Entrevista de Valdir Canosio Portasio
Entrevistado por Cláudia Cesca
Local, 05 de julho de 2022
Projeto Conte Sua História
Entrevista número PCSH_HV1389
Transcrição via Transkriptor
Revisado por: Jefferson Trindade David
00:00:01
P1- Valdir, boa noite. Gostaria que você falasse o seu nome inteiro.
00:00:09
R- Meu nome é Valdir Canoso Portazio.
00:00:14
P-1 O seu local de nascimento e data?
00:00:18
R- Eu nasci em São Paulo, capital, no dia 26 de janeiro de 1959. O nome dos seus pais? Meu pai chamava-se José de Oliveira Portazio e a minha mãe, Maria Dolores Portazio.
00:00:36
P1- O local de nascimento dos seus pais?
00:00:40
R- Minha mãe também é de São Paulo, capital. Meu pai era nascido em Portugal, na aldeia da Tocha, Litoral nordeste de Portugal.
00:01:03
P1- Poderia dizer o nome dos seus avós?
00:01:07
R- Paternos Manoel Marques Portazio e Gracinda de Oliveira. Maternos Antônio Canoso e Guilhermina Nobre Canoso.
00:01:24
P1- O local de nascimento deles?
00:01:27
R- Tudo em Portugal, todos portugueses. Dos avós eu não sei bem localizar o local, mas é tudo ali, perto de onde nasceu meu pai.
00:01:40
P1- E qual foi a data que seu pai veio para o Brasil?
00:01:44
R- Meu pai veio para o Brasil, nasceu em 23, ele veio para o Brasil em... perto dos anos 1940, quando estava rompendo a Segunda Guerra na Europa.
00:02:01
P1- Qual o motivo que fez com que essa família migrasse para o Brasil?
00:02:07
R- O meu avô, o pai do meu pai, lidava com gado aqui no Brasil. Ele vinha para o Brasil, ficava um período aqui, depois voltava, vinha de novo, depois voltava. Chegou um momento em que acho que as condições de Portugal começaram a ficar muito ruins. Ele veio um ano antes e mandou buscar, como eles dizem, a família, que era a minha avó e mais quatro filhos. e vieram todos morar aqui na região do oeste paulista, na região de Presidente Prudente, mais especificamente na cidade de Caioá, que fica ali perto de Porto Epitácio,...
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Entrevistado por Cláudia Cesca
Local, 05 de julho de 2022
Projeto Conte Sua História
Entrevista número PCSH_HV1389
Transcrição via Transkriptor
Revisado por: Jefferson Trindade David
00:00:01
P1- Valdir, boa noite. Gostaria que você falasse o seu nome inteiro.
00:00:09
R- Meu nome é Valdir Canoso Portazio.
00:00:14
P-1 O seu local de nascimento e data?
00:00:18
R- Eu nasci em São Paulo, capital, no dia 26 de janeiro de 1959. O nome dos seus pais? Meu pai chamava-se José de Oliveira Portazio e a minha mãe, Maria Dolores Portazio.
00:00:36
P1- O local de nascimento dos seus pais?
00:00:40
R- Minha mãe também é de São Paulo, capital. Meu pai era nascido em Portugal, na aldeia da Tocha, Litoral nordeste de Portugal.
00:01:03
P1- Poderia dizer o nome dos seus avós?
00:01:07
R- Paternos Manoel Marques Portazio e Gracinda de Oliveira. Maternos Antônio Canoso e Guilhermina Nobre Canoso.
00:01:24
P1- O local de nascimento deles?
00:01:27
R- Tudo em Portugal, todos portugueses. Dos avós eu não sei bem localizar o local, mas é tudo ali, perto de onde nasceu meu pai.
00:01:40
P1- E qual foi a data que seu pai veio para o Brasil?
00:01:44
R- Meu pai veio para o Brasil, nasceu em 23, ele veio para o Brasil em... perto dos anos 1940, quando estava rompendo a Segunda Guerra na Europa.
00:02:01
P1- Qual o motivo que fez com que essa família migrasse para o Brasil?
00:02:07
R- O meu avô, o pai do meu pai, lidava com gado aqui no Brasil. Ele vinha para o Brasil, ficava um período aqui, depois voltava, vinha de novo, depois voltava. Chegou um momento em que acho que as condições de Portugal começaram a ficar muito ruins. Ele veio um ano antes e mandou buscar, como eles dizem, a família, que era a minha avó e mais quatro filhos. e vieram todos morar aqui na região do oeste paulista, na região de Presidente Prudente, mais especificamente na cidade de Caioá, que fica ali perto de Porto Epitácio, Presidente Epitácio, naquela região ali, quase dividida com Mato Grosso, onde era o trabalho do meu avô de tanger o gado, de carregar, ele era boiadeiro.
00:03:17
P1- Os seus avós paternos.
00:03:20
R- Meus avós paternos. Os meus avós maternos vieram para cá na mesma época, também por causa das condições sociais e políticas da Europa. Não sei exatamente o ano. Vieram já com uma irmã mais velha da minha mãe, ainda não tinha nascido, mas foi gerada lá. Mas nasceu aqui, em São Paulo, na região da Vila Maria. Eles vieram morar ali porque a colônia... Eu não sei se ainda hoje tem, mas tinha uma colônia portuguesa muito grande ali na região da Vila Maria, Vila Guilherme, Vila Maria Baixa. E eles vieram para cá com algum dinheiro, pouco, meu avô abriu um bar, um boteco lá, e lá criou as filhas com uma vaca ou duas, ele tirava leite, vendia esse leite ali na região e tal, essas coisas.
00:04:23
R- Isso, imagina, minha mãe nasceu em 1932, década de 30, 40, a gente está falando.
00:04:34
P1- E os seus pais contam ou contavam para você dessa época?
00:04:43
R- De São Paulo. Sim, contavam, e o que eles não contavam, eu perguntava.
00:04:47
P1- Eles contavam algumas memórias que o senhor se lembra?
00:04:51
R- Claro, eles contavam as memórias. A minha mãe contava muito. Na cabeça dela tem muito sofrimento e a pobreza de quando elas eram meninas. o quanto elas trabalhavam e saíam para vender leite às três da manhã numa carroça ali pela Vila Maria e essa coisa toda. O meu pai ele contava bastante coisa da infância dele lá em Kaiowá, no noroeste paulista, E contava da escola um pouco, eles se alfabetizaram muito pouco, meu pai tinha só até o terceiro ano, minha mãe até o quarto, mas eram muitas histórias a respeito da infância deles, dos dois, das vicissitudes com a guerra, com a falta de alimentos, A minha mãe, eu nunca conferi isso, mas minha mãe dizia que ela chegou a ver, não sei se foi o Zeppelin ou o Hindenburg, em São Paulo. Eu não conferi ainda, estou falando agora, fiquei pensando, será que era a viagem dela ou não, mas foi por essas datas mesmo, foi aí na década de 40, mais ou menos, que esses dirigíveis vieram para cá, ela disse que viu um deles.
00:06:23
P1- E o senhor tem conhecimento de como seus pais se conheceram?
00:06:27
R- Tenho. Os meus avós se conheceram em São Vicente. Os meus avós eles moravam juntos. A comunidade portuguesa, em geral, ficava meio próxima. E eles moravam… Eram vizinhos de portão, de muro, ou alguma coisa assim. Eles se conheceram lá. A minha mãe morava lá com os meus avós.
00:06:51
R- e o meu pai morava aqui em São Paulo, cuidando de uma venda, que era do meu avô ali no Parque Peruche, naquela região da Casa Verde. Ele eventualmente ia para Santos e eles acabaram se conhecendo ali. Eles eram compadres, os dois avós.
00:07:17
P1- E como desenvolveu essa relação? O senhor tem conhecimento? Eles se casaram logo?
00:07:25
R- Não, acho que não se casaram logo, não, porque eu sou o primeiro filho, nasci em 1959. Essa história toda é do final dos anos 40, começo dos anos 50. Eles se casaram em 57. Então, entre namorar e casar, não sei exatamente, mas não foi papum, não foi coisa rápida, nem era naquele tempo, a inércia era maior.
00:07:59
P1- E aí eles tiveram quantos filhos?
00:08:02
R- Dois. Eu sou o segundo, mas a minha mãe perdeu um antes de mim. Então, eu tenho uma irmã mais nova, dois anos mais nova.
00:08:14
P1- E qual o nome dela?
00:08:16
R- É Sandra.
00:08:19
P1- O senhor tem conhecimento de qual bairro você nasceu, em São Paulo?
00:08:25
R- Sim, eu nasci no Hospital das Clínicas, na avenida Doutor Arnaldo, Planalto Paulista. Mas morei sempre na Zona Norte, Vila Guilherme, Santana, Vila Maria.
00:08:43
P1- E quando o senhor nasceu, estava em qual bairro?
00:08:47
R- Quando eu nasci, meus pais moravam na Vila Maria.
00:08:52
P1- E qual era o emprego dos seus pais? Eles trabalhavam com o quê nessa época?
00:08:58
R- A minha mãe e o meu pai, antes de eu nascer, eles fizeram um pouco de tudo. Minha mãe era costureira de calçados, eles pegavam os calçados desmontados numa fábrica, não sei os dados dessa fábrica, nem onde era. e ela montava os calçados em casa. E o meu pai, na época, ele tinha um açougue, aí depois ele virou caixeiro viajante, ele ia lá no 25 de março e comprava santinhos e esses badulakes todos, e ia vender para os padres lá em Aparecida do Norte. E ele começou a vida trabalhando nisso. Antes um pouco ele foi carvoneiro, ele tinha um caminhãozinho velho que carregava carvão, e basicamente isso. Mas o que eu me lembro, quando eu comecei a perceber as coisas, ele já era vendedor, ele vendia relógios, mas ele tinha uma empresa que importava, ele era um funcionário autônomo, não era empregado, mas ele pegava essa marca de relógios e vendia para as lojas. E a minha mãe, ela teve sempre nessa retaguarda de cuidar da gente e fazer esses trabalhos que ela levava para casa e fazia, mas eu não lembro.
