P - Lúcia, muito bom dia, obrigada por ter vindo.
R - Bom dia. Obrigada também pelo convite.
P - Disponha. Eu gostaria que você começasse o depoimento falando pra gente o seu nome completo.
R - Maria Lúcia Araújo e Silva.
P - A data e o local de nascimento.
R - Eu nasci em Teresina capital do Piauí no dia 16 de março, período chuvoso, do ano de 63.
P - Lúcia, qual o nome completo dos seus pais?
R - Frutuoso Rodrigues de Araújo e Joana Sabina da Silva Araújo.
P - Qual que era a atividade profissional deles?
R - Ele da agricultura, de uma família de agricultores, mas que se tornou comerciante e a minha mãe doméstica.
P - Você tem irmãos?
R - Tenho seis irmãos. Deveria ser sete, teve um que faleceu ainda criança.
P - E qual que é a sua colocação dentre eles?
R - Eu sou a quarta.
P - O que eles estão fazendo por hoje?
R - Aliás, eu queria corrigir, são cinco irmãos, deveriam ser seis. O que que eles estão fazendo?
P - Fala um pouquinho sobre isso?
R - Uma bateu em retirada de Teresina para Brasília, é a mais velha, mas ainda se formou em curso superior de Odontologia em uma universidade pública, do Piauí, constituiu família e está residindo em Brasília também com um piauiense. E o segundo está no Ceará morando em Fortaleza, trabalha como taxista. O terceiro fica em Teresina também como representante na área comercial, representa venda de peças de veículos. O quarto que já é depois de mim, entra na mesma área junto com esse irmão que trabalha com representação e o último, o mais novo, ele também mora em Brasília na área comercial, mas como empregado de escritório.
P - Lúcia, você passa a infância em Teresina?
R - Toda infância nascida e criada em Teresina.
P - Conta um pouco dessa infância pra gente? Como que era Teresina na sua infância e do que você gostava de brincar?
R - A nossa família tinha, mais ou menos, cinco anos de residência na capital vindo da região semi-árida...
Continuar leituraP - Lúcia, muito bom dia, obrigada por ter vindo.
R - Bom dia. Obrigada também pelo convite.
P - Disponha. Eu gostaria que você começasse o depoimento falando pra gente o seu nome completo.
R - Maria Lúcia Araújo e Silva.
P - A data e o local de nascimento.
R - Eu nasci em Teresina capital do Piauí no dia 16 de março, período chuvoso, do ano de 63.
P - Lúcia, qual o nome completo dos seus pais?
R - Frutuoso Rodrigues de Araújo e Joana Sabina da Silva Araújo.
P - Qual que era a atividade profissional deles?
R - Ele da agricultura, de uma família de agricultores, mas que se tornou comerciante e a minha mãe doméstica.
P - Você tem irmãos?
R - Tenho seis irmãos. Deveria ser sete, teve um que faleceu ainda criança.
P - E qual que é a sua colocação dentre eles?
R - Eu sou a quarta.
P - O que eles estão fazendo por hoje?
R - Aliás, eu queria corrigir, são cinco irmãos, deveriam ser seis. O que que eles estão fazendo?
P - Fala um pouquinho sobre isso?
R - Uma bateu em retirada de Teresina para Brasília, é a mais velha, mas ainda se formou em curso superior de Odontologia em uma universidade pública, do Piauí, constituiu família e está residindo em Brasília também com um piauiense. E o segundo está no Ceará morando em Fortaleza, trabalha como taxista. O terceiro fica em Teresina também como representante na área comercial, representa venda de peças de veículos. O quarto que já é depois de mim, entra na mesma área junto com esse irmão que trabalha com representação e o último, o mais novo, ele também mora em Brasília na área comercial, mas como empregado de escritório.
P - Lúcia, você passa a infância em Teresina?
R - Toda infância nascida e criada em Teresina.
P - Conta um pouco dessa infância pra gente? Como que era Teresina na sua infância e do que você gostava de brincar?
R - A nossa família tinha, mais ou menos, cinco anos de residência na capital vindo da região semi-árida os dois de municípios que extremam com Ceará, são regiões bastante críticas e eu nasci na periferia urbana ali daquela capital e vivia em casa. Não era de viver na interação com muita vizinhança, na realidade era muito limitado por rigor, da família, o meu pai principalmente ele preferia encontrar e ter todo mundo em casa. E a minha mãe também como uma pessoa vinda do interior, também pouco interagia com a vizinhança, apesar dos dois terem boas relações, mas eles preferiam e cuidavam de ter as crianças dentro de casa e, como dizia o meu pai, teriam que estudar pra não passar o que ele passou. Nesse sentido a gente era orientado sem muito acompanhamento porque eles tinham muitas limitações. A minha mãe mal iniciou o primário em sua época, basicamente se alfabetizou pra fazer a sua assinatura e o meu pai que se estendeu um pouco mais, mas também se limitava à leitura. Então a gente se voltava aos estudos no sentido de garantir a superação dos problemas postos por eles, da vida do interior da capital pra buscar uma nova vida e que a gente deveria estudar. Então eu brincava mais em casa. Como tem uma diferença grande de idade minha e da minha irmã e aí terminava que ela era também a primeira e a mais estudiosa não promovia a relação das mulheres de casa pra brincar. Ajudava a minha mãe em casa e ao mesmo tempo estudava, reduzindo o tempo de brincadeira.
