Projeto Memória dos Trabalhadores Petrobras
Depoimento de Wagner Lima
Entrevistado por José Santos
São Paulo, 28 de agosto de 2003
Realização Museu da Pessoa
PETRO_TM008
Transcrito por Transkiptor
Projeto Memória dos Trabalhadores da Petrobras, depoimento Wagner Lima, entrevistado por José Santos, São Paulo, 28 de agosto de 2003, realização Museu da Pessoa.
Pode tirar. Gravando.
O Wagner, boa tarde.
Boa tarde.
Eu queria começar a entrevista perguntando o seu nome completo, data e local de nascimento.
Wagner Luiz Constantino de Lima, natural de São Paulo, capital, nascido no dia 13 de abril de 1950.
Wagner, você podia falar o nome dos seus pais e que atividade que eles exerciam?
Meu pai chama-se Benedito Rodrigues de Lima. Ele é natural de Andradas, Minas Gerais. Ele sempre se dizia, apesar de trabalhar na indústria, se dizia almoxarife. Acho que é uma profissão já em extinção também. Minha mãe chama-se Nair Constantino de Lima. É natural de São João da Boa Vista, São Paulo. Sempre trabalhou tanto em casa, aquela chamada atividade do lar, como também foi comerciante e comerciária.
E você passou sua infância em São Paulo?
Até os 18 anos de idade, eu morei em São Paulo. Quando eu, naquela época, terminei o ginásio, Inclusive, meus pais se mudaram para Campinas antes. Eu fiquei sozinho, fiquei morando com os meus avós, terminando o ginasial para depois, em seguida, me mudar para Campinas.
E por que seus pais quiseram mudar para Campinas?
Na realidade, porque as oportunidades que eles tinham aqui de sobrevivência se esgotaram. Minha mãe tinha um pequeno comércio, daí porque ela nasceu uma comerciante, que entrou em crise. O que eu me lembro disso é que entrou em crise, não conseguiu mais se sustentar e ela teve... Meu pai não trabalhava, perdeu o emprego, eles tiveram que se mudar para Campinas, na realidade, até fugindo dos credores aqui de São Paulo. Então, como eu ainda estava no final do curso ginasial,...
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Depoimento de Wagner Lima
Entrevistado por José Santos
São Paulo, 28 de agosto de 2003
Realização Museu da Pessoa
PETRO_TM008
Transcrito por Transkiptor
Projeto Memória dos Trabalhadores da Petrobras, depoimento Wagner Lima, entrevistado por José Santos, São Paulo, 28 de agosto de 2003, realização Museu da Pessoa.
Pode tirar. Gravando.
O Wagner, boa tarde.
Boa tarde.
Eu queria começar a entrevista perguntando o seu nome completo, data e local de nascimento.
Wagner Luiz Constantino de Lima, natural de São Paulo, capital, nascido no dia 13 de abril de 1950.
Wagner, você podia falar o nome dos seus pais e que atividade que eles exerciam?
Meu pai chama-se Benedito Rodrigues de Lima. Ele é natural de Andradas, Minas Gerais. Ele sempre se dizia, apesar de trabalhar na indústria, se dizia almoxarife. Acho que é uma profissão já em extinção também. Minha mãe chama-se Nair Constantino de Lima. É natural de São João da Boa Vista, São Paulo. Sempre trabalhou tanto em casa, aquela chamada atividade do lar, como também foi comerciante e comerciária.
E você passou sua infância em São Paulo?
Até os 18 anos de idade, eu morei em São Paulo. Quando eu, naquela época, terminei o ginásio, Inclusive, meus pais se mudaram para Campinas antes. Eu fiquei sozinho, fiquei morando com os meus avós, terminando o ginasial para depois, em seguida, me mudar para Campinas.
E por que seus pais quiseram mudar para Campinas?
Na realidade, porque as oportunidades que eles tinham aqui de sobrevivência se esgotaram. Minha mãe tinha um pequeno comércio, daí porque ela nasceu uma comerciante, que entrou em crise. O que eu me lembro disso é que entrou em crise, não conseguiu mais se sustentar e ela teve... Meu pai não trabalhava, perdeu o emprego, eles tiveram que se mudar para Campinas, na realidade, até fugindo dos credores aqui de São Paulo. Então, como eu ainda estava no final do curso ginasial, estava terminando, Resolveram que eu deveria terminar o ginásio para depois, em seguida, me deslocar para Campinas.
E, Wagner, o que te marcou nessa época aí do período dos estudos?
Olha, primeiro, eu comecei estudando num colégio do Estado. Naquela época a gente fazia aquele curso de admissão, aí prestava um concurso para entrar para um colégio estadual, no caso ginásio estadual. Eu fiz tudo isso, passei, fui admitido no colégio estadual, mas acabei sendo o que naquela época se dizia jubilado. Eu repeti a primeira série do ginásio por mais de uma vez, então fui obrigado a me transferir para um colégio particular. Então, o que me marca nesse período era a dificuldade que nós tínhamos, que a família tinha, eu também tinha, de sustentar o estudo particular, as dificuldades. Eu, inclusive, nessa época, eu estudava pela manhã e comecei a trabalhar à tarde naquilo que naquela época a gente chamava de office boy, auxiliar de escritório, coisas desse tipo, tentar com isso ajudar nos meus estudos. E é interessante que quando eu começo realmente a trabalhar, quando eu começo a arcar, ter a responsabilidade de me sustentar, aí eu deslanchei e eu consegui concluir o curso gindasial, mas sem repetir mais nenhum ano, porque eu tinha que bancar isso. Então foi muito marcante, e também foi marcante esse período em que os meus pais foram embora. Eu saí, ou seja, eu deixei de morar com os meus pais e fiquei morando com os meus avós, que foi um período relativo à liberdade, não tinha muito controle dos pais, ficava sobre a responsabilidade dos avós. Então tinha muita liberdade, foi aquele momento, aquela fase do início da juventude, foi uma fase muito marcante, muito gostosa da minha vida, apesar das dificuldades.
E você me falou, vocês moravam em que região de São Paulo?
Nós morávamos na Zona Leste de São Paulo. Eu morei na Vila Bela e depois no Parque São Lucas. E do Parque São Lucas, então, é que a gente depois se mudou para Campinas. Sempre morando na Zona Leste, sempre naquela região.
E você foi office boy por ali?
Não, o Office Boy eu trabalhava aqui no centro da cidade. Era aquela coisa de uma hora e meia de ônibus para sair de casa, chegar no trabalho e vice-versa, sair do trabalho e chegar em casa. Então, sempre morando na periferia de São Paulo. Ali já era, ainda é, quase divisa já com aquela região de Santo André, São Caetano, sempre ali naquela divisa.