00:10:42
R- Eu lembro mais da minha mãe em casa, cuidando da gente, de mim e da minha irmã.
00:10:55
P1- Qual o nome dessa irmã?
00:10:58
R- Sandra.
00:11:02
P1- O senhor lembra do nascimento dela?
00:11:07
R- Não, porque ela tem dois anos e nove meses mais jovem do que eu. Então, imagina, ela era um bebê ainda. Eu lembro assim, dela pequena porque eu já vi fotos, essas coisas todas, mas, na verdade, não lembro. A minha referência da minha irmã é um pouco mais para frente, é mais da época da escola, mais para frente, com seis, sete anos.
00:11:36
P1- E como era a casa de vocês da infância?
00:11:44
R- A nossa casa? Bom, a primeira casa, que foi na Vila Maria, não me lembro. Conheci a casa, mas já estava alugada. Era do meu avô materno, lá na Vila Maria e já estava alugado, eram outras pessoas que moravam lá e eu não conhecia. A casa que eu tenho memória é no Tucuruvi, que também era do meu avô e que a gente morou lá. Eu lembro que era uma casa que tinha um corredor comprido de entrada, onde tinha uma espécie de garagem, e a casa era uma casa retangular, com a base do retângulo para frente. Então, era uma casa larga e curta.
00:12:32
R- Os cômodos eram entrelaçados lateralmente. E lembro da rua, que era a rua Irmãos Pila, no Tucuruvi, número 39, Fundos. Lembro muito bem desse endereço. Eu passei lá há uns dias atrás até, para dar uma olhada como é que estava. E, basicamente, disso. da casa eu lembro que ela tinha um quintalzinho na frente, com cimento queimado, aquele bem liso, que eu lembro que a gente escorregava bastante na hora que andava ali, minha mãe vivia dizendo, toma cuidado com chuva e tal, mas que eu, criança, me utilizava dele para andar de bicicleta e brincar de derrapar a bicicleta, porque era muito fácil brincar ali e tomar uns capotes, claro, e apanhava depois, mas era natural. E na frente, entre a casa e a rua, tinha esse corredor ladeado por um barranco. O que me recordo muito é que tinha um forno de barro nesse barranco, que o meu avô construiu.
00:13:50
R- Ele cavocou uma plataformazinha no barranco e, com a própria terra, ele estruturou um forninho de barro, onde a minha mãe cozinhava, galinha, de vez em quando aparecia um coelho, um cabrito, uma coisa assim, que era hábito dos portugueses mesmo, de comer esse tipo de animais dessa forma, feito em casa com batatas e não sei o quê. Isso é uma lembrança forte que eu tenho. E depois, o que mais?
00:14:30
P2- O que mais que você lembra da tradição dos seus pais, que você tem memória, que estava presente na vida familiar, na sua infância?
00:14:44
R- A tradição era mais essa, a tradição se cristalizava na gastronomia. Então era sopa, porque os portugueses comem sopas, e criança não gosta de sopa, então foi um trauma durante um tempo, porque a gente era obrigado a comer, porque não tinha essa conversa de não vai comer. A família era pequena, minha mãe tinha mais duas irmãs e meu pai mais três, mas o lado do meu pai sempre foi meio... Eles tinham alguns problemas de relacionamento e a gente via pouco, a gente se relacionava mais com a família da minha mãe, com a mãe da minha mãe, com o pai da minha mãe. E era isso, era a tradição gastronômica, eram os assados com batata aos domingos, eram as sopas, eram as alheiras que minha mãe fazia. que é uma espécie de uma linguiça feita com pão e carne de porco. É uma transição da região onde meu avô morava, lá em Portugal.
00:16:04
R- Ela fazia essas alheiras em casa e a gente ficava ali secando as alheiras até elas ficarem boas, porque tinha que curtir. Durante um tempo, criança, a gente queria comer as alheiras. E não era assim, enchia e comia. Enchia e deixava lá no defumador, não sei o quê. Aquela semana, semana e meia. Na verdade, nem sei quanto tempo, mas para mim era muito tempo, porque ela fazia as alheiras e demorava para caramba aquele negócio de ir para a mesa. E o que mais? As tradições eram essas.
00:16:39
R- A minha mãe sempre foi uma pessoa um pouco dada a rituais. Então, era mais isso que eu falei. A gente nunca tinha Natal. A minha mãe achava desde sempre que Natal era uma festa capitalista. Ela não tinha nenhuma ligação com partido político, nada. Mas ela tinha essa marra, essa bronca dos dias das crianças, não sei o quê. Então a gente ficava sempre chupando o dedo, porque ela achava que não tinha que acostumar a gente nessa tradição de compra, de consumo, de não sei o quê. E acho que...
00:17:38
R- Acho que isso faz um retrato mais ou menos bom do que era família. A gente viajava, tinha pouco dinheiro, meu pai era caixeiro viajante, mas tinha, uma vez por ano, uma viagenzinha para algum lugar.
00:18:06
P1- Você lembra para onde vocês viajavam?
00:18:09
R- Lembro, lógico. A gente viajava bastante aqui para o litoral norte, Ubatuba, Caraguatatuba, no tempo que se levava quatro a seis horas para chegar nesses lugares. Lembro até de uma viagem que foi abortada porque teve uma tromba d'água lá em Caraguatatuba, não sei o quê, e destruiu a cidade, destruiu a estrada. A gente estava para viajar, Eu era pequeno, acho que essa tromba d'água foi em 1964 ou 1965, não tenho certeza, mas, veja, eu tinha entre 5 e 6 anos. E a gente também viajava aqui para o interior, esses passeios de bate-volta, Águas de Lindóia, Pedreira, alguma dessas cidades, aqui perto não, perto de São Paulo, porque estou em Florianópolis agora. Essas viagens curtas, onde a gente levava o farnel pronto, minha mãe levava a cestinha lá com o lanche, porque não tinha restaurante, não tinha nem pensar em restaurante. Levava comida, a gente parava na beira da estrada, fazia o piquenique ali, o lanche, e era legal.
00:19:27
P1- E quais brincadeiras você fazia ou gostava na sua infância?
00:19:35
R- A minha mãe era uma pessoa superprotetora, então pouco ela deixava a gente brincar na rua. Então, a brincadeira era em casa com a minha irmã, era com a bicicleta, era o esconde-esconde, eu botava a minha irmã na garupa da bicicleta e ficava derrapando com ela no quintal. Aí derrubava ela, caía eu, apanhava os dois, e sempre assim. eu não lembro mais de brincadeiras que... as brincadeiras da época eram pipa, era agude, essas coisas, mas a gente não brincava, porque a gente não tinha acesso a rua, a mãe não deixava a gente ir para a rua. por causa dessa coisa, dessa superproteção. Ia para a rua, sim, para buscar alguma coisa na venda, que era meia quadra de distância, ou para ir até a casa da minha tia, que era para o outro lado, duas casas de distância. Então, era essa nossa relação, nessa época, com a rua.
00:20:48
R- Agora, brincar com a criançada, não sei o quê, começou a acontecer mais na escola. no primeiro ano, tinha os pega-pega, aquelas coisas que eram permitidas lá na escola, que os professores deixavam a gente fazer, mas não tinha assim. desde muito cedo, o meu pai... isso é uma... inferência minha, tá? Mas o meu pai, pelo fato dele não ter tido oportunidade de estudar, ele trazia muito livro para casa, muito. Então tinha enciclopédia do Curioso, não era do Curioso porque isso é mais para cá, mas é coisa assim. E isso, mesmo antes de eu saber ler, eu me entretia com essas coisas, olhando as figuras, vendo o que acontecia ali, e depois lendo essas enciclopédias.
00:21:59
R- E a minha brincadeira maior, a minha diversão maior era essa. Em casa, era estar sentado ali com um livrinho na mão, mesmo sem saber ler, que eu me divertia com essa coisa para suprir e para passar o tempo, porque a vontade de ir para a rua eu tinha, mas não podia. Então, era essa mais a nossa brincadeira.
00:22:31
P1-Valdir, com que idade você foi para a escola?
00:22:36
R- Eu fui para a escola com sete anos completos, porque eu faço aniversário em janeiro. Então, eu fui em 1966 para a escola. Eu comecei o primeiro ano em 1966.
00:22:50
P1- Lembra o nome da escola?
00:22:52
R- Colégio Estadual Expedicionário Brasileiro, no bairro d'Água Fria. Era um colégio, não era um colégio militar, mas tinha uma aura toda. O colégio ganhou esse nome porque tinha um expedicionário que morava ali perto, que esteve lá na FEB, lutando na Segunda Guerra. Lembro até o nome, era seu Talarico, ou Alarico, uma coisa assim. Ele, de vez em quando, ia lá e contava as peripécias dele na guerra. A gente era obrigado a cantar o hino nacional e o hino ao soldado e ao expedicionário todos os dias. Eu não viria um patriota, ainda bem, exagerado, mas a coisa funcionava assim, era uma... Era difícil, meio que uma lavagem cerebral na criançada com relação a essa coisa da educação moral e cívica, desse ensino mais opressor.
00:24:05
P1- Nessa época inicial da escola, você lembra do que gostava mais de fazer, alguma matéria específica?
00:24:14
R- Eu gostava muito de geografia, muito, e gostava muito das coisas que envolviam atividades fora da aula. Então, a gente tinha teatro, tinha aula de música. Apesar de eu ser tímido e eu ser, às vezes, ligeiramente gago, às vezes, mais gago, eu me desinibia nessas horas e rolava legal. Então, a gente fazia peças, eu cantava no coral, e isso eu gostava muito. Era uma atividade que me agradava bastante. E geografia, basicamente. Eu lembro que eu curtia muito. não curtia matemática, não curtia essas matérias de exatas.