P - Você ficou em Teresina a sua vida inteira, a infância inteira até que idade mais ou menos?
R - Eu sempre morei em Teresina, eu nunca saí de lá.
P - Você nunca saiu de lá?
R - Nunca saí de lá. Eu só mudei, tive duas residências em Teresina: nós morávamos numa região sul, também na periferia, e meu pai tinha residência pra trabalho praticamente porque tinha uma separação da minha mãe. Não era uma separação total no sentido de desvincular da família, ele tinha presença em casa, mas como ele trabalhava com comércio ele terminava se instalando mais. Então essa residência de trabalho dele terminou sendo afetada por uma mudança da estrutura proposta pela cidade, pela prefeitura em sair e tirar as famílias pra abrirem avenidas. Então nesse caso a gente passava por crises financeiras e como ele recebeu uma nova oportunidade de instalar o comércio dele na outra região norte da cidade, praticamente na época a área era rural, então ele aproveitou a oportunidade de ter um novo terreno, uma nova possibilidade de uma casa, que por sinal, muito mais simples, transferiu a nossa residência total pra que na negociação ele pudesse reforçar o comércio dele que já estava numa fase muito crítica de falência. Então foi um problema que gerou uma oportunidade que não gerou muitas vantagens, mas tirou da crise, do aperto.
P - O seu pai fazia comércio com o que?
R - Era venda de bebida, legumes, cereais.
P - Tipo um mercadinho?
R - É, tipo mercadinho.
P - Secos e molhados.
R - Exatamente. Mas na época era chamado de quitanda, comércio, barraco. Ele terminava vendendo, instalando esse barraco pra gente também ajudar em casa.
P - Lúcia e os seus estudos, você também estudava perto da sua casa? Como é que era?
R - Na primeira residência tinha uma certa distancia. Aproximadamente três quilômetros. Terminei nunca observando a dimensão da distancia. Todos de casa estudavam lá. Então a gente juntava com a vizinhança pra ir caminhando pra escola. E na outra residência já ficou bem mais perto, talvez, a metade do caminho, um terço, alguma coisa assim. Então, foi apenas o primário, os quatro primeiros anos, na época o primário. E em seguida para o ginásio a gente teve que pegar transporte porque só teria no centro da cidade. Então a gente já se deslocava através de ônibus.
P - E você na infância, vislumbrava alguma profissão que quisesse ter, tinha algum sonho de uma carreira?
R - Não. Na realidade a gente era incentivado a estudar, mas a gente não tinha muito a orientação e ia estudando. O nível que a gente tinha era a orientação de estudar pra melhorar de vida. Pra estimular, pra ter acesso a melhores trabalhos, a profissão que pudesse viabilizar uma melhor condição financeira, mas, assim, a principio a nível de infância, a nível de até o ensino fundamental, eu não trabalhava assim com nenhuma definição profissional. Não tinha nenhum horizonte , algo que despertasse o interesse.
P - Como é que era se divertir naquela época em Teresina?
R - No Piauí a gente tem, agora bem mais tímido, mas antes tinha um trabalho bom de bumba-meu-boi e a gente ainda quando criança na primeira residência a gente fazia brincadeiras de bumba-meu-boi na porta. Era a oportunidade de reunir as crianças mais próximas. Então ali todo mundo se trajava à medida que podia, ia arrumando as coisas de casa, pegava lata pra fazer o som, então a gente fazia a brincadeira do bumba-meu-boi. Mudando de residência, até por ser residência nova, novas pessoas, novas relações, e a gente continuava com aquele regime orientado de caseiro, da família, então a gente se limitava à noitinha alguma brincadeira de contar história na porta de casa, escutar os pais, os vizinhos contarem histórias e aí por ali a gente ficava porque também era orientado dormir cedo. No primeiro plano não tinha energia, então não tinha uma noite longa. Então no entardecer ao final da noite. Os meninos tinham mais alternativas porque eles jogavam bola na porta de casa, mas no caso das mulheres praticamente inexistia alternativa coletiva oferecida pela comunidade. Então era a coisa mesma ainda da vizinhança.
P - E o curso científico? Você muda de escola de novo ou você continua na mesma escola que você fez o ginásio?
