas primeiras ruas ao sul do Núcleo Urbano. O ápice do glamour era a residência do superintendente, uma ampla casa na rua Tapajós em meio a uma imensa área gramada. Já os funcionários comuns, que formavam o quadro geral, habitavam casas mais simples, de dois ou três quartos nas demais ruas, algumas até reformadas ou ampliadas por moradores, devidamente autorizados. Muita gente criticava e se incomodava com essa separação, que afinal de contas não era muito diferente do que acontece em qualquer cidade brasileira, não só em Carajás, razão pela qual isso nunca me incomodou ou me senti discriminado, como muita gente se queixava. Pois bem, ao ocupar a minha casa na rua amazonas, em princípio me dei muito bem com a vizinhança. Com o passar do tempo, porém tive problemas com um vizinho. Essa família, formada pelo casal e três filhos, era evangélica. Até aí tudo bem, nada contra, porém nos finais de semana eles tinham por hábito fazer ruidosos e demorados cultos, com a participação de várias pessoas, fazendo orações em altos brados, o que nos incomodava bastante, porém dava para conviver. O problema maior foi que dois filhos do casal, que eram maiores que os meus, com o tempo passaram a hostilizar e bater nos meus meninos, criando uma situação insustentável. Minha mulher, inclusive, teve que sair do emprego no Banco Real para proteger melhor as crianças, que no horário fora da escola eram cuidadas por uma doméstica, sem muito pulso para lidar com o problema. Como não foi possível um acordo satisfatório com o vizinho, tive que encaminhar uma solicitação para mudar de residência. Não era fácil conseguir mudança, que precisava ser bem fundamentada. Felizmente, com pouco tempo, consegui uma residência na rua Iriri, bem no centro do Núcleo Urbano. A possibilidade de mudança era um recurso que a empresa disponibilizava em situações extremas, para tentar minimizar os conflitos entre os moradores que, afinal de contas, não tinham uma convivência tão harmoniosa como eu imaginava a princípio. Posteriormente, tive conhecimento de muitos e variados conflitos. Felizmente na rua Iriri não tive problemas sérios, exceto eventos com barulho de som alto nas horas de descanso, um problema eventual, mas facilmente resolvido pela área da segurança. Uma das limitações impostas em Carajás era a restrição para criar animais domésticos. A justificativa era pertinente, afinal o Núcleo Urbano estava imerso numa área de floresta, habitat de animais silvestres com risco de transmitir ou adquirir doenças em contato com animais domésticos. Outro risco iminente seria a atração de felinos para a área residencial. A limitação em não poder criar animais domésticos nos afetava, especialmente aos meus meninos, que sentiam a falta do nosso cãozinho, o Titan, que ficou em São Luís sob os cuidados de um vizinho. Partia meu coração quando eles choravam de saudades do Titan, um cãozinho pé-duro muito esperto, que era o xodó deles. Com o tempo, meu caçula encontrou um meio de suprir sua necessidade em cuidar de um bichinho. Ao voltar da escola ele costumava passar em locais perto das ilhas de mata onde encontrava filhotes de Tapiti, um tipo de coelho silvestre muito comum na região. Ele chegava em casa com os filhotes nos bolsos da farda para tentar criá-los, porém poucos dias depois os bichinhos não sobreviviam, o que não era surpresa, afinal eram animais silvestres, pouco afeitos a viver em cativeiro, ainda por cima longe de suas mães. Com pesar, tivemos que proibi-lo de trazer mais tapitis para casa, para evitar a mortandade deles. Não satisfeito, meu caçula conseguiu fazer uma espécie de arapuca para pegar pássaros no quintal e prendê-los em um dos banheiros de casa, prática que tivemos que proibir também. Felizmente, pouco tempo depois apareceu uma espécie de caturrita do mato e nos adotou como seus protetores. Ela ficava horas e horas numa goiabeira no quintal, saindo apenas para comer em nosso pátio, bem perto de nós, como se fosse um animal doméstico. Isso acalmou um pouco nossa caçula. Entre meus hobbies em Carajás, um era cultivar plantinhas no jardim de minha casa, especialmente aquelas mais adaptadas ao clima ameno da serra, como variados tipos de violetas, gloxínias, azaleias, vincas e outras mais. Na verdade, sempre gostei de plantas, jardinagem e afins e em Carajás, especialmente, era um lugar propício para cultivar e se encantar com essas maravilhas da natureza. A propósito, quando visitei a Serra dos Carajás pela primeira vez, me chamou bastante atenção os jardins bem cuidados e floridos dos primeiros moradores da vila de N5. Aquela visão me encantou. Mas voltando às minhas plantinhas, eu costumava pôr na janela de frente da minha casa alguns vasos com as flores mais vistosas. Um belo dia, ao sair para trabalhar, tive a desagradável surpresa de constatar que tinham levado meus jarros da janela. Fiquei indignado, afinal nessa época, eventos de furtos eram raros no Núcleo Urbano. Eu ainda estava iludido que naquele paraíso as pessoas eram altruístas e honestas. Passei aquele dia no trabalho de mau