P/1 – Rodrigo, pra começar, me diz o seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
R – Rodrigo Batista Rosa, nasci no Rio de Janeiro em 1979.
P/1 – Lembra do bairro, sabe qual bairro?
R – Que eu nasci?
P/1 – É!
R – Eu não lembro, eu sei que eu nasci no Rio de Janeiro, acho que foi na Praça XV, na maternidade.
P/1 – Mas seus pais moravam onde?
R – Eu acho que os meus pais moravam em Belford Roxo, é uma cidade vizinha do Rio de Janeiro.
P/1 – E você passou a sua infância onde?
R – Passei parte em Belford Roxo, parte no Rio de Janeiro. Até os dois, três anos, eu morei em Belford Roxo, depois vim para o Rio.
P/1 – Sua família se mudou para o Rio?
R – Isso, isso!
P/1 – E foram morar onde?
R – No Caju.
P/1 – E você lembra um pouco como que era o Caju na sua…
R – Era horrível! Era uma comunidade, favela, tinha muito bandido, muito ruim. A maioria das casas era de madeira. Eu tive uma infância muito pobre, muito sofrida.
P/1 – Você tinha irmãos?
R – Tinha. Perdi alguns. Na verdade, era um total de oito irmãos, três morreram, três irmãos e ficaram só cinco, eu e mais quatro.
P/1 – E quanto tempo você ficou no Caju?
R – Ah, eu fiquei lá até uns 13, 13 anos, mais ou menos.
P/1 – Você estudava?
R – Estudava, estudava.
P/1 – Como era o colégio?
R – Eu estudei em vários colégios, né, mas eu gostava muito de ir pra escola, gostava de estudar. Gostava muito de ler.
P/1 – Que mais você gostava na escola?
R – Dos amigos, né, meus amigos. Eu sofri muito, porque quando eu mudava de escola, eu tinha que fazer amizade de novo, né, e como eu morava em comunidade, muitos amigos eu perdi, né, muitos foram assassinados, outros morreram de doenças vitais, né, tuberculose, meningite. Eu acho que o pior de tudo é você não… a...
Continuar leituraP/1 – Rodrigo, pra começar, me diz o seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
R – Rodrigo Batista Rosa, nasci no Rio de Janeiro em 1979.
P/1 – Lembra do bairro, sabe qual bairro?
R – Que eu nasci?
P/1 – É!
R – Eu não lembro, eu sei que eu nasci no Rio de Janeiro, acho que foi na Praça XV, na maternidade.
P/1 – Mas seus pais moravam onde?
R – Eu acho que os meus pais moravam em Belford Roxo, é uma cidade vizinha do Rio de Janeiro.
P/1 – E você passou a sua infância onde?
R – Passei parte em Belford Roxo, parte no Rio de Janeiro. Até os dois, três anos, eu morei em Belford Roxo, depois vim para o Rio.
P/1 – Sua família se mudou para o Rio?
R – Isso, isso!
P/1 – E foram morar onde?
R – No Caju.
P/1 – E você lembra um pouco como que era o Caju na sua…
R – Era horrível! Era uma comunidade, favela, tinha muito bandido, muito ruim. A maioria das casas era de madeira. Eu tive uma infância muito pobre, muito sofrida.
P/1 – Você tinha irmãos?
R – Tinha. Perdi alguns. Na verdade, era um total de oito irmãos, três morreram, três irmãos e ficaram só cinco, eu e mais quatro.
P/1 – E quanto tempo você ficou no Caju?
R – Ah, eu fiquei lá até uns 13, 13 anos, mais ou menos.
P/1 – Você estudava?
R – Estudava, estudava.
P/1 – Como era o colégio?
R – Eu estudei em vários colégios, né, mas eu gostava muito de ir pra escola, gostava de estudar. Gostava muito de ler.
P/1 – Que mais você gostava na escola?
R – Dos amigos, né, meus amigos. Eu sofri muito, porque quando eu mudava de escola, eu tinha que fazer amizade de novo, né, e como eu morava em comunidade, muitos amigos eu perdi, né, muitos foram assassinados, outros morreram de doenças vitais, né, tuberculose, meningite. Eu acho que o pior de tudo é você não… a maioria deles eu não tenho mais contato, também sai da favela, há muito tempo, então… às vezes, quando eu volto lá, poucos da minha época ainda estão vivos também, isso é o mais triste, né, você não tem contato. Hoje, eu moro em prédio, então assim, as pessoas que moram no meu prédio, a maioria lembra dos amigos, conhece, têm contato, seja por e-mail, facebook, eu não. pouquíssimos ficaram vivos, né, perdi o contato.