R - Terminando o ensino fundamental, na época chamado de ginásio, o meu pai fez uma interferência. Eu pedia, a exemplo da minha irmã mais velha, ela teve oportunidade de fazer o chamado científico, que é o segundo grau que hoje é o médio. Então ela sempre foi muito estudiosa e eu me espelhava e ia acompanhando. E como ela teve uma oportunidade de preparação de vestibular pra ir pra universidade eu achava que poderia alcançar, mas ao mesmo tempo a gente acompanhava o aumento da crise financeira da família. Primeiro porque o meu pai ele sempre orientava o seguinte: “ninguém vai trabalhar”. Mesmo que a gente passasse pela pior situação a financeira em casa e limite de alimentação. Ele não admitia porque achava que se a gente fosse estudar ou trabalhar não estudava se fosse estudar poderia parar e não resolvia o avanço da qualidade de vida da família. E aí nesse sentido ao mesmo tempo ele se via mais limitado. A minha irmã, por exemplo, ao iniciar a universidade já demandava mais despesa pra ele. Então o próprio curso em si que era odontologia, tinha hora que ele não conseguia comprar o livro, não conseguia comprar o equipamento pra ela. E ele resistia que ela não deveria ainda trabalhar pra fazer um bom curso. Então ele tinha essa grande resistência. Mas na minha hora, já era a terceira, a quarta, então eu queria o científico e preparação pra entrar pra universidade, mas ele já me pediu que fizesse o curso técnico porque viabilizava entrar logo no campo de trabalho. Então a resistência já começava a quebrar porque não tinha mais jeito. Ele lutou muito com o segundo que já não queria muito estudar, o terceiro que estudava dentro do seu limite e então quando eu quis avançar ele já segurava achava que já estava na hora de alguém pra ajudar. Então foi quando eu fui fazer o curso na Escola Técnica Federal, que é hoje o CEFET, e fui fazer o curso de Contabilidade. Fiz o curso de contabilidade e antes de terminar o curso, aliás, vale lembrar que mesmo com a resistência dele pra gente trabalhar, mesmo a gente sofrendo limitações eu trabalhava escondido. Lá perto da minha casa tinha uma área que ela é rica em argila, barro pra cerâmica e tem um serviço muito pesado que toda comunidade se envolvia: crianças, jovens, adultos, mulheres, homens, idosos. Era a segunda base de sobrevivência da comunidade; a primeira era a pesqueira, que a nossa comunidade era à margem de um rio. E o que eu vi de alternativa pra eu fazer seria ir lá pra eu trabalhar nessa área de produção de tijolos. E essa produção ela tem vários níveis. Tem quem escava, faz barreiros pra tirar a terra, geralmente os homens fazem esse trabalho. E existe o que faz o tijolo, o que põe no forno pra assar, o que tira do forno assado pra organizar as quantidades chamadas em milheiros, pra venda. E essa de tirar pra por no caminhão pra levar já vendido. Então esse serviço de tirar do forno e organizar é o serviço que envolve muitas crianças e mulheres, e eu me inseri nesse bloco. Na minha faixa de adolescência, como já disse, o meu pai ele era separado parcialmente. Ele vinha do comércio dele, almoçava, passava à tarde descansado e como ele já atendia, à noite então ele voltava à tardinha. Então eu pegava esse intervalo que ele dormia, pra ir lá no trabalho, ajudava um pouco e voltava antes dele acordar pra não me pegar no trabalho.
P - Sua mãe sabia?
R - A minha mãe sabia, mas é porque sabia que era pra comprar as calcinhas e que era pra suprir as minhas necessidades. Então ela concordava. Isso foi na faixa aí de oito a dez anos quando eu ainda estudava ali na comunidade e que também dava conta de ir lá.
P - Desculpe, só pra registrar, como é que era o nome dessa comunidade e desse rio que vocês...?
R - Comunidade o bairro Afonso Marfrense e o rio é o Rio Poty. Na realidade a gente mora no encontro de dois rios: o Rio Parnaíba que é o rio que divide Piauí do Maranhão e o Rio Poty, que ele vem aí também da região do Ceará, que, por sinal, era um local com muita concentração de indígenas, muitos índios e índias foram mortos ali. Ali começou o bairro Poti Velho que é a grande região que se situa essa nova comunidade. Porque quando a gente foi pra lá foi um loteamento feito pela prefeitura pra trazer aquelas famílias que traziam de outras regiões que estavam fazendo os serviços urbanos. Com relação a esse trabalho fiz esse trabalho quando comecei o ensino médio, meus 15 anos, eu me inseri num trabalho que ali naquela época era uma campanha em nível de governo federal pra avançar com a alfabetização de adultos e eu já estava fazendo um trabalho voluntário de militância pastoral naquela comunidade desde os 12 anos, então eu terminei entendendo que poderia ser mais um trabalho.
P - No que consistia essa militância pastoral?
R - Era dar aula de catequese pra comunidade. Então a gente tinha turmas de crianças que a gente dava aula de evangelização que a catequese e preparação a primeira comunhão a Igreja Católica. Então eu já estava já desenvolvia aquela interação com as a famílias da comunidade. Então aos 15 anos surgiu essa oportunidade eu compreendo como importância pelos dois lados. Eu iria fazer um trabalho com adultos da comunidade que seria alfabetizada e, por outro lado, teria esse retorno financeiro, que era pago a época uma bolsa, eu não me lembro ao certo qual seria o valor, mas era uma bolsa pequena, era dois, três meses você forma turmas de alfabetizantes e desenvolve o trabalho. Então foi uma segunda forma minha de inserção no mercado de trabalho. E quando eu estudava na escola técnica ainda no inicio do terceiro ano. Nisso surgiu uma oportunidade de um estágio do outro lado da cidade que seria numa fábrica de cristais, mas pra trabalhar na organização do escritório, na área contábil. E eu fui fazer esse trabalho. Na realidade era uma fase que a própria empresa não estava bem. Foi um convite assim de apoio de organização. Então eu fui, passei três meses, me desvinculei porque a própria empresa já, estava em fase de falência. Já encerrava-se o primeiro semestre então surgiu a oportunidade de estágio. A própria escola técnica ela tem um setor que organiza os estágios e encaminha os estágios de quem vai concluindo os cursos que é o chamado CIEE que é o Centro Empresa, Escola e Empresa.