E durante o seu período de estudos, você já se interessou por esse tema do petróleo?
É interessante porque eu gostava muito de ler, gosto muito de ler ainda. E eu li nessa época toda, infância, juventude, toda a coleção de Monteiro Lobato. Então aquela coisa da história do petróleo, a coisa de Monteiro Lobato sempre esteve assim, acho que no subconsciente. E foi muito marcante para mim também quando eu completei 14 anos de idade, eu ganhei de um tio meu, irmão da minha mãe, que era militar na época, aqueles coisas do nacionalismo, ele me deu um livro que eu não me esqueço até hoje. O livro chamava-se O Brasil e Suas Riquezas. Era uma brochura, não eram aqueles livros de capa dura. Na capa dele, inclusive, a capa dele era uma vitória regia, aquela flor grandona do Amazonas. E esse livro falava muito das riquezas naturais do país, com um capítulo especial do petróleo. E é interessante que eu ganhei esse livro com 14 anos de idade e com sete anos depois, com 21, eu estava entrando na Petrobras e eu, quando inclusive estava fazendo os exames, as provas para ser admitido na Petrobras, eu me lembrei desse episódio. Falei que é interessante, eu li tanto sobre petróleo e agora vou trabalhar junto com petróleo, vou manusear petróleo, e isso inclusive até ajudou a aguçar a minha curiosidade com relação ao tema petróleo.
Ivain, a que idade você começa a despertar para as questões políticas?
Olha, eu entrei para a Petrobras em 1971, então era no meio ainda da ditadura militar. O único registro profissional que tenho na minha carteira profissional é o trabalho na Petrobras. Então, eu saí do serviço militar obrigatório direto para a Petrobras. Eu estava no quartel ainda quando estava fazendo as provas para ser admitido. Então, eu devo confessar que eu era aquilo que hoje eu posso dizer que era um analfabeto político. Eu não me interessava muito E aí os companheiros dentro da refinaria, em 1971, aquela coisa... Eu nunca tive nenhuma militância em qualquer outra organização da época, de qualquer outro movimento popular. A militância realmente política se dá depois que eu entro na Petrobrás, depois que eu passo por esse período todo de adaptação e convívio com os companheiros mais antigos, principalmente os companheiros mais antigos que depois vêm a fundar o Sindicato de Campinas, todos eles, a grande maioria deles eram oriundos aqui de Santos, foram eles que fundaram a delegacia, na época nós éramos extensão de base do Sindicato de Santos. Então, a partir desse momento da minha primeira participação em assembleia, me lembro que participei da primeira assembleia do sindicato, uma campanha salarial. Acho que é a primeira vez que fiz, inclusive, uma intervenção em assembleia. E a coisa que me marcou muito foi a emoção, o medo de falar na assembleia, aquela coisa de ir no meio do povo. A militância realmente começa a partir daí, e marca realmente com mais força quando acontece a greve de 83. Aí eu começo a sentir realmente na pele essa coisa da repressão, e que acho que foi um motivador a mais para que eu viesse depois a militar no movimento sindical.
Então vai, deixa eu voltar um pouquinho. Você faz o concurso e entra na Petrobras em que função?
Bom, naquela época nós éramos, todos éramos, eu prestei concurso para operação, então eu era operador e estagiário. Depois que é admitido, a gente passa por um curso de treinamento específico, eu passei por um curso de treinamento específico dentro da Petrobras, porque é uma profissão que não existe no mercado aí fora. E nós fomos treinados, preparados pela própria Petrobras para exercer a função. Então eu era operador e estagiário e um ano depois eu passo a ser operador, que era o período de estagiário era de um ano, né? Eu passo a ser operador de transferência e estocagem 1. Isso um ano após, em 72.
Tá, e isso em que unidade?
Isso eu sempre trabalhei na refinéria de Paulínia, em Paulínia, na região de Campinas.
E como é que era a sua rotina de trabalho?
Eu trabalhei em turno. Então, no começo era interessante, um regime de trabalho que eu nunca tinha praticado. E que, com o passar do tempo, a gente vem a perceber que é muito estressante, muito cansativo, diferente. Era difícil, no começo foi, acho que a curiosidade, o novo, se defrontar com o novo era um grande motivador que, com o passar do tempo, vem a se mostrar que era uma atividade realmente que, com todas as suas características, era uma atividade, antes de tudo, bastante estressante, bastante marcante pela sua característica, tanto pela característica da jornada de trabalho quanto pela característica da execução do trabalho em si. Uma coisa que era muito estressante do ponto de vista que exigia muita atenção, muito preparo, muito... Você estava sempre convivendo com situações de risco. Enfim, era uma coisa que marcou muito. Foi muito marcante.
E você se sindicaliza quando?
Tão logo o sindicato, tão logo inicia-se o movimento, ou seja, essa coisa do... de fundar o sindicato lá em Campinas, que começa com esse processo da extensão de base do sindicato de Santos para a região de Paulina, de Campinas. Isso é 70... Eu não vou precisar, não, mas é por volta de 72, 73, é por aí. Eu não tenho precisão na data, não.
E você começa a participar mais intensamente do sindicato já nesse período?
Não, não. Na realidade, a minha participação mais efetiva no sindicato começa a se dar nesse período de 1983, mas é uma participação muito pequena do ponto de vista de acompanhar, de ir a algumas assembleias, principalmente as assembleias de campanha salarial. Então é bem depois que isso acontece, por volta dos anos 82, 83. A participação mais efetiva mesmo se dá pós-greve de 83, que a gente faz parte da primeira, assim, do grupo de resistência após a greve.
Você podia contar por que ocorre a greve de 83?
Nós estávamos... O governo Figueiredo ainda, o governo da ditadura militar, por determinação do FMI, dos acordos que deveriam ser celebrados à época, baixa-se um decreto, o governo Figueiredo baixa um decreto, acho que era o 2036, eu não me lembro o número exato, mas esse decreto continha, o conteúdo dele era a retirada de uma série de direitos e conquistas que a categoria, que nós, não só nós petroleiros, mas diversos trabalhadores do setor estatal, basicamente, perdiam uma série de direitos e conquistas que eram fruto, inclusive, de campanhas. anteriores, inclusive, ao movimento, à ditadura militar, fruto do movimento sindical, antes de 1964, inclusive, que ia provocar, sim, inclusive, uma diferenciação, não sei, da categoria, nós iríamos ter trabalhadores exercendo a mesma função, mas com condição remuneratória ou condição de direitos e conquistas diferenciadas. Então há uma grande pressão, principalmente dos trabalhadores desses setores que são atingidos. Vale lembrar que a gente, inclusive, estava no auge da ditadura. Os movimentos, as mobilizações que os companheiros do ABC, os metalúrgicos do ABC começam a desencadear com as greves e tudo mais, são uma demonstração de que realmente só com mobilização nós iremos conquistar ou pelo menos manter os nossos direitos. Esse primeiro processo de mobilização faz com que o governo militar dê uma recuada e dê uma modificada nesse decreto Acho que era o 2036, aí passa, ele edita o 2045, que tenta dar umas modificadas, mas o espírito da coisa é mantido, aquela coisa do corte dos direitos e conquistas da categoria é mantido. Na época, os dirigentes sindicais, era assim que eles gostavam de se referir, Não é uma base que discutia, mas os dirigentes sindicais da época dos sindicatos petroleros se reúnem e deliberam que, em se mantendo isso, a categoria, depois de muito tempo, ia partir para uma greve nacional para lutar pela manutenção dos seus direitos. É basicamente isso que é o foco do movimento de 83.