P/1 – Você lembra, mas não tem contato.
R – Não tem contato, não tem contato. A maioria dos meus amigos da infância, eu não tenho nenhum contato.
P/1 – Mas enquanto grupos de meninos amigos de colégio, vocês faziam muita brincadeira, muita traquinagem?
R – Ah, muitas! Ia pra praia, matava aula, andava de bonde…
P/1 – Andava de bonde?
R – Pra Santa Tereza, ou não tinha aula, os professores faziam greve, a gente ia pra praia, entendeu, chegava em casa de noite.
P/1 – Você lembra alguma historia de uma bagunça boa? Que deixou todo mundo…
R – Na praia?
P/1 – Não, em qualquer lugar, que deixou o pessoal de cabelo em pé?
R – A favela que eu morava era do lado do cemitério. A gente pulava o muro do cemitério pra pegar manga, pegar goiaba, entendeu, que tinham vários pés de goiaba e de manga dentro do cemitério, só que também tinham pessoas que moravam dentro do cemitério e não gostavam disso. Então, uma vez a gente foi pegar manga e soltaram os cachorros pra gente, só que o muro era muito alto, tinha mais de três metros de altura, a gente quando subia pra pegar manga, a gente tinha que botar uma madeira. Na correria pra gente pular o muro, a madeira caiu, então não tinha como a gente subir aqueles dois metros sem a madeira de apoio, entendeu, e ai, não sei como a gente conseguiu, não sei até hoje, o cachorro vindo atrás, pular aquele muro de dois metros, a gente criança, dez anos de idade…
P/1 – Desespero…
R – No desespero do cachorro, não sei como, até hoje, a gente conseguiu pular aquele muro. Mas chegamos a ficar todo ralado, né?
P/1 – É, do outro lado, tava todo mundo ralado.
R – Entendeu? Uma das brincadeiras que a gente fazia muito era isso.
P/1 – Mas vocês não tinham medo nenhum?
R – De dia, era de dia. Cemitério de noite, ninguém ia entrar, morria de medo, não passava nem perto do muro, era só de dia que a gente ia lá (risos), entendeu? Pessoal dizia que ia fazer mal, ah, até hoje não morri, comi manga do pé de manga do cemitério (risos).
P/1 – E na escola, tinha algum professor que te marcou, que você gostava muito, por motivos variados?
R – Mais os professores das primeiras series, eu gostava… eu tinha uma ligação muito forte. Depois, eu brigava muito com os meus professores, ai… eles falavam muito de politica na sala, não davam aula, pediam licenças e eu gostava da escola, eu queria ter aula, de vez em quando tinha greve, eu… tinha um professor que não fazia greve, eu era aquele aluno que ia assistir a aula, entendeu, os outros comemoravam quando não tinha aula, eu gostava de ir para a escola. Então, às vezes, quando eles faziam greve, eu reclamava: “Poxa, vocês fazem greve e a gente fica sem aula”, entendeu? Ai, muitos professores não gostavam de mim, tinham uns que até davam provas diferentes pra mim, uma prova fácil pra todo mundo, uma prova difícil pra mim, porque eu reclamava por eles fazerem greve. Eu achava que mesmo eles ganhando pouco, eles tinham que dar aula, porque se a gente tivesse que voltar… para a realidade que a gente morava, muitas vezes, a gente só tinha comida da escola, então quando os professores estavam em greve, a gente passava fome. Então, era terrível pra gente quando tinha greve, às vezes, três, quatro meses sem.
P/1 – Tinham muitas coisas envolvidas, né?
R – Tinham muitas coisas envolvidas, eu entendia o lado deles ganharem pouco, mas pra gente, que morava na comunidade, era muito pior. A gente ficava às vezes, com uma refeição do dia, se tivesse, entendeu? Que eram muitos filhos, meu pai tinha subemprego, minha mãe não trabalhava, meus irmãos eram doentes, ela não podia trabalhar, tinha que dar cuidados pra gente, então eu sempre discutia com eles isso e eles não gostavam, entendeu, falavam que eles tinham as razoes deles e a gente ficava sem aula. E era muito triste. Isso era todo ano, todo ano tinha greve, na década de 80, sempre!
P/1 – E na adolescência, você falou que morou no Caju até os 13 anos…
R – É.