P - Centro de Integração Empresa-Escola.
R - Então, foi no SEBRAE, antes chamado CEAG, que era o Centro de Apoio à Pequena e Média Empresa , e eu passei. Fomos dez pra seleção e eu e outra pessoa. Passamos no teste, mas a outra pessoa teve uma oportunidade de emprego, abriu mão e eu fiquei os dois turnos e que logo encerrando o estágio também surgiu a oportunidade de contrato e eu fui contratada e trabalhei dois anos no SEBRAE, na época CEAG.
P - Já era contábil?
R - Na área contábil.
P - Já formada?
R - Sim. No curso técnico.
P - Que ano era mais ou menos isso?
R - Foi em 82. Eu comecei o curso na escola técnica em 79 em 81 eu terminava estagiando e fui contratada em 82.
P - E depois?
R - A nível de trabalho eu saí do SEBRAE por contenção de despesa, auxiliar de escritório, mas na época eu atribuía à perseguição política porque eu era do Partido dos Trabalhadores.
P - Quando é que você começou a se envolver com política nesse meio tempo?
R - Eu faço a leitura de que quando eu comecei a fazer o trabalho pastoral a meu ver já era um trabalho político. Eu sempre trabalhei a minha participação pastoral nessa perspectiva. Não que eu já tivesse essa consciência, aliás. Não poderia ser nem perspectiva, mas ela foi muito política também. Eu não conseguia fazer uma aula de catequese que fosse só a leitura da bíblia da forma como estava e fazer só a leitura mística, da espiritualidade. Eu sempre fazia uma relação com a realidade. Se Jesus Cristo, se a gente fizesse a leitura de uma passagem em que ele fazia um serviço de tratamento de um doente, de chamamento, eu sempre fazia uma relação com o que acontecia na nossa comunidade. O que é servir ao mais humilde, ao mais sofredor, ao empobrecido, ao marginalizado. Era sempre como uma ação transformadora. Na época, inclusive, eu tinha como inspiração o livreto A Porta que ela sempre ajudava a ter várias interpretações da Bíblia, no sentido de ter exemplos, de relacionar com a realidade. E aí a própria catequese foi essa porta pra mim. Eu tinha uma timidez muito grande, o próprio convite pra catequese foi um não no primeiro convite porque na hora eu senti um medo muito forte. Eu visualizei criança na minha frente como é que eu faria e tal. Então eu dei um não e a minha mãe decepcionadíssima, foi reclamar e tudo e eu voltei atrás e confirmei. Então foi isso que me remeteu ao caminho da comunidade. Quer dizer, aquela vida de criança, de casa, de mal interagir com a vizinhança já me remeteu pro mundo. Eu começava eu tinha muita ansiedade de fazer o trabalho então era só aula de catequese e criança na turma. Além de remeter pras leituras, interpretações eu também interagia com a família, tinha que visitar, tinha que conhecer, tinha que... Então foi esse caminho dentro da Igreja Católica através da catequese e em seguida eu fui ser orientadora de crisma e já era um trabalho com a juventude e daí eu entendi que teríamos que fazer algo mais na comunidade. Primeiro porque eu percebi que o mesmo caminho, a mesma porta que se abriu pra mim se abriria para outras pessoas, outros jovens, de chegar de participar. Então eu poderia estar dando um salto. E a partir daí e a partir também de uma incomodação de uma situação na comunidade. Aquele lugar que eu trabalhei quando criança ajudando nos tijolos ele na verdade era de pequenos proprietários que não eram residentes no bairro, por isso, eles negociaram a mina de ouro dali que era aquele barro com grandes cerâmicas. E o fato das cerâmicas estarem transportando e numa velocidade enorme e numa quantidade visivelmente enorme dali e se deu inquietação em muitos moradores e eu me inseri nesse contexto aí participando da organização para barrar a saída daquele barro ali da comunidade porque o que a comunidade não tinha consumido em basicamente me 30 anos no seu trabalho artesanal isso as cerâmicas estavam levando numa velocidade enorme num prazo curtíssimo. Então antes que acabasse aquela mão-de-obra a geração de trabalho na comunidade então a gente se reuniu pra barrar esse trabalho. Então foi a época que a gente entendeu que deveria construir a Associação de Moradores pra enfrentar esse tipo de problema na comunidade. E aí foi a hora que eu vi que não dava pra conciliar estudar, fazer trabalho pastoral e o trabalho da Associação. Então eu faria opção não como rompimento, mas como uma extensão desse trabalho. E na Associação a gente partiu pra brigas e brigas. A primeira foi essa que saímos vitoriosos. Nós conseguimos trazer donos da empresa pra comunidade pra discutir. Eles não acreditavam que tivesse mobilização, achava que era coisa de um ou de outro. Fomos às empresas conversar com eles, procuramos a prefeitura que não deu respaldo ao nosso trabalho e a gente começou mobilizando, isolando rua, enfrentando máquinas, com as comissões, com os moradores até que eles resolveram desistir da busca desse trabalho. Isso aí já coincidia com aquele meu período de concluso de curso, de trabalho, o curso de nível médio e também coincidiu com o período em que era feita uma grande mobilização nacional de colher assinaturas para a fundação do Partido dos Trabalhadores. Então eu assinava naquela época ali nessa, dava a minha assinatura como apoio à construção do Partido dos Trabalhadores. Embora não