humor, pensando no que fazer. O de praxe era comunicar a área de segurança, que ficou de investigar, porém achei que precisava fazer algo mais para acalmar minha revolta e decepção. Surgiu a ideia, então, de escrever um desabafo e postar nas listas de funcionários no correio eletrônico da SUMIC (o título da nota foi “Uma triste decepção”). Reconheço que foi uma iniciativa temerária, afinal eu usei um meio de comunicação oficial da empresa para transmitir uma mensagem de cunho pessoal, mas na hora foi o que me ocorreu e não pensei duas vezes. Soube depois que alguns colegas menos tolerantes e machistas me condenaram por eu cuidar de plantinhas, em contrapartida recebi uma enxurrada de mensagens de apoio, incluindo outros desabafos de colegas que aproveitaram a oportunidade para comentar suas decepções em outros eventos. A surpresa maior ficou por conta de um retorno do Sr. SUMIC, que escreveu palavras de apoio e, na sequência, determinou providências junto ao chefe da segurança, copiado em sua nota, solicitando sua interferência no caso. Eu jamais imaginei que minha nota despertasse interesse no Superintendente, mas foi o que ocorreu (por acaso até hoje tenho cópia desta nota). A bem da verdade, minha intenção foi apenas externar a decepção com o ocorrido, sem grandes expectativas, porém o evento tomou um rumo inesperado. No dia seguinte, logo cedo, uma equipe da segurança esteve em minha casa, investigando e fotografando tudo. Fiquei até constrangido com toda aquela movimentação e alvoroço. Na sequência, não foi possível encontrar o(s) culpado(s) mas pouco importou. Dei meu recado e fiquei satisfeito, isso foi o mais importante. Durante meus sete anos em Carajás (1991 a 1997) fui um assíduo usuário do trem de passageiros, em especial entre 92 e 93, quando participei de uma série de treinamentos em São Luís, junto com outros colegas, para nos capacitarmos a trabalhar com o novo sistema telefônico digital a ser implantado em toda a CVRD. Foi uma maratona cansativa enfrentar viagens frequentes de ida e volta entre Parauapebas e São Luís. Para enfrentar as longas jornadas a bordo, eu e os colegas costumávamos jogar um animado carteado de poker. Eu também aproveitava para atualizar planilhas de trabalho no meu notebook. Outras lembranças marcantes do trem de passageiros foram os sobressaltos que eu passava quando tinha que embarcar minha família em viagens eventuais a São Luís. O problema maior era o temor que eles tinham ao enfrentar o trecho da estrada entre Parauapebas e a estação de passageiros, que naquela época ainda era de terra. Esse percurso era um terror, com muitos buracos e mal sinalizado. Na época das chuvas virava um imenso lamaçal e quando estiava, a poeira corria solta, diminuindo a visibilidade. Realmente era um estresse muito grande quando eu tinha que passar por este trecho com minha família. Um dos meus meninos desenvolveu uma fobia tão grande a esse trecho que, invariavelmente, passava mal um dia antes de viajar, só em saber que tinha que passar pela malfadada estrada. Na época da poeira a visibilidade era tão precária que era comum os motoristas se perderem por lá. Por sinal, eu fui um deles, quando tomei o caminho errado numa bifurcação na estrada e perdi muito tempo até reencontrar o rumo certo. Ao chegar ao pátio da estação, o trem se preparava para sair e tive que, literalmente, jogar minha família lá dentro. Um sufoco! Após todas as carências que observei, incluindo a falta de estrutura na improvisada estação ferroviária na época, tomei a liberdade de escrever ao gerente geral da ferrovia, que numa época em São Luís, antes de ser gerente, morou no mesmo conjunto habitacional em que morei e o conhecia bem. No relato que passei a ele, externei minhas impressões, como cliente, sobre a precariedade do lugar. Não lembro se ele me retornou, acho que não. Felizmente depois de um tempo a estrada foi asfaltada e melhor sinalizada e as condições melhoraram bastante. Conforme comentei anteriormente, fui um assíduo frequentador do Clube Docenorte, em especial para jogar meu esporte favorito, o tênis de mesa, com meus filhos e, eventualmente, com os poucos apreciadores do esporte que existiam por lá, à época, No início fiquei meio frustrado em não encontrar uma “galera” empolgada, como nos meus tempos em São Luís, onde eu praticava o esporte, com mais frequência, no clube dos funcionários (AERCA). Na verdade, por ter poucos praticantes em Carajás, o Docenorte não dava a devida atenção ao esporte, o que me fez reivindicar, junto a direção do clube, melhorias nos equipamentos, como mesas mais conservadas e apropriadas, redes, bolinhas, etc. de forma a atrair, quem sabe, mais praticantes. Comprei uma briga boa com o clube, mas consegui, enfim, viabilizar melhorias substanciais. Um belo dia, eu jogava com meus filhos quando de repente surge um jovem, de uns vinte e pouco anos, que ao nos ver jogando, exclamou entusiasmado: ah que bom, então tem alguém aqui em Carajás que pratica tênis de mesa...! Ele se identificou como estagiário da CVRD, natural do Piauí e há poucos dias na cidade. Comentou que, desde que tinha chegado, frequentava o clube para verificar se aparecia alguém, a altura do seu nível de jogo, mas sem sucesso. Ele já estava desanimado. Na sequência falou que tinha deixado sua raquete no Hotel e pediu para eu esperar que ele iria pegá-la o mais rápido possível. Ato contínuo, saiu em desenfreada correria, chegando pouco tempo depois arfando, mas pronto para jogar. Foi uma boa surpresa ao constatar que seu nível de jogo era parecido com o meu e nos tornamos parceiros em disputas ferrenhas, porém leais, rotineiramente à noite, bem como nos fins de semana no clube. Outra lembrança marcante foi um primeiro campeonato de tênis de mesa em Parauapebas, patrocinado por um empresário local, amante do esporte. O prêmio ao vencedor era uma mesa do esporte, novinha. O evento foi realizado em um balneário nas cercanias da cidade, às margens do rio Parauapebas. A competição foi bastante demorada. Fui um dos finalistas para disputar o título e o embate final começou no final da tarde, horário que estava reservado para um show de uma banda para animar o ambiente. O último set da disputa foi surreal. Enquanto eu e meu adversário ainda disputávamos os últimos pontos, casais impacientes invadiram o espaço para dançar. Finalizamos a disputa, literalmente cercados pelos ansiosos dançarinos. Fui o vencedor na disputa e ganhei a tal “mesa novinha”, só que não! O dito empresário, depois de prometer enviar meu prêmio em minha residência no Núcleo Urbano, só o fez depois de um bom tempo, porém a mesa de nova não tinha nada, era usada e mal conservada. Ele deve ter ficado com a nova e despachou-me uma das mesas usadas no tal campeonato. Tudo bem, não corri atrás do prejuízo, afinal essa mesa serviu apenas para meus filhos se divertirem com seus amiguinhos na garagem da minha residência. Outra lembrança boa foram as olimpíadas de Carajás (OLINCAR), disputadas em meados dos anos 90. Essa olimpíada era uma versão local da Olivale, que era realizada periodicamente para toda a empresa. Esse evento movimentava toda a comunidade com disputas ferrenhas entre as várias gerências gerais da SUMIC. Na segunda edição desse evento, a OLIMCAR II, minha equipe foi a campeã no tênis de mesa. Até hoje guardo, com carinho, o troféu aqui comigo, como lembrança desses velhos e bons tempos.
A ERA DIGITAL CHEGANDO.
Na primeira metade dos anos 90 começaram a aparecer os primeiros computadores pessoais (PC) na SUMIC, inicialmente na mesa dos gerentes gerais e funcionários mais graduados. Lembro bem do dia em que, ao passar pelo corredor de acesso a área gerencial, vi um desses equipamentos instalado em uma sala, exibindo fractais coloridos em movimento, como tela de proteção, o que me causou muita admiração. Era como se eu estivesse testemunhando o início de uma nova era, afinal, até então, estávamos habituados apenas aos terminais IBM, com suas indefectíveis telas monocromáticas sem recursos gráficos e demais inovações proporcionadas pelos computadores pessoais. Na verdade, eu já conhecia os PCs, mas apenas em revistas especializadas e reportagens na mídia, nunca os tinha visto pessoalmente. Com o passar do tempo os PCs foram disseminados gradativamente na empresa e foi se instalando uma febre entre os funcionários para adquirir este tipo de equipamento para uso particular. Como ainda não havia lojas especializadas em Carajás e na região, o jeito era apelar aos colegas da informática na empresa, que se dispunham a intermediar sua aquisição em Belo Horizonte e outros centros maiores. Eles eram os únicos especialistas neste novo nicho. Por meio de um deles fiz uma aquisição, pressionado por um dos meus filhos, já pré-adolescente, que tinha visto um PC funcionando no Colégio Pitágoras e ficou alucinado para ter um em casa. O intervalo entre o pedido e a chegada do PC foi bastante demorado. Como Carajás era distante dos grandes centros, a logística era complicada, além da demanda de pedidos que era acentuada. Com a demora, todo dia ao chegar do trabalho meu filho me perguntava: “pai, cadê nosso computador, já chegou”? Para diminuir sua ansiedade, eu costumava levá-lo ao escritório da administração de núcleos onde eu, eventualmente, frequentava nos fins de semana para fazer ou concluir algum trabalho. Nessa época já existiam vários PCs instalados por lá. Meu filho ficou extasiado com aquela novidade. Aos poucos, cursos de capacitação, inclusive para a comunidade, foram amplamente oferecidos para lidar com os primeiros fundamentos da informática, bem como disseminar os primeiros aplicativos, como editor de texto, planilhas etc. Mais à frente, quando a internet começou a chegar em Carajás, foi dada a largada na revolução que mudou nossa vida para sempre. No começo o acesso era muito difícil, devido às limitações técnicas da rede pública de telefonia, atendida pela Telepará. Lembro bem dessa época porque, como homem da telefonia, eu costumava montar estratégias para acessar de casa um provedor em São Luís por meio de linha discada, usando os ramais telefônicos. Como eu possuía um ramal em minha residência era possível fazer essa conexão, porém o processo era lento e trabalhoso e após conseguir, abrir uma página na rede era um teste de paciência devido a baixa velocidade. Outro avanço merece destaque nessa época. Após muito planejamento, reuniões de trabalho e treinamentos para capacitação das equipes de manutenção em toda a CVRD, o Plano Diretor de Telecomunicações e Teleinformática (PDTT) foi finalmente executado, em toda a empresa. Entre outras inovações, o plano previu a substituição dos PABXs analógicos por equipamentos de tecnologia digital em toda a empresa. A plataforma escolhida foi a HCM 300, fornecida pela Siemens. Essas novas centrais telefônicas eram diferentes de tudo que tínhamos até então e, tecnicamente, eram conhecidas como CPA (Central por Programa Armazenado), ou seja, usavam CPUs tal qual os computadores. Sua escolha foi cercada por uma áurea de mistério, isso porque nessa época a lei de reserva de mercado para informática ainda exercia forte pressão no país. Essa lei governamental, que vigorou de 1984 a 1992, restringia a importação de equipamentos de informática no Brasil. A recomendação que nos foi dada era para evitar comentários sobre a aquisição desses novos equipamentos, que eram importados. As CPAs incorporaram recursos e facilidades inovadoras na comunicação de voz e dados na empresa. Antes da sua ativação, realizada de forma quase simultânea em toda a CVRD, foram ministrados treinamentos e palestras aos usuários para capacitá-los a usar seus inúmeros recursos. Na verdade, alguns destes novos recursos já eram conhecidos por funcionários que usavam o KS Digivox, porém esse sistema era restrito aos gerentes e algumas áreas estratégicas. Com as CPAs, todos os usuários passaram a usufruir recursos avançados uniformemente. Quanto aos celulares, foram chegando aos poucos e os primeiros funcionários a possuí-los na empresa foram os gerentes e funcionários de áreas essenciais, considerados quase semideuses ao desfilarem garbosos com seus aparelhos pendurados ao cinto, bem visíveis. Eu conheci um dos primeiros aparelhos em uma das reuniões periódicas do PDTT, na CVRD-Rio no início dos anos 90, pelas mãos de um colega carioca, que o expôs na mesa de reunião para fascínio de todos ali presentes. Era um “tijolão” de quase um quilo, mas na época era o estado da arte da tecnologia. Na segunda metade dos anos 90, com a chegada da telefonia celular em Carajás a revolução avançou. Como a comunidade no núcleo urbano era pequena, corriam histórias dos primeiros e sortudos funcionários que, nas horas de folga nas barracas da feirinha, ligavam para amigos, em mesas ao lado, para saber se a cerveja estava bem gelada, tudo para criar a demanda que justificasse o uso do seu aparelho. Tudo muito normal na época, afinal o início da telefonia celular mexeu com todo mundo pela simples satisfação em nos libertar, aos poucos, da telefonia fixa. Também na segunda metade dos anos 90, campanhas marcaram profundamente a cultura da empresa, por meio do programa de qualidade total. Em Carajás, bem como nas demais localidades da empresa no país, respirava-se esse programa, ou seja, não se falava em outra coisa. Entre nós, lembro bem, o destaque ficou por conta de um jovem engenheiro da computação e automação, que assumiu a gerência da nossa área, entre outras, e foi um expoente na divulgação e capacitação dos conceitos da qualidade total, baseado no livro do consultor Vicente Falconi, que se tornou referência na gestão empresarial no Brasil.Toda semana esse gerente nos tomava uma hora para ler e debater juntos os princípios e conceitos contidos no livro. Seu empenho e cobrança nesses encontros era tanta que depois de um tempo, um ou outro participante alegava emergência no trabalho para não comparecer. Siglas com 5H1S, 5S, PRO e outras passaram a povoar nossas mentes. Um dos destaques foi o programa 5S no qual, em uma das etapas era prevista a identificação, por meio de etiquetas, de tudo que era possível identificar. Em todas as áreas houve uma corrida desenfreada para etiquetar tudo pela frente nas áreas de trabalho. Apesar da sua importância, excessos foram cometidos para impressionar os avaliadores. Lembro de um episódio hilário em nossa área. Nosso supervisor nos mandou um dia etiquetarmos tudo na sala de telefonia na administração de núcleos, que estava pendente e ele soube que naquele dia os avaliadores iriam inspecionar. Corremos para lá e iniciamos a etiquetagem de tudo que era possível, mas no meio de toda a correria os avaliadores chegaram e nos pegaram com a \\\\\\\"mão na massa\\\\\\\". Eu e meus colegas estávamos com um monte de etiquetas espalhadas tentando organizar o caos e ficamos constrangidos pelo flagrante inesperado. Apesar dos excessos o programa foi bem-sucedido em nossa área sob o comando desse gerente que, a propósito, ficou pouco tempo entre nós, sendo alçado à voos bem maiores, chegando inclusive ao posto máximo, como diretor do sistema norte, baseado em São Luís,mais à frente. Sua carreira na CVRD foi meteórica e merecida.
PRIVATIZAÇÃO CVRD X MUDANÇAS
A privatização da CVRD foi um processo cercado de muita polêmica, envolvendo partidários a favor e contra, com discussões acaloradas, expostas de forma massiva na mídia. Em Carajás, como nas demais unidades da empresa no país, os funcionários foram bombardeados com palestras, reuniões e exposições sobre as benesses da privatização da companhia. Lembro bem quando éramos convocados a participar de reuniões e palestras, incluindo aí a promessa que seríamos contemplados com ações da companhia, via clube Investvale, empresa criada para gerir as ações da Vale no processo de privatização. Essa promessa era um canto da sereia irresistível para muitos. Lembro também de palestras no Cineteatro do núcleo urbano nas quais funcionários de outras empresas, já privatizadas, decantavam as maravilhas da privatização, de forma a convencer os mais renitentes. Finalmente em maio de 1977, no governo do presidente Fernando Henrique (FHC), a CVRD foi privatizada, após vários adiamentos, liminares e manifestações contrárias. Consumado o processo, muitas mudanças foram, aos poucos, implementadas na empresa. Houve, claro, mudanças que mexeram com nossos benefícios, que já estavam sendo revistos há algum tempo, porém foram compensados com outros, sendo maior deles a participação de resultados, que foram implementados com o tempo. Uma das mudanças imediatas foi a unificação das três superintendências, mina, ferrovia e porto, em uma diretoria única, sediada em São Luís que ficou sob o comando de um gerente proveniente de Carajás, fato este que desagradou muita gente nas antigas superintendências da ferrovia e porto. Nos bastidores dessa unificação o sentimento é que houve uma invasão do pessoal de Carajás, ligado ao novo diretor, que assumiram postos chaves nos escalões inferiores em São Luís, o que provocou um trauma em algumas áreas da cadeia hierárquica local. Corriam histórias de gerentes de Carajás que assumiram suas novas áreas em São Luís de forma acintosa perante os, agora, ex-gerentes locais. Nessa época, aproveitando a onda de migração que se instalou, cogitei a possibilidade de voltar à área de telefonia em São Luís. Foi uma oportunidade para voltar às minhas origens. A motivação maior foi que meu filho mais velho, agora adolescente, precisava dar continuidade aos seus estudos em um centro maior, realidade que os pais em Carajás, naquela época, tinham que enfrentar um dia. Ato contínuo, passei a sondar meus ex-colegas em São Luís sobre a possibilidade do meu retorno e para minha satisfação as portas estavam abertas. Assim, depois de sete anos em Carajás e muitas e boas lembranças deixadas, preparei-me para retornar ao meu antigo posto na telefonia em São Luís, o que foi efetivado no início de 1998. Após sacramentada minha mudança tratei de providenciar ações como retomar a posse da minha casa, que estava alugada, escola para meus filhos e outras ações do gênero. Apresentei-me para trabalhar no mesmo local de onde tinha saído, no pioneiro Centro de Controle Operacional (CCO) da ferrovia, andar térreo, espaço reservado a operação/manutenção da eletroeletrônica. Muita coisa mudou desde a minha partida para Carajás, inclusive em relação à antiga turma da telefonia, que foi reduzida com a saída e transferência de alguns ex-colegas, bem como a terceirização de parte dos serviços. A supervisão agora estava a cargo de um colega da área de locomotivas, lotado na oficina central, cuja especialidade era alheia à telefonia. Da mesma forma, a gerência de área agora estava a cargo de um engenheiro mecânico, transferido de Carajás, também alheio a área. Eu o conhecia um pouco de lá, por intermédio da minha mulher, que era ex-colega de trabalho da mulher dele no banco real. No início foi um pouco difícil ter que lidar com gestores sem muita familiaridade com a área fim, mas fui em frente, com jogo de cintura para não afetar suscetibilidades. A redução drástica de pessoal, bem como a terceirização de parte dos serviços da telefonia era um prenúncio do que estava por vir, afinal, essa área técnica não era mais tão importante para a empresa como nos primórdios e eu não tinha ilusão que pudesse ser diferente, afinal inovações como o uso da telefonia celular e a digitalização dos processos aos poucos foram ocupando e substituindo equipamentos próprios na empresa. Ao reassumir meu lugar na Telefonia notei que alguns poucos funcionários possuíam aparelhos celulares, inicialmente adquiridos por algumas áreas para atender seu gerente e funcionários essenciais, especialmente lotados na operação. Os aparelhos eram aqueles \\\"tijolões\\\" da primeira geração. Com o tempo a demanda foi se ampliando e a empresa decidiu fechar acordo com as operadoras para fornecimento dos aparelhos celulares em regime de comodato. A atribuição de controlar o fornecimento de mais e mais celulares foi delegada a nossa área, absorvendo boa parte das atividades diárias em detrimento da manutenção habitual do sistema telefônico. Quase todo dia era uma revoada de consultores das operadoras para fornecer ou trocar aparelhos numa operação extenuante, que consumia muito do nosso tempo, seja para recepcionar, configurar e instruir os novos usuários dos aparelhos. Em pouco tempo, o crescimento da base de celulares nas mãos dos funcionários cresceu absurdamente, especialmente com a evolução tecnológica dos aparelhos, cada vez mais compactos e com mais recursos. Instalou-se nessa época uma corrida maluca, especialmente entre os funcionários mais graduados, para obter sempre o aparelho mais moderno e com mais recursos. As pressões eram intensas. Nessa época lembro, em especial, do modelo Startac da Motorola, que foi o primeiro aparelho compacto com Flip, que causou um furor, especialmente entre gerentes e funcionários mais graduados. O sonho de consumo era ter um desses aparelhinhos atados à cintura e assim desfilar, garbosamente, pela empresa, exibindo o novo \\\"brinquedinho\\\". O crescimento exponencial da base de celulares fez com que a gerência transferisse, acertadamente, essa atribuição para nossa área administrativa, afinal era uma atividade puramente burocrática, sem muita relação com nossa atividade fim, que era manter o sistema telefônico fixo, ou seja as centrais telefônicas que ainda eram a principal e mais barata opção de comunicação entre as inúmeras áreas da empresa no país e algumas áreas no exterior. Nos anos 2000, com o início do terceiro milênio, muitas mudanças aconteceram na empresa, ainda como consequência da privatização no final de 1997. Muitas áreas, contratos e serviços foram redimensionados, revistos ou suprimidos para se adequar aos novos tempos. Na Telefonia, como uma área eminentemente de serviço, as mudanças foram acentuadas, notadamente com a terceirização de parte dos serviços, realidade em sintonia com as novas diretrizes da empresa. No passado a telefonia chegou a ter 23 funcionários diretos, só em São Luís. Em meados dos anos 2000, fiquei sozinho com um estagiário e uma equipe terceirizada com três funcionários para dar conta de uma base de clientes bem maior. Tudo bem que as novas tecnologias proporcionaram mais eficiência e controle do sistema, por meio das centrais telefônicas digitais e com o avanço da telefonia celular, mas ainda assim foram mudanças impactantes. A propósito, nesta época houve mais uma troca das centrais CPAs (antigo PABX), mais uma vez coordenada pelos colegas na CVRD-Rio e com a participação dos mesmos colegas nas diversas áreas congêneres no país. Os novos equipamentos, da família HIPATH, mais uma vez foram fornecidos pela Siemens, cuja tecnologia apresentava significativos avanços em relação à plataforma anterior, a HCM 300. Os novos equipamentos já estavam preparados para uma integração maior com a parte de informática, por meio da Telefonia de voz sobre IP (Voip), uma tecnologia que permitiu trafegar chamadas telefônicas por uma rede privativa de dados ou pela internet, o que era um prenúncio do que viria a acontecer mais à frente. Uma lembrança marcante que impactou positivamente nossa área de trabalho foi a reforma estrutural das instalações do CCO no Boqueirão, que demandaram muito tempo e investimento. Essa ampla reforma adequou os espaços para receber novos colaboradores, além de modernizar a infraestrutura técnica e administrativa do prédio. No CCO térreo foi possível reunir várias áreas da eletroeletrônica antes dispersas na área da oficina ferroviária. Após a reforma foi possível acomodar todo esse pessoal no amplo salão, antes ocupado pelas antigas centrais telefônicas, sala de operação da telefonia e parte da equipe da sinalização. Essa mudança na eletroeletrônica propiciou uma interação maior entre as várias equipes, otimizando esforços para tocar os novos e desafiadores projetos, entre os quais o maior deles, o apoio técnico/operacional para a duplicação da ferrovia. Essa reforma também foi feita no primeiro andar do CCO, onde ficava o centro de controle da ferrovia, que também foi todo modernizado. Outras inovações e aquisições proporcionaram avanços importantes. Em relação às aquisições, o destaque maior foi a compra da mineradora canadense INCO em 2006, o que levou a CVRD a passar de quarta para segunda maior mineradora no mundo. Entre as inovações, o destaque foi a mudança do nome oficial da empresa, de CVRD para Vale S.A. em 2007, oficializando o nome mais curto que já era disseminado no mercado global da Vale. Esse processo marcou a rotina dos funcionários em todo o país, pelo envolvimento na escolha da nova logomarca da empresa, bem como o novo fardamento a ser adotado, cuja escolha foi realizada por meio de votação entre os funcionários.
ABSORÇÃO DA TELEFONIA.
No final de 2007, escutei pela primeira vez um rumor de que a área de telefonia seria incorporada à área de informática, afinal com o avanço da tecnologia, a expectativa era que os serviços de voz e dados seriam integrados em uma única plataforma, usando a mesma infraestrutura de rede. Essa possibilidade foi crescendo, motivada pelo crescimento excepcional da informática, que passou a ser uma área estratégica para a Empresa. Independente do rumor sobre a incorporação, pelo sim ou pelo não, tratei de agilizar os papéis para me aposentar, afinal já reunia tempo para tal e na época eu não tinha certeza do que estava por vir e tampouco estava seguro se continuaria a atuar na área, após a suposta incorporação. Dei entrada na aposentadoria no INSS e procurei relaxar, afinal o senso comum era que o processo demorava. Um dia fui sondado por um colega da informática em Vitória, que conheci da minha época de Carajás, onde ele também trabalhou e com o qual sempre mantive excelente relação de trabalho entre nossas áreas. Fiquei mais tranquilo porque este colega foi um dos coordenadores do processo de absorção das áreas de telefonia na empresa. Em 2008 a incorporação foi, de fato, realizada e fui convidado formalmente a ingressar na informática. Para minha surpresa fui o único representante da Telefonia a ser absorvido em toda a Vale. Minha gerência agora era em Vitoria, a quem passei a me reportar. Não deixou de ser irônico constatar que a área de informática nos absorvesse, afinal ela surgiu, lá atrás, como um apêndice da telefonia, pelo menos nas áreas operacionais da empresa. Minha missão na nova área foi ambientar e repassar aos novos colegas os meandros da telefonia, de forma que eles assumissem o controle da operação do sistema telefônico. Para viabilizar essa incorporação eles contavam com uma empresa terceirizada, a Netservice, que já prestava serviço na operação e infraestrutura da rede de dados. A ideia era capacitar os técnicos desta terceirizada da informática para assumir também a operação do sistema telefônico e eu seria o elo para viabilizar esse processo. Ao me transferir para a nova gerência da informática fui convocado a Vitória para um evento no qual fui apresentado formalmente ao novo time, junto com outros novos colegas e demais novidades da área. A partir de então passei a vivenciar sua rotina de trabalho. De volta a São Luís passei a participar das reuniões rotineiras, por audioconferência com os meus novos colegas de Vitória. Nessas reuniões eram explanadas e discutidas estratégias e eventuais problemas das diversas especialidades dentro da informática, tocadas por cada gestor. Para mim, as áudioconferências eram difíceis, isso porque como especialista apenas da área de telefonia, eu desconhecia as rotinas e processos específicos da informática, que eram bem maiores e mais importantes, portanto, não por coincidência, eram o foco das reuniões e dessa forma, para mim, as explanações, além de demoradas eram enfadonhas. Na hora da minha apresentação eu explanava as ações da telefonia sob minha responsabilidade, que para os colegas deveriam ser também enfadonhas. O problema é que nessa fase de transição era difícil para ambos os lados entenderem os pormenores de cada sistema. Na verdade, meu contato maior e mais produtivo no dia a dia, era com a Netservice, em São Luís. Do meu centro de operações da telefonia no CCO, onde consegui permanecer por gentileza da minha antiga gerência da eletroeletrônica, passei a interagir mais com a gerente local da Netservice, que ficava na área do Porto, visando capacitar a equipe dessa terceirizada a tocar os processos da telefonia. Com o tempo meu envolvimento com a absorção se ampliou, não só no sistema norte, como nas demais unidades da Vale, com isso passei a viajar mais, especialmente para Vitória e BH, seja para treinar e acompanhar a Netservice, seja para reuniões de trabalho presenciais com os colegas da informática, com as operadoras públicas de telefonia e demais ações inerentes ao processo, especialmente em Vitória. A absorção das áreas de telefonia no sistema sul contou com a ajuda providencial dos ex-colegas das áreas operacionais, que não passaram para a informática, auxiliando a Netservice no que era necessário. A exceção foi a Vale-Rio, que preferiu passar de imediato essa atribuição à Informática. Com isso fui convocado a assumir essa responsabilidade. Lembro do dia que fui apresentado formalmente à equipe da Vale Rio, o que me deixou apreensivo, afinal era uma responsabilidade enorme liderar a equipe de telefonia na sede da empresa, cujos meandros eu não conhecia bem. Tudo transcorria bem nos trabalhos para a absorção da telefonia pela informática até que um dia, em junho de 2008, bem na fase mais importante das atividades, recebo uma notícia surpreendente: o INSS deferiu minha aposentadoria, que encaminhei no final de 2007. Além da surpresa fiquei em dúvida sobre o desenrolar do projeto, afinal a Netservice ainda não estava capacitada para assumir boa parte da rotina tradicional da telefonia, pelo menos em relação aos equipamentos herdados com os quais teria que lidar, até a mudança para novos sistemas de telefonia informatizados, que estavam sendo planejados. Após tomar conhecimento da minha aposentadoria, liguei para meu gerente em Vitória, informando-o sobre a novidade e desculpando-me por não poder mais continuar, isso porque eu imaginava que após efetivada minha aposentadoria teria que deixar a empresa. Para minha surpresa, meu gerente me garantiu que eu podia e deveria continuar na Vale, trabalhando normalmente, afinal minha participação no projeto de absorção da telefonia era importante naquele contexto de mudanças. Ponderei bem e resolvi continuar trabalhando, mesmo porque nunca fui entusiasta de me aposentar cedo. Eu estava com 54 anos. Continuei na Vale por mais um ano, até junho de 2009, quando ocorreu um fato inusitado: minha vaga na equipe foi requisitada por meu chefe para receber de volta um ex-colaborador cuja vaga eu tinha ocupado quando ingressei na informática. Esse ex-colaborador tinha se transferido para o projeto Onça Puma no Pará, mas não se adaptou e resolveu voltar. Como o projeto da absorção estava bem encaminhado, a gerência optou em aceitar de volta esse colega, que foi um membro atuante na equipe e fazia falta em seu quadro técnico. Na oportunidade foi me dada a opção de sair da Vale e ingressar nos quadros da Netservice, que manifestou interesse em negociar minha permanência como uma espécie de coordenador da área de Telefonia em seu quadro de pessoal para atender a Vale.
MINHA SAÍDA DO MUNDO VALE.
Na manhã do dia 02/06/2009, fui convocado ao RH (Recursos Humanos) da Vale para efetivar meu desligamento da empresa, após forçosamente ter que entregar minha vaga na informática. O formalismo desse evento me abalou um pouco, afinal foram 28 anos dedicados à empresa e que ali chegava ao fim. Para mim era como se eu estivesse deixando minha segunda casa e isso marcou. Lembro que o colega do RH explicou-me, de forma lacônica, todo o processo e após as assinaturas de praxe, requisitou meu crachá, oficializando de fato meu desligamento da Vale. Saí daquele evento meio melancólico, porém com o sentimento do dever cumprido. Na sequência, dei-me uns dias de férias enquanto aguardava o contato da Netservice, de forma a negociar meu ingresso na empresa, o que foi efetivado por seu gerente de engenharia, com o qual sempre mantive um contato mais estreito. Ele se deslocou da sede da empresa em Belo Horizonte para São Luís para conversarmos e após uma breve e tranquila negociação, curiosamente feita a beira mar em uma barraca de praia na litorânea de São Luís, ficou acertado meu ingresso na Netservice, o que foi efetivado no dia 15/07/2009. Pelo nosso acordo eu continuaria em São Luís, atuando como coordenador da área de telefonia, voltado exclusivamente a atender a Vale, ou seja, quase nada mudou, exceto que agora eu vestiria outra camisa, inclusive permaneci no mesmo posto de trabalho no CCO da ferrovia. Só depois de um tempo, mudei para o local onde estavam alocados meus novos colegas de trabalho, de forma a otimizar a interação com a gerente local da Netservice e com a equipe, que ocupavam um espaço no antigo PCM do Porto. Da mesma forma, passei a fazer visitas técnicas às demais áreas operacionais da Vale. Foi um período de muita atividade. Após meu ingresso na Netservice houve uma mudança natural na minha relação com a Vale, afinal eu agora era funcionário de uma empresa contratada. O início desse novo ciclo do meu trabalho foi caracterizado pela cobrança da Vale para problemas antigos que agora deveriam ser solucionados pela Netservice, entre eles um que se arrastava há tempos, a cobrança de chamadas telefônicas particulares efetuadas pelos funcionários. Além de problemas técnicos, não havia consenso se essa cobrança seria legal, o que perpetuava essa questão. Após muitas discussões a respeito, somadas a outras pendências e até problemas particulares, resolvi solicitar à Netservice minha transferência para a sede da empresa em Belo Horizonte. Contribuiu também para minha decisão a falta de sinergia com as novas equipes na sede da empresa, que aos poucos tomavam as rédeas da operação do sistema telefônico da Vale. Minha transferência foi efetivada em abril de 2010. Nos primeiros dias em BH fiquei acomodado em um hotel pago pela empresa até que conseguisse alugar uma acomodação permanente. No âmbito do trabalho tive um choque de realidade ao constatar a diferença entre trabalhar nas instalações da Vale, comparada a uma empresa bem menor. Havia muitos funcionários no prédio da Netservice e a exceção dos gerentes e pessoal estratégico, ninguém tinha um ponto fixo de trabalho. Todo dia era uma luta para encontrar uma estação livre para trabalhar. Tudo bem que nessa época essa prática começava a ser disseminada nas empresas mais novas, mas como eu era uma espécie de coordenador, me incomodava um pouco essa realidade. De qualquer forma tive a promessa que seria oportunamente melhor acomodado, mas o tempo foi passando e nada acontecia. Com a dificuldade adicional de conseguir alugar um imóvel na cidade, em especial pela exigência de dois avalistas, minha paciência foi se esgotando até que um dia tive um lampejo. Eu estava em uma estação de trabalho e contemplei o cenário ao meu redor, onde vários jovens funcionários estavam imersos em suas atividades com seus notebooks e fones de ouvido e senti que eu destoava naquele ambiente. Nesse momento decidi que pediria as contas e voltaria para São Luís, aposentando-me em definitivo. Ato contínuo, fui ao meu gerente para comunicar minha saída da empresa. Ele ficou surpreso, argumentou alguma coisa, mas minha decisão estava tomada, mesmo porque a nova equipe da Netservice já conseguia atender bem a Telefonia na Vale, portanto minha missão na empresa estava concluída. Minha saída, de fato, ocorreu em 01/07/2010, data em que me desliguei da Netservice e, por tabela, do mundo Vale.
Recolher