P/1 – Depois, você foi morar onde, você se lembra?
R – Ai minha vida piorou muito, porque o meu pai… a gente tinha ganhado uma casa do governo, que tinha tido uma enchente e ai, onde a gente morava desabou tudo, ai o governo deu uma casa pra gente, que era maravilhosa, né, era de tijolo e tal… só que ai, o meu pai brigou com um traficante e o traficante expulsou ele da favela, ai ele vendeu a casa e a gente foi morar em Iguaba Grande, que é uma cidade na região dos lagos, mas num lugar horrível, sem água, sem luz, sem nada e ai, minha vida virou um inferno, porque eu tinha uma vida… depois de estruturar a minha vida na comunidade, eu fui pra um lugar que eu não conhecia, que os meus amigos não eram de lá, entendeu? E ai a gente… ai foi a pior fase da minha vida, que a gente passou fome mesmo, assim, que… catar lixo, né, a gente foi morar perto de um lixão… foi horrível, foi horrível, ai eu fiquei lá só até três anos, ai eu sai de casa, não aguentava mais ficar ali, ai com 17 anos, eu sai de casa.
P/1 – Saiu sozinho?
R – É! Peguei 200 reais e fui embora de casa.
P/1 – Você foi pra onde?
R – Eu vim pro Rio. Voltei pro Rio. Ai quando chegou na rodoviária, eu falei (risos): “E agora, pra onde eu vou?”, não sabia pra onde eu ia, eu só pensei que eu queria sair de casa, mas eu sabia pra onde que eu ia. Ai, eu lembrei da minha avó e pedi pra ficar um tempo lá, mas ela só deixou eu ficar na casa dela três meses, depois ela falou que eu tinha que arranjar um lugar pra ficar, que eu não ia ficar lá. ai, os 200 reais acabou e eu tive que procurar um, lugar pra mim ficar.
P/1 – Mas, conta ai, o quê que aconteceu?
R – Ai foi ai que eu conheci o Budismo, na verdade, eu já conhecia o Budismo, meus pais, às vezes iam, me levavam, mas eu não praticava mesmo, né? Ai, tinha uma amiga minha que também era budista, me ensinou uma oração, comecei a fazer pra arranjar um emprego, que a minha avó tinha dado duas semanas pra mim… faltavam duas semanas pra terminar o prazo que ela me deu e eu não sabia como é que eu ia fazer, só sabia que pra Iguaba eu não ia voltar. Ai, comecei a fazer aquela oração maluca (risos), meio doida, japonesa, fazia duas, três horas por dia, pra mim arranjar um emprego e eu consegui.
P/1 – Deu certo?
R – Em uma semana, ai, recebi um adiantamento… eu consegui o emprego numa semana, e comecei a trabalhar na outra e consegui o adiantamento do salario, ai um amigo meu me chamou pra morar com ele no apartamento, entendeu? Foi muito bom, porque… e o apartamento, não precisei comprar nada, tava todo mobiliado, com sofá, com cama, geladeira, tudo que eu nunca tive na minha vida.
P/1 – Isso com 17 anos?
R – Com 17 anos. Nunca tive, não tinha geladeira na minha casa, não tinha televisão, não tinha sofá, não tinha nada, só tinha um fogão e uma beliche, a minha infância inteira foi assim, eu nunca passei roupa na minha infância. Não tinha festa de aniversario, não tinha bolo, não tinha… ai com 17 anos, eu fui morar com esse amigo meu, só que ai, eu comecei a ganhar muito dinheiro, porque era uma empresa de turismo, na época, o salario era 120, eu ganhava dois, três mil reais por mês, aquilo meio que me deslumbrou, né? Demais, era muito dinheiro! E ai, eu comecei a usar droga. Esse amigo meu usava, me ofereceu, eu fiquei com vergonha, porque ele tinha me chamado pra morar com ele, de não aceitar, ai minha vida degringolou de novo, porque ai foram as drogas. Ai, era muito dinheiro, a gente saía, ia pro Metropolitan, ia pra Búzios gastar aquele dinheiro, foi triste, né, porque eu fiquei sozinho. Imagina um garoto de 17 anos ganhando dois mil reais por mês, sem ninguém, sem pai e nem mãe perto pra poder…
P/1 – Mas você mantinha contato com seus pais?
R – Mantinha, mas eles moravam lá em Iguaba, não estavam aqui, eles não sabiam, eu via eles a cada três, quatro meses. Ai começou, a gente ia pra tudo quanto é morro, né, pra festa, Copacabana, pessoal: “Vamos pra Búzios?”, todo mundo ia, todo o dinheiro que eu ganhava, eu não juntava, eu gastava com whiskies, casa noturna…
P/1 – E ai?
R – E ai, não sei como, né, eu depois de seis meses naquela vida, chegando atrasado, que começa a chegar atrasado, as vendas começam a cair, eu fui mandado embora, entendeu? Ai, pra sustentar aquela vida, eu comecei a… arranjei um outro emprego, só que numa empresa errada, de agiotagem, estelionato e ai, entrava bastante dinheiro também, mas saía… ai as vezes, dava dinheiro pra policia, quando pegava você com droga, uma vez, foram lá em casa e levaram tudo: videocassete, CD, dinheiro, tudo… eu fiquei nessa vida mais ou menos uns quatro anos, de 17 aos 21, 22. Ai, foi a época que eu mais perdi amigos, né, amigos meus de overdose, assassinados, três se mataram, entendeu, um grande amigo meu se…
P/1 – Mas eram amigos antigos?
R – Não, já da época, já…
P/1 – Era da época?
R – Já, já… um amigo meu se enforcou, entendeu? Um outro, morreu de overdose na minha frente, a gente não pôde fazer nada. Dessa época, também perdi vários, que eu não tenho mais contato, a maioria morreu, a maioria!
P/1 – E ai, como que você saiu dessa…?
R – Ai, foi o Budismo de novo. O pessoal do Budismo viu que eu tinha me afastado, ai começaram a me visitar, entendeu?
P/1 – A te evitar?
R – Me visitar!
P/1 – Ah, visitar!
R – Ai, iam lá em casa: “Rodrigo, não sei o que, sai dessa vida e tal…”, foram os meus amigos do Budismo que me ajudaram muito. Ai, eu comecei no NA, fazer terapia, mas não foi fácil, não, foi muito difícil, até hoje, eu sinto vontade de me drogar, a vontade você nunca deixa, por isso que eu não frequento mais os lugares que eu frequentava naquela época, não dá, não dá. Eu não posso ir pra um bar, eu evito ir para festa de aniversario que tem cerveja, não posso beber, não posso beber.
P/1 – Mas hoje, você tá trabalhando, não?
R – Eu trabalho, eu sou vendedor agora.
P/1 – E tem outros projetos?
R – Eu tenho, porque tipo assim, eu trabalhava numa outra empresa, só que eu saí, porque eu trabalhava muito, 16 horas por dia, 14 horas, ai eu tive que abandonar a faculdade por causa do trabalho, eu ganhava muito bem também, mas não dava pra estudar.
P/1 – Você chegou a entrar na faculdade?
R – Cheguei…
P/1 – Que curso?
R – A fazer Letras e fiz Historia, Letras, eu fiz até o sétimo período, Historia acho que foi até o segundo, só que quando chegava perto de prova, eu tava trabalhando. O meu patrão falava: “Olha, eu não posso te liberar, porque a gente tem que vender”, entendeu?
P/1 – É pesado, né?
R – E ai… Era muito trabalho e tipo assim, eu não moro em apartamento próprio, né, eu pago aluguel e o aluguel no Rio de Janeiro é muito caro. Então assim, pagar plano de saúde… o plano de saúde eu que pago, tudo isso, ai falo assim: “Eu fico em faculdade, mas quem vai pagar as minhas contas”, entendeu? Então, era muito difícil, não tinha como, eu cheguei a tirar notas muito boas, só que chegou uma hora que eu não tinha mais como assistir aula, porque eu tinha que trabalhar, eu tinha que pagar o condomínio, tinha que pagar aluguel (risos), tinha que pagar plano de saúde, você entendeu? é muito difícil pra mim, pra algumas pessoas, até dá, mas eu tenho insônia, né, da época das drogas ficou a insônia, ai eu descobri que eu era bipolar… então, você trabalhar e estudar sem ter dormido é muito ruim, chegava na sala, eu dormia, não entendia a matéria, eu tinha dificuldade, ai comecei a tomar remédio controlado, né, Rivotril… isso acabou atrapalhando muito o rendimento escolar. Agora que eu tô trabalhando pra mim mesmo, que ficou um pouco mais fácil, né, tô tendo mais tempo pra mim, né, quando eu trabalhava pra empresa, era muita loucura, né, você tem que bater meta, bater meta…
P/1 – Eu não entendi, desculpa. O quê que é “trabalhando pra mim mesmo”?
R – Agora, eu trabalho de vendedor pra mim, perdão, desculpa, entendeu, eu trabalho pra mim mesmo, eu que vendo pra mim. Quando eu trabalhava na empresa, não, eu era empregado, tinha carteira assinada, então você tem que cumprir horário…
P/1 – Agora você é autônomo, é isso?
R – Isso, isso! Entendeu? Agora eu sou autônomo…
P/1 – Entendi.
R – Agora ficou mais fácil, eu tô dormindo melhor, entendeu, não tô ganhando tanto quando eu trabalhava lá, mas a minha qualidade de vida melhorou assim, 100%.
P/1 – Você organiza, né?
R – Eu organizo, tenho as minhas metas também, mas minhas, entendeu? Na época, não, na época, a minha vida era um inferno. Eu ganhava muito bem, cartão de crédito vinha, às vezes, dois mil reais por mês, mas assim, eu não lembrava nem que dia nós estávamos, então assim, você ganha muito, mas… eu tava me vendendo, sabe, vivendo em função do dinheiro, vivendo em função do dinheiro, sabe, você ganha mais, mas gasta três vezes mais, porque almoçava, tomava café e jantava na rua, é caro comer na rua, viagens que eu tinha que fazer, entendeu, dormindo três, quatro horas, a gente ficava dois, três dias sem dormir, ai tinha que tomar remédio pra dormir e às vezes, nem o remédio fazia efeito, o remédio, às vezes, não faz mais efeito, ai você fica sem dormir. Ai, começou a me prejudicar na faculdade, nas notas, com os próprios clientes, eu não tava tendo paciência com eles…
P/1 – Embolou tudo, né?
R – Ai, eu falei: “Não dá mais, chega”, todo mundo me chamou de maluco, né, “Você vai jogar 12 anos fora?”, eu pedi demissão, a empresa não mandava embora. Pedi demissão, “Não quero mais essa vida pra mim”.
P/1 – Agora, você conhece esse evento de hoje, você já ouviu falar sobre ele, o quê que te…
R – Do Museu?
P/1 – Não, dos selos.
R – Então, eu ganhei…
P/1 – O quê que te trouxe aqui?
R – Eu ganhei uma… uma… eu tenho uma irmã minha, que ela é formada em Educação Física, mas também trabalha com idosos. E ai, ela trabalhava na casa de uma família, não sei se ela fazia fisioterapia, alguma coisa assim, que o pessoal se mudou para a Europa e se desfez de tudo. E ela me deu uma coleção de selos antigos, assim, maravilhosos, e eu nunca tinha… na verdade, quando eu era criança, até gostava de selos, né, até guardava alguns, mas nunca formei coleção e ela me deu, né, uma coleção linda, maravilhosa, ai, eu fiquei encantado assim, e ai fiquei sabendo desse evento, né, falei: “Ah, vou lá para poder assistir”, que eu fiquei apaixonado por selos.
P/1 – Você virou colecionador?
R – Não, eu não sou colecionador, porque eu nunca adquiri, eu ganhei (risos), na verdade, na verdade, de uma certa forma, sim, né…
P/1 – Pode começar a ser…
R – É, eu ganhei, não… eu gostei tanto que eu não vou vender nunca os meus selos. Vão ficar para os herdeiros.
P/1 – Mas você falou que você guardava quando você era criança, alguns?
R – É, guardava selos. Eu sempre gostei de selos, até carta eu guardava, por causa do selo. Recebia cartas, minha avó era analfabeta, né, então como… a minha avó materna veio do nordeste, né, a família assim, parte… minha mãe é paraibana, meu pai, mineiro, contato com a família do meu pai eu não tenho, porque acho que o pai dele foi assassinado, quando ele era… muito cedo e a mãe dele foi parar no hospício, ele perdeu o contato completamente com toda família dele. Da minha mãe, tem… então assim, quando mandava carta para o nordeste, a gente tinha que escrever pra ela.
P/1 – Ah, então você escrevia as cartas pra…
R – Minha mãe, familiares, minha avó era analfabeta, ou era a minha mãe, ou era minha tia, entendeu? E não tinha telefone na época, década de 70, 80, não tinha telefone, pra pessoas humildes não tinha, era orelhão e olhe lá, então, a única forma eram as cartas, ai quando vinham as cartas, alguém lia pra todo mundo ouvir, então, eu ficava de olho nos selos e acho que é destino que eu ganhei essa coleção.