estivesse também no trabalho pastoral, essa motivação foi dentro da Pastoral da Juventude. Na Associação a gente não chegava a esse nível de discussão política de importância partidária. Eu estava, embora não tendo atuação bem ativa, mas eu interagia com a Pastoral da Juventude e a Pastoral da Juventude na época nesse período inclusive mesmo se dividia entre Pastoral de Juventude genérica e Pastoral da Juventude do meio popular porque tinha uma discussão que achava que fazer só pastoral da juventude tinha uma juventude de todos os níveis, os problemas não eram os mesmos e que a gente precisaria a dar o foco naquela juventude da periferia na juventude mais marginalizada e que pra isso precisaria fazer esse trabalho. Na mesma época a cúpula da Igreja Católica ela costuma de tempos em tempos fazer o grande encontro das Américas, na América Latina. Não lembro agora como é que é chamado o evento, mas saiu o grande documento, o Documento de Puebla, que nesse documento tinha o incentivo para que a juventude participasse da política. Então a gente dentro da Pastoral da Juventude a gente fazia a reflexão; isso entre 79 e 82 que era importante a juventude se inserir no campo político. Não orientava se deveria ser o partido, até porque era pra orientação da juventude da América Latina. Foi na época que a gente fez essa filiação, construção do partido, filiação, e iniciou a participação do PT.
P - E você foi mandada embora, você acredita...
R - Então, eu empolgadíssima lá com a minha estrelinha, na roupa e só falava em PT e tal, mas, assim, cumprindo o meu ritual de trabalho entendendo eu que não estava misturando, não estava ferindo o espaço, mas fui entender melhor isso depois porque o meu salário não era motivo de contenção de despesa. Apenas eu fui demitida, então a crise não era a ponto não, porque não foi demitida mais do que uma e eu na época era auxiliar administrativa. Então tinha todo o corpo, de funcionários que não era só naquele escritório, era do estado, então a contenção de despesa primeiro que não justificou. Segundo que quem tinha relações de emprego e garantias de estabilidade a gente percebia que geralmente tinha um vínculo, com setores políticos e eu não tinha nenhum que tivesse poder de intervenção na empresa. Então foi a minha conclusão de que eu realmente eu era uma carta, era um peixe fora d’água. Eu tinha a minha competência, a minha capacidade, mas não interessava a eles manter uma referencia que expressava claramente a sua marca política.
P - A sua família apoiou esse engajamento, se engajaram com você? Foram contra, foram a favor?
R - Na realidade a minha mãe foi quem me incentivou a época pra ser catequista. Eu acho que ela não entendia que eu pegasse essa trajetória. Ela sempre teve dificuldade porque essa trajetória começou a me levar à participações externas, viagens, muitas reuniões e isso de certa forma pra ela que é uma pessoa caseira que queria a família em casa começou a inquietar, mas ela também nunca foi de dizer pra sair, rebater. Achava que eu exagerava. Que realmente da simples aula de catequese pra estar promovendo barreiras na comunidade, organização da Associação, mas ela também como ela presenciava a gente tinha uma credibilidade muito grande adquirida na comunidade. Então eu acho que em contrapartida ela terminasse sentindo bem com esse reconhecimento porque ela seguiu também a trajetória da igreja. Então como dentro da igreja a gente tinha um trabalho reconhecido, embora saindo pra Associação, as pessoas sempre fizeram referência que bom que a gente estava na presidência da Associação. Depois que a gente saiu da presidência ficaram chamando pra continuar porque era importante o trabalho que a gente tinha feito. Então eu acho que tinha essa, como ela presenciava compensava, o tempo que ela ficava aflita e conflito por ver a gente andar tanto, por outro lado tinha essa compensatória. O meu pai ainda na época que eu trabalhava a nível de igreja ele andou questionando se eu queria ser freira. Acho que pra igreja com tanta dedicação. Poderia o único caminho realmente reconhecido pelas famílias de trabalho que se consolidasse na igreja seria realmente ser padre ou freira porque como a gente sabe na ditadura militar foram abafados os movimentos. Então só quem realmente ousou de manter na clandestinidade, inclusive foi quem acolheu muitos clandestinos, mas o que era público, aceitável, constituído era o padre e a freira. Então estava despontando ali uma nova era, uma nova fase, uma nova manifestação das pastorais. Tanto que a partir daí você vê basicamente de 80 pra cá a Pastoral da Criança, a Pastoral do Menor, pastorais e mais pastorais que vieram à tona. Pastoral da Juventude e antes tinha a catequese, mas aquela catequese mesmo de ler a Bíblia, preparou pra primeira comunhão e acabou. Então assim como ele também não residia em casa ele não presenciava qual era a dimensão da minha saída, da minha participação. Depois ele via que eu era do PT, que eu falava em política, mas ele era o tipo que ainda votava no médico que fez o favor pra ele quando ele chegou em Teresina. Então ele eu também respeitava não chegava pra pedir voto pra falar do partido. O nosso tempo era pouco e a gente terminava não comentando politicamente.