E você, no meio dessa, foi sua primeira greve?
Isso, foi minha primeira greve. É interessante porque, nessa época, inclusive, eu e mais três companheiros que trabalhávamos no mesmo setor, nós estávamos aquela coisa, você está iniciando a sua vida, a minha vida. Eu tinha me casado, estava constituindo família e tudo mais, Eu e mais esses três companheiros estávamos começando uma vida empresarial. O que é essa vida empresarial? Achamos um posto de gasolina quebrado, falido, que não tinha mais condição de sobrevivência, e fomos lá, assumimos esse posto de gasolina em troca das dívidas com o objetivo de a gente ter uma alternativa a mais de sobrevivência. O nosso tempo era praticamente dedicado a trabalhar na refinaria, em turno, e saía do trabalho da refinaria, corria pro posto de gasolina pra tentar sobreviver, pra tentar tocar essa coisa. E tava caminhando. Um dos sócios era o meu companheiro Santa Rosa. O posto era Alto Posto Roializa. Por que Roializa? Era Ro de Rodrigues, que era um dos sócios. Ia era outro sócio, era o japonês Yamamoto. Li era o meu, Lima, e Sá era o de Santa Rosa. Então era Roializo. Quando acontece a greve, nós estávamos nessa loucura, nessa maluquice. sai da refinaria, corre para o posto, estoura a greve, a gente sai do posto, vai para a assembleia, fica na greve, não fica na greve, é aquela coisa toda. Então, nesse afã todo, nessa maluquice toda, acontece a greve, acontece toda essa discussão do processo de preparação da greve e tudo mais, do qual inclusive eu participei muito pouco justamente por causa dessa tribulação toda. E, com o encerramento da greve e tudo mais, os quatro companheiros que estavam no posto, a gente se envolve bastante na coisa da resistência da pós-greve. E o resultado dessa nossa resistência, de nós permanecermos depois da frente do movimento, concluiu que o Santa Rosa e eu, primeiro o Santa Rosa e depois eu, saímos dessa sociedade, nos dedicamos mais à militância. Hoje, o companheiro que dos quatro, apenas um ficou, pela sua ascendência de japonesa, acabou para a esquina até para o Japão, tal, essa coisa de vai para lá e vem para cá, e só permaneceu um, só o Rodrigues é que permaneceu.
Ah, tem o posto até hoje?
Ainda tem. Esse posto hoje já virou, eu acho que virou empresa já, ele já tem mais de um posto, tem dois ou três postos, Tem lojas em shopping lá de Campinas. Então, acho que se a gente tivesse feito outra opção, poderia até estar numa situação financeira melhor. Não que a gente esteja mal.
E qual foi o saldo dessa greve?
Olha, o saldo dessa greve... Do ponto de vista pessoal, hoje eu avalio como, para mim, foi muito positivo. Mas isso é o que está no registro da história. 150 e poucas demissões na Replan, mas 150 na Bahia, foram quase 300 companheiros ao todo demitidos, porque foram as duas únicas unidades da Petrobras que realmente fizeram a greve, apesar de haver o compromisso dos outros dirigentes sindicais de participarem da greve, o resultado foi que apenas a Replan e a Relan entraram, paralisaram. Com uma semana de greve, as nossas diretorias de sindicato, do sindicato da Bahia e do sindicato de Campinas de Paulínia, foram cassadas. Tivemos quase 300 demissões. Tivemos que voltar ao trabalho, mas eu acho que o saldo positivo é que a gente conseguiu lutar, conseguiu despertar. E o meu, para mim, foi aquela coisa do ganho de consciência, sabe? Eu acho que se não fosse esse movimento, com certeza eu não teria adquirido a consciência que hoje eu tenho, eu não teria feito uma opção de vida que me levou a estar fazendo o que eu estou fazendo hoje. Acho que é basicamente isso. Então eu avalio como, pessoalmente, apesar de ter sido doído, Acho que foi doído. Se a gente voltar no passado, eu lembro o quanto foi sofrido, o quanto foi difícil a gente passar pelo que passou, as assembleias, o retorno ao trabalho, o convívio dentro da refinaria depois da greve, foi muito marcante, foi muito doído. Mas hoje tem aquele ditado popular que minha mãe gosta de falar, a gente aprende muito com a dor. Acho que foi um momento doído, mas com o qual eu, particularmente, aprendi muito. Comecei a ver o mundo com outros olhos, comecei a ver, principalmente, a política com outros olhos, e acho que isso é um saldo extremamente positivo para mim hoje. Tenho isso como um valor que agreguei, que é muito forte para mim hoje.
Wagner, você começa a integrar uma chapa de diretoria de sindicato quando?
Bom, com o fim da greve e a diretoria cassada e os companheiros todos demitidos, isso sob o regime militar, vocês imaginam o que deve ter sido difícil. Então a gente consegue organizar dentro da refinaria um grupo de resistência a essa situação toda. Eu me lembro, por exemplo, que a gente rodava os boletins em gráficas que não eram mais as gráficas do sindicato, eram gráficas de outros sindicatos, de pessoas, de entidades que nos ajudavam. A gente escondia os boletins dentro das mochilas, dentro das bolsas, levava para dentro da refinaria, E clandestinamente, em 83, a gente tinha que fazer esse trabalho clandestino de distribuição de boletim dentro da refinaria. E nós éramos vigiados, literalmente vigiados, para tentar criar dificuldade para que a gente fizesse esse tipo de trabalho. Ao mesmo tempo, nós fazíamos arrecadação de recursos, de fundos, para a BCP, Associação Beneficente Cultural dos Petroleiros, que foi a entidade que nós criamos para se contrapor ao sindicato, que na época estava sob intervenção da ditadura. Tinha uns pelegos, uns interventores na direção do sindicato. Então, a nossa organização se dava toda em cima da BCP, Associação Beneficiente Cultural dos Petroleiros, com recursos que nós arrecadávamos das pessoas, dos companheiros dentro da refinaria. Então, deu tanto quanto uma área de clandestinidade, um trabalho com que a gente foi se organizando, foi descobrindo novas lideranças. Então, é a partir daí que eu começo a desenvolver essa militância. A gente faz parte desse grupo que resistia, organizava e trabalhava lá dentro da refinaria, tanto para para manter a chama acesa, como também para arrecadar recursos para manutenção dos companheiros que tinham sido demitidos. É a partir daí que inicia esse movimento da militância. Isso vai passando o tempo. Vai ampliando o nível de organização. Ao mesmo tempo, acho que a ditadura vai se arrefecendo também. Hoje é o dia que se comemora, não sei quantos anos, a lei da anistia. Hoje, 28 de agosto, o dia do depoimento, são 24 anos da lei da anistia do Figueiredo. Acho que são 24 anos. Então, acho que é isso. Sei porque eu vi na imprensa também. Mas, enfim, isso dá um arrefecimento. E esse processo todo de organização nossa leva a que, primeiro, a gente consegue organizar e exigir exigir que na época o sindicato pagasse as nossas despesas porque a gente vai participar do congresso Congresso dos Petroleiros na Bahia. A gente consegue eleger delegados, tirar uma representação de delegados, inclusive de companheiros que foram demitidos e caçados. Eles fazem parte da nossa delegação que vão para a Bahia participar do congresso em 1984. a gente volta do Congresso, se organiza e, ao mesmo tempo que isso acontece pelo Colégio Eleitoral, a eleição do Tancredo, aquela coisa toda, enfim, eu sei que a gente, esse primeiro grupo de resistentes passa a ser A diretoria, a primeira diretoria do sindicato pós-intervenção. E aí esse grupo é que depois começa a dar a direção no movimento sindical de Campinas, dos petróleos de Campinas, a partir da suspensão da intervenção. Isso é 84, 85, por aí. Eu não consigo, acho que é a partir de 84.
E, Wagner, você podia falar um período que você está na presidência do sindicato?
Na primeira diretoria pós-intervenção, eu sou vice-presidente. Vale dizer, inclusive, que sempre foi chapa única, a gente sempre conseguiu manter a unidade. Sempre foi chapa única. Na segunda diretoria, no segundo mandato pós-intervenção, eu passo a ser o presidente do sindicato. É um momento em que, pós-fundação da CUT, pós-realização do Congresso que delibera pela criação dos departamentos, começa a organização por ramos de categoria na Central Única dos Trabalhadores, e eu tenho como tarefa, Nós tínhamos, na época, cinco diretores do sindicato liberados. Então, por deliberação de diretoria, a gente designou um companheiro para fazer parte da direção da CUT estadual, outro companheiro para fazer parte da direção da CUT regional, e outro que sou eu para a direção da CUT nacional. Então, eu vou para a CUT nacional com a incumbência de tentar organizar a categoria a nível nacional. Então, fruto desse trabalho, a gente cria, inicialmente, o Departamento Nacional dos Petroleiros da CUT, que vem depois a desaguar no que hoje é a Federação Única dos Petroleiros. O companheiro Santa Rosa vai para a CUT regional Campinas, passa a ser, a nível do estado de São Paulo, uma das cultes do interior mais atuantes. O primeiro fruto desse trabalho é a gente conquista também o Sindicato dos Metalúrgicos de Campinas, que na época era o segundo maior sindicato de metalúrgicos do estado e o terceiro ou quarto do país. E aí a gente começa a desenvolver um trabalho muito grande aí na região, O companheiro Moreira fazia parte da direção, da executiva da CUT estadual. Depois disso é trocado, o Santa Rosa vai para ser membro da executiva da CUT estadual. Enfim, é isso. O meu trabalho, então, foi o de tentar, foi de trabalhar para organizar a categoria a nível nacional. Era o momento em que estava começa a disputa das concepções no movimento sindical, e a gente se dedica bastante a isso, fortalecer a nossa concepção, a concepção cultista no movimento sindical Petrobras.
Então, você tem todo esse trabalho aí no sindicato e na cult, organizando aí a categoria e, na sequência, o que acontece?
Bom, a gente, nessa época de 83, o único... O que sobrou foi praticamente só nós, a resistência aqui em Campinas. Os companheiros da Bahia que estiveram juntos conosco na greve, por problemas políticos lá, não conseguiram se manter à frente da direção. o setor mais reacionário lá voltou a conquistar o sindicato lá e isso fez com que eles ficassem passando por uma série de dificuldades, inclusive financeiras, não tinha como se manter à frente de um processo de construção da concepção e tudo mais, como eu tinha te dito. Mas nesse congresso do qual nós participamos na Bahia, nós fizemos contato com os companheiros do Paraná, que na época eram oposição à atual direção do sindicato lá do Paraná, e que iam disputar a eleição e tinham uma avaliação de que eles conseguiriam ganhar a eleição como de fato ocorreu. Então, para a nossa grande alegria naquele momento, nós, logo após o Congresso, da Bahia, nós fomos informados, ficamos sabendo que os companheiros do Paraná, que se alinhavam politicamente com a gente, que tinham a mesma concepção, haviam conquistado o sindicato e isso nos deu um alento, então já não estamos sós. E aí passamos, inclusive, a elaborar, a discutir, a conversar, a sentar muitas reuniões juntos, nós, os companheiros do Paraná, e daí nós começamos a evoluir nesse processo. Tanto que a primeira direção do departamento dos petróleos da CUT é basicamente composta por nós, de Campinas, mais os companheiros do Paraná e algumas, na época, oposições sindicais. Nós tínhamos mais sindicatos que, na época, se diziam, inclusive, eram filiados à CUT, mas era aquela coisa, assim, só de carimbo, que não tinham a prática, que, inclusive, também, no movimento de 83, também nos deixaram com a brocha na mão lá naquela época. Então, a gente se dedica bastante, nós, Campinas, Paraná, nós nos dedicamos bastante à construção da concepção cultista na categoria petroleira e a gente consegue esse trabalho, a gente começa a estabelecer uma série de contatos com os companheiros de oposição, das chamadas oposições do nosso campo nos diversos sindicatos a nível nacional, porque a categoria é a nível nacional. E o nosso trabalho passa a ser esse, a gente viaja bastante, anda bastante, se reúne bastante, vem aqui, sai de Campinas, vem para São Paulo para a culto nacional, para discutir, para elaborar, para conversar, ver assessoria, ver apoio financeiro e tudo mais, enfim, a gente começa a construir. Esse trabalho dá bastante fruto, tanto que hoje a gente, a concepção cutista é hegemônica no movimento sindical petroleiro, mas teve as dificuldades, mas, ao mesmo tempo, também foi prazeroso, É gostoso você ver que aquilo que você se dedicou, aquilo que você jogou energia, deu resultado, deu fruto. Essa é a verdade.
