Como Pontão de Cultura selecionado pelo Ministério da Cultura, o Museu da Pessoa tem realizado o projeto Brasil Memória em Rede II com o propósito de articular uma rede de organizações culturais por meio de um mapeamento cultural. Ao longo dos últimos meses, realizamos diversas ações para fomentar o patrimônio cultural e promover a memória brasileira, conectando iniciativas e territórios distintos em todo o país.
Atualmente, por meio da iniciativa “Agentes Cultura Viva”, contamos com a participação de quatro jovens de cada região brasileira, que colaboram com o mapeamento cultural de instituições locais. Entre eles, destaca-se Laura Loisy, de Belém (PA), formada em Ciências Sociais, pesquisadora de artistas negras da Amazônia e empreendedora dolauea. Em seu relato para o Museu da Pessoa, Laura compartilhou sua experiência ao participar do projeto. Leia abaixo!
📌 Conheça mais sobre os Agentes Cultura Viva
Um Pontão de Cultura é feito de gente
Nós, Agentes Culturais do Museu da Pessoa, iniciamos o projeto Brasil Memória em Rede II em outubro de 2024. Primeiro, participamos de um ciclo de formações remotas, onde aprendemos a metodologia da Tecnologia Social da Memória e aprendemos a guiar uma Roda de Histórias.
Também realizamos Rodas entre nós, um grupo de 20 jovens de diferentes regiões do Brasil, com idades entre 18 e 24 anos. Essa vivência nos aproximou, apesar da distância física, e nos ajudou a entender os contextos culturais de cada participante. Vivenciamos a escuta e o acolhimento sincero para que, depois, pudéssemos mediar Rodas de Histórias de forma independente com organizações convidadas.
Sabenças Cíclicas em Roda de Histórias
Ao mediar uma Roda de Histórias com Shayra da Cruz, realizamos um mapeamento cultural para convidar pessoas de organizações e coletivos do nosso território. Esse encontro enriqueceu ainda mais a experiência. Desde o início, todas as pessoas presentes ouviram atentamente e compartilharam experiências inéditas para aquele espaço.
Tivemos participantes de diferentes estados, como Amazonas, São Paulo, Pará e Porto Alegre. Entre as muitas histórias marcantes, a de Roberta Sodré, militante do Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará, destacou-se por sua inspiração na criação da instalação Cíclica Sabença.
Essa obra homenageia e celebra a vida de sua avó, Raimunda Sodré, nascida em 26 de dezembro de 1923 e devota de São Benedito. Ela transmitiu ensinamentos sobre ancestralidade e fé. Roberta enfatiza que vê como dever honrar sua ancestralidade, pois ela é cíclica e presente em sua vida.
Ouvir essas histórias de vida reais despertou em mim memórias da minha infância em Bragança, cidade onde se celebra a festa de São Benedito e onde meus avós nasceram. Essa experiência me fez compreender a profundidade das narrativas compartilhadas e o impacto que elas têm sobre nós.
Mapeamento Cultural e seus Aprendizados
Um dos aspectos mais importantes desse primeiro ciclo foi aprofundar nosso conhecimento sobre os pilares da Política Nacional de Cultura Viva (PNCV), que, em 2024, completou 20 anos. Um dos principais objetivos dessa política é ampliar as possibilidades do fazer artístico por meio da extensão de financiamentos, reaproveitando equipamentos culturais existentes e proporcionando condições para que projetos comunitários sejam contemplados.
O mais fascinante é que o programa não busca criar algo novo, mas sim potencializar e reconhecer através do mapeamento cultural as instituições já existentes no Brasil, focando especialmente nas populações de baixa renda. Muitas comunidades realizam atividades culturais há anos, autofinanciando seus projetos por falta de acesso a políticas públicas. Portanto, é essencial priorizar essas questões.
Além de buscar recursos, o programa reconhece e fortalece organizações que atuam com resistência em espaços frequentemente negligenciados pelo poder público. As práticas culturais desempenham um papel essencial na conscientização dos jovens, especialmente nas periferias.
Sou um exemplo disso. Por meio do contato com atividades de pontos culturais no meu bairro, pude enxergar meu potencial como artista e sonhar com a universidade. Essa é uma vivência compartilhada por muitos jovens que, assim como eu, seguem transformando realidades por meio da arte e cultura.
Diagnóstico Preliminar do Mapeamento Cultural
No segundo ciclo do projeto, iniciamos as entrevistas de mapeamento cultural das organizações. Foram realizadas 246 entrevistas com coletivos de todo o Brasil, buscando levantar dados sobre a cultura, valorizar memórias culturais e fortalecer redes existentes. Durante aproximadamente dois meses, conhecemos de perto a realidade dessas entidades.
Desde o início do projeto do Museu da Pessoa, percebemos as desigualdades regionais na distribuição de recursos. Dados de 2019 mostram que apenas 29,11% do investimento cultural foi destinado à região Norte, enquanto o Sudeste recebeu 189,14%. Esse investimento veio tanto do governo federal quanto de recursos próprios dos estados e municípios. A disparidade persiste ainda em 2025, principalmente na Amazônia paraense.
Durante as entrevistas do mapeamento cultural, identificamos que muitas mestras e mestres culturais têm dificuldades para escrever projetos e enfrentar a falta de acesso à internet, tornando o conhecimento sobre editais e financiamentos um privilégio distante. Por outro lado, um dado positivo foi que 52,6% das pessoas envolvidas nas organizações entrevistadas são negras (pretas ou pardas). Esse cenário reflete a ampliação de políticas públicas como a Política Nacional Aldir Blanc (PNAB).
Testemunhei muitos artistas e produtores acessando recursos públicos pela primeira vez graças à PNAB. Esses primeiros dados já trazem reflexões importantes, mas ao longo do ciclo final do projeto, ainda teremos muitas novas informações para compartilhar.
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Edital de Seleção Pública MINC – Nº 9, de 31 de agosto de 2023, Cultura Viva – Fomento à Pontões de Cultura – A Política de Base Comunitária Reconstruindo o Brasil.