P/1 – Todo mundo ficava ansioso por essas cartas? Todo mundo esperava?
R – Ah sim, porque não eram regulares, assim, uma a cada dois, três meses que essas cartas vinham, ou que a gente mandava. Parte da família da minha avó que eu não conheço até hoje, nunca fui lá.
P/1 – Mas você conhece por carta?
R – Cartas, com certeza!
P/1 – Você imagina as pessoas pelas cartas?
R – O mais interessante assim, das cartas sabe o quê que é? Na época que eu fiquei afastado por causa das drogas, minha mãe mandava sempre carta, porque eu não tinha telefone na época, né, só fui ter telefone em 2002, na época, telefone era caro, né, Fernando Henrique privatizou em 98, até regularizar demorou uns três, quatro anos, né? Então era caro, pobre não tinha telefone. Então, eu fui ter telefone… então, minha mãe mandava carta até… 97, 98 recebia carta da minha mãe e guardo essas cartas até hoje.
P/1 – Você tem elas?
R – Tenho. Às vezes, eu fico lembrando assim, ela ficou falando: “Meu filho, por favor, não faz nenhuma besteira”, porque na época, ela não sabia que eu tava usando drogas, ela sabia que eu tinha me afastado, que eu tava triste, mas não…”, então ela vivia… o contato dela comigo era cartas e ela também não tinha como vi me visitar, por causa da passagem que era cara.
P/1 – Você chegou a responder alguma dessas cartas dela?
R – Eu tava muito… dificilmente, eu respondia, mas eu lia.
P/1 – E hoje, você se corresponde com alguém por cartas?
R – No Budismo, a gente manda cartas para as pessoas, porque o e-mail ficou uma coisa muito… muito mecânica, muito mecânica.
P/1 – Pra quem você manda?
R – Na verdade, no Budismo, agora eu sou líder, né, então você cuida de outras pessoas. Assim como fizeram comigo na época que eu tava afastado, também faço isso. A gente manda correspondência principalmente pra quem não tá… tá sumido, né, não responde e-mail…
P/1 – Ainda tem um papel importante na sua vida?
R – Ainda tem, ainda tem. Eu gosto muito de escrever, né, eu gosto muito de escrever, tanto é que eu cheguei a fazer Letras, eu tenho uma ligação muito grande com escrever. Faço poesias, ainda não publiquei nada não, mas tenho blog…
P/1 – Pode ser um projeto futuro, né?
R – Pode ser, pode ser! Eu só não publiquei ainda, porque eu tenho uma autocritica muito grande, eu acho que nunca tá bom. Eu faço, refaço, acho que não ficou legal, pego poesias de três, quatro anos atrás, ‘eu escrevi isso? Não’, não tenho coragem de publicar isso, eu sou muito perfeccionista, eu acho que nunca tá bom.
P/1 – Agora, deixa eu te fazer uma ultima pergunta, e por quê que você quis dar o depoimento pra gente? O quê que te chamou a atenção?
R – Quando a menina me chamou… o Budismo fala muito de valorizar cada pessoa, então assim, eu acho esse projeto magnifico, porque eu acho todas as historias importantes, não só a minha, mas se todo mundo pudesse fazer isso, seria maravilhoso! Muitas pessoas que a gente deixa de aprender, porque elas não vão estar mais aqui daqui a… eu não sei se eu vou estar vivo amanhã, eu acho que isso ai deveria ser uma coisa que todo brasileiro deveria fazer. Todo mundo tem uma historia pra contar e pode servir, que pode ajudar muita gente. Então, achei importante, não conhecia esse projeto do Museu, nunca tinha ouvido falar, li, fiquei sabendo que tem há tanto tempo, né, 91, né?
P/1 – Noventa e um.
R – Gente, como que pode? Eu achei interessantíssimo! Acho que todo mundo deveria dar o depoimento.
P/1 – Bacana, eu agradeço muito a sua disponibilidade, a sua vontade de contar um pouquinho da sua vida pra gente. Esse material vai estar futuramente no site, eu vou te dar o nome do site para você acessar, é um museu inicialmente virtual, esse material vai estar lá e tem outras historias também, que você vai poder se deliciar…
R – Já assisti um pouco ali, gostei bastante.
P/1 – Então, só tenho a agradecer, obrigada por essa experiência, boa sorte!
R – Obrigada, eu que agradeço.
FINAL DA ENTREVISTA
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