E, Wagner, você fica na Petrobras até quando?
Bom, eu permaneço empregado na Petrobras. Na realidade, eu permaneço empregado na ativa até 1992, com o advento do do governo Collor, volta de novo aquela ofensiva para cima das estatais, basicamente. Em 1992, ele solta o primeiro pacote de incentivo às aposentadorias. E, como na minha função eu tinha direito à aposentadoria especial, Eu fiz as contas e deu o tempo certinho. Então eu e mais uma série de outros companheiros nos aposentamos da Petrobras. O aposentar da Petrobras naquela época não quis dizer que a gente deixou a militância, mas nos aposentamos da Petrobras. No caso, eu me aposentei, mas continuei na atuação no movimento sindical até 97, 98, mesmo tendo me aposentado.
E hoje em dia você continua agora trabalhando na Petrobras?
É, com o advento do, não sei se a gente, mas com a vitória do companheiro Lula, com a nossa vitória, com a vitória da nossa concepção, não só no movimento sindical, agora também a nível de país, eu recebi um convite, qual eu aceitei prontamente para trabalhar aí na área de comunicação institucional da Petrobras. Então estou aí de novo, tentando ajudar mais um pouco na militância.
E o que é o seu trabalho.
Na comunicação institucional hoje? A Petrobras investe muito no apoio, no patrocínio de diversos projetos culturais, projetos ambientais, apoio a diversas ONGs que dedicam a trabalhos com... Assistir os mais carentes, projetos sociais. E eu recebi o convite para vir trabalhar nessa área, para fazer, de certa forma, fazer um acompanhamento em todos esses projetos para ver se aquilo que está sendo investido está devidamente investido. Uma espécie de uma auditoria em todos esses projetos, para que a gente tenha a tranquilidade de saber que o dinheiro está sendo bem empregado. São recursos relativamente grandes. Então é isso que a gente quer ter, essa tranquilidade, que a área de comunicação institucional que cuida disso quer ter essa tranquilidade. E eu estou com essa tarefa de começar a tentar desenvolver isso, fazer uma espécie de... não que não seja feita. Todo projeto que a Petrobras apoia ou desenvolve é contratual, seja com uma como uma ONG ou como uma instituição oficial, o patrocínio e o apoio é feito em cima de contratos, onde há direitos e deveres de todas as partes. Esses contratos são fiscalizados. A ideia é que a gente faça um pente fino, para que realmente... E porque a tendência, inclusive, que muitos voltem a pedir esse apoio, esse renovado apoio, é a gente ter um pouco mais de qualidade na destinação desses recursos.
Está ótimo. Wagner, agora nós vamos então... Dá-se uma pausa ali. O Wagner, eu queria que você contasse então da sua participação naquele sequestro dos engenheiros da Vedrobras na Colômbia.
Não participei do sequestro, participei do resgate dos companheiros. Mas acho que é uma passagem realmente muito interessante. Foi em 1989, do ano, porque foi na época da primeira... No primeiro ano que o Lula disputou a eleição presidencial, a gente se encontrava e ele sempre falava, pô, mas o que os caras fizeram com você lá na Colômbia? Mas, enfim. A Petrobras, naquela época, estava prospectando petróleo na Colômbia. E um grupo de trabalhadores, de engenheiros da Petrobras, que estavam exercendo uma atividade numa determinada região, no meio da selva, acho que eram quatro engenheiros da Petrobras e mais um colombiano de uma empresa contratada, foram sequestrados pela guerrilha colombiana. Vale dizer que não são as FARC, que hoje são conhecidas em função do seu envolvimento com o narcotráfico, mas era um grupo lá que sequestrou os trabalhadores da Petrobras. Ao mesmo tempo que esse sequestro ocorreu, estava ocorrendo também na Revap, a refinaria de São José dos Campos, uma greve que os companheiros de lá deflagraram em função da luta pelo turno de seis horas. Os companheiros levantaram uma tese, a meu ver, correta, pós-constituição de 88, onde na Constituição ficou estabelecido que a jornada de trabalho, para quem trabalhava em turno, tinha que ser de seis horas, eles levantaram uma tese, conseguiram mobilizar a categoria, só que, infelizmente, os companheiros ficaram sozinhos, porque as outras... as outras unidades que trabalhavam em turno, por mais que a gente tenha se esforçado, não entraram, não aderiram à greve. Então, os companheiros estavam isolados, tinham consciência de que estavam fazendo essa greve isolada, diziam que iam fazer essa greve de qualquer forma, de forma isolada, porque eles estavam convencidos da justeza da sua reivindicação, como eu também, pessoalmente, estava e estou. Mas, enfim, por que eu estou situando essa coisa da greve? Porque nesse momento acontece o que aconteceu, o sequestro. Nós, que éramos da direção do Departamento Nacional dos Petrolídeos da CUT, o Sindipetro de São José dos Campos já era do campo cutista, já estava afiliado ao departamento e a gente estava tentando entabular negociações com a direção da Petrobras da época para tentar achar uma solução negociada para aquela greve. Era um processo muito difícil, fruto inclusive da greve que nós tínhamos deflagrado, a primeira grande greve a nível nacional da categoria, que aconteceu em 1988, após a Constituição. Foi a primeira grande greve que nós tivemos a nível nacional da categoria. Então, na realidade, como os companheiros estavam sozinhos naquela mobilização, a direção da empresa na época estava realmente muito interessada em provocar um processo grande de retaliação junto aos trabalhadores de São José dos Campos. Nós ficamos sabendo, através de contatos com a CUT colombiana, como nós fazemos parte da Direção Nacional da CUT também, que esse grupo guerrilheiro fez contato com a CUT colombiana, sabendo dessas relações que a CUT Brasil tinha com a CUT colombiana. Eles fizeram chegar até a nós a disposição deles em entregar, em libertar, os trabalhadores brasileiros que tinham sido sequestrados, em entregá-los, em devolvê-los a dirigentes sindicais petroleiros do Brasil. Esse fato, inclusive, depois foi noticiado pela imprensa na época. E nós fizemos chegar isso, inclusive, à direção da Petrobras. Nós temos condições, inclusive, de receber, de ir lá, tentar libertar o pessoal que foi sequestrado, mas nós queremos colocar isso também na mesa de negociação frente a essa questão da greve, esse processo de retaliação que vocês estão querendo desenvolver com o pessoal de São José dos Campos. Eles não levaram isso muito em consideração, até pela intransigência, ainda que ainda fazia parte daquele resquício dessa direção. Muitos deles, inclusive, da época da ditadura militar, que ainda estavam na Petrobras, e fruto desse processo todo de retaliação que eles queriam, que eles desenvolviam com o movimento sindical, principalmente com o movimento sindical do nosso campo, o campo cultista, que a gente estava crescendo. Era um movimento que, se contrapunha com a CUT e não aceitava mais aquele processo de discussão, de diálogo, de negociação que era fruto da ditadura, fruto dessa relação deturpada que tinha naquela época do capital e trabalho. Bom, essa notícia chegou, nós fizemos uma série de contatos. Eu me lembro que, inclusive, eu recebi, fiz telefonemas para a Colômbia, da minha casa, na minha casa, falando portunhol para tentar falar com o companheiro da culta colombiana lá, e ele disse, mas vocês têm que vir, vocês têm que vir, insistindo. E esse processo culminou que a gente veio, a coisa se tornou muito intensa, muito forte. A Petrobras dizia que estava desenvolvendo negociações com o seu escritório na Colômbia de Bogotá, com a guerrilha. Enfim, ficou um negócio muito esquisito, muito estranho, porque a gente tinha uma série de informações, a Petrobras tinha uma série de outras informações. É lógico que a gente preferia confiar nas nossas informações. E um dia nós viemos aqui para a CUT Nacional, me lembro que a sede da CUT Nacional era ali na Vila Mariana, na Ovidor Pelejo, e aí eu fiz o contato. O Oswaldo Bargas, na época, era o secretário de Relações Internacionais da CUT. E a gente fez esse contato, ficamos o dia todo trocando telefonemas com a Colômbia, os companheiros lá reiterando a disposição, que eles já haviam manifestado, de libertar os trabalhadores, desde que eles fossem entregues a nós. Passou esse tempo todo nós recebendo os telefonemas da Colômbia, ligando para a Petrobrás, manifestando isso, a Petrobrás relutando muito, relutando muito, relutando muito, dizendo que estava checando informação com a Embaixada do Brasil lá, com o escritório lá. Enfim, esse processo todo durou o dia todo, até que no final da tarde a Petrobrás cedeu e falou realmente com vocês mesmo, vocês têm que ir realmente para Colômbia, e nós vamos arcar com... Nós, Petrobras, vamos arcar com toda a despesa. Eu me lembro que, inclusive, eu, correndo, tive que ligar para casa, pedir para minha mulher preparar uma mala. O companheiro do sindicato lá de Campinas pegou a mala, trouxe aqui para São Paulo. O Bargas também saiu correndo para... para preparar a mala dele. Eu me lembro que ele estava com uma dor de dente muito grande, ele ainda teve que achar um tempo para ir ao dentista para ver se medicava, enfim. Fomos no atropelo, saímos daqui, fomos para o aeroporto, todo assim meio preocupado, porque a gente não tinha... Só tinha essas informações por telefone. Aí chegamos no aeroporto do Rio de Janeiro e tivemos a surpresa de ver que a Petrobras Estava mandando compor a delegação, a nossa delegação, mais um pelego, um sindicalista pelego e um assessor direto da presidência, um assessor da presidência lá que... Não que eles têm que ir, porque têm que ir, nós tentamos argumentar, enfim, nós... Enfim, acabamos indo as quatro pessoas, o Bargas, eu, o dirigente do sindicato perto do Rio de Janeiro e o assessor da presidência. Fizemos escala em Lima, no Peru, onde pernoitamos. E no outro dia, pela manhã, saímos de Lima para Bogotá. Logo que nós chegamos, inclusive, em Bogotá, eu fiquei impressionado no aeroporto, de ver aquele aparato militar, acho que era a época que estava essa coisa do narcotráfico, principalmente de aviões americanos, o aeroporto cheio de helicóptero, avião, aqueles aviões enormes, tudo com o emblema americano. E quando a gente desembarca no aeroporto, nos corredores, aquele monte de policiais armados, com cachorro, aquelas coisas, Um clima realmente muito pesado. A gente já sentiu esse clima, diferente do que a gente estava vendo aqui, lá em Bogotá. Nós fomos recebidos lá pelo companheiro da CULT colombiana e por um senador da República que tinha alguma ligação com o movimento sindical. Eu me lembro que fui saudar o companheiro senador e percebi que ele estava com o colete, a prova de bala e um revólver. Esses de Maxila. Falei, poxa, vir o negócio aqui não é brincadeira. E na cidade toda aquele policiamento ostensivo, tudo rua. O que a gente costuma ver hoje aqui com essa questão da violência lá já era muito intenso, essa coisa de guaritas em todas as entradas de rua, era muito grande. Fomos para o hotel que a Petrobras tinha nos reservado lá, Fomos para o escritório da Petrobras e falamos, olha, nós estamos aqui para fazer o que nos foi pedido, só que a gente quer algum tipo de garantia, porque nós estamos aqui com a cara e a coragem, Bargas e eu. E aí nós começamos a percorrer a anistia internacional, Cruz Vermelho Internacional, e a resposta era, não, não, vocês não estão aqui em missão oficial, então nós não podemos dar nenhum tipo de ajuda. E essa mesma resposta nós também tivemos da Embaixada Brasileira. Brasileiros lá, que estavam lá para tentar receber esses brasileiros que tinham sido vítimas de sequestro, e a Embaixada falou, olha, nós não podemos fazer nada porque Vocês não estão em missão oficial. A gente não pode dar nenhum tipo de estrutura". O Bargas olhava um para a cara do outro e dizia, já que estamos aqui, vamos tocar. Só que tinha sempre esse componente de que a gente tinha que ficar carregando o assessor da presidência da Petrobras e o outro sindicalista que a Petrobras tinha mandado ir com a gente. Então a gente conseguiu, em articulação com o companheiro da culto colombiana, que ele exigisse, que ele dissesse que a coisa tinha que ser só conosco, do campo cultista. Os caras não gostaram muito, tanto o assessor da presidência quanto o outro sindicalista, não gostou muito, mas como nós já estávamos lá, as coisas já estavam todas prontas para acontecer, eles não poderiam... não poderiam recusar atender esse tipo de solicitação. Bom, eu sei que o companheiro da CUT colombiana, não sei se contra vontade ou com vontade, ele passou a ser o nosso interlocutor junto com os guerrilheiros, ele passou a ser o que trazia as mensagens para a gente. Ele falou, tenho mais uma mensagem para vocês. Vocês têm que sair daqui de Bogotá, fretar um avião e se dirigir para Barranquilla. Barranquilla é uma cidade, acho que é o noroeste da Colômbia. Vocês têm que ir para lá e aguardem instruções. Lá vocês serão procurados. Então, inclusive, a última vez que nós tivemos contato com esse pessoal, tanto com esse companheiro da CUT quanto com o senador e com o pessoal da Petrobras. E, mais uma vez, a gente olha... Vale lembrar também, pela característica do processo todo, a gente tinha que manter o sigilo. O sigilo foi mantido desde quando nós saímos do Brasil até o dia que nós chegamos aqui com os engenheiros. Bom, mas, enfim, aí saímos de Bogotá, Fomos para essa outra cidade, Barranquilla. Nos hospedamos no hotel que mandaram que a gente ficasse hospedado. E estamos lá aguardando, aguardando, aguardando. Aí bateu a fome e saímos para... Vamos almoçar aqui no restaurante do hotel mesmo, vamos jantar aqui no restaurante do hotel mesmo para... Qualquer contato a gente ia estar aqui do lado. Aí estamos no meio do jantar, toco o telefone, a gente recebe as instruções por telefone, o Bargas que atende. Nós recebemos a instrução para que imediatamente sairmos do hotel e irmos para um bar e buscarmos um recado que estaria afixado na porta do banheiro do bar. Aí nós largamos o jantar ali, saímos correndo, fomos para esse bar, que era relativamente perto do hotel. Chegamos lá, o banheiro do bar era tipo uma sobreloja, então a gente tinha que subir uma escada. Chega lá e é aquele típico banheiro, porta de banheiro de bar, escrito de tudo em espanhol. Mas não tem nada que a gente consiga. O Bargas vai lá, não volta, não entende nada. Eu vou lá, volta, não entende nada. E ficamos nós sentados lá no bar. Cada pessoa que subia para o bar, passava o tempo para a gente ir atrás para ver se tinha algum recado. Enfim, ficamos lá até altas horas e nada. Voltamos para o hotel. Assim que a gente entra no hotel, estamos passando na portaria, na recepção, toca o telefone, a gente recebe um novo comunicado. Olha, então amanhã cedo vocês peguem um táxi, frete, um carro aqui e se dirigem para outra cidade, que se chamava Barranca Vermelha, alguma coisa assim, e vão lá para a casa do bispo que ele vai ter um... um novo recado para vocês. De manhã, saímos de manhãzinha, fretamos um táxi, andamos, acho que uma hora e meia, duas de táxi, chegamos nessa outra cidade, que é menorzinha ainda, mas é a cidade onde tem a única refinaria, na época, não sei se tem outra, de petróleo da Colômbia e, por coincidência, é onde também ficava a sede dos sindicatos petroleiros de lá da Colômbia. A gente vai para a casa episcopal, a casa do bispo, ficamos lá esperando. Espera, espera, o bispo não sei onde estava. As freiras que trabalhavam nos oferecem chá, nos recebem bem e tal. Aí o bispo passa um bom tempo, chega, nos recebe, conversamos com ele e fala, não estou sabendo de nada, não tenho nenhuma mensagem, não sei o que tal. Aí ele nos deixa, passa mais um tempo, a gente é abordado por um jovem, bem jovem, acho que não tinha nem 20 anos de idade. Ele nos aborda, então eu me lembro que ele vai tirar alguma coisa do bolso, quando ele mexe no bolso, caem uma série de balas de revólver no chão. que a coisa pega. Falei, e agora? Aí ele dá umas instruções, vocês têm que ir para tal lugar, o sindicato... Enfim, ele manda que a gente vá para o sindicato dos petroleiros lá da cidade e some. Aí eu comento com o Baco, esse cara é guerrilheiro, só podia ser. Mas, enfim, a gente chega no... Quando a gente chega lá no sindicato, já tem um engenheiro, não me lembro qual deles, já tinha chegado lá. E à medida que a gente chega, logo em seguida chega mais um, chega mais outro, chega mais outro, chegam todos lá. E junto com eles, eu não sei como, começa a chegar um bando de militares que cercam o sindicato. E chega um coronel com toda a arrogância e prepotência que é peculiar a eles. que se diz o comandante militar das operações lá e manda fechar o sindicato, ninguém entra, ninguém sai, não sei o quê, nós conseguimos, em contato com os sindicalistas, estavam todos lá dentro, eles assustados também com tudo aquilo, parece que eles não estavam sabendo de nada também. A gente pede para vocês chamem a imprensa, chame a Cruz Vermelha, chame a Anistia, chame o bispo, chame o prefeito, chame tudo que vocês puderem chamar para cá, que a gente quer agora A gente quer nos garantir, não sabe o que vai acontecer agora, não sabe se a guerrilha vai atacar o sindicato, não sabe se os contras, como tem muito, os paramilitares, como eles chamavam, vão vir aqui também criar algum fato. A gente não sabe o que vai acontecer, aqui vamos nos garantir. E imediatamente a gente inclusive faz também contato com o Bogotá, informando, os caras estão todos aqui, para eles também acionarem tudo na capital, dizendo, agora tem que abrir, que o fato dessa coisa ser amplamente divulgada, a gente entendia na época, acho que de forma correta, como sendo a nossa real garantia de inibir qualquer tentativa de ação contra nós, seja da direita, seja da esquerda, seja lá de quem for. Mas, enfim, aí os engenheiros chegam, a gente consegue isolá-los, colocá-los numa sala, o coronel e o coronel comandante militar, Exige, porque exige levá-los para a intendência, para a delegacia, porque quer interrogá-los. E aí a gente não concorda. O Bargas, em especial, não, não, porque agora eles são responsabilidade nossa, eles estão sob nossa responsabilidade, a garantia de vida deles somos nós e eles não vão sair daqui. O coronel... Lógico que nós éramos os estrangeiros lá, nós estávamos na terra dele, e ele surge contra isso. Aí surge uma discussão, a gente tenta fazer a amenizada aqui, o Bargas brigando com o coronel, conversando com o capitão do lado e não sei o quê, coisa assim. Aí começa, para nossa sorte, começa a chegar... chegar essas autoridades que a gente havia pedido, Cruz Vermelha, chega o prefeito, chega o bispo, chega o vereador, chega um monte de gente ali. Então isso dá uma amenizada e, nesse processo de discussão do Bargas com o coronel comandante, a gente acaba concordando em que ele entreviste os engenheiros, mas por um período máximo de cinco ou dez minutos. Mas como?
Eu não vou conseguir.
Só que isso, infelizmente, tinha um colombiano. Infelizmente, eu digo porque eu não sei o que se passou com ele. Tinha um colombiano também que tinha sido sequestrado, tinha sido libertado também. Então, com o colombiano, que era natural de lá, a gente não pôde preservá-lo de qualquer ação desse tipo. Eu sei que ele conversa com os engenheiros, A gente fica sob nossa supervisão, nós ficamos juntos. Os engenheiros não conseguem passar acho que nenhuma informação de grande vulto para eles e a gente olha. Agora nós queremos que o senhor nos garanta o retorno. Ou seja, nesse ínterim, nós tínhamos pedido que o avião que estava em Barranquilha, na outra cidade, tivesse se deslocado para o aeroportozinho lá da cidade. Nós queremos agora que isso nos garante, nos leve até o aeroporto para que a gente embarque no avião e volte para Bogotá. Então, termina esse processo todo, aquele alvoroço todo ali no sindicato. E o interessante porque que depois eu fiquei, quer dizer, durante esse confronto todo, esse entrevelo todo lá dentro do sindicato, eu sou entrevistado por uma jornalista colombiana e ela me pergunta especificamente sobre os contratos de risco que estavam sendo desenvolvidos na Colômbia. O contrato de risco era aquela coisa que nós, inclusive o movimento sindical, lutou em 88. Por isso que é necessário contextualizar no período, porque em 88, na época da constituinte, a ditadura militar tinha aberto, tinha colocado, como nós dizíamos, uma cunha no monopólio estatal do petróleo, que foi permitir os contratos de risco aqui no Brasil. E nós, durante o processo de elaboração da Constituinte, nós fomos, muitas e muitas vezes, conseguimos derrubar isso na Constituição. Conseguimos preservar o monopólio estatal do petróleo, acabar com os contratos de risco. Só que a Petrobras, lá na Colômbia, era uma empresa que estava trabalhando sob contrato de risco. Então, o que eles queriam? Eles queriam que nós, sindicalistas, petroleiros, brasileiros, lá na Colômbia falássemos sobre os contratos de risco que estavam acontecendo, que nós fizéssemos a crítica ao contrato de risco que estava acontecendo lá, que nós traçássemos esse paralelo. E por isso que eles queriam, inclusive, que fossem gente do campo mais à esquerda, vamos dizer assim, os sindicalistas cultistas fossem lá. Então, eu fui entrevistado, falei sobre isso, falei que realmente eu achava que a Petrobras estava quebrando o monopólio colombiano de petróleo lá, exercendo o contrato de risco. Esse foi o grande mote que eles disseram para a gente do sequestro, o porquê eles sequestraram ele para levantarem a discussão do monopólio estatal do petróleo que estava ocorrendo lá também. Mas, enfim, voltamos, saímos em caravana, escoltados por policial para todo lado, chegamos no aeroporto, embarcamos no avião, voltamos, chegamos em Bogotá, Embarcamos aí e já estava a imprensa toda, foi aquela coisa, aquela loucura. Nós correndo, fugindo da imprensa, conseguimos fugir da imprensa e fomos direto para o apartamento do diretor. da Petrobras, lá na Colômbia, que já estava preparado para nos receber. Aí o embaixador estava lá para receber, para abraçar, para dizer bem-vindos, que coisa legal que vocês fizeram. Aí o outro lado da história, porque – isso é interessante registrar – infelizmente, a marca disso ficou com Na época, o sindicalismo era um perigo, porque o outro sindicalista, que não era do campo da cultura, que é a Petrobras, exigiu que fosse nos acompanhar, tomou um porre, tomou um fogo lá e ele abraçava o embaixador e beijava. ou seja, que nós tivemos que pegar esse cara e trancá-lo no quarto do dono do apartamento para ele desmaiado, completamente bêbado, embriagado lá no apartamento do cara. Esse é o lado engraçado, mais engraçado da história. Mas, enfim, acho que é isso. Acho que foi um episódio extremamente interessante, foi marcante, demarcou bem essa coisa, a disputa do campo com os outros sindicatos. o empenho que a Petrobras teve em fazer com que um sindicalista do outro campo nos acompanhasse, não querer dar os louros todos para a CUT. E o que nós fizemos? Nós não demos uma entrevista sequer, a não ser a entrevista que eu dei para a jornalista colombiana. Aqui no Brasil, nós da CUT não demos uma entrevista para falar uma vírgula, mesmo depois do episódio. Quando nós chegamos, desembarcamos no Rio de Janeiro, Os engenheiros saíram por uma porta do aeroporto, o Bargas e eu, e na época o Pachalski, que era o assessor de imprensa da CUT, ele estava nos esperando, nós saímos fora, fugimos da imprensa. Nós não vamos falar nada, não queremos falar nada. A ideia não era essa, a ideia realmente era essa coisa de libertar. contra as nossas expectativas, nos escolheram para uma tarefa que a gente acabou executando. Então, acho que foi interessante, demarcou, acho que depois, esses fatos são relatados depois, o movimento sindical acaba sabendo, mas foi um período assim, foram três dias que me marcaram profundamente essa coisa de se sentir... Aí se durou três dias? Foram três dias, entre sair daqui, Dormimos em Lima, no Peru. Foi uma passagem que é interessante. Sabe que em Lima as casas não têm telhado, são tudo laje. Por que não tem? Porque em Lima, no Peru, não chove há mais de 90 anos. É verdade, é um fato que lá não chove em Lima. E aí, de Lima, a gente foi para Bogotá e passamos mais dois ou três, acho que foram três dias no total, entre essa jornada toda que nós fizemos. E aí, depois, os detalhes que a gente vem conversando com os engenheiros, eles contando como é que eles eram tratados lá pela guerrilha, que eles eram uma preciosidade para a guerrilha. Eles eram tratados como a coisa mais especial, ou seja, eles não... os guerrilheiros iam morrer todos antes que alguma coisa acontecesse a eles, porque é o segundo relato deles, não é? Por isso que eu acho que é importante esse relato deles. O que acontecia nos acampamentos, os deslocamentos que eles faziam de um ponto para outro, eles não ficavam, pelo que eles contam, não ficavam só em um ponto da célula, eles ficavam mudando constantemente para não fixar numa questão de segurança pessoal deles mesmo. Então, é extremamente interessante os relatos que eles faziam do relacionamento entre os guerrilheiros, entre as pessoas, como é que os guerrilheiros eram tratados pela população das regiões que eles passaram. Então, é um episódio muito interessante. Acho que foi muito marcante para mim, pelo menos.
A marca é uma vida.
A marca, realmente. É isso, depois... A CUTE tem, pelo menos, dois comendadores, que é o Bacchus, e nós recebemos, na época, a ministra Dorotéia Vernet, que era a ministra do Trabalho, ela nos outorgou, acho que é esse o termo, é uma comenda, não sei do que, do Ministério do Trabalho, que a gente não foi receber, depois eles mandaram para a gente. Acho que é isso.
Ótimo, vai. Queria agradecer pela sua entrevista e ficamos aí na espera de fazer um segundo tempo.
Vamos lá. Está à minha disposição. Com mais tempo, né?
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