P - Tocando nesse assunto.
R - É. Então a gente fazia esse trabalho muito mais a nível de instituições que a gente fazia inserção.
P - Depois de 82 você demitida e aí como é que fica a vida?
R - Pois é. Tem duas questões aí pra ver: primeiro eu dei uma parada nos estudos. Eu estava tão empolgada com a militância que eu terminei me envolvendo mais e ensaiava estudar e desistia. Primeiro que tinha o acúmulo da carga horária de trabalho. Sempre tive trabalho com carga horária oito horas. E aí como eu estava muito envolvida com a militância de noite quando eu estava na comunidade era pra visitar, era pra marcar reunião e eu terminei relaxando e achando que não era prioridade. Eu me dava como contemplada com o nível técnico, gostava da profissão, achava que aí dava pra sobreviver e que poderia me dedicar mais à militância. Então eu peguei a trajetória da ampliação da participação do movimento popular. Deixava de estar só na Associação dos moradores para também constituir a direção de Federação de Associação de Moradores do Estado. Ao mesmo tempo que a gente criava, participava de movimentos de eventos do movimento negro e a gente resolveu também com outros colegas da militância constituir o grupo que é chamado Grupo Afro Cultural Coisa de Nego. A gente começou a ter essas duas instituições de referencia da militância da participação movimento negro e movimento popular de bairro. E parando de estudar eu começava o cursinho não terminava me sentia cansada mesmo pelo acúmulo, a correria, e relaxei. Com relação ao trabalho aí eu passei, mais ou menos, dez anos. Sem de fato me inserir de volta na área...
P - Dez anos só militância?
R - Trabalho e militância. Então eu do SEBRAE no mesmo ano fui procurar emprego, aí eu achei o teste na fábrica de Coca-Cola, Piauí. Isso já era na região que eu morava. Fui pra lá, fui aprovada e fiquei na área de escritório. Dois anos depois também, me convidaram a sair da empresa. E vale lembrar que eu também não, lógico, principalmente na empresa privada eles não dão justificativa, mas eu também entendi que novamente a marca política interferia porque lá todo mundo sabia que eu era do Partido dos Trabalhadores. Eu não criava nenhuma situação de dizer que estava mobilizando que estava, mas, assim, publicamente eu declarava. Eu estava numa área técnica de apoio. De repente o diretor presidente, proprietário me chama pra ser secretária dele, e até ali eu via que ele reconhecia a minha competência, a minha capacidade. Por um outro lado ele entrou no campo da política. Foi candidato à época e ele interagia com o partido do Maluf, então quando terminada a campanha, terminada as eleições, não lembro se foi no mesmo ano as eleições, mas nesse intervalo tinha essa interação então, saí de férias eu voltei e disseram que não precisaram do meu trabalho. E aí eu passei, mais ou menos, um ano fazendo servicinho ou outro. Eu possuía uma moto na época, então onde eu consertava a minha moto eu falei para o rapaz que eu estava desempregada. Aí saindo da fábrica da Coca-Cola a gente fez o chamado Piauí fiz “bico”. Então eu fui pra organizar escritório de um colega que tinha uma mecânica. A gente termina dizendo pra todo mundo que está desempregado, e o pessoal do SEBRAE sabendo me convidaram pra ir lá. Os colegas que a gente deixa, disseram lá que eu estava desemprega e eles precisavam de uns serviços então me contrataram de serviço prestado. Como militante do movimento popular o colega me localizou dizendo que estariam abrindo, aliás, constituindo a Cáritas brasileira que é uma instituição da Igreja Católica no Piauí e estavam precisando de alguém da área técnica contábil, mas que não abririam pra concurso que pelo perfil da instituição ela precisaria de pessoas que teriam sensibilidade pra causa social, com os movimentos. Não que fosse fazer esse trabalho, mas por entender o perfil da instituição e saber lidar, com esse trabalho. Então não seria só o técnico pra ir lá fazer a contabilidade e acabou. Aí foi quando eu me apresentei. A princípio eu fiquei meio preocupada porque mesmo sendo da igreja eu tendo feito um trabalho na igreja e apostado no caminho pastoral eu sempre recuei da parte mais fechada mais tradicional da igreja e eu achei que a Cáritas deveria ser mais uma daquelas instituições assistencialista, conservadora e eu fiquei meio preocupada se eu iria, se lá me comportaria, se a Cáritas comportaria também, na minha concepção de vida, mas fui, especulei, consultei, pedi a colegas de ação pastoral que vissem pra mim realmente que instituição era essa, como é que seria ela e com que perspectiva a gente poderia trabalhar. Então ele me tranqüilizou, era um padre muito amigo, muito popular que é realmente a história da Cáritas era de assistência, mas ele vislumbrava ali a possibilidade de um trabalho mais transformador, na região. Aí eu fui, me inseri na Cáritas, fiz 14 anos de participação na Cáritas de 88 a 92. Exato. Então nos dez primeiros anos eu participei dando a contribuição na contabilidade, que na realidade até estava fazendo financeiro, contábil, administrativo, era tudo. E eu sempre fiquei muito angustiada porque eu era satisfeita pelo lado técnico. A nível salarial para o padrão do Piauí era bom, mas eu ficava muito angustiada porque eu desgarrei do movimento. Aí eu tive que me desligar do movimento social porque eu já não conseguia estudar, trabalhar e militar. Pois bem, mas em meio a esse caminho...
P - Você vai fazer curso superior nesse período?
R - É. É aí isso que eu digo. Em meio a esse caminho eu me despertei na minha reflexão que não estava correto parar o estudo até por força da militância.
P - Isso foi quando?
R - Foi em 90.
P - Em 90 você...
R - Exatamente. Aí eu vi que olha: pela inserção da gente no movimento a gente via o que? Que o despertar da consciência é importante, a disposição de lutar pelos seus interesses é importante, mas eu percebia ali na luta dos trabalhadores que faltavam contribuições, faltavam contribuições que poderiam ser técnicas com gente comprometidas com aquela causa. Na hora de organizar, de planejar, de viabilidade de projetos. Então a gente percebia que tinha uma grande deficiência e se o movimento continuasse assim ele iria ter dependência de técnicos estranhos ao projeto maior. E por que não a gente pudesse fazer se capacitar pra dar esse tipo de contribuição. Então a gente percebia até porque tinha colegas comprometidos que já estavam limitados a dar contribuição pra dimensão que o movimento tomava. Foi quando eu entendi que deveria fazer um esforço a mais. Recuar do movimento a nível de militância pra estudar numa perspectiva de oferecer essa formação pra retorno ao movimento. E foi por isso que eu escolhi Ciências Sociais. Porque eu achava que era uma área de interesse do movimento que eu me identificava, porque tem muitas outras áreas que interessam ao movimento, eu acho que não tem nenhuma que desperte interesse. E que aquela ali eu me identificava. Então eu fiz opção e tive a felicidade de passar no vestibular da Universidade Federal e cursei aí um período, mais ou menos, de cinco anos. Que eu ainda me sinto vitoriosa porque eu nunca deixei de trabalhar em dois turnos. Conseguia combinar com a Cáritas algumas saídas. Não podia marcar muitas disciplinas no horário de trabalho, mas também a instituição...
P - Era flexível.
R - Era flexível, desde que eu desse conta do meu trabalho.
P - Você se formou quando?
R-? Eu tinha dito que eu tinha feito vestibular em 92. Não eu me formei em 98. Na realidade a diplomação foi em 99 por conta desses ajustes de calendário, tinha feito greve. Mas foi no período de 98. E eu tive um período suspenso por tratamento de saúde, tive um problema na perna tive que vir pra Brasília. Fiz uma cirurgia e terminei passando seis meses. Teve outros seis meses que foi praticamente anulado por greve, e aí foi um ano 2002 pra 98 cinco anos.
P - Durante o curso, faculdade, universidade, sempre tem DA’s, DCE’s, você não se envolvia?
R - Mas aí eu não me envolvi porque era questão de limite mesmo. Eu mal ia pra universidade, com muita limitação mesmo de tempo. Já não bastava a limitação pessoal porque foi um recuo muito grande. Vinha de uma escola pública e passei muito tempo sem estudar e tive muita dificuldade até pela proposta do curso. Eu costumava brincar e fui a oradora da minha formação e tive que encaixar o que eu sempre brincava que os professores exigiam demais queriam que a gente entendesse o que estava nas entrelinhas quando eu não conseguia entender o que estava nas linhas. Então assim era muito limitada por força do tempo e era limitada pela minha formação toda, então eu fui ter acesso a algumas leituras ali no curso superior até porque a militância poderia ter oferecido isso, mas eu terminei sendo ativista demais, e não procurei aprofundar em estudos que poderia ter sido uma grande base para o meu curso, mas a própria militância foi uma grande base. Porque eu encontrava ali nos livros muitas coisas que se somavam àquilo que eu encontrei no campo. Na Cáritas eu tive essa mudança. Durante o tempo que eu estava na contabilidade eu externava que tinha vontade de participar, de fazer algum tipo de trabalho e surgiu a oportunidade. Primeiro que substituiu uma colega que precisou se ausentar por um período, se licenciar então eu fui a campo e já deixei bem claro que aquilo me satisfazia demais e que na primeira oportunidade eu pudesse estar sendo transferida de área. Em 97 surgiu o chamado efeito bem mais dado visibilidade o efeito El Niño que previa uma grande seca. Então a Cáritas brasileira discutiu a possibilidade de um trabalho preventivo a curto prazo, mas que apontasse trabalhos de caráter permanente, como, por exemplo, a difusão da construção de cisternas pra captação de água de chuva e garantia de água durante o período seco e em caráter mais permanentes para as famílias porque no nordeste, no semi-árido, no sertão a falta d’água remete a um serviço pontual emergencial que é o carro-pipa que mobiliza recursos que não atende (a contento?), mas que vive a socorrer as famílias. Então eu entrei como referencial porque só comportaria uma pessoa como referencial desse projeto chamado projeto El Niño no Piauí. Eu entrei, seria um trabalho a curto prazo, pequeno e tal a gente só iria instalar algumas cisternas, desenvolver algumas atividades de apoio ainda assistencialista que seria entrega de cestas básicas para as famílias em situações piores e ver se seria possível desenvolver alguma outra tecnologia, barragem subterrânea e tal. Pois ao concluir esse trabalho, de fato veio a grande seca, veio as situações, veio o enfrentamento a gente, a Cáritas brasileira terminou mobilizando mais apoio porque ela arrecada, mobiliza apoios de arrecadações em outras Cáritas internacionais e nas dioceses do Brasil que não estavam no semi-árido que iriam apoiar. Então terminou fortalecendo e ampliando o trabalho transformando em programa permanente de convivência com o semi-árido. E eu estava à frente já e fui coordenar esse trabalho de convivência com o semi-árido.
P - É a primeira vez que você vai ao semi-árido a campo?
R - Exatamente. Então naquela primeira fase que eu estava substituindo a colega eu comecei a fazer as visitas aos projetos alternativos da Cáritas.
P - Os que já estavam implantados?
R - Exatamente. Que a Cáritas naquele período que eu entrei ela iria desenvolver projetos alternativos comunitários que na sua grande maioria se preocupava mais com essas regiões mais secas, mais pobres e rurais. Então foi a época que eu comecei a interagir e foi realmente quando eu descobri mais a região rural e descobri mais o sofrimento rural a situação de sede, de fome dessas famílias e foi quando a gente pôde se inserir mais com esse projeto emergencial a princípio e que se tornou depois um programa permanente de convivência com o semi-árido. Então eu fiquei até 2003 quando houve eleição pra governo do estado, governo federal e no Piauí teve a eleição do governador Wellington Dias do Partido dos Trabalhadores. Vale ressaltar que a gente como o Cáritas constituía uma rede de instituições que trabalhavam a articulação das ações para o semi-árido e o governador na época ele era deputado federal e ele abraçou essa causa, formulou e defendeu a lei a nível de Congresso Nacional pra instalar um Programa Nacional de Convivência com o Semi-Árido e ele tinha assento através da sua acessória nessa rede de instituições chamada, Fórum Piauiense de Convivência com o Semi-Árido que hoje é a referência da chamada ASA, que é a Articulação do Semi-Árido que é a rede nacional dessas instituições. Então essa convivência com as outras instituições é que viabilizou esse nosso debate a nível de estado, de condução, de novas formulações pra convivência com o semi-árido. Então o governador eleito não tinha dado ainda como aprovado o seu projeto-lei. Então ele resolveu dar o exemplo e sair na frente como o primeiro estado do nordeste a desenvolver o Programa de Convivência com o Semi-Árido. Então ele nos convidou a dirigir esses programas e estamos lá agora encerrando o mandato desses quatro anos nessa condução.
P - Ele não foi reeleito?
R - Ele foi reeleito agora.
P - Então não vai encerrar o mandato.
R - Até agora eu estou lá.
P - O que que é semi-árido? Você podia descrever o que que é viver no semi-árido, o que que significa isso?
R - Em se tratando do semi-árido a gente leva em conta aí o seu clima, que traz como elementos importantes a se reconhecer esse clima como a temperatura, a precipitação pluviométrica que são as chuvas e no Piauí nós temos regiões diferentes. Nós temos a região que é propriamente semi-árida e a área de transição do semi-árido pra região que ao é semi-árida que é exatamente toda essa região que extrema com Maranhão. Então ela já vai pegando um outro clima, você vai ter uma precipitação pluviométrica superior a dois mil milímetros d’água e na região semi-árida ela já reduz. As chuvas são irregulares. Você pode ter um mês inteiro sem chover, de repente cai uma precipitação forte, suspende novamente, voltam algumas precipitações variáveis, ou pode distribuir. Isso vai depender de inverno a inverno você vai ter sempre a irregularidade das chuvas. Então ela é irregular ao longo do Piauí por esta localizada numa região de transição com a Mata Atlântica. Olhando o Piauí nesse lado que extrema com o Ceará, Pernambuco e Bahