Povo Iny Karajá registra suas histórias com o Museu da Pessoa

Entre os dias 17 e 27 de setembro, o Museu da Pessoa esteve no território do povo Iny Karajá, na região do rio Araguaia, entre Mato Grosso e Tocantins. A visita marcou a terceira etapa do projeto Memória, Território e Patrimônios Imateriais, realizado em parceria com o Instituto Krehawa-Inkre.

A etapa aconteceu na aldeia Fontoura, localizada na Terra Indígena Parque do Araguaia, na Ilha do Bananal (TO), a maior ilha fluvial do mundo. O encontro reuniu diferentes gerações em torno das memórias, histórias e saberes Karajá.

Nessa fase, os jovens revisitaram 26 entrevistas feitas com anciãos e anciãs para escolher os trechos mais marcantes, levando em conta aspectos da própria história e cultura. Assim, cada nova escuta se tornou também uma forma de aprendizado e continuidade.

Como lembra Gentil Karajá, liderança da aldeia Fontoura:


“No meu tempo de juventude todos se envolviam e divertiam com as festas tradicionais. Quando tinha festa na aldeia, ninguém podia sair para pescar, caçar, todos tinham que participar. Se alguém quebrasse a regra, lateni (chefe de aruanã) ia atrás da pessoa, pegava os peixes e levava para casa de aruanã. Nesse tempo a casa de aruanã era muito respeitada.”

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Formação com os jovens na terceira etapa do projeto no território Iny Karajá. Aldeia Fontoura, setembro de 2025. Imagem: Aline Scolfaro

Memória, Território e Patrimônios Imateriais com o povo Iny Karajá

O projeto Memória, Território e Patrimônios Imateriais busca valorizar e salvaguardar memórias e saberes que fazem parte do patrimônio cultural dos povos indígenas. Para isso promove o registro audiovisual de histórias de vida e histórias tradicionais narradas por anciãos, estimulando participação dos jovens em todas as etapas, da entrevista à edição.

Com o povo Iny Karajá, o processo começou em outubro de 2024. Um grupo de 25 jovens participou de formações sobre entrevista, filmagem, captação de áudio, processamento das histórias e edição. Desse modo, desenvolveram não apenas habilidades técnicas, mas também a escuta sensível e o respeito pelos mais velhos.

Jovens editando a “flor da história” de Dilma Berixa Karajá, durante segunda etapa do projeto e formação no território Iny. Aldeia Krehawa, abril de 2025. Imagem: Aline Scolfaro

Durante as entrevistas, saberes e visões de mundo se revelam. Fabíola Kõririki Karajá, pajé e curadora, moradora da aldeia Hawalora, compartilhou a origem de seu dom espiritual:

“Eu via o espírito, o aõni. Era uma cobra que se enrolava em mim e me mostrava os remédios que eu tinha que usar para curar as pessoas. Foi por meio desse espírito que me tornei pajé. Quando o pajé tem visão vê todo tipo de espíritos, espíritos mal, espírito de doença. Por isso quando uma pessoa vai morrer eu vejo o espírito da pessoa andando por aí.”

Essas narrativas inspiram os jovens entrevistadores. Xurerea Waharu Karajá, uma das participantes, conta sobre o impacto da história de Ijanaru Karajá:

“Achei muito interessante a história da Ijanaru, porque ela conhece muito. Nós jovens não conhecemos, mas esses remédios são muito importantes para nossa vida. Ela conta que perdeu uma filha pois não sabia sobre remédios, por isso depois foi aprender, a história dela foi muito marcante para mim.”

Assim, as histórias de vida compartilhadas fortalecem a conexão entre passado e futuro. Ao mesmo tempo, despertam o interesse das novas gerações pelos saberes tradicionais do povo Iny Karajá.

Guardiões da Memória Iny Karajá. Imagem: Guardiões Iny Karajá.

Patrimônio imaterial e continuidade cultural

Os Karajá são reconhecidos como detentores de um patrimônio cultural imaterial do Brasil desde 2012, quando o Iphan registrou as Ritxòkò, bonecas de barro feitas por mulheres ceramistas. Essas peças representam uma importante expressão artística e cosmológica do povo Iny

O projeto reforça a importância de manter viva essa herança e de transmitir os conhecimentos às novas gerações. Para Karoline Mydiwaru Karajá, presidente do Instituto Krehawa, a formação dos jovens é fundamental:

“Fico muito feliz porque é um sonho dos nossos jovens estar praticando, fazendo filmagens, entrevistando. É muito importante registrar as nossas histórias, porque cada dia mais os nossos jovens estão esquecendo. E eu acredito que esse projeto vai ajudar muito os nossos jovens, e também nossos professores, para usar essas histórias na sala de aula.”

Artesã Disyra Karajá confeccionando ritxokó, aldeia Hawalo, agosto de 2025. Imagem: Aline Scolfaro.

Por fim, o trabalho realizado com o povo Iny Karajá reafirma o compromisso do Museu da Pessoa com a preservação das memórias e patrimônios culturais imateriais do Brasil. Além de ampliar pontes entre gerações, o projeto contribui para fortalecer o pertencimento às tradições e ao território.

O projeto Memória, Território e Patrimônios Imateriais, realizado pelo Museu da Pessoa em parceria com associações indígenas dos territórios, é viabilizado pelo Programa Nacional de Apoio à Cultura (PRONAC 222467), por meio do Ministério da Cultura. Conta com o apoio financeiro do BNDES, patrocínio da Tecban e cooperação técnica da Unesco e do Iphan.