00:25:06
P1-E amizades dessa época? Você lembra?
00:25:11
R- Eu lembro pouco, viu? Lembro algumas, algumas pessoas, mas que eu nunca mais tive contato desde que eu saí da escola, porque nessa escola eu fui do primário até o final do ginásio, na época, que seria o primeiro grau. Depois eu fui estudar no Colégio Objetivo, na Paulista, a família já estava numa condição melhor, meu pai resolveu que eu ia estudar lá, meu pai e minha mãe, e eu perdi contato dessas pessoas, raramente, tem em um ou outro que eu vi depois, mas são bastante raros.
00:26:01
P1- E como foi essa passagem sua da infância para a adolescência?
00:26:06
R- Ah, doeu, viu? É difícil. Imagina uma criança tratada dentro de casa, com a mãe superprotetora, aí de repente os dois cismam de... não é uma crítica, não tô achando que meu pai e minha mãe estavam errados, mas eu tô dizendo o meu sentimento, de pega o moleque que tava ali dentro da concha, dentro daquela bolha, e vai estudar lá na Avenida Paulista agora, pegar dois ônibus e não sei o quê. Eu sofri pra burro, porque era um outro mundo, eu vivia meio acuado, até a gente começar a vencer essa inércia, mas a curva de aprendizado foi lenta, foi longa. Era meio óbvio que isso ia acontecer. Eu vivia num outro mundo. O Colégio Objetivo era uma escola de gente rica, para começar.
00:27:25
Eu entrei no Objetivo em 1974, e eu não fazia parte daquele mundo. As coisas em casa eram coisas simples, eu sou filho de pessoas simples, eu não tinha entendimento de muita coisa que acontecia, as roupas que o adolescente em geral valoriza, a postura, me inserir nos grupos. era uma coisa meio difícil, porque eu era um... um pato fora d'água naquela escola. depois, claro, a gente acha a nossa turma, acha pessoas iguais e que têm mais ou menos os mesmos interesses, não sei o quê, e a coisa rola. mas vou te dizer que demorou bastante, foi bem sofrida essa passagem.
00:28:38
P2- Valdir, como era a cidade dessa época da sua adolescência?
00:28:43
P2- Bem diferente de hoje né?
00:28:46
P2- Muitas mudanças ocorreram. O que você lembra dessa época?
00:28:53
R- Na hora em que comecei a falar do Colégio Objetivo, eu entrei, em 1974, no ano que estava sendo feita a reforma da Avenida Paulista. Antes, ela ainda era uma avenida com uma via só, uma pista só. Já quando eu entrei, já tinha as duas, mas estava sendo reformada. A reforma estava terminando, não estava toda aberta. Então, no geral, eu descia do ônibus em frente ao Hospital das Clínicas e ia caminhando, dali pela Doutor Arnaldo e entrava na Avenida Paulista. então eu vi aquelas coisas todas acontecerem, os prédios subirem, os casarões dos barões do café indo todos abaixo, porque a cidade estava em especulação imobiliária, tomou conta daquilo, e o patrimônio histórico foi indo para o Vinagre, foi indo embora, sem nenhum cuidado, sem nenhum trato.
00:30:00
P2- Não tinha metrô ainda, não é?
00:30:04
R- Não, não. O metrô foi em 1976, no meu último ano do Objetivo. Eu lembro que andei no metrô em Santana no primeiro dia. O que eu fui para a escola foi um alívio para mim, porque era, me devolvia duas horas, pelo menos, de trajeto, de ida e de volta, que eu levava com ônibus. Mas lembro que a da Avenida Paulista ainda, que o meu avô paterno, ele teve internado um tempo no Hospital Santa Catarina, e eu lembro de ir com meu pai visitá-lo, e a Avenida Paulista ainda era coberta com paralelepípedos, e ainda tinha o trilho dos bondes, eu não lembro se tinha bondes, mas tinha os trilhos dos bondes. Eu lembro que a brincadeira do meu pai era colocar o carro, ele tinha uma Rural Willys, porque nos paralelepípedos o carro chacoalhava, e ele colocava as duas rodas em cima dos trilhos dos bondes, e o carro andava maciozinho, Era uma brincadeira dele, que ele sempre fazia. E a Avenida Paulista era isso, era uma avenida ainda com resquícios daquela Avenida Paulista lá do começo do século, cheia de casarões, cheio dos barões do café. Hoje restam...
00:31:28
R- Acho que resta só um. E o resto da cidade, uma área que eu ia muito, porque meu avô…porque meu pai, ia, a empresa que ele pegava os relógios era ali no centro e, nas férias, eu ia com ele. Então, a gente andava muito ali pela região da Rua Cantareira, do Mercadão, da Florência de Abreu, 24 de maio. e a gente andava muito ali, e tenho algumas lembranças do mercado que essa ficou, e daquela região que hoje, na verdade, não mudou muito. Ela tem muito mais gente, mas não mudou muito, a estrutura urbana ali não mudou muito, ela continua mais ou menos parecida com o que era com o que era naquela época. Depois lembro das marginais aparecendo, não havia as marginais, havia até um trecho só, não me lembro bem, mas me lembro de um dia, um domingo, meu pai botar a gente no carro e dizer assim, vou mostrar para vocês uma avenida nova que estão construindo. E fomos, na marginal, até uma dessas pontes, a Ponte da Casa Verde, talvez, que já tinha pista até ali, e dali para frente não. O bairro que eu morava também não mudou muito.
00:33:09
R- Hoje mudou, mas tenho pouco contato, vou pouco lá. Eu estive em São Paulo esse fim de semana, e estive no mercado, naquela região, para matar a saudade e a fome.
00:33:24
P1- Waldir, conta para a gente como era a sua rotina nessa época do Objetivo. Você estudava? Tinha uma atividade extracurricular também que gostava de fazer?
00:33:38
R- Eu estudava a partir das sete e meia da manhã. Tinha que madrugar para pegar o ônibus e chegava em casa por volta da uma da tarde. Daí, meu pai já tinha uma loja de relógios em Guarulhos, e normalmente minha rotina era ir para casa, almoçava, botava os cadernos na bolsa, levava para a loja, pegava o ônibus, ia para Guarulhos, e trabalhava lá na loja e, no tempo em que eu podia, estudava um pouco lá. eu pouco ficava em casa nessa época. Era do colégio para casa e para a loja. Em geral, foi essa a minha rotina nos dois primeiros anos. No terceiro ano, o objetivo eles ofereciam para quem estudava lá, quem fazia o colégio, eles ofereciam o cursinho.
00:34:41
R- Então eu ia de manhã para o colégio, à tarde para a loja, à noite para um cursinho périplo em São Paulo, para fazer o cursinho pré-vestibular. O meu terceiro ano foi assim. E depois chegava à meia-noite, uma hora em casa, que eu acordava para ir para o colégio. E era essa a minha rotina. Nesse último ano é que comecei a matar a aula para ir ao cinema, porque ali a Paulista era onde tinha os melhores, e ali eu conseguia, no dia em que não tinha... Isso no cursinho, porque de manhã não tinha cinema, mas, à noite, tinha os cinemas e eu, algumas vezes, muitas vezes, matei aula para ir ao cinema. Não me arrependo, foi uma boa matação de aula. Vi muita coisa legal na época.
00:35:43
P2- Que cinema você via nessa época? Como é que era?
00:35:48
R- Então, a gente via as pornochanchadas brasileiras, que é até exagero chamar aquilo de mais chanchada do que porno. Esses filmes e, basicamente, alguns filmes que... Eu lembro de um filme que eu vi muito, que foi do... se chamava Barry Lyndon, um filme, acho que foi o meu primeiro filme assim que eu assisti, e sai cansado do cinema, quatro horas de... Acho que é do mesmo diretor de 2001, uma odisseia no espaço. 2001, assisti... O que mais? Mas era basicamente isso.
00:36:44
R- A molecada, a gente ia mais para os filmes brasileiros, que passava ali, que a gente falsificava carteirinha para fingir que tinha a censura, para a gente entrar, não sei o quê. e o porteiro do cinema fingia que não sabia, e a gente fingia que estava enganando ele, mas a gente entrava. Lembro-me de um filme que me marcou muito nessa época, não tenho certeza, mas acho que é dessa época, que foi o Lúcio Flávio, Passageiro da Agonia. O que mais?
00:37:31
P1- Você ia com os seus amigos do Objetivo?
00:37:34
R- Do Objetivo. Muitas das vezes eu ia sozinho até. Eu fui mais sozinho do que com os amigos.
00:37:46
P1- Lembra do nome do cinema que você ia...
00:37:49
R- A Gazeta, Gazetinha, Gazetão, Gêmini. O Gêmini acabou, não faz muito tempo. Os Gazetas viraram... Acho que ainda existe um deles, mas virou outra coisa. Ali... Eram esses quatro, o Gazeta, o Gazetinha e o Gazetão. Eu não me lembro de ter ido... Eu frequentei muito Belas Artes, mas não me lembro de ir nessa época no Belas Artes, acho que não.
00:38:18
Acho que eram mais aqueles ali, porque o Gazeta era no prédio do Cursinho. Então, era o Gazetão, o Gazetinha e o Gazeta, eram os três em um lugar. Então, era fácil saltar da aula para ir para o cinema. E o Gêmini que era em frente, Gemini 1 e Gemini 2. Acho que foi um pouquinho depois. Não, acho que era na mesma época também, esses cinemas aí.
00:38:51
P1- E, Valdir, como era o trabalho com o seu pai na loja de relógios?
00:38:57
R- Então,meu pai... Ele adquiriu essa loja de uma forma engraçada, porque ele era fornecedor da pessoa que era dona da loja, aí esse cara começou a comprar, comprar, comprar e se enrolou, não conseguiu pagar, e aí a loja acabou vindo como pagamento dessa dívida, o dono ficou trabalhando lá, porque ele era relojoeiro, aquele cara que desmontava as pecinhas todas, o seu Waldemar Rodrigues, lembro até hoje o nome dele. E ele acabou trabalhando lá durante muitos anos, ele era dono e depois passou a trabalhar de empregado lá, de relojoeiro, durante muitos anos. Mas, nessa época, meu pai não ficava na loja, ele continuava na rua vendendo os relógios dele, e minha mãe em casa cuidando da gente.
00:39:58
P1- E você disse que trabalhou lá durante.
00:40:01
R- Sim, desde os 14 anos que eu trabalhei. Eu ia para lá todos os dias, ajudava a atender no balcão, aprendi a lidar com algumas coisas, com os conceitos de relógio mais simples, com as trocas de pulseiras, essas coisas mais básicas. Meu pai, para me incentivar, me registrou na carteira profissional. Não é legal nada, nunca pago salário. Eu lembro que ele me deu o dinheiro uma vez só, mas depois não, porque estava precisando de alguma coisa, sabe aquela coisa assim? Mas era o jeito dele.
00:40:58
P1- Entendi. E a sua irmã, nessa época?
00:41:00
R- A minha irmã frequentava pouco a loja, mas ficava na escola e em casa com a minha mãe. Ela chegou a trabalhar um tempinho na loja, mas tinha essa coisa da menina que tinha que ser educada de um jeito, o menino do outro, e eles eram bem assim, eles eram bem... bem ortodoxos nessa questão, então minha irmã, ela teve... A minha irmã começou a sair, mas quando eu comecei a sair, porque aí ela podia ir junto comigo. Então, ela podia ir junto comigo, a gente ia junto até a esquina, ela ia para o rolê dela, eu ia para o meu, e não tinha celular, não tinha nada. A gente se combinava de voltar junto e tinha que manter o combinado para não dar rolo. Então, a gente saía junto de casa e voltava junto para casa, mas ela ia para o rolê dela e eu ia para os meus. dificilmente a gente ia junto.
00:42:04
R- A gente ia junto até duas esquinas para baixo, até o ponto de ônibus.
00:42:09
P1- Seus rolês eram para onde, normalmente?
00:42:12
R- Era cinema. Basicamente, os meus eram cinema. Ela tinha mais amigos. A Sandra era uma pessoa mais... mais fácil, mais comunicativa, e ela tinha mais amigas, ia para a casa das amigas e não sei mais o que faziam lá, mas era basicamente isso. O meu era mais para o cinema, eu ia muito para o cinema, no centro, na Paulista, era esse o meu rolê.
00:42:47
P1- Entendi. E, Waldir, como foi o final do seu terceiro ano? Seus estudos? Você falou que fez cursinho? Começou a se focar em alguma área?
00:43:01
R- Sim, lá no Objetivo a gente tinha... Eu estudava na turma de humanas. Eram humanas, biológicas e exatas. Eu estava na área de humanas, Lá no cursinho, na época,no cursinho não, no colégio, a área de humanos era focada em administração. Eu não sabia direito o que era, o que eu ia fazer, não sei o quê, mas acabei indo para a administração. Mas era legal porque tinha muita matéria, que eu gostava, eu tinha ótimos professores de geografia, de história, eu fui aluno do Heródoto Barbeiro, que é um cara conhecido aí e tal, durante muito tempo, ótimos professores de geografia, e aí eu fui, fui pegando mais gosto por essas matérias de português, eu gostava muito de escrever. Eu sempre escrevia a minha redação e a de dois ou três colegas numa mesma aula.
00:44:17
R- Porque os moleques não queriam escrever, e eu estava lá, e eu não ia para a onda deles, para a brincadeira, não sei o quê. Escrevia a minha e depois escrevia mais duas ou três, e saía distribuindo e ganhava lá um lanche, um hambúrguer, não sei o quê. Comecei a vender composição, igual o Noel Rosa fazia. Foi um ano pesado, porque tinha a coisa do vestibular. Eu tinha feito um ano antes como treineiro, mas ainda não era FUVEST, era CC, CCEA a e mapofei. Então eu prestei o CCEA, eu acho que era de humanas. Não me lembro da pontuação. Fui mais para tomar contato com o dia do vestibular, com a prova, com aquele ambiente mais grave, mais sério.
00:45:29
R- E aí, no ano seguinte, foi quando começou No final de 76, quando eu fiz o vestibular mesmo para valer, foi quando começou a FUVEST. Aí eram duas provas, a teste, a escrita, a primeira selecionava três, aí a segunda virava três para um, para qualquer carreira. E eu prestei... Antes, eu já tinha prestado, nesse mesmo ano, eu tinha prestado para publicidade na... na FAAP, e entrei. Já tinha feito a matrícula, mas aí eu acabei entrando na USP, e claro, apesar da publicidade estar muito mais próxima do que eu gostava, do que eu queria e tal, eu acabei indo para a USP porque era a USP porque era de graça e tudo mais. Acabei não terminando esse curso, aí prestei outro vestibular, Administração. Administração eu fui...
00:46:38
R- Fiquei bastante tempo, mas fiz tudo menos estudar. Sabe aquela curva de aprendizado que falei lá atrás, do moleque suburbano sair e ganhar o mundo? Nessa fase é que me senti ganhando o mundo. porque foi no final dos anos de ditadura militar, em 1977, acho que foi o final do Geisel e o começo do Figueiredo, E ainda tinha aquela hora toda de medo. Cansei de fugir de polícia lá no campus, porque a gente ia fazer alguma manifestação e os caras vinham com o cacetete e borracha. Mas eu fiz tudo. Aí entrei para o movimento estudantil. Estudar, esquece, não é?
00:47:51
R- Eu ia para lá, já estava trabalhando lá na loja, aí eu já tinha salário e tal, não sei o quê. Então, foi o meu grito de liberdade, na verdade, foi quando eu entrei na universidade.
00:48:08
P1- Por quanto tempo você ficou nessa...
00:48:12
R- Então, na administração,eu fiquei três anos. No final do terceiro para o quarto ano, já estava lesado, já tinha um monte de matéria que eu ia ter que fazer tudo de novo, já estava perto de ser jubilado. E aí eu prestei geografia, prestei e fui viajar. A gente tinha um grupo na universidade que a gente juntava dinheiro o ano todo, e no final do ano a gente escolhia um destino e ia viajar 15, 20 dias. Aí eu prestei vestibular e fui viajar, a gente foi para o Nordeste. E eu lembro que eu estava em Aracaju, a gente ligava. Eu ligava duas, três vezes por semana para a minha mãe e para o meu pai. Estou aqui, está tudo bem, não sei o quê.
00:49:13
R- Para dar satisfação. E, em uma dessas ligações, a minha mãe disse, Val, você entrou em geografia, saiu o resultado. Você entrou em geografia, não sei o quê. Eu soube que eu tinha passado no vestibular lá. Eu estava lá no Nordeste, me divertindo. Mas o importante, acho que nesse período, o mais importante foi esse aprendizado, esse aprendizado que o movimento estudantil me deu sabe. Entender, começar a ler, entender luta de classe, começar a entender como é que funcionava o tal do sistema.
00:50:04
R- Eu era militante da Liberdade e Luta, que era um grupo trotskista. A gente vendia um jornal, o Jornal do Trabalho, para ganhar fundos, para fazer outro jornal, para panfletar e não sei o quê. Era essa a briga. Ajudei, participei, de forma bastante intensiva na criação do PT, na época com a Clara Ant, que era vereadora, o pessoal do movimento, que era o pessoal do movimento que estava na ala mais radical do PT, que eram os trotskistas. Fui muito para o bairro de semana para fazer filiação, para conseguir criar o partido. E essa foi a minha universidade. Basicamente, a geografia aconteceu a mesma coisa.
00:51:18
R- Eu fui, comecei a cursar, E aí o movimento estudantil continuou me levando para outro lado. Você estuda, você participa do movimento, não dá para fazer as duas coisas. E foi essa a minha vida nessas duas escolas, nessas duas faculdades, ambas lá na USP.
00:51:47
P1- Você disse que participou de movimentos contra a ditadura militar. Fora essas manifestações, você sofreu alguma coisa? Teve algum amigo?
00:52:00
R- Amigo, sim. Eu ia muito para a rua. Já na época em que comecei a me envolver, a repressão já estava um pouco mais não vou dizer que estava branda, mas era uma coisa menos violenta do que foi alguns anos antes. Mas ainda tinha o Fleury, o Sérgio Paranhos de Fleury, que foi um assassino. Tinha o Erasmo Dias, que era uma criatura execrável também, que era um repressor. Ia muito lá para a USP da Borrachada em Estudante. Mas a única coisa que eu sofri na época foi no primeiro de maio, no primeiro grande primeiro de maio que teve em São Bernardo, na Praça do Paço Municipal em São Bernardo, que eu levei horas para chegar, porque estava tudo cercado pela polícia e tal. Aí foi todo mundo para a igreja, para a matriz de São Bernardo, e saiu da matriz, de dentro da matriz, porque a polícia não entrava lá, para a rua, em passeata até o Paço Municipal e do Paço para a Vila Euclides, que é o estádio onde aconteciam as coisas.
00:53:34
R- E eu lembro que, na passeata, passavam helicópteros voando baixo, a polícia jogando tinta, e depois a polícia embaixo ia identificando os manifestantes que estavam na passeata e ia levando o pessoal preso. E eu não fui preso, eu me escondi até escurecer, Até escureceu, me escondi num beco lá em São Bernardo, porque estava sujo de tinta, e depois, quando estava à noite, escureceu e é que consegui voltar para casa, mas não cheguei a ser preso, mas amigos foram. Um amigo acabou indo lá para o DOPS, para o DOI-CODI, levou borrachada do Erasmo Dias – na época o Rubens é o nome dele –, Ele disse que o cara batia nele e falava assim, agora chama o... chama o Dom Paulo, que era o Dom Paulo Evaristo Arns, que era o bispo de São Paulo e que era um religioso que estava à esquerda, fazia parte daquele grupo de religiosos de esquerda, que apoiava, assim como o Casaldáliga, o Leonardo Boff... Tom Hélder. Dom Helder, exatamente. E esses caras todos eram odiados pela repressão, eram odiados, e o Rubão levava a borrachada e o cara gritava, chama o padre agora, chama o Dom Paulo. Mas assim, foi o mais próximo que eu cheguei de correr esse risco de ir preso.
00:55:28
R- Eu tinha meu nome lá nas fichinhas do DOI-COD como militante da OSI, que era a organização por trás da liberdade de luta, que era a organização socialista internacionalista, mas nunca me aconteceu nada não.
00:55:54
P1- Entendi. E você disse que participou da imprensa alternativa na faculdade, você escrevia?
00:56:08
R- Fui diretor do Cineclube na faculdade. A minha história com o cinema continuou aí. Eu que fazia a programação dos filmes lá na faculdade, ia buscar os filmes lá naquela região que era conhecida na época como Boca do Lixo, onde estavam todas as empresas de cinema, inclusive a Embrafilme. tinha Dinafilmes e tinha outras. A gente pegava os filmes lá em 16 milímetros, a escola tinha um projetor de 16 milímetros, e a gente anunciava, pegava o filme um dia, ia lá, passava o filme, levava sempre um professor, um intelectual para falar ou não. A gente discutia entre a gente mesmo lá. Sempre tinha o filme e uma conversa depois, porque essa ideia não era... não era só o entretenimento, a ideia era a formação mesmo, a formação política.
00:57:11
R- Então, a gente passou muita coisa, muito documentário, muita coisa ligada à luta de classes, a essas coisas todas. Lembro, a gente passou do Bodansky, um filme chamado Iracema, uma transamazônica, que era um filme sobre uma índia que era pega pelos madeireiros e era prostituída, não sei o quê, a trama era essa. Teve um outro filme que eu lembro, eu revi há pouco tempo, que chama O Projeto Jari, que era uma loucura de um americano – não vou lembrar o nome dele agora – que montou uma barca em uma usina absurdamente grande na região amazônica para tratar madeira, manejar madeira e tal. Ah, esses filmes, os filmes do... os filmes baseados em livros do Nelson Rodrigues. Agora está me falhando um pouco a lembrança, mas foram muitos. Eu fiz isso durante pelo menos dois anos. A gente passava um filme uma vez por semana, uma vez cada 15 dias, então foi filme para caramba.
00:58:42
R- A gente passou e tinha essa conversa toda depois. Era bem legal, me diverti bastante.
00:58:52
P1- Valdir, você ficou até que ano na Faculdade de Geografia?
00:58:57
R- Fiquei até 1984, porque eu já tinha me casado, conheci a mãe das minhas filhas. Ela fazia administração, quando a gente começou a namorar, ela já estava fazendo história. E eu estava na Geografia, aí a gente casou, em 1985 nasceu minha primeira filha, e aí eu tive que fazer uma escolha, era cuidar da vida mesmo, e aí eu fui para cuidar da vida das meninas. Hoje a Marina tem 35, não, 37.
00:59:38
P1- E como foi? Você trabalhava nessa época da geografia ainda com seu pai?
00:59:45
R- Trabalhava na loja. Eu já tinha feito curso de ótica. Eu sou ótico formado. Eu já tinha feito curso de ótica. A gente tinha saído só da relojoaria e tinha posto relojoaria e ótica. E a minha parte era cuidar da ótica, levar adiante a parte técnica toda. Isso tudo eu fiz durante muito tempo, foi o meu sustento durante muito tempo, foi esse trabalho na ótica. Ótica, lente de contato, essas coisas todas que dizem respeito ao ramo.
01:00:26
P1- E como era a relação entre você e seus pais nessa época?
01:00:31
R- Era uma tempestade, uma tempestuosa. Porque imagina, um pirralho, um moleque de esquerda dentro da casa de um janista, meu pai era janista roxo, e a coitada da minha mãe sofrendo, porque a gente discutia muito, discutia muito política, e ela ficava doente. Às vezes, a gente começava a bater boca na mesa, levantava, incontáveis vezes, coitado. E eu, na minha esquerda radical, naquela devoção ao Jânio Quadros e na falta de conhecimento e tudo mais, e assim vai. Aí ele encerrava a discussão, porque ele falava, não dá para discutir, porque você tem muitos argumentos, não sei o quê. Criou os seus também. Olha só que bicho sem vergonha. Aproveitando.
01:01:44
R- Meu pai mal tinha o primário, sabe? Era até injusto. Eu estava discutindo com ele, já tinha muito mais formação, tinha muito mais argumento. E ele sofreu com isso também. Eu não acho bonito o que eu fiz.
01:02:04
P1-E como chama a mãe da sua filha?
01:02:07
R- Carmen.
01:02:09
P1- Como foi essa mudança da época de faculdade para a vida de pai e casado?
01:02:17
R- Foi legal. Eu sempre curti assim, sempre gostei muito de ser pai. Não foi uma coisa complicada para mim, não, sabe? Eu gostava muito dessa lida de criança, de ensinar e de estar junto, de carregar no colo. Até a trabalheira que eles dão eu curtia, sabe? Então, eu curto até hoje, curto meus netos hoje, eu acho gostoso isso. E foi mais ou menos tranquilo. A gente já tinha ali uma condição econômica.
01:03:00
R- Não éramos ricos, nunca fomos, mas já éramos remediadamente classe média-média. Então, tinha um carro, tinha lá um apartamento, não nos faltava nada, dentro das nossas expectativas, e as crianças cresceram num ambiente tranquilo, e namoroso, e cuidadoso.
01:03:27
P2- Em Palmares, como era o nome da outra filha, uma era Marina e a.
01:03:33
Outra... Uma é Marina, a outra é Luísa. As duas baseadas em letras do Tom Jobim. A primeira foi do Marino e é do Dorival Caymmi, e a segunda, a Luísa, é do Tom Jobim. A Luísa é dois anos e um pouquinho mais nova do que a Marina.
P101:04:00
P1- Então, você casou em 1985 e você...
01:04:03
R- Não, não, eu casei em 1981.
01:04:06
P1- 1981 e sua filha em 1985, é isso?
01:04:10
R- Foi.
01:04:11
P1-E nessa época, você morava em qual bairro?
01:04:14
R-Eu morava na Zona Norte. Ah, não, eu cheguei a morar no Butantã na época que eu ainda estava lá na USP, mas quando a Marina nasceu, eu já morava na Zona Norte, na Água Fria.
01:04:28
P1- Entendi, e... E aí sua outra filha nasceu?
01:04:32
R- Também. A Luiza nasceu em 1987 e eu continuava morando ali no mesmo lugar.
01:04:43
P1- E durante o nascimento dela você tinha loja de óculos e relógios com o seu pai?
01:04:49
R- Durante o nascimento e boa parte da infância e juventude delas.
01:04:55
P1- Até que ano você trabalhou nessa loja e teve a loja?
01:05:03
R- Eu trabalhei lá até 2002, mais ou menos, 2003... Não, até um pouco depois, porque... Eu entrei na terceira escola que essa eu me formei, que foi de jornalismo, em 2006. Então, eu parei com a ótica mais ou menos nessa época, porque aí eu fui trabalhar num sindicato. Me dá um minutinho só.
P1- Sim.
01:05:57
P2- Hoje tá um calor.
P1- Tá, né?
P1- Nem parece que é inverno.
P2- Você já gravou a sua entrevista, sua história de vida?
P1- Ainda não. Vamos voltar, então, Valdir.
01:07:01
R- Onde é que nós estávamos?
01:07:04
P1- A gente estava falando após o nascimento das suas filhas. Você trabalhou até 2002 na... Isso, na ótica. Juntamente com seu pai, até essa data.
01:07:18
R- Meu pai não ficava muito tempo lá, não. A gente nunca teve uma... Apesar de ter trabalhado junto esse tempo todo, a gente nunca teve uma relação muito tranquila, porque ele tinha essa coisa, ela era uma pessoa muito autoritária, muito... Então, isso a gente batia muito de frente, mas assim, talvez por conveniência minha e dele também, porque, no final das contas, apesar de tudo, ele confiava em mim, e eu tinha lá uma estrutura toda que já estava funcionando e que não era muito... muito inteligente, racionalmente, sair para começar alguma coisa sozinho. Então, eu me mantive ali nessa coexistência pacífica, vamos dizer assim. Mas, nessa época, eles já pouco iam na loja, e aí eu comecei a fazer... Fui convidado por um sindicato para fazer, para escrever o jornalzinho interno deles, indicado pelo meu pai.
01:08:57
R- Me indicou lá, tal, VAL escreve bem, vai lá. Aí eu fui, comecei, e ali,eu senti a necessidade de evoluir um pouco na questão teórica, fui fazer jornalismo, e foi aí que eu botei o pé em outra carreira. Sempre trabalhei ali, sempre trabalhei nesse sindicato. Essa revista era um sindicato patronal, imagina. Eu estava... outro pato fora d'água. Mas o pessoal lá me respeitava também, eu sabia o limite, a gente não conversava muito a respeito de política, eu não me aventurava a fazer nada muito, que fosse muito de encontro aos, as ideologias deles, mas o pessoal era meio tranquilo, o sindicato era mais voltado para a prática mesmo, não tinha muita interferência política mesmo, sabe? Então eu naveguei com certa tranquilidade, mares tranquilos ali, aí do jornalzinho interno a gente criou uma revista, aí da revista evoluiu para um canal de entrevistas, no YouTube, e foi aí.
01:10:30
R- Depois que meu pai faleceu... Bom, eu não sei, se você quer mais alguma coisa, eu já estou me adiantando na história.
01:10:40
P1- Vamos voltar um pouco na infância das suas filhas. Como foi esse processo de crescimento delas, junto com o seu trabalho, junto com o seu casamento?
01:10:52
R- Eu me separei da mãe delas. Elas tinham 4 e 6 anos. 5 e 7, talvez, mas é por aí. Mas eu estava sempre muito presente, toda semana eu estava com elas. Eu fui morar em Guarulhos, aí eu pegava elas duas ou três vezes por semana para levar na escola. Enfim, eu estava muito perto e sempre quis estar muito perto, sabe? Eu sempre tive essa dificuldade e sempre briguei por causa disso, com essa coisa do pai de fim de semana, essa coisa do cara que vai lá e paga uma paga uma pensão e acha que já tá tudo certo, né? Então, assim, eu estive muito perto sempre e foi muito divertido, né?
01:11:57
R- Muito divertidas as duas. Tínhamos nossas brincadeiras, nossos passeios de fim de semana, em vários lugares, em casa. Quando fui morar sozinho, eu aluguei um lugar onde pudesse ter o espaço delas. Elas tinham o espaço delas, era a casa delas também. Mas, quando eram pequenininhas, não consigo lembrar muito de detalhes, mas, sim, eu não me traumatizei, era muito legal. Gostava muito de estar com elas, de brincar, de estar presente nessa vida delas, de ir buscar na escola e me preocupar com a parte de... A mãe delas era a pessoa mais prática do grupo, da família. Eu era a pessoa mais dada, vamos dizer assim, a parte do carinho, do sentimento, da conversa, da proximidade e tal.
01:13:17
R- Não que ela estivesse errada, eu estivesse certo, mas é o estilo de cada um. Então a gente conseguiu dar esse suporte legal, porque enquanto uma estava lá pensando mais na parte mais chata, mais prática, eu estava ali brincando e sendo mais o palhaço das meninas.
01:13:43
P1- Entendi. E como foi também sua mudança para esse período mais democrático do país, assim, você participou do movimento estudantil numa época mais repressora e depois como é que você passou por esse momento dos anos 90, depois da entrada da tecnologia, do mundo da tecnologia, como é que foi para você?
01:14:07
R- Bom, Nessa época em que eu já era pai, eu não estava muito perto do uso dos movimentos. Eu acompanhava, me posicionava sempre, mas não muito com a mão na massa, como era antes, mas sempre observando, às vezes até indo para algumas manifestações e coisas parecidas. E foi uma coisa que encheu a gente, encheu a mim e outras pessoas que viveram naquela época de repressão, de esperança, de achar que a gente nunca mais ia dar um passo atrás. Estamos aí. Não um passo, Milhas, milhas atrás voltamos, mas enfim. Democracia é boa, mas tem os seus problemas. E aí, sim, a passagem dessa coisa mais...
01:15:33
R- mais analógica para o digital. Isso eu sempre acompanhei muito. Eu sempre fui muito rato de tecnologia. Eu sempre gostei muito, sempre estive muito perto disso. Eu sempre tive computador desde que era aquela tela verde de fósforo e que a gente navegava no DOS e não tinha Windows, uma coisa que era tudo na unha. não que eu soubesse muito sobre isso, mas eu fazia as coisas que eu precisava, usando a tecnologia. E poxa, assim, a coisa caminhou para um nível nunca imaginava. Eu via Jetsons, quando era criança, em que o personagem chamava o outro por uma tela e conversava.
01:16:36
R- Nós estamos fazendo isso agora e já fazíamos isso há muito tempo. Então, é uma coisa que, se eu pensar racionalmente, é meio assustadora, não faz tanto tempo assim. A primeira vez que peguei um telefone na mão e falei alô, eu lembro, eu tinha, sei lá, sete, oito anos. Aquele telefone preto de disco e tal, não sei o quê. Então, essa mudança, eu tenho 63 anos, essa mudança nos últimos 20, talvez, 20, 25 anos foi absurda para o bem e para o mal. E é uma coisa que está aí, agora a gente tem que aprender a lidar, e vai aprendendo, e vai errando, e vai aprendendo, e vai errando. É o que está dado hoje.
01:17:43
P1- Legal. E, Valdir, agora a gente chegou no ponto do sindicato. Você estava com a loja até 2002 e continuou no sindicato?
01:17:54
R- Eu trabalhei com a loja e o sindicato ainda um pouco em concomitância, mas depois a loja eu acabei arrendando, estava só lá no sindicato porque era a brincadeira que eu gostava mais, escrever e estar metido naquele ambiente, enfim. Aí eu passei a liderar uma redaçãozinha com cinco, seis pessoas. Foi legal, um aprendizado legal, e foi tudo mesmo na unha, porque eu não era nem formado ainda. Depois é que, na faculdade, acabei tomando conhecimento dessas coisas, mas na teoria. mas foi uma experiência bacana, que foi crescendo e me dando mais leitura, me pondo em contato com a profissão, porque a faculdade de jornalismo menos é um lugar onde você vai aprender jornalismo e mais um lugar onde você vai ser posto em contato com a profissão, porque Tá ok, tem as teorias todas e tal, mas o que importa mais é o teu posicionamento, a tua leitura, o conhecimento que você adquire nessa vivência da profissão, não do curso. O curso só te instrumenta e mostra os caminhos. Vai por ali, vai por aqui.
01:19:32
P1- Legal. Aí você ficou no sindicato quanto tempo?
01:19:38
R- Eu fiquei no sindicato dez anos.
01:19:43
P1- No mesmo sindicato?
01:19:45
R- No mesmo sindicato. Dez anos. Daí aconteceu a... o comunicado interno, que acabou virando uma revista, que acabou vindo ao canal do YouTube, que está também aprendizado, aprendizado, aprendizado.
01:20:04
P1- O sindicato era onde?
R- Em Guarulhos.
P1- E o senhor morava em Guarulhos também nessa época?
01:20:13
R- Eu morava em Guarulhos nessa época.
01:20:16
P1- E qual era a sua relação com a cidade de Guarulhos? Gostava?
01:20:21
R- Não. Guarulhos sempre foi um lugar onde eu ganhava o meu pão. Nunca gostei de morar lá. O fato de eu ter ido morar lá foi mais por uma conveniência do que por gostar do lugar e tudo mais. Ficava perto do meu trabalho, era mais barato para ir e voltar do que qualquer outro lugar. mas sempre foi mais essa questão de conveniência. Não sei dizer também por que eu não gosto de Guarulhos. Acho que é um lugar que também não tenho lembranças muito boas, a não ser essa do sindicato.
01:21:11
Eu não criei raízes em Guarulhos. As minhas raízes sempre estiveram fora, e as lembranças, consequentemente, não são da cidade, são sempre fora.
01:21:26
P1- Entendi. E a sua relação com a sua irmã, sua mãe, nessa época?
01:21:32
R- Nessa época, minha mãe já era falecida. Minha mãe faleceu em 94. Nessa época, minha mãe já era falecida. A minha irmã depois que minha mãe faleceu, ela se mudou para os Estados Unidos. Ela mora lá até hoje, em relação distante. Ela tem a vida dela lá, diferente da minha. A realidade dela é outra. Ela mora na Califórnia.
01:22:06
R- Ela tem os valores delas, são diferentes dos meus, ela tem muito dinheiro. Enfim, é uma pessoa com quem me relaciono, mas mal. Não é uma pessoa com quem eu digo que sinto saudades, quero perto. Não, é a minha irmã. né, mas é distante, é distante.
01:22:41
P1- Entendi. E quando foi, qual foi o ano que você saiu do sindicato?
01:22:48
R- Eu saí do sindicato em 2014. que foi quando eu saí, no meio de 2014, e no final de 2014 eu vim para cá, para Florianópolis.
01:23:07
P1- E por que aconteceu essa mudança?
01:23:09
R- Ai, ai, ai, essa é uma história longa, mas eu vou contar. Bom, no final dos anos 1990, 1999, 2000, Eu estava separado em 2016, é por aí. E aí eu participava de um grupo no ICQ. Não sei se você sabe o que é o ICQ. Então era isso, era o pré-WhatsApp, o proto-WhatsApp. Eu participava de um grupo de discussão científica sobre a ótica, que era uma pessoa daqui que tinha criado esse grupo, e a gente ia lá, escrevia, discutia assuntos científicos e, às vezes, políticos, e era um grupo muito muito reacionário, eram pessoas muito conservadoras, e, mais uma vez, o Waldir, o pato fora d'água. Mas aí conheci uma mulher, uma moça, que era filha do cara que criou a rede. E a gente começou a se conversar, e a gente tinha os pensamentos muito parecidos, e a gente começou a se gostar.
01:24:54
R- Não sei quando foi, mas um tempinho depois, mais dois, três anos depois, que ela, na época, estava casada, E aí ela se separou e eu, por acaso, a vi numa... A gente passou um tempo sem contato, porque o grupo acabou e tal. Uma vez eu a vi numa das redes sociais, acho que já tinha... Acho que era o Orkut, viu? Até. E aí eu fiz contato. Aí ela me falou, disparada, era bom. Aí eu vim pra cá, pra conhecer e tal, aí a gente começou a namorar, aí eu comecei a vir a cada duas semanas, três, uma vez por mês, eu vinha pra cá, a gente conversava muito pela internet, e eu comecei a vir de vez em quando pra cá, nesse inteirinho, eu sempre Eu sempre tive um medo absurdo de andar de avião, porque é uma coisa incontrolável.
01:26:04
R- E eu vinha de carro, imagina, são 750 quilômetros, é um parto. Mas eu vinha. Mas aí eu comecei a falar, não, eu não posso ficar assim, sabe? Aí eu comecei, antes de viajar, passar no meu médico, pedir um diazepam para ele, porque aí eu tomava um diazepam e via tranquilinho, né? Voava, porque era uma maravilha. Mas também não está bom. Aí eu comecei a me informar sobre aviação, fiz terapia, não sei o quê, e passou. e passei a não ter medo mais de voar, baseado no meu conhecimento, porque comecei a ler tudo o que podia, a assistir tudo o que podia entender daquele negócio, os barulhos, o que era uma coisa e o que era outra.
01:27:03
R- Aí comecei a vir de avião, Comecei a aprender a comprar passagem barata, comecei a vir mais vezes. Para não ficar na casa da mãe dela, porque eu estava morando com a mãe, é chato, não sei o quê, eu aluguei um apartamentozinho aqui na região onde ela morava. Eu tinha aqui a minha segunda casa, vinha para cá e ficava um pouco mais de tempo. Eu tinha uma agenda mais ou menos fácil e tranquila lá no sindicato, que me permitia me ausentar quatro, cinco dias, sem nenhum problema. Aí eu comecei a vir para cá, estabeleci esse apartamento aqui, E, nessa época, minha filha mais velha, Marina, ela estava morando nos Estados Unidos. Ela foi ser au pair dos Estados Unidos, em Pittsburgh, mais ou menos na região nordeste dos Estados Unidos, estado da Pensilvânia. Bom, para encurtar um pouco o assunto, ela ficou lá uns três, quatro anos, aí conheceu uma pessoa lá, começaram a namorar, ele é argentino, e aí eles queriam voltar para cá, para o Brasil. Ela não queria ir para São Paulo, mas não queria ficar muito longe.
01:28:44
R- Onde eu morava e morava a mãe dela, e mora ainda. Ele não queria ir para a Argentina, mas não queria ficar muito longe. Acharam que Florianópolis seria um meio do caminho legal e estabeleceram residência, vieram para cá, logo em seguida, a gente acabou desfazendo o namoro com a Bianca, que é aquela moça que falei no começo. E eles acabaram ficando no apartamento que eu morava. Ficaram aqui. Quando o meu pai faleceu, E eu saí lá do sindicato, já tinha dado para mim também. Aí eu resolvi vir para cá. Eu estava casado com outra pessoa.
01:29:46
R- Resolvi vir para cá para morar, porque a Marina já morava aqui e tal, não sei o quê. Aí viemos em final de 2014, começo de 2015, Ela se casou na Argentina, eu fui no casamento, arrumei uma casa aqui e passamos a morar eu com essa moça com a qual eu estava casado, aquele que não é a Bianca. Nesse vai e vem de gente, de mudança, não sei o quê, eu acabei me separando novamente e acabei encontrando quem? A Bianca novamente. com quem eu namoro, ela é minha namorida até hoje. A gente já se reencontrou há quase quatro anos, não vivemos juntos. Já tentamos até, mas ela tem uma filha adolescente e acaba dando mais problemas, então ela resolveu morar na casa dela, eu moro na minha, mas a gente continua namorando com o nominho na aliança, essas coisas todas.
01:31:00
R- E, por isso, a minha vinda para Florianópolis foi nessa. Vim atrás de ficar com a minha filha mais velha, porque ela estava morando aqui, nasceu o primeiro neto, e acabei, com o tempo, reencontrando a Bianca e, bom, agora estou aqui. A Marina foi embora para a Argentina, mora na Argentina agora. A Luísa, que é a mais nova, mora em São Paulo ainda. Não mora com a mãe, mas mora em São Paulo.
01:31:28
P1- E qual a sua relação com a cidade de Florianópolis, sua ocupação aí?
01:31:34
R- A minha ocupação aqui, hoje, eu vivo em parte com a renda de alguns imóveis em São Paulo e em parte com o trabalho de revisão e preparação de livros. O trabalho do museu é voluntário, mas eu recebo de editoras. E a minha relação com a cidade é a melhor possível. Eu adoro viver aqui. Vivo pensando como é que eu não descobri isso aqui antes, sabe? Porque é um lugar... Tem o meu número, é uma cidade pequena, mas tem um certo ar de capital, onde você encontra algumas coisas. Sinto falta de cultura, porque aqui é muito...
01:32:39
R- muito ruim. Os Sesc, que são em São Paulo uma fonte inesgotável de shows e não sei o quê, aqui eles são muito fracos. Eu costumo até dizer para a Bianca, a gente estava até comentando, que os artistas fazem a programação assim. Vem lá, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Porto Alegre. Florianópolis dificilmente entra na agenda deles, e é verdade, dificilmente. Não sei se é porque não tem público, o público aqui é muito ruim. E o meu único senão à cidade, ao Estado, é que é um lugar extremamente conservador, extremamente conservador. A direita é muito pesada aqui, Eu coloquei até o lencinho, às vezes eu saio com esse negócio amarrado, mas saio com medo.
01:33:41
R- O chapeuzinho do MST e tal, não é para todo lugar que eu vou, porque a barra é pesada aqui mesmo. A gente tem que se manifestar numa bolha, a gente vai para a manifestação, quando elas acontecem, mas tem uma certa proteção, porque tem sempre muita gente, mas se apresentar sozinho, virar alvo, é meio complicado. Essa é uma questão que me chateia um pouco aqui, essa questão do conservadorismo, que é muito pesado. É o conservadorismo que beira o nazismo, o fascismo. Vocês ouvem muita história de o que acontece aqui com essa turma aí da direita raivosa. E, no mais, eu amo isso aqui. Eu acho que é um lugar perfeito, eu moro num bairro no sul da ilha, que é uma região...
01:34:51
R- Eu não vou dizer que é rural, mas é menos urbanizada do que o resto. É bem próxima do centro. Eu moro no Campeche, num bairro chamado Campeche. Uma praia aqui na minha esquina. Não que eu seja um rato de praia, mas é bom sentar na beira da praia, ver o mar, ler um livro. Isso assim, o meu canto aqui é hoje. Eu vou para São Paulo de vez em quando, por necessidade. Esse fim de semana a gente foi, eu, a Bianca e a Helena, que é a filha da Bianca.
01:35:31
R- Ela queria muito ir na Bienal do Livro, a gente foi. Mas assim, é ficar por um pouquinho de tempo, passear nos lugares legais e tal, e bora para o sossego. E é isso, a relação com a cidade é essa, é uma relação de muito amor. E respeito à cultura, a questão cultural, a cidade foi fundada por imigrantes açorianos, das ilhas dos Açores. E aqui no sul, principalmente, essa questão do manezinho, do autoctone, é muito legal, é muito bonita. As festas, as manifestações, como tem no Nordeste do Boi Bumbá, que tem o Boi do Mamão, que é uma coisa parecida, uma festa pagã, que junta um pouco da religiosidade e tal. A pesca da Tainha, que é um evento que mobiliza a cidade inteira, e é quando os pescadores artesanais têm a sua época de fartura. E essa relação com a cidade é legal, porque tem alguns núcleos aqui ainda que são muito preservados, aqui perto tem, que tem mais lá para o centro da ilha, que são núcleos ainda que mantêm a arquitetura colonial, da época da colonização.
01:37:07
R- O único problema é chamar Florianópolis em homenagem ao Floriano Peixoto, desgraçado, que matou um monte de gente aqui e ainda fez o povo engolir o nome dele no nome da cidade. É.
01:37:23
P1- O que temos. E, Valdir, qual é a sua relação com o Museu da Pessoa? Como você conheceu o museu?
01:37:34
R- O museu da pessoa eu já conhecia de fuçar, de pesquisar, mas a minha entrada foi a partir de um e-mail de um aplicativo que eu não me lembro o nome, que me achou, não sei como, essas coisas que os algoritmos não explicam. E aí eu entrei em contato e deu certo, funcionou, já estou até hoje aí, que é uma coisa que eu amo fazer. Ando meio distante agora um pouco, porque eu estou insetando um outro trabalho, que está me tomando um pouco de tempo, mas o museu é para mim sempre uma... um oases, onde eu saio do que está em torno e entro naquela história. No começo, eu tinha medo de interferir muito, mas comecei a entender o mecanismo de manter a coloquialidade, mas deixar a história mais fluida, mais palatável. Isso, para mim, é uma delícia fazer. Eu amo fazer, diferente do trabalho que faço para as editoras, que é um trabalho mais duro, mas a gente pega um texto baseado na norma culta e tem que trabalhar esse texto de uma maneira mais técnica. No museu, não.
01:39:15
R- No museu é como se eu tivesse só consertando uma conversa, consertando entre muitas aspas. Essa é a minha relação. Adoro, é uma coisa que eu amo demais fazer.
01:39:32
P1- E seus sonhos e projetos para o futuro?
01:39:37
R- Bom, eu estou voltando... Há muito tempo que venho procurando alguma coisa. Cheguei a abrir uma cervejaria, na época em que estavam em moda as cervejas artesanais, que ia bem, mas na época da pandemia o negócio degringolou, eu fechei, fiquei sem dinheiro. Comecei a procurar alguma coisa que eu pudesse sair um pouco de casa. E eu descobri um fabricante de óculos, um cara que fabrica óculos à mão ainda, em Montes Claros, Minas Gerais. E eu vou começar a trabalhar, trazer esses óculos para cá e começar a fazer uma venda, uma ideia de fazer uma venda meio que pessoal, na casa, porque eu tenho conhecimento adquirido, eu trabalhei 40 anos com ótica. Então, o visagismo, o conhecimento técnico do que precisa da lente, tal, não sei o quê, isso já me coloca um pouco adiante. Eu não comecei ainda porque não vieram as peças, é um negócio ainda demorado, porque é feito à mão mesmo, é realmente feito à mão, é acabamento e tudo mais, então é um processo meio demorado.
01:41:00
R- Mas é isso, o que eu basicamente vejo no meu horizonte próximo é isso. No meu horizonte mais distante, eu não sei, é uma coisa que... Eu curto assim, eu não sou uma pessoa que guarda dinheiro, então eu gosto de viajar. Eu sou um... Eu digo para mim, eu sou um bilhardário, um milhardário, aliás, porque eu sou cliente do Smiles, então, quando sobe umas milhas, a gente inventa alguma coisa e vamos para algum lugar. Agora, como uma pessoa não tem mais medo de andar de avião, a gente vai aí dois, três dias. E essa é a minha onda agora, viajar, andar por aí e fotografar sempre. Aliás, uma coisa que a gente não falou, mas a fotografia sempre foi uma coisa que esteve muito próxima da minha vida.
01:42:02
R- Cheguei a trabalhar, antes de ser jornalista, de fotógrafo num jornal em Guarulhos. Eu fotografava para uma coluna semanal, eles tinham uma coluna que era a última página, uma coluna cultural que fazia entrevistas, eu ia com os jornalistas, que o que fazia entrevista eu ficava lá clicando. Até tenho até hoje uma câmera fotográfica tatuada no meu braço. E a fotografia sempre foi uma coisa que eu estive mais perto, mais longe, mais longe, mais perto e hoje eu estou muito perto, eu tenho saído muito, fotografado muito por aqui, né?
01:42:49
P1- Legal. Dalvacy, quer fazer alguma pergunta?
P2-Sim. Como é que você se relaciona com ser avô? chegar aos 63 anos, nesse momento, nessa contemporaneidade que nós estamos.
01:43:16
R- Bom, aí são duas coisas. Ser avô é uma coisa que, para mim, é... Sei lá, é difícil até de explicar. Eu adoro, eu sou... Eu sou o cavalinho deles. Menos agora, porque eles estão na Argentina, então fica mais difícil um pouco. Mas é uma coisa muito querida para mim. E são os três pequenos.
01:43:44
R- Um tem sete, cinco e três. Então é uma idade maravilhosa. Eles estão muito abertos a qualquer coisa, a brincadeiras, a invenções. Bem do jeito que eu gosto e que eu criei as meninas. Então, para mim, é um prazer, é uma coisa muito legal, é reviver os... o passado de pai, mas eu não sou pai com açúcar não, sabe? Eu também ajudo a educar, essa coisa que eu vou deixar fazer tudo o que os netos querem não funcionou muito comigo não. Mas é uma coisa adorável, é uma coisa que a gente nem...
01:44:36
R- É até difícil de dizer e refletir sobre o quanto é bom, porque é muito sentimento. Sentimento a gente sente, a gente não fala muito, a gente sente, sente, sente, né? É muito bom, é muito bom ouvir eles falarem, é muito bom ouvir chamar de vovô, é muito bom ouvir eles agora falarem misturado com o espanhol, com o português, e é muito bom ouvir eles me chamarem de vovô careca e não sei o quê, essa coisa toda que era essa relação que eu tinha com as meninas, né? Agora, a contemporaneidade é uma coisa que me assusta um pouco, porque talvez acho que está tudo meio descontrolado. Isso não é uma crítica à tecnologia, mas acho que essa onda de tecnologia que aproximou muitas pessoas deu voz a muita gente ruim, a muita gente despreparada, a muita gente... Má. Não tem outro adjetivo gente do mal né, isso me preocupa muito inclusive com relação às crianças, com relação à própria Helena, que é a filha da Bia, que eu amo também e que é praticamente a minha filha também.
01:46:19
R- E isso me assusta um pouco. Por outro lado, tem essa coisa de a gente cuidar e aproveitar esses acessos todos, que a gente tem a informação, a cultura, essas coisas todas que não dá para jogar fora, não dá para ignorar, porque o país está passando por essa fase ruim, o mundo está passando por essa fase ruim. Tem as contemporaneidades dos… dos filósofos aí, mas eu prefiro ficar nesse pensamento do que eu vivi na era não digital e do que a gente vive agora. Eu gosto mais de agora. Para te falar bem a verdade, eu gosto mais de agora. Esse acesso todo que a gente tem, essa busca toda, acho que a gente vai aprender a lidar, mas tem que ter um caminho grande, porque isso passa por cultura, passa por conhecimento histórico, passa por... a expansão da cultura, dá acesso às pessoas.
01:47:56
R- A cultura de massa entrou em uma vibe muito pesada, a gente vê o que passa na televisão, por exemplo, música que toca no rádio, isso tudo. não é porque as pessoas gostam, é enfiado goela abaixo, é um plano que está sendo feito. Isso não é teoria do caos, não, mas é uma coisa que é pensada, de certa forma pensada. Não, de certa forma nada, é pensada mesmo para deixar um pouco os olhos das pessoas e para manter, para que a dominação ainda seja fácil de ser mantida, a dominação da grana, A gente vê que o que acontece aqui é reflexo do que acontece lá nos Estados Unidos, é reflexo e é interferência do que acontece aqui com o que acontece lá. Eles interferem, obviamente, interferem em tudo quanto é lugar. Acho que é isso. É uma época que a gente tem que viver assim, a gente vive no fio da navalha, sabe?
01:49:33
R- Então, dependendo do passo que você dá, que você vai dar, você pode fazer uma grande besteira, enfim. Com relação aos próprios filhos, aos netos, acho que tem que ter consciência e saber dosar essa questão de acesso à informação. E é tudo julgamento, informação ruim e informação boa. Não tem informação ruim e boa. Tem informação que o meu juízo de valor julga como ruim ou que o meu juízo de valor julga como boa. Então, a gente vive baseado nos nossos próprios juízos de valores, assim como me preocupei de fazer um cenário ali atrás.
01:50:26
P2- Um cenário!
01:50:28
R- Está coladinho ali, é um guarda-roupa, aquele lencinho ali. Até uma vez o museu me pediu uma foto, durante a pandemia, eu ajudei a fazer uma inserção de histórias curtas e tal, e depois me pediram uma foto para me apresentar. E eu mandei uma foto que para mim é muito representativa, que é uma foto que eu tirei no final dos anos 80, numa manifestação, e o museu meio que ratiou, não quis publicar, não sei o quê. O que é essa foto aqui? Essa foto aqui foi feita numa manifestação lá na Praça Charles Miller, no Pacaembu. E, por acaso, por um acaso muito legal, nesse mesmo dia eu morava lá no Butantã. Eu fui para o Butantã e parei em um boteco para tomar uma cerveja depois da manifestação e vi o pai da criança. E chamou a atenção, era uma figura fácil de perceber, porque era um negro alto, com dread e tal.
01:52:02
R- E aí acabei até ampliando uma foto dessa, dando para ele de presente e tal. Eu me perdi. Eu estava dizendo...
01:52:13
P2- Não, era isso mesmo, a foto que você...
01:52:21
R- Que o museu achou que ia ser muita manifestação política, mas não, isso aqui é o retrato de um momento. Enfim, não entendi muito bem por que eles não quiseram, qual foi a censura, mas houve censura.
01:52:42
P1-Entendi. Valdir, você gostaria de incluir, a gente tá caminhando para o final aqui, você gostaria de incluir alguma memória que a gente não perguntou, alguma coisa que é importante para você na sua vida e que não foi perguntada ou que agora você revive, assim, de repente?
01:53:07
R- Não, Cláudia, o que eu me lembrei, que eu falei, poxa, não falei justamente da fotografia, da minha relação com a fotografia, mas acabei lembrando e falando, eu podia até ter falado mais, porque eu tive laboratório de fotografia preto e branco, essas fotos aqui, nem essa aqui, eu revelei, eu ampliei, era uma coisa que era feita ali meio na unha, num quartinho escuro que eu tinha na loja. Quando eu tinha tempo, eu ia lá, me fechava na sala, com a luz vermelha acesa, e ficava ali eu, os meus negativos, os meus químicos e as minhas ampliações. E eu tenho muita coisa. Hoje eu publico muita coisa dessa época no Instagram. Eu tenho muita foto antiga. Hoje eu arrumei um scanner, inclusive para escanear negativos antigos que eu não tenho ampliados, para digitalizá-los. Estou começando a fazer isso novamente, tenho publicado algumas coisas. E que é uma memória forte na minha vida, essa coisa da fotografia.
01:54:21
R- Mas acabei falando dela. Não passamos, mas nós falamos.
01:54:26
P1- Legal, Valdir. Muito obrigada.
01:54:30
R- Eu que agradeço. Isso aqui é quase uma terapia. Dá para a gente fazer de novo?
01:54:39
P1- Proviva novas memórias. Isso é incrível.
01:54:42
R- É incrível, sabe?
01:54:43
R- Puxa, é fácil.
01:54:44
R- A gente está há duas horas falando aqui. Foi muito fácil, muito gostoso.
01:54:48
P1- Às vezes, amanhã, você vai falar, esqueci disso. Acho que é normal isso a cada dia..
01:54:55
R- Eu vou falar mais uma coisinha. Eu fiz meu trabalho de formatura, o TCC, baseado no mercado municipal de São Paulo. Eu me enfiei um ano numa pesquisa lá, Escrevi um livro-reportagem, que também é uma marca forte na minha vida, no que diz respeito de lembranças da infância, lembranças cinestésicas, inclusive, aqueles cheiros todos, do mercado, aquela coisa. E eu, por acaso, fui ontem lá, passei, e aquilo vem novamente, aquele cheiro de tempero, com queijo, com azeitona, com bacalhau salgado, com aquela coisa toda. E o meu trabalho de conclusão foi esse, foi um trabalho que fiz no mercado.
01:55:48
R- Acho que basicamente é isso.
P1- Desde que você fez o seu trabalho, o próprio mercado mudou um pouco diante do que você vê agora?
01:56:00
R- Mudou, sim. O mercado já virou um ponto turístico, caro para caramba, é proibitivo para consumir. Eu vou lá mais para consumir sensações, no máximo um pastelzinho, porque para comprar coisa não, você compra no entorno ali, é muito mais barato. Mas o mercado para mim tem outra vibração, é vibração da infância, dos cheiros, dessas coisas todas. Tá chato, tá muito cheio de gente, muito turista, mas é o caminho, né? O pessoal lá tá atendendo de dinheiro. Se eu tivesse uma banquinha lá, eu tava feliz também. Ia estar feliz também.
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