Oitenta anos depois, família se reencontra por conta de um relato no Museu da Pessoa

Zulmira Gonçalves de Lima ficou sem notícias do irmão por oito décadas. Em 2020, contou a sua história para a plataforma e em 2024 foi encontrada pelos sobrinhos

Quando, em 2020, o advogado Augusto Barbosa pediu que a avó Zulmira Gonçalves de Lima contasse a sua história no Museu da Pessoa (museudapessoa.org), ele tinha o desejo de deixar registrado o legado da matriarca da família. Aos quase 90 anos, a partir da casa onde vive com a filha, em Taboão da Serra (SP), ela gravou uma entrevista online onde contou sobre a infância de sofrimento trabalhando em fazendas de cacau, os maus tratos vividos em casa e a mudança de Ibirataia, na Bahia, para São Paulo. O que o neto não poderia imaginar era que, a partir do vídeo publicado na plataforma, sua família viveria um reencontro inesperado depois de 80 anos. A história, digna de cinema, foi tema de matéria da CLAUDIA online.

No seu relato ao Museu da Pessoa, Zulmira conta que um dos seus irmãos, Manoel Gonçalves Santos, fugiu de casa quando jovem, nos anos 1940. Ele escapou dos maus tratos com aproximadamente 16 anos – Zulmira tinha mais ou menos 12 anos na época. Já mais velhos, na década de 1970, os filhos de Zulmira fizeram uma busca por Manoel de uma forma bastante inusitada: a única informação que eles tinham era de que ele teria ido para o Mato Grosso. Os irmãos Monteiro, Nilzete, Marizete, Nerivalda e Givaldo escreveram, então, uma carta para uma rádio do estado buscando o irmão perdido cerca de trinta anos antes. Nunca tiveram retorno. 

Mas a carta chegou. Embora os filhos de Manoel tivessem escrito de volta, a resposta nunca chegou até Zulmira. Manoel recebeu e guardou por décadas o pedido de contato. Por conta do sofrimento que as lembranças da infância despertavam, ele decidiu não procurar os irmãos.  Anos depois que Manoel faleceu, já em 2024, sua filha Sara Gonçalves Santos, sonhou com ele. No sonho, o Manoel pedia para que ela encontrasse Zulmira. Quando acordou, ela consultou a carta e começou a procurar pelo nome da tia na internet. Já nas primeiras buscas, encontrou o depoimento dela ao Museu da Pessoa. Na descrição, Zulmira contava sobre o irmão desaparecido. Algumas checagens e uma solicitação de amizade enviada pelas redes sociais depois, o parentesco se confirmou.  

Em dezembro de 2024, 80 anos depois da separação do irmão, Zulmira recebeu os sobrinhos, que viajaram de carro do Mato Grosso até São Paulo para conhecê-la. Apesar da numerosa família de seis filhos e vários netos, ela comemorou: “ganhei ainda mais família”. Em 16 de maio, quando ela celebrar seus 94 anos, a família estará mais completa do que nunca. Coincidentemente, este é o  Dia Internacional de Histórias de Vida, criado pelo Museu da Pessoa em 2008.

O valor de contar sua história 

Augusto foi quem procurou o Museu da Pessoa para agradecer pelo reencontro realizado. Ele conta que a possibilidade de reencontrar a família do irmão de Zulmira perdido há oito décadas não foi sequer cogitada quando a gravação do vídeo aconteceu em 2020. “Minha avó é uma pessoa muito especial, é um grande norte para todos nós. Meu desejo era dar a possibilidade de deixar a história dela gravada para que as próximas gerações pudessem ter acesso a uma história que talvez ela própria não poderia registrar, pois não aprendeu a ler ou escrever, mas que é uma história viva e que trouxe um percurso de desencontros e felizes encontros, vivendo aventuras, criando seis filhos e passando por uma viuvez muito precoce”, conta. “Ter sido esta a ponte com o desfecho da separação dela com o irmão foi inesperado e um grande presente para toda a família”, diz. 

Para a fundadora do Museu da Pessoa, Karen Worcman, o caso de Zulmira é uma representação muito nítida da riqueza que se esconde em cada família, em cada pessoa. “Temos mais de 20 mil histórias no acervo, todas absolutamente únicas, cheias de nuances. Esse olhar de valorização das vivências de cada um é o que nos motiva a inspirar, provocar e transformar a sociedade através das histórias de vida”, comenta. 

A Programação Cultural do Museu da Pessoa é viabilizada pelo Programa Nacional de Apoio à Cultura, por meio do Ministério da Cultura, com realização do Museu da Pessoa, patrocínio oficial da Petrobras e patrocínio do Mercado Livre e da 3M.

O Museu da Pessoa é uma plataforma brasileira, virtual e colaborativa que se dedica a registrar as histórias de vida de pessoas com diferentes perspectivas e realidades. O propósito do Museu é inspirar, provocar e transformar a sociedade a partir do compartilhamento de diferentes vivências. São mais de 20 mil histórias de vida e 60 mil fotos e documentos catalogados e acessíveis, online e gratuitamente, a todas as pessoas que podem conhecer outras histórias e também registrar as suas próprias vivências.