PREFÁCIO
Essa é a história de um menino, que sozinho seguiu seu destino e formou-se na escola da vida. O seu mundo não foi colorido, ninguém sabe o quanto lhe foi sofrido.
Tinha consigo um desgosto profundo, por não saber quem o fez vir ao mundo, mesmo assim, se sentia feliz!
Seu pai negou-lhe o nome, sozinho cresceu, fez-se homem, trabalhou, se casou, estudou e se formou, (nessa ordem) batalhou e conseguiu quase
tudo o que quis.
Foi difícil...penoso, mas há um ditado que diz, “existe escolha, o seu distino quem faz é você”: ser obstinado é o primeiro passo, ser vencedor é consequencia, o resultado é aprendizado e experiência saudável de vida
feliz!
Texto adaptado de: Oswaldo Franco/ José Santos
INTRODUÇÃO
Nos anos 60 houve uma certa censura com relação aos cantores tidos à época como,\\\\\\\"subversivos.\\\\\\\" Começou então, uma enxurrada de músicas italianas nas paradas de sucesso no Brasil. Foi aí que, inconscientemente, eu passei a ter contato com a língua original da família do meu pai, (por quem não fui reconhecido como filho), tomar gosto pela música e principalmente pela descendência italiana.
Cantores como Peppino di Capri, Pino Donaggio, Jimmy Fontana, Nico Fidenco, Rita Pavone, Gianni Morandi entre outros, me fascinavam. Ouvir aquelas belas vozes e suas canções quase sempre românticas, era algo que eu não perdia por nada.
Desde de então, sempre apaixonado por música, mas com muitas dificuldades para tocar qualquer tipo de instrumento, acabei me tornando escritor e compositor.
Mas apenas por HOBBY!
Muito Prazer!
Meu nome é Marco Antônio Alves da Silva
(Marco Palhuca)
CAPÍTULO I
Por volta de...
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Essa é a história de um menino, que sozinho seguiu seu destino e formou-se na escola da vida. O seu mundo não foi colorido, ninguém sabe o quanto lhe foi sofrido.
Tinha consigo um desgosto profundo, por não saber quem o fez vir ao mundo, mesmo assim, se sentia feliz!
Seu pai negou-lhe o nome, sozinho cresceu, fez-se homem, trabalhou, se casou, estudou e se formou, (nessa ordem) batalhou e conseguiu quase
tudo o que quis.
Foi difícil...penoso, mas há um ditado que diz, “existe escolha, o seu distino quem faz é você”: ser obstinado é o primeiro passo, ser vencedor é consequencia, o resultado é aprendizado e experiência saudável de vida
feliz!
Texto adaptado de: Oswaldo Franco/ José Santos
INTRODUÇÃO
Nos anos 60 houve uma certa censura com relação aos cantores tidos à época como,\\\\\\\"subversivos.\\\\\\\" Começou então, uma enxurrada de músicas italianas nas paradas de sucesso no Brasil. Foi aí que, inconscientemente, eu passei a ter contato com a língua original da família do meu pai, (por quem não fui reconhecido como filho), tomar gosto pela música e principalmente pela descendência italiana.
Cantores como Peppino di Capri, Pino Donaggio, Jimmy Fontana, Nico Fidenco, Rita Pavone, Gianni Morandi entre outros, me fascinavam. Ouvir aquelas belas vozes e suas canções quase sempre românticas, era algo que eu não perdia por nada.
Desde de então, sempre apaixonado por música, mas com muitas dificuldades para tocar qualquer tipo de instrumento, acabei me tornando escritor e compositor.
Mas apenas por HOBBY!
Muito Prazer!
Meu nome é Marco Antônio Alves da Silva
(Marco Palhuca)
CAPÍTULO I
Por volta de 1940, aquela pessoinha, que era órfã, primeiro da mãe, com apenas dois anos de idade, e em seguida, aos sete, perde também o pai para um câncer nos pulmões, doença devastadora, que à época pouca coisa se sabia a respeito e a cura era só por um milagre para acontecer.
Dois ou três anos mais tarde, vida difícil, muitas dificuldades, ela foi entregue à uma família tradicional de imigrantes italianos, fazendeiros de café, por seus irmãos, todos mais velhos, com o intuito de dar a ela uma educação digna e ao mesmo tempo um teto para morar.
Àquela época a prática era comum, a matriarca da fazenda acabara de ficar viúva e a pessoinha ia servir de companhia para ela, Sra. Casimira.
Lá eles chamavam de “criada”! A pessoinha seria a criada da casa.
Os casarões de fazenda eram realmente muito grandes, normalmente
com 10, 12 cômodos e não tinha forro. As paredes não chegavam até a cumeeira do telhado, exceto nos cômodos principais da casa, (sala e dormitório dos senhorios) esses espaços eram fechados com madeira.
A família era composta de seis pessoas; a matriarca e cinco filhos, (3 rapazes e 2 moças). O caçula dos irmãos, Leôncio Pagliuca, se encantou com a pessoinha que na época já devia ter entre 13 e 15 anos, ninguém sabia direito, mas o fato é que ela já era uma mocinha e chamava atenção de Leôncio, que passou a assediá-la e resolveu fazer visitas periódicas à pessoinha durante a noite. Pulando o vão entre a parede e o telhado ele chegava até o quarto da menina.
Ele, um rapaz bonito, alto, rico, olhos e cabelos castanhos claros.
Ela, uma garota pobre de pele escura, filha de caboclos, não menos bonita, também se sente atraida por ele. Começa ali um romance proibido que ia dar início à minha existência.
Algum tempo depois a menina fica grávida, mas a matriarca não admite a união dos dois, então espera a criança nascer e decide que vai ficar
somente com o bebê.
A pessoinha deveria seguir o seu caminho e seria devolvida aos parentes.
Ao perceber a trama ela resolve fugir da fazenda, pois os irmãos, em especial o mais velho (Francisco) segundo ela, a espancava com certa frequência.
Aproveitando um momento em que todos estavam na lida no cafezal, pega a criança e vai, sem rumo, à procura de abrigo na casa de uma prima de segundo grau, que soubera, morava na mesma cidade (Novo Horizonte).
Nesse momento, chega a dormir uma noite na rua, ao relento. Já quase
arrependida de ter saído de casa, descobre que a parente não mora muito
longe dali, ela estava casada e também tinha um filho com o mesmo tempo de vida que eu. Ali conseguiu abrigo, mas a família era muito pobre e não tinha como acolher os dois (mãe e filho).
A prima que tinha o mesmo nome, (Aparecida), amamentava o seu
bebê e tinha bastante leite, (as vezes precisava colocar um pano de fralda
dobrado sobre o seio para estancar o desperdício), decidiu que ia
amamentar as duas crianças, já que a minha mãe, talvez por conta do
estresse, não produzia leite o suficiente para mim, que segundo ela, mais
parecia um bezerro para mamar.
Pelo menos para o filho não faltaria alimento.
Aquele casal seria meus futuros padrinhos. Com eles eu iria passar boa parte da minha vida.
*Novo Horizonte localiza-se ao norte do estado, a 410 km da cidade de São Paulo
CAPÍTULO ll
A minha mãe saiu à procura de trabalho, mas no interior, naquela época
não havia muitas opções, uma pessoa sem estudo, ou trabalhava na roça
ou trabalhava na roça, ora cortando cana, ora colhendo laranja, ora
apanhando algodão... menos café. Pelo menos por enquanto ela não podia ser descoberta, e os cafezais da redondeza, cujos proprietários eram todos muito unidos por uma espécie de associação, por ali todo mundo conhecia todo mundo, melhor não arriscar.
Pensando assim ela resolve se mudar e vai para Catanduva, uma cidade vizinha de Novo Horizonte, e eu fiquei morando com
meus padrinhos.
Não consigo me lembrar muita coisa dessa época, apenas que era uma
casa muito pobre, chão batido de terra, à beira de uma estrada também
de terra batida. A casa construída com varas de bambu revestido de barro (pau a pique) ficava bem na curva dessa estrada, ali havia muitos pés de mamonas e alguns bambuzais que formavam uma espécie de cerca viva para os terrenos que eram sempre muito grandes. De vez em quando uma arvorezinha que dava uma flor vermelha com um pendão branco no meio, cheio de pólen amarelados, onde eu disputava com as abelhas e os beija-flor o adocicado daquela planta.
No interior eu acho que toda criança fez isso um dia.
CAPÍTULO lll
Agora eu já com uns cinco anos, fui morar com minha mãe em Catanduva. Lá ela descobriu que tinha uma tia... tia Etelvina, dizia com certo orgulho, afinal, tinha parentes, não era tão órfã assim. Mas a tia Etelvina não era muito de dar trela. Para uma visita de vez em quando, até que tudo bem, mais do que isso não!
A tia Etelvina era meio excêntrica, tanto que morava sozinha, tinha filhos, mas preferia ficar só, já tinha uma certa idade, mas era independente e não gostava de muita falação no seus ouvidos.
Lá conhece um rapaz que se enamora dela e logo começam uma amizade
que rapidamente se transforma em romance. O rapaz cheio de boas intenções montou uma casa até bem feitinha, toda construida com tijolos, piso de cimento queimado e vermelhão xadrez, (xadrez era a marca do produto) fogão a lenha combinando com o piso, era um luxo de casa de gente pobre. Eu só não entendí de quem era o terreno.
Eu acho que ele era pedreiro.
Eu e minha mãe passamos a morar nessa casa, mas o pedreiro pouco
aparecia por lá. Ela continuava trabalhando na roça, e às vezes, sem ter
com quem me deixar, era obrigada a me levar junto para a lida do dia a dia.
Eu adorava, pois subia na carroceria do caminhão e aquilo para mim era
uma festa. Aquele meio de transporte era chamado de PAU DE ARARA,
ele passava pegando as pessoas pelo caminho e chegava na roça lotado de
peões.
A parte ruim era levantar às quatro horas da madrugada, muitas das vezes com um frio de doer na alma. Mas eu não reclamava, a aventura prometia!
Em uma dessas fazendas eu até podia ficar na casa do capataz enquanto a minha mãe colhia café, ele tinha uma filha já mocinha, eu me lembro que o passatempo favorito dela era caçar borboletas. Caçava e com alfinetes de cabeça pregava as pobrezinhas num quadro de cortiça, do mesmo jeito que pregaram Jesus Cristo na cruz.
O quadro ficava lindo!
Mas eu não gostava de participar da caçada.
Nessas alturas eu já com uns sete anos, em mais um daqueles dias acompanhando a minha mãe, enquanto brincava com o cachorro do capataz ali por perto da casa, apareceu um lindo e enorme peru, a ave devia ser xodó do proprietário, pois já tinha uns quinze NATAL nas costas e estava ali, ileso, cheio de pompa. Isso até eu instigar o cachorro pra cima do coitado.
O cachorro com toda a sua fúria conseguiu dilacerar uma das asas do
peru, que por conta do enorme ferimento que sofreu, acabou sendo
sacrificado, mas o capataz, com apenas uma pancada de rastelo na cabeça, tirou a vida do cachorro também, presenciar aquela cena me deixou muito mal, eu não entendia como aquele homem foi capaz de fazer aquilo, ainda mais que de certa forma a culpa pela tragédia foi minha. Mas ele nem pensou duas vezes, furioso que estava, lançou mão da ferramenta e de um só golpe na cabeça, acabou de vez com a vida do cachorro.
Dias depois esse mesmo capataz, irritado com a teimosia de um jumento que resolveu não puxar carroça naquele dia, amarrou o pobre numa árvore e com uma vara de bambu quase mata o infeliz de tanta paulada. A vara chegava a assobiar no ar de tanta violência!
Foi naquele instante que eu comecei a conhecer o ser humano, do lado
de fora da minha caixinha. Um outro dia eu presenciei o carrasco de animais jogar no chão, todo o café já ensacado que a minha mãe havia derriçado (apanhado) e rastelado, sobre o pretexto de que não estava bem peneirado (abanado). Eu acho que ele ainda estava com muita raiva de mim e acabou descontando na minha mãe.
Era assim que funcionava, primeiro colhia o café, depois rastelava e passava na peneira para separar as folhas e resíduos e por fim ensacava.
Esse era o trabalho que a minha mãe fazia, ela e todos os outros companheiros dela, no cafezal.
Nesse momento eu comecei a compreender o quão cruel era a vida para minha mãe manter nosso sustento com dignidade.
Foi também nesse dia que eu decidi que deveria ajudar de alguma maneira a pelo menos conseguir levar algo para casa pra gente comer, já que o pedreiro só aparecia uma ou duas vezes por semana e mesmo assim, vinha sempre de mãos abanando.
Quase sempre eles acabavam brigando.
Uma vez, após uma dessas desavenças, a minha mãe tomou um veneno
de matar formiga ou era raticida, nem sei. Em outra discussão, durante o jantar, ele jogou um prato de comida contra o rosto dela, que ao tentar se defender, terminou com um enorme corte no braço.
Menos mal que foi no braço!
Aquilo por muito tempo foi causador de muito constrangimento para ela, mulher muito vaidosa que era, durante muitos anos, só vestia blusa de mangas compridas para esconder a cicatriz.
Aquela marca definitivamente não combinava nada com ela!
CAPÍTULO IV
Com intuito de ajudar a conseguir algum dinheiro, eu entrava nos pastos (lá a gente chamava de invernada), para catar estrume de gado e vender na chácara de uma família de japoneses, produtores de legumes e hortaliças, que ficava ali por perto.
De vez em quando uma correria se fazia necessário para poder escapar da ira de um boi que se sentia ameaçado na sua privacidade e investia determinado a liquidar de vez com o intruso. No caso eu!
Por vezes, uma árvore, se encontrava mais perto do que a cerca, e era a minha salvação.
Por cada lata de dezoito litros eu recebia duzentos réis (réis era o
dinheiro usado na época), que curiosamente era o plural da unidade
monetária “REAL, dinheiro usado nos países de língua portuguesa
como, obviamente, Portugal, Angola, Moçambique, etc...e que já teria
sido substituída pelo cruzeiro em 5 de outubro de 1942 na razão de um
cruzeiro por mil réis. Mas, imagino eu, que por conta da dificuldade de
se emitir novas moedas em tempos de guerra, réis continuava em circulação por aquelas bandas.
Com aquele dinheiro eu ia até um frigorífico que ficava mais ou menos
perto e a intenção era conseguir alguma mistura para o jantar.
O problema é que para chegar até esse frigorífico eu tinha que atravessar o rio São Domingos, um rio muito perigoso até para pessoas adultas, para mim que era uma criança e nem sabia nadar... extremamente perigoso, afinal eu ainda não tinha nem oito anos completos, mas a necessidade falava
mais alto e fazia de mim um menino destemido.
Destemido até a página dois.
Cobra por exemplo, não era exatamente um bicho que eu tinha muita
afeição, e por ali tinha muitas rastejando entre moitas.
Mas tinha outro problema, a travessia convencional era distante, ou eu
entrava no rio ou então andava uns dois quilômetros a mais para poder usar a ponte e fazer a travessia. Eu preferia cortar o caminho e encarar o perigo por ali mesmo, e com as roupas nas mãos e as mãos acima da cabeça, hora com água na cintura, hora com água na altura do peito, sem nem mesmo conseguir enxergar onde estava pisando, de tão turva que era a água, eu atravessava somente vestido com o calção.
Lá, já no interior das dependências do frigorífico, eu pedia em voz alta, quase gritando mesmo, ali tinha um estranho barulho, (uma mistura de lamento, mugido de boi com estridente som de serra-elétrica).
Meio macabro aquilo!
— Moço tem mocotó?
Lá não vendia carne no varejo, mas o moço, talvez por dó e vendo o
sacrifício que eu fazia para chegar até ele, acabava me atendendo.
—Quanto é moço?
—Não é nada não, fica de presente, e cuidado ao atravessar o rio.
E que presente...uma canela inteira de boi.
Agora eu não podia correr o risco de perder a minha prenda, atravessando o rio, ia dar a volta, e no caminho, aproveitar para passar na venda do seu Joaquim e comprar duzentos réis de farinha grossa de mandioca, para engrossar o caldo do mocotó.
Eu não tinha muita noção do valor do dinheiro.
Em uma dessas aventuras, percebi ao longe uma aglomeração de
pessoas curiosas com um evento que acabaram de presenciar no leito do rio.
—O que aconteceu?
Perguntei à uma senhora que vinha em minha direção.
—Uma cobra dentro do rio. Disse ela, parece que engoliu um bezerro.
Mas não era bezerro, era capivara! Naquele lugar tinha muitas capivaras à beira do rio.
Por alguns instantes o meu coração parou de bater, fiquei mudo, viajei nas minhas aventuras imaginando que poderia ter sido eu o jantar da vez no cardápio da cobra.
Daquele dia em diante só iria atravessar o rio por cima da ponte e olhe lá!
Mas atravessar o rio São Domingos era obrigatório, a escola que eu
quase nunca frequentava, a torrefação de café onde mais tarde minha mãe seria contratada, a venda do seu Joaquim onde se comprava farinha grossa de mandioca para comer com mocotó e o querosene para acender a lamparina durante a noite, também ficava do outro lado da ponte.
CAPÍTULO V
Já havia se passado algum tempo, as coisas estavam bem calmas por ali, e eu tinha conseguido um emprego de ajudante para entregar leite em domicílio. O leiteiro levantava de madrugada, ordenhava as vacas (tirava leite) vinha do sítio a caminho da cidade, passava em frente à minha casa, que ficava bem à beira da estrada para me apanhar com a charrete e, lá íamos nós, cidade adentro.
Lá era muito sossegado, as pessoas deixavam o litro lavado em cima do muro, era só encher e na volta o leiteiro passava recebendo. A maioria dos clientes pagava somente no final do mês.
Encher aqueles litros, com leite, foi outro carma na minha vida. Era um tambor com torneira, o leite quase puro, só não era totalmente puro porque o patrão usava um tanque de água corrente que existia ali próximo ao curral, onde o gado matava a sede, aproveitava para lavar o balde usado na ordenha das vacas e por duas ou três vezes enxaguava e jogava aquela água leitosa dentro do tambor misturando ao leite da ordenha. O leite espumava muito e toda vez que ia encher o litro, derramava metade no chão, para desespero do meu patrão. Demorou um pouco pra eu me entender
com a torneira do tambor de leite.
Na volta, quando sobrava alguma coisa ele sempre deixava em casa
para mim.
De vez em quando, se ele tivesse algo pra fazer na cidade, no periodo
da tarde, eu aproveitava e ia até o sítio para fazer garapa de cana.
O caminho era obrigatoriamente feito pela única estrada que ligava o campo do centro da cidade e cortava o bairro onde eu morava, Vila Mota.
Era muito bom, lá a gente colhia a cana na hora, tinha uma moenda
manual, eu sofria um pouco pra fazer girar a manivela, mas valia a pena, aquele caldo fresquinho, bem doce, após quatro ou cinco horas de sol escaldante na cabeça, era tudo que eu merecia, e ainda levava uma garrafa de garapa para a minha mãe também.
Às vezes, apesar da pouca idade eu arriscava no fogão, fazia arroz com
batata doce, que era fácil de achar pelos arredores e ou broto de folha de
abóbora refogada (cambuquira), que também dava com abundância em
qualquer lugar por onde a gente passava.
CAPÍTULO VI
Tudo estava bem até que um caminhão novinho em folha, da marca
chevrolet, cabine na cor amarela com paralamas pretos, a carroceria
acompanhando o mesmo tom da cabine, toda carregada de sacas de café in natura, estacionou para descarregar a carga na torrefação onde agora a minha mãe trabalhava selecionando os grãos, (eles chamavam, numa linguagem local de catação de café).
Aquele procedimento normalmente demorava de duas a três horas para liberar o carro, então numa correria insana minha mãe, aproveitando a hora de almoço, atravessou a ponte do rio São Domingos para me pegar e levar até onde estava o caminhão.
—Vamos, lava os pés!
—Rápido!
—Coloque aquela roupinha que a dona Mariquinha te deu, e os sapatos
novos também.
O bendito sapato apertava pra chuchu, foi um vizinho que fez. O senhor João faz tudo.
Isso mesmo!
Ele era conhecido como JOÃO FAZ TUDO.
Assim como a minha mãe, ele também não tinha estudo algum, mas era portador de uma inteligência acima da média.
Eu adorava ficar em volta dele!
Tanto consertava o motor à manivela do caminhão velho dos anos 1920, (G M) como fazia caneca com latinhas de massa de tomate elefante.
—Vamos logo!
O teu pai está descarregando o caminhão lá na fábrica.
—Ele tem que te ver!
E lá fomos nós, e ele me viu, e me pegou pela mão, me levou até a venda do seu Joaquim, me comprou um doce que tinha formato de uma banana, era uma massa bem leve de bolo, recheado com creme. O doce estava tão bom que até hoje eu procuro outro igual, mas nunca mais eu vi.
Nem o doce e nem o homem do caminhão amarelo!
Que tremenda decepção deve ter sido pra minha mãe. Mais tarde eu fui entender que a vontade dela, era que ele me levasse de volta para a fazenda, pois lá eu seria bem cuidado e além do mais, já começava a me tornar um empecilho na vida dela.
Ali nós ainda ficamos morando por algum tempo, até que um belo dia o pedreiro chegou propondo uma viagem. Eu achei ótimo, pois a viagem seria de trem e eu nunca tinha feito uma viagem de trem antes.
Mas não me lembro de nada muito emocionante, a viagem foi a noite e
a única coisa que eu consegui foi dormir praticamente durante todo o percurso.
Esse episódio de nossas vidas foi ainda mais cruel, chegamos de madrugada em Campinas, uma cidade mais ou menos grande, perto de São Paulo, desembarcamos na estação por volta das onze e meia da noite ou mais.
Andando pela calçada, não muito longe dali deparamos com uma pensão, (pensão Mogiana), uma referência a estação Mogiana de trens), um
sobrado grande, de seus oito cômodos destinados a acomodar pessoas que desembarcavam diuturnamente vindos das mais variadas partes do estado de São Paulo.
Passava da meia noite, quase uma da madrugada, o pedreiro toca a
campainha, alguém abre uma janelinha no centro da porta só pra se certificar se era mesmo um freguês, abre a porta e nos convida a entrar.
Era uma senhora cheia de sono que saiu para nos atender, ela usava um roupão (ROBE) de cetim todo estampado, coisa fina. Eu nunca tinha visto um igual!
O pedreiro contrata um quarto, seria apenas para passar aquela noite, no dia seguinte ele iria procurar uma casa para alugar ou já tinha uma em vista, sei lá.
A dona da pensão costumava cobrar adiantado, parece que ele pagou
por uns três dias de uma só vez, e sem muita conversa ela nos leva até o
quarto onde iríamos passar a noite.
—Esse é um dos melhores que temos!
Disse sem mais delongas...
A dona da pensão costumava cobrar adiantado, parece que ele pagou
por uns três dias de uma só vez, e equanto nos orienta sobre o regulamento do estabelecimento ela nos leva até o quarto onde iríamos passar a noite.
—Esse é um dos melhores que temos!
Disse sem mais delongas...
—Boa noite!
No dia seguinte o pedreiro saiu bem cedo, antes mesmo de a gente
acordar, eu pelo menos não o vi sair.
Passou meio dia, seis horas da tarde, meia noite, dia seguinte e nada, o
covarde queria apenas se livrar da minha mãe. Parece que ele era casado e também, como ultimamente as brigas entre eles já se tornara constante, o fato é que agora, por outro lado, ela estava livre da violência que ele ultimamente vinha apresentando.
Nunca mais ouvimos falar do dito cujo.
Mas e agora?
O que fazer?
A gente estava ali, sem dinheiro, sem nenhuma perspectiva de nada.
Passou dois, três dias até que a dona da pensão fez uma proposta irrecusável para minha mãe.
—Você quer trabalhar comigo?
—Eu estou precisando de uma camareira e você pode ficar morando no quartinho lá no fundo.
Era só um cômodo feito de madeira, mas era perfeito pra nós, teríamos
onde morar, teríamos o que comer e ainda um dinheirinho no final do mês. Estava perfeito, o único problema é que o quarto ficava isolado nos fundos, e só tinha uma porta de acesso. À noite ninguém entrava ou saia sem a autorização da proprietária, e a minha mãe gostava de sair para se divertir à noite, afinal ela ainda era bem jovem e agora estava solteira de novo.
Menos mal que do lado tinha outro cômodo onde morava um casal que
também eram funcionários na pensão e fazíamos companhia uns aos outros.
Ali sempre tinha muito movimento, talvez pelo fato de ser a mais próxima da estação do trem, quase que diariamente tinha gente nova se
hospedando.
Aquela proposta caiu do céu, a dona IKA era uma mulher muito correta e talvez tenha se sensibilizado com a situação da minha mãe, justamente porque ela também era separada.
O marido a tinha trocado por uma mulher mais jovem, ela tocava a pensão sozinha, as filhas, (eram duas), uma casada a outra já encaminhada na vida, fazia faculdade e tinha um bom emprego, eu a via muito pouco por ali.
Para ela a pensão era mesmo só por amor ao trabalho.
Ali nós ficamos por mais ou menos uns dois anos, não tinha muito o que
fazer, estávamos no centro da cidade, a única diversão para mim era
viajar de bonde.
Até hoje eu não sei como era possível! Eu acho que o condutor, (maquinista) já me conhecia, pois eu ficava o dia todo sentado na escada, na porta da pensão e o bonde passava bem em frente do estabelecimento.
Era todo aberto, a gente entrava e saía por qualquer lugar, eu sempre ia até o final e voltava no mesmo veículo, ou então fazia uma visita à filha mais velha da Dona Ika, que era casada e morava no mesmo bairro, bem perto do final da linha do bonde.
Eu sempre tinha algum dinheiro, pois toda vez que ia comprar cigarros, e esse eu acho que era o único defeito daquela mulher, (fumava mais do que a maria fumaça da estrada de ferro da alta Mogiana), mas toda vez que eu ia buscar um maço de cigarro para ela, ganhava uma moeda.
Com os hóspedes também era a mesma coisa.
Eu gostava de poupar, a única coisa capaz de me desviar da meta eram os tais chocolates diamante negro e os bombons sonho de valsa, esses me faziam perder a linha.
]Então eu chacoalhava o porquinho de ponta cabeça para retirar moedas sem precisar destruir o pobre.
A meta dessa vez seria comprar um presente do dia das mães. Era um sábado à tarde, peguei todas as minhas economias e saí pela calçada, ali bem no centro da cidade, tinha muitas lojas, todas próximas à pensão, então eu fui de uma em uma a procura de algo que a minha mãe pudesse gostar.
Talvez influenciado pelo roupão de cetim que a dona Ika usava, quando saia à noite para atender um cliente, eu entrei em uma loja de lingeries. Mas o dinheiro era pouco, só deu para comprar um soutien e mesmo assim eu acho que as meninas da loja completaram o valor no caixa para mim, pois elas acharam o máximo eu estar ali, sozinho, procurando algo para presentear a minha mãe e não queriam me deixar sair de mãos abanando.
Para comprar um roupão (ROBE) semelhante ao da patroa, talvez fosse preciso um mês inteiro de trabalho da minha mãe e mesmo assim eu acho que ainda não daria, eu que vivia exclusivamente de gorjetas, não tinha a menor possibilidade de adquirir um.
Continuava sem noção do valor do dinheiro!
CAPÍTULO VII
De vez em quando a minha mãe arrumava um pretendente...dessa vez estava namorando um tal de Moacir e numa tarde de domingo ela me levou pra conhecer o príncipe encantado da vez.
Ela se iludia facilmente com as histórias que ouvia.
O namorado mostrou a ela uma casa muito bonita, com piscina, carro
na garagem, nem sei como ela caía naquelas conversas fiadas, eu com nove anos logo fiquei desconfiado, acho que ele era caseiro na mansão, mas de qualquer forma, a farsa não durou mais do que alguns meses, dois ou três na verdade.
Sem mais nem menos esse tal de Moacir, logo após a nossa visita na suposta casa dele, acabou sumindo da cidade.
Na casa tinha mais uma senhora, eu presumo, seria governanta ou empregada doméstica mesmo e a minha mãe conseguiu com ela, o paradeiro do Moacir, ele teria ido para São Paulo.
A minha mãe não ia deixar aquilo passar em branco, ela era meio ranheta, não gostava de ser passada para trás.
Não demora muito, ela pede licença no serviço e vai a procura do dito cujo.
Eu não sei como, essa parte da história nunca ficou claro para mim, mas o fato é que a minha mãe descobriu que os meus padrinhos, agora, estavam morando em São Paulo também, continuavam muito pobres, mas agora e só agora, que eu me dei conta que tinha mais filhos na família, além do meu irmão de leite.
Era assim que a gente falava no interior, se você mamava na mãe do outro então eram irmãos de leite.
Eu era irmão de leite do Paulo César, legal... e por tabela tinha mais um punhado de irmãos, três mais velhos que eu nem lembrava que existia e um mais novo que eu ainda não conhecia.
Porém isso não me fazia filho, continuava apenas afilhado.
Mas a minha mãe levava a sério aquela máxima que diz: (na falta dos pais, os padrinhos ficam responsáveis pela criança).
Pois não é que ela descobriu o endereço dos meus padrinhos e um belo dia, às seis horas da madrugada a gente desembarca na estação da Luz.
Eu acho que viajar a noite, era mais barato.
De novo de madrugada!
Alguém já havia nos falado que São Paulo era a terra da garoa, pois é, e existia mesmo, uma garoa bem fina e fria, quase semelhante a neve, os carros parados na rua, as árvores, tudo ficava pintado de branco, parecido com neve mesmo, bem diferente da nossa velha e boa Catanduva, sempre tão ensolarada. Lá parece que não tinha inverno ou se tinha... inverno nunca, (que eu me lembre), foi tão rigoroso, já no verão... era um sol pra cada um de nos.
Agora a gente estava ali, só com praticamente as roupas do corpo e lá fomos nós à procura, novamente, do endereço dos meus padrinhos.
Engraçado que a minha mãe não sabia ler, mas tinha um faro danado para achar o paradeiro da minha madrinha, com quem eu fiquei morando mais algum tempo.
O Moacir agora estava trabalhando como mecânico em uma empresa de ônibus cuja garagem ficava no bairro Lauzane Paulista.
Ele não era rico como ela imaginou num primeiro momento, mas pelo
menos era trabalhador. Eles se entenderam, e resolveram ficar juntos, então alugaram uma casa em um cortiço próximo da garagem, ela foi me buscar e passamos a morar ali a poucos minutos do serviço dele.
Dava pra almoçar em casa.
Às vezes ele vinha com um ônibus, eu acho que era só para me levar pra
passear um pouco. Pra falar a verdade ele já estava começando a se apegar a mim.
Mas numa dessas saídas para o almoço, ele encosta o ônibus (quando eu ouvia o barulho do motor, corria para fora) na rua em frente de casa, entra embaixo para verificar alguma coisa, algo estranho estava acontecendo, mas não era com o ônibus, era uma tentativa de se esconder.
Em pé no portão e sem entender nada, eu vi dois homens que se apresentaram como investigadores de polícia e a ele deram voz de prisão, em seguida, colocam-lhe um par de algemas e somem das minhas vistas. Não houve reação, ele sabia que estava sendo procurado pela polícia.
Mas qual seria a acusação que pesava sobre ele?
Parecia uma pessoa de bem, trabalhador, não bebia, não fumava...
A questão era que ele também estava comprometido, engravidou uma moça e pior, tinha um filho pequeno e já fazia alguns meses que não pagava a pensão do menino.
Naquela época nem tinha uma lei específica regulamentada sobre o assunto, eu acho que os parentes da moça eram policiais e armaram um boletim de estupro para liquidar de vez com ele.
Aliás, essa foi a história que ele contou para a minha mãe, tentando justificar o injustificável.
CAPÍTULO VIII
Tudo voltava à estaca zero, a minha mãe ainda fez uma ou duas visitas à ele na cadeia, que ficava bem perto dali, se não me engano, o antigo presídio do Carandiru onde mais tarde houve uma rebelião de presidiários e consequente invasão das forças policiais que culminou na morte de mais de 140 detentos.
Logo tivemos que entregar a casa e lá vamos nós de novo à procura do endereço dos meus padrinhos.
Ela me deixava com eles e sumia, na cidade grande o serviço que ela poderia fazer era de doméstica, para dormir no emprego, mas as patroas não queriam candidata com criança.
Nessa época eu morei em três ou quatro diferentes lugares, não me lembro exatamente qual foi o primeiro, Rua dos Rodrigues, na Vila Palmeiras, Vila Sta. Maria, Vila Barbosa...
Mas o que ficou marcado foi o da Vila Siqueira, eu devia estar com uns dez anos e ainda não havia frequentado com regularidade uma escola, agora estava matriculado na escola de madeira da Vila Carolina, que ficava bem perto, divisa com a Vila Siqueira.
Lá pelo menos era servido merenda para os alunos, um dia, arroz doce, no outro canjica...
Das professoras eu não me lembro.
Eu não gostava mesmo de estudar!
Continuava tudo muito difícil, o meu padrinho trabalhava de ajudante de qualquer coisa, também era analfabeto, e o trabalho que conseguia era sempre de ajudante, ganhava muito pouco, tinha muitos filhos e pra piorar eu estava sempre sob os cuidados dele. Tinha sempre que escolher, entre pagar o aluguel ou comprar comida para as crianças.
Esse era o motivo de tantas mudanças.
Quase sempre para contornar essa situação a minha madrinha mandava eu e meu “primo/irmão” comprar um pacote de macarrão ave maria e às vezes meio quilo de pé de frango ou um quilo de osso de boi para fazer sopa, ou ainda um quilo de açúcar e uma bengala (bengala era como a gente chamava um pão enorme que quase dava para carregar nas costas de tão grande) e assim passávamos os dias, quando tinha...a sopa e ou pão e água doce.
Eu lembro de outra época em que o meu padrinho estava trabalhando numa “sacaria”, o trabalho era carregar e descarregar os vagões de trem que chegava e saía do tendal no Bairro da Lapa.
—Quando for lá pelas 10 horas vocês vão até o meu serviço que eu vou
ver se consigo algum dinheiro emprestado para comprar pão.
Recomendava o meu padrinho.
Para complicar tinha um bendito rio no meio do caminho, era mais fundo, mais largo, e naquele trecho, (devido às fábricas), mais turvo que o rio São Domingos.
Mas esse, pelo menos, tinha uma ponte.
Era de tambor, mas tinha!
Alguém aí já viu uma ponte de tambor?
A dita cuja ficava o tempo todo balançando, na estrutura tinha muitas cordas, aliás toda a estrutura de tambores era amarrada com cordas.
A ponte flutuante era construída sobre tambores de 200 litros que boiavam na água, dava um certo receio passar por ela, mas pelo menos não precisava entrar dentro do rio para poder atravessar.
Meu padrinho sempre conseguia dois ou três cruzeiros (dinheiro da época) pra gente levar para casa.
Beirando a linha do trem tinha muitos galpões, alguns eram usados como depósitos, outros como fábricas, ali se produzia de tudo, aliás, quase tudo era do Conde Francisco Matarazzo, um comerciante, banqueiro, industrial e filantrópico ítalo brasileiro, fundador das Indústrias Reunidas Fábricas Matarazzo. O maior complexo industrial da América Latina no início do século XX. Até os trens que transportavam as mercadorias eram dele.
Mas apesar de ter sido um dos homens mais ricos do mundo na sua época, após sua morte, o seu império, ao longo do tempo, foi se desfazendo nas mãos dos herdeiros e nunca mais voltou a ser o que outrora fora!
Por ali a maioria dos galpões eram usados para fabricar alimentos, torrefação de café, macarrão, biscoitos, etc...
—Biscoitos...
—Há os biscoitos...
Que aroma delicioso, os biscoitos!
Quando saia do forno levantava um aroma dos deuses, não importava o sabor, dizem que a gente começa a saborear uma comida com os olhos, lá a gente saboreava com o nariz mesmo!
Na fábrica de biscoitos tinha um setor que só atendia funcionários dos galpões, adivinha... BISCOITOS QUEBRADOS POR QUILO.
Todo biscoito que se quebrava durante a fabricação vinha em um
pacotão de uns dois quilos, todo misturado e custava uns cincoenta centavos.
—Era uma festa.
O caminho da volta era o tempo todo comendo biscoito e ainda escolhendo os recheados, quando chegava em casa só tinha biscoitos de maizena e maria, e olha lá.
Coisas de criança!
CAPÍTULO IX
Apesar de toda dificuldade, eu posso dizer que vivi momentos felizes
junto dos meus padrinhos.
Eu nem dava falta da minha mãe!
Porém a tia Carolina, irmã da minha madrinha, sempre cobrava uma
postura mais rígida por parte dela.
—Fala pra Tuta que quem pois no mundo foi ela, ela que cuide!
Tuta era o apelido da minha mãe, outra coisa que eu nunca soube da origem, talvez pelo fato de as duas se chamarem Aparecida.
Mas a tia Carolina ficava sempre muito brava quando nas raras vezes que a minha mãe aparecia, vinha sempre muito bem vestida, e adereços combinando. Boa parte ela ganhava das patroas.
Ela era realmente uma mulher muito bonita, e muito vaidosa também, gostava de se vestir com roupas boas e usava adereços com tanto brilho que chamava atenção de todos por onde passava.
O problema é que na lógica da tia Carolina, ela se vestia bem, mas ajudava muito pouco, ou quase nada nas despesas com minha madrinha.
Na casa éramos quatro crianças, mais o João e o Laudevino que já
eram mocinhos, mas apesar de já trabalharem, também não ajudavam ou ajudavam muito pouco, quase todo o dinheiro eles usavam para comprar roupas. Eles, assim como a minha mãe, também eram bastante vaidosos.
As crianças tinham, (era costume naquela época), cada um o seu utensílio de plástico para uso exclusivo e de cor diferente para não dar briga na hora da refeição.
Cada um com seu próprio prato, o seu copo, etc...
Uma passagem que ficou marcado pra sempre em minha memória, foi quando certa vez, a tia Carolina que sempre, quando nos fazia uma visita, trazia alguma lembrancinha, dessa vez tinha me ignorado.
Ela comprou uma canequinha para o Paulo César, outra para a Maria Luiza e mais uma para o Juninho.
Para mim...nada!
Naquele momento eu percebi que tanto quanto eu, todas as outras
crianças ficaram muito decepcionadas quando a justificativa que ela deu,
foi que não tinha parentesco algum comigo e que por isso não tinha obrigação nenhuma comigo. E era verdade, mas doeu!
Aquilo foi uma surpresa para todos, sempre nos tratamos como primos, não tínhamos ideia que pra ser parente tinha que ter laços sanguíneos envolvidos.
A tia Carolina fez o que a minha madrinha não tinha coragem para fazer, chamou a minha mãe e deu o ultimato. Ela era uma solteirona sem filhos, não aprovava aquela situação. A partir daquela conversa, a minha mãe resolveu alugar um barraquinho no bairro das Laranjeiras, começo da Avenida Casa Verde, bem próximo do trabalho que ficava no Bairro do Limão.
Agora ela estava trabalhando no restaurante Luso Brasileiro, não tinha nada de típico, era um restaurante normal, servia almoço do tipo comercial e prato feito que tinha um outro nome na época, mas eu não me recordo qual, eu acho que era surtido ou sortido, realmente não me lembro.
No barraco só cabia uma cama de solteiro de um lado, um armário feito com três caixotes de tomate e uma mesinha com o fogãozinho de uma boca só, à querozene (denominado Jacaré) do outro.
Ali tinha mais uns três ou quatro barracos um pouco melhor do que o nosso, mas eram todos muito precários, só que o nosso, a metade ficava sobre um riozinho, escorado por dois pontaletes de madeira, e a outra metade à beira do barranco.
Nunca tivemos problema com enchentes, mas ratos...certa vez um chegou a morder o dedo da minha mãe, enquanto ela dormia. Apesar de o animalzinho parecer inofensivo, a tal mordida rendeu várias injeções em volta do umbigo. Antigamente era preciso tomar cerca de quarenta doses na barriga para prevenir infecçóes que, se mal tradado, pode levar a morte.
Ali moramos por alguns meses e voltamos para a Vila Siqueira, e dessa vez a culpa foi minha. Eu e um amigo, o Dodô, aproveitando que a tarde estava tranquila, (era um dia de domingo), pulamos o muro de uma fábrica de tubos de cimento que existia ali por perto para brincar. Os tubos eram enormes, a gente gostava de ficar pulando de um lado para outro, era mesmo, bem divertido.
Tinha um estoque bem grande, cada um maior que o outro. Eles abasteciam a cidade toda com os mais variados tamanhos na altura e no comprimento.
Mas esse dia decidimos colocar mais emoção na brincadeira e com
estilingues, tentando acertar as lâmpadas do galpão, quebramos uma...duas...meia dúzia, dez ou mais, todas lâmpadas bem grandes, de mercúrio, 250 ou 350 watts cada. Na segunda feira, não sei como, pois naquela época nem tinha vigias e muito menos cãmera espiã, mas alguém deve ter nos visto pulando o muro e me denunciou.
Na segunda-feira um senhor até bem comedido, pela gravidade do evento, bateu à porta da minha casa para informar o ocorrido.
A minha mãe se comprometeu a pagar o prejuízo, não sem antes me dar uma bela surra. Ela já começou batendo na frente do homem para não haver dúvidas que alguma atitude seria tomado.
Porem como ela não iria conseguir o dinheiro, a saída foi mudarmos de casa, ficava mais barato, e ela também não passaria o constrangimento de ter que encarar, dia sim dia não, o cobrador na porta ameaçando tomar medidas mais drásticas contra ela, além de que, o barraco era mesmo por demais precário.
Toda vez que chovia era um Deus nos acuda, tanto por baixo como por cima. Do alto, goteiras por todo lado, por baixo a água que se aproximava cada vez mais do assoalho todo remendado com taboas, sobras de construções.
—Dias difíceis!
CAPÍTULO X
Agora num cômodo feito com tijolos, tipo porão, bem baixinho, (mas pelo menos era de tijolo), voltamos a morar novamente na Vila Siqueira.
Ficava bem próximo da casa onde morei com minha madrinha, mas eles já não estavam mais naquele endereço, e dessa vez não tinhamos nem ideia de onde estariam.
Dessa vez iríamos ficar um longo tempo sem nos vermos.
Minha mãe passou a me levar junto para o trabalho. Bem próximo dali tinha uma escola, onde ela me levou para matricular.
Só que para fazer a matrícula precisava de registro de nascimento, e eu ainda não tinha, já estava com quase doze anos e ainda não tinha tirado a tal certidão.
Nas outras escolas eles aceitavam o batistério, (certidão de batismo)
mas aquela escola era diferente, precisava mesmo do registro.
Então a minha mãe pediu licença no serviço e fomos até o cartório do Bairro da Casa Verde, lá ficou decidido que para não pagar uma multa, a minha idade seria alterada para menos e como o pai não era presente o
sobrenome PAGLIUCA que até então eu usava (Marco Antônio
Palhuca), no registro passa a ser: Marco Antônio Alves da Silva, sugestão do próprio cartório, pois estaria usando os sobrenomes dos avós maternos que eu também não cheguei a conhecer.
Então: Marco Antônio Alves da Silva, filho de mãe solteira, nascido em XX/XX/XXXX. Natural de Novo Horizonte- SP. Brasil.
Agora eu já nem sabia mais a minha própria idade, mas pelo menos
podia me matricular e voltar pra escola, já bem atrasado que estava com os estudos.
Era uma escola muito bonita, moderna, grande, dois andares toda pintada de azul bem clarinho, ou cinza, também não tinha noção de cor, e para melhorar, tinha e tem até hoje uma creche do lado, tão bonita quanto, e ainda com a vantagem de ter brinquedos nos fundos do tipo playground, onde, de vez em quando eu cabulava (faltava) à aula e pulava o muro para brincar.
Eu não gostava mesmo de estudar!
Mas foi lá que pela primeira vez, (que eu me lembre), recebi a devida atenção, e consegui aprender o mínimo, já meio grandão, pra série que eu frequentava.
Pelo menos ali eu consegui gravar o nome da minha mestra, a Professora
Regina, ela tinha um certo interesse em me ajudar. Sabendo das dificuldades da minha mãe para me educar, de vez em quando queria
saber de nós.
—Qual é mesmo o nome da tua mãe?
Perguntava ela.
— “MÃE!!!”
Respondia, eu.
Eu nunca sabia dizer o nome da minha mãe, era mãe e pronto. Talvez pela pouca convivência e por eu sempre ter ouvido as pessoas próximas a chamarem de TUTA.
Era mãe e pronto!
Agora, eu estava estudando na E.E. Visconde de Taunay e também passei a frequentar a igreja Paróquia Sto. Antônio do Bairro do Limão.
Aos domingos vestia a bata vermelha que a igreja fornecia e ficava no portão entregando o jornalzinho semanal da paróquia ou então passando de banco em banco com a sacolinha para recolher as oferendas dos fiéis.
A bata preta, só para quem ajudava rezar a missa, eu ainda não tinha feito a primeira comunhão portanto ainda não estava habilitado para tal, mas como estava estudando catecismo e era meio curioso para as coisas novas, já fui me enturmando por ali.
A minha primeira comunhão estava bem próxima, seria a poucos dias, então a minha mãe comprou uma calça preta, uma camisa de manga comprida branca, e uma gravata borboleta de cetim que até pouco tempo atrás eu tinha guardado em algum lugar da casa. Isso tudo vendia nas feiras livres dos bairros.
Só faltava o paletó (terno) a gente não tinha dinheiro para tudo, mas a
patroa da minha mãe, que era uma portuguesa muito religiosa, resolveu me dar a peça que faltava de presente.
Agora sim, estava tudo certo, era só confessar no sábado, para no
domingo comungar, e receber a primeira eucaristia.
Se tinha uma coisa que eu gostava mais do que o parquinho da escola... essa coisa era jogar FUTEBOL, e sábado à tarde bem na hora de eu ir para a igreja e me confessar, aparece uma bendita pelada para atrapalhar a minha vida.
Nem me lembrei e se lembrei achei que poderia passar despercebido, mas o padre Vitorino era raposa velha.
No domingo bem cedo, sob olhares admirados de pessoas de mais
idade e sarcásticos dos mais jovens, sai de casa todo arrumadinho e lá fui eu para a igreja.
Antes passei no bar onde minha mãe trabalhava, só para mostrar o look para a patroa, que foi quem patrocinou a vestimenta. Embora o tecido da calça fosse um pouco diferente do paletó, para mim estava perfeito!
Assistimos à missa e chega a hora tão aguardada da primeira comunhão, os pretendentes em fila para tomar a hóstia e assim estar apto à celebração.
* A primeira comunhão é um rito de passagem para os católicos, onde por meio desse sacramento, eles adquirem o direito de receber o corpo e o sangue de Jesus Cristo, simbolizados no pão, (a hóstia) e no vinho, no ritual consagrado nas missas que simboliza o sacrifício de Jesus pelos homens.
Não é que o Padre me tirou da fila!!!
Aquela atitude decretou o fim do meu relacionamento com a igreja.
A partir daquele momento eu só passava em frente à paróquia para ir ao cinema que ficava ao lado da igreja e era passagem obrigatória. Além do quê o cinema pertencia à igreja e lá eu assistia, enquanto coroinha, filmes religiosos de graça.
Agora tinha que pagar, mas pelo menos eu podia escolher o filme que queria assistir, trocar Marcelinho pão e vinho pelos épicos Sanção e Golias da vida.
CAPÍTULO XI
Assim que fiz quatorze anos, eu tirei a minha carteira de trabalho, mas como estava muito atrasado na escola só fazia trabalhos de aprendiz meio período, e quase sempre de graça, era para aprender profissão, dizia os espertalhões.
Eu que sempre gostei de juntar um dinheirinho, preferia lavar o chiqueiro de porcos de um senhor por sobrenome Reis, pelo menos a esposa dele, que era quem contratava, era generosa e sempre me dava boas recompensas.
E assim foi passando o tempo, agora morávamos em uma casa melhor, também porão, mas era quarto e cozinha bem amplos. Era um pouco mais caro, mas agora a minha mãe, já mais familiarizada com a cidade grande, descobriu que trabalhar de diarista era bem mais lucrativo. Recebia imediatamente após o trabalho prestado e ainda, como ela era ligeira e bem disposta, fazia limpeza em um turno extra com emprego fixo a noite nos escritórios da Anderson Clayton.
A sede era um prédio enorme no centro da cidade, (Vale do Anhangabaú) que era uma potência na época, no ramo de óleos vegetais e margarinas, às vezes pegava dois andares do prédio e me levava para ajudar.
Com carteira de trabalho assinada e fazendo horas extras quase todo dia, agora a minha mãe já podia pensar em mobiliar a nossa casa.
Não havia muitas lojas de eletrodomésticos por perto, as mais próximas eram no bairro da Lapa, Rua 12 de outubro. Lá tinha várias, mas a minha mãe escolheu comprar na agora, extinta loja 12 de outubro. A loja tinha o mesmo nome da rua, era pequena, mas aconchegante, parecia que os próprios donos atendiam os clientes, e lá fizemos a primeira compra com carnê (crediário) para pagar em 12 vezes. Um fogão a gás todo esmaltado, branco com detalhes azuis, uma mesa, 4 cadeiras e um armário tipo cristaleira, revestido com fórmica, era muito bonito.
A cozinha ficou linda!
Fogãozinho jacaré e caixotes de tomate, nunca mais.
Só tinha um pequeno problema, o fogão a gás cozinhava rápido demais.
Minha única preocupação era estudar e à tardezinha colocar feijão para cozinhar, assim quando a minha mãe chegasse, era só temperar e eu já teria adiantado o jantar.
Esse era o combinado, arrumar as camas, limpar a casa, estudar e colocar a panela de feijão no fogo .
Mas o bendito futebol estava sempre em primeiro lugar, eu era de uma geração intermediária, os mais velhos já tinham tirado o diploma da 4ª série e estavam trabalhando de dia e estudando à noite, eu me tornei uma espécie de líder dos mais novos.
O bairro todo era dividido em turmas, a turma de cima (neguinho verdureiro) a turma de baixo (Dengão, Nego Sapo...) eram batalhas memoráveis, que me renderam muitas cicatrizes, mas também muito respeito, tanto por parte dos algozes, como por parte dos meus companheiros que era quem eu tinha a missão de liderar e proteger.
Além de não estudar, também não cumpria com os afazeres de casa, de vez em quando alguém gritava:
—O feijão está queimando!!!
Era a vizinha!
Lá vinha eu desesperado.
Do campinho até em casa, correndo, dava um minuto, mas parecia que levava uma hora para eu chegar.
Também tanto fazia, quase que não se aproveitava nem a panela.
Quando ela chegava o pau comia, ela batia com o fio do ferro de passar roupas, pra piorar, naquela época o fio era separado do ferro e ainda tinha o macho e fêmea nas extremidades confeccionados em louça.
Anos depois, eu já adulto, enquanto era atendido no balcão da extinta
Eletropaulo, a funcionária, ao consultar meu documento viu que eu era filho de mãe solteira, e durante nossa conversa ela confidênciou que fora criada sem mãe, e também apanhava muito do pai, era ao contrario.
Demos boas gargalhadas quando ela qualificou como: “surra para tirar o estresse.”
Era surra para tirar o estresse mesmo, porque após a surra ela me dava banho de salmoura (agua e sal), dizia que era para baixar os vergões que ficavam nas costas e pernas. Aquilo era muito mais dolorido ainda do que as lambadas que eu levava.
Certa vez numa dessas corretivas eu decidi que não iria mais chorar, ia apanhar, mas não ia chorar, eu já era grande!
Mas não chorar enfurecia ainda mais a minha mãe, que batia e batia até cansar, e depois de uma dessas seções de corretivos me chamou de vagabundo.
—Arruma um serviço e vá trabalhar seu vagabundo.
—Se você é homem para apanhar e não chorar, deve ser homem para
trabalhar também! E tome lambada.
VAGABUNDO!!!
Aquela palavra doeu no fundo da minha alma, nunca ninguém havia me chamado de vagabundo antes.
Meus amigos (Chiquito, Tonhão, Dindim, Betão e Wilson) quase todos um pouco mais velhos do que eu, já trabalhavam, então eu esperei chegar, um por um...
—Não está precisando de funcionário onde você trabalha?
—A minha mãe me chamou de vagabundo!!!
—Onde eu trabalho não, mas tem uma fabriqueta do lado e tem uma placa precisando de ajudante!
Disse o Wilson.
—Você me acorda amanhã?
Morávamos no mesmo prédio, um de cada lado do terreno.
No dia seguinte ele me chamou bem cedo, eu fui para a entrevista, era uma pequena fábrica de calçados “CALÇAPER”, os proprietários, senhores José Perez e Francisco Perez, dois irmãos vindos do interior, cidade de Matão, estavam crescendo no ramo e eu fui contratado.
—Quando eu começo?
—Agora mesmo, se você quiser!?
Eu quis!
Logo eu também estava com carteira de trabalho assinada, e juntos, eu e minha mãe, passamos a ganhar um bom dinheiro, à medida que as prestações dos móveis iam se findando, a loja já oferecia uma nova compra, e para adiantar, a gente pagava duas prestações de cada vez.
Logo estávamos com a casa toda mobiliada, GELADEIRA, TELEVISÃO, (os jogos da copa do mundo de 1970 eu já assistia ao vivo e a cores com uma telaplastica de três cores), RÁDIO VITROLA, BICICLETA, etc... mas o que eu mais gostava era um rádio de cabeceira ZILOMAG, eu gostava muito de música e à época existia uma certa censura no país.
Cantores como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque, do movimento Tropicália, Raul Seixas, Geraldo Vandré, Rita Lee e, até Amado Batista, entre outros, estavam saindo exilados para fora do país (dados extraídos da internet).
Então começou uma enxurrada de músicas italianas nas paradas de
sucesso no Brasil.
Foi aí que, inconscientemente, eu comecei a ter contato com a língua original da família do meu pai (por quem não fui reconhecido como filho) a tomar gosto pela música e principalmente pela descendência italiana.
Cantores como Peppino di Capri, Pino Donaggio, Jimmy Fontana, Nico Fidenco, Rita Pavone, Gianni Morandi, entre outros, me fascinavam.
Ouvir aquelas belas vozes e suas canções quase sempre românticas era algo que eu não perdia por nada.
Enquanto isso, cantores brasileiros que não saíram do país, por modismo ou imposição das gravadoras, usavam pseudônimos para gravar em inglês.
Dave Maclean, Paul Bryan, Morris Albert, Michael Sullivan, Stevie MaClean, Terry Winter, Jessé (Tony Stevens), Fábio Júnior (Mark Davis) além da dupla Chrystian & Ralf que na época cantavam solo e Ralf era chamado de Don Elliott.
CAPÍTULO XII
Agora eu era uma pessoa feliz, extremamente feliz, trabalhava o dia
todo cantarolando, quando chegava em casa já de banho tomado, jantava e ia direto ligar a televisão para assistir os programas favoritos de humor e entretenimento.
Quantas risadas com as performances do saudoso humorista Costinha
(Lírio Mário da Costa), quanto deslumbre com os programas Clube dos
artistas e Almoço com as estrelas apresentados pelo casal Airton e Lolita
Rodrigues.
Já não precisava andar tanto a pé, ia e voltava de bicicleta, tudo para
mim, estava definitivamente resolvido na nossa casa. Para mim estava, mas para minha mãe faltava um companheiro, e dessa vez foi ainda muito mais cruel para mim. Em uma dessas voltas que a vida dá, a minha mãe resolve me abandonar para fugir com um vizinho, que também era casado e esse tinha uma escada de filhos, quatro ou cinco crianças entre 2 e 10 anos.
Aquela atitude me tirou o chão, agora que finalmente conseguimos montar a nossa casa, toda arrumadinha, mobiliada, eu não acreditava que ela pudesse fazer aquilo.
Mas fez!
Porque eu já era mocinho, podia muito bem me cuidar sozinho.
Foi o que ela me disse!
Saiu e logo voltou com dois indivíduos, parentes do tal Paulo, um era o próprio pai e o outro, se não me engano, irmão. Aquilo para mim mais parecia que vieram como guarda costas, eu me senti acuado, humilhado, como se eu fosse capaz de impedir que ela se fosse.
O máximo que eu conseguia dizer era: não faça isso mãe, a senhora vai
desgraçar a vida dessas crianças!
Eu já era mocinho, então não podia me incluir entre elas!
Mas ela pegou as roupas e foi embora, sem nem olhar para trás.
Menos mal que eu estava trabalhando e podia arcar com as despesas de aluguel e luz, água eu pegava num poço que existia no fundo do quintal.
Foi aí que o meu patrão (Seu Kiko) entrou em cena, ele meio que me adotou e me levava para almoçar diariamente em um restaurante no bairro do Limão, a caminhada era longa, meia hora para ir e mais meia hora para voltar, mal dava tempo para o almoço. Mas ele preferia, já que era solteiro, morava com o irmão e também começava a se desentender com a cunhada, que se sentia sem a devida privacidade com o esposo, o seu Zé.
À noite eu comprava um pãozinho e um doce de abóbora ou batata doce para fazer o desejum.
E assim foram os anos seguintes, ali eu iria trabalhar durante os próximos sete anos e meio da minha vida.
Eu acho que aquela convivência com o Seu João faz tudo, lá no início, mais a liderança com os meninos mais novos no campinho, jogando futebol, me deram uma certa experiência para lidar com as pessoas.
O fato é que em pouco tempo, eu já comandava boa parte das coisas por ali, tanto na parte de produção na fábrica, como na parte comercial com as clientes, atendendo na loja, pegando e entregando as encomendas.
A maioria da clientela era composta de sacoleiras que traziam uma remessa de pedido e já levavam outra para distribuir para os respectivos bairros onde moravam.
Isso tudo era feito durante a semana e no sábado entregue até a hora do
almoço.
Para isso acontecer, quase sempre, às sextas feiras, eu dormia no serviço, a gente fazia um lanche, (enjoei de tanto comer pão com sardinha em lata) e em meio aos couros de boi, a gente dormia.
O boi fazia mesmo parte da minha vida. As vezes eu brincando dizia que pegava um boi a unha, comia o mocotó, tirava o couro e fazia o meu próprio sapato.
Como poupar sempre foi um grande atrativo para mim, eu propus aos patrões aproveitar os retalhos de couro que eram descartados, para fazer chinelos (tipo sandálias) e todo o retalho que juntava na semana eu ia aos domingos para transformar em dinheiro, se bem me lembro, era uns cinco cruzeiros por par.
Eu apostava com o relógio para fazer cada vez mais pares e assim conseguia uma boa renda.
Um domingo cortava, na segunda levava para a costureira, (nessa época eu ainda não sabia costurar, ainda mais que a máquina, pespontadeira, para
calçados, éra esquerda e usava um rodízio no lugar do pezinho) no outro montava, dava acabamento e botava nas prateleiras para vender.
Toda segunda-feira, assim que eu recebia meu dinheirinho extra, aproveitava a hora do almoço, e ia até a caixa econômica do bairro da Casa Verde para depositar minhas economias.
Naquele tempo os atendentes eram todos, pessoas de mais idade e a senhora que trabalhava no caixa, já conhecia a minha história, tanto tempo me atendendo ali, assim como meus patrões, sempre me dava bons conselhos.
Agora eu me virava como podia, economizava ao máximo pois o meu sonho passou a ser; adquirir um carro, e o sonho tinha endereço certo.
Um Karmann Ghia.
O carro mais esportivo e mais cobiçado da época!
E quanto mais eu trabalhava, mais eu juntava dinheiro, e quanto mais eu juntava dinheiro, mais eu queria trabalhar, a ponto de deixar de lado
até o jogo de futebol que tanto gostava de praticar.
Eu juntei uns três milhões e meio de cruzeiros, era uma época de muita instabilidade monetária e frequentemente o governo era obrigado a cortar zero para manter o controle da moeda, nem sei o quanto representa hoje, mas era suficiente para comprar o carro usado que eu já vinha namorando a tempos, ou dar entrada em um novo, sei lá.
Mas na hora “H\\\\\\\" houve a interferência dos meus patrões.
—Você vai comprar carro?
—Compre um terreno, carro acaba, terreno é para sempre!
*Como já dizia um saudoso radialista da época, José Bettio.
Nessas alturas, com certa frequência eu via o tal Paulo cada vez mais na companhia dos filhos. Ele passava uns dias com a minha mãe e outros na casa da esposa.
Certo dia eu tive a ideia de pedir para a filha mais velha, que tinha ele
como um herói e também o queria de volta pra família, para que conseguisse o endereço e eu iria fazer uma surpresa a ela, minha mãe.
CAPÍTULO XIII
Era um sábado à noitinha, a menina havia conseguido o endereço, quando cheguei do trabalho decidi sem muita convicção ir atrás e conversar de homem para homem com eles.
O ônibus passava perto da minha casa e por coincidência, o final era mais ou menos perto da casa dela também, mas nem precisei procurar, antes de descer eu já reparei o casal na fila do ponto, esperando para embarcar.
Eu desembarquei e fiquei esperando ali por perto, sem saber o que fazer. O ônibus deu sinal de partir, eles embarcaram, passaram a catraca e
eu resolvi embarcar também.
Fiquei sentado no último banco traseiro, de lá eu acompanhei toda a movimentação. Eles estavam bem vestidos, provavelmente iam à um cinema ou coisa parecida.
Quando eu me dei conta, o ônibus já estava passando do meu destino, então resolvi continuar a saga, e foi mesmo uma saga, eles foram até o final, no centro da cidade, desceram e começaram a caminhar em direção a outro ponto.
Eu já estava por ali mesmo, decidi continuar e sorrateiramente, novamente já dentro do outro veículo, seguimos em direção a sei lá onde.
Algum tempo depois, eles deram sinal de parada, mas eu não podia e não queria me apresentar ainda.
Eles desceram e eu passei rapidamente a catraca, sempre olhando para trás, percebi que, entraram à direita, na primeira travessa retrós.
Na parada seguinte eu desci e voltei tentando fazer o mesmo trajeto.
Entrei a direita e novamente a direita, tudo escuro, lugar estranho para mim, nunca havia passado por ali, quando de repente, vozes em tom de confraternização me chamaram atenção.
Nas redondezas tudo estava muito calmo, já devia ser umas nove ou dez horas da noite, mas ali tinha movimento e parecia até bem animado.
Seja o que Deus quiser, vou arriscar, só pode ser eles.
Pensei!
Bati palmas, uma, duas vezes, alguém abriu a porta, era uma moça, e
sem nenhuma base, meio titubeante eu perguntei:
—Por acaso, tem aí uma senhora por nome Aparecida?
A pessoa meio desnorteada me disse:
Não sei, acho que não, deixa eu perguntar!
Do lado de fora eu ouvi uns rumores de indagação:
—Quem...
—Quem é?
—Ele disse que se chama Marco!
Saíram todos de uma só vez e a minha mãe ao me ver desabou em choro, já tinha uns dois anos que a gente não se falava e nem se via, (da última vez, ela apareceu de surpresa no meu local de trabalho só para pedir a geladeira que segundo ela, já que eu morava sozinho, para mim não tinha utilidade) logo fizemos uma breve apresentação, algumas explicações e tudo voltou ao normal, ou melhor, a festa ficou mais animada ainda.
Trocamos algumas palavras e eu me despedi prometendo que iria procurar por ela em outro dia e fui embora.
No caminho de volta ia pensando; eles estão bem... não vi nada que pudesse indicar separação. Mas a partir daquele dia eu comecei a ver com cada vez mais frequência o tal de Paulo na casa dos filhos.
Por um lado, era bom, sinal que ele não abandonara de vez as crianças.
Por outro...
Como estaria a minha mãe?
Eu precisava mesmo fazer a tal visita!
Dessa vez foi num Domingo, pois desde a sexta feira o homem se encontrava na casa da esposa que era exatamente, imediatamente acima da minha, assoalho de madeira (eu morava no porão), até as conversas um pouco mais acaloradas eu podia ouvir.
Cheguei de surpresa, era umas quatros horas da tarde, o que eu vi me deixou chocado, não que fosse novidade para mim, eu já tinha presenciado cenas depressivas dela antes, mas naquele dia... deitada na cama, com uma garrafinha de aguardente de lado, em cima de um criado mudo. Aquela cena me cortou o coração.
Foi então que me lembrei das falas dos meus patrões, dos conselhos da minha atendente da caixa econômica. Compre um terreninho, carro acaba, terreno fica para sempre!
CAPÍTULO XIV
Mesmo com certa frustração eu acabei cedendo e ao me despedir, deixei a cargo dela, que procurasse por ali um terreno que fosse barato o suficiente para que com o pouco que eu tinha conseguido juntar, desse a entrada e ainda que sobrasse algum para comprar tijolos, areia, cal e cimento e assim levantar as paredes de uma casinha pra gente morar.
Na semana seguinte ela já tinha um terreno em vista, não muito longe dali. Um lote de mais ou menos 120 metros quadrados, era o suficiente para a nossa necessidade.
O preço era bom, então fomos visitar, eu gostei, um pouco acidentado para os fundos, mas nada que alguns bons dias de escavação não desse conta de acertar um trecho para abrir os alicerces da casa.
E assim foi feito, contratamos um senhor que morava ali por perto, ele já meio de idade, trabalhava devagar mas era um bom pedreiro. Além do que, o preço da mão de obra também era muito bom.
Como eu recebia por semana, os três milhões e meio que eu havia
juntado, dei entrada no terreno, comprei todo o material necessário, inclusive a laje.
A princípio seria só coberto com telhas mesmo, mas um amigo me indicou uma fábrica de lajes que também estava iniciando as atividades e lá eu consegui bom preço também. E assim, com o dinheiro das horas extras feitas durante a semana eu pagava o pedreiro.
O tal de Paulo até ajudou com algumas ferramentas, uma enxada, uma pá e um martelo, (se bem me lembro) e isso porque ele trabalhava em uma
loja do ramo.
Depois de alguns meses, poucos na verdade, uns três ou quatro eu acho, a casa estava pronta, um quarto e cozinha, onde o banheiro juntamente com um corredor, dividia os cômodos, aquele foi o meu primeiro projeto de casa, o piso somente de cimento rústico, mas com laje, bem feitinha, toda rebocada, só faltando mesmo o acabamento com cerâmica e azulejo. Mas para fazer o acabamento eu não tinha mais
dinheiro, então nos mudamos do jeito que estava. Eu entreguei a casa em que morava sozinho e trouxe a minha mãe novamente para morar comigo na casa nova.
O Paulo só esperou a mudança e nunca mais apareceu!
Agora eu precisava viajar de ônibus para ir ao trabalho, mas a minha antiga casa ficava no meio do caminho e consequentemente todos os meus amigos também.
Sempre que dava eu ficava por ali para pôr as conversas em dia.
Em um desses dias, um sábado à tarde, a turma toda na rua, os meninos de um lado, as meninas do outro, fazia menos de um ano, mas elas estavam diferentes, mocinhas mesmo, especialmente a Ciró, Izilda o nome, mas todos a conhecia por “Ciró\\\\\\\". Quando eu saí dali ela era bem criança, de repente estava mocinha. Em pouco tempo a gente estava namorando e aí começa uma nova história a ser escrita nas linhas do livro da minha vida...
Continua na próxima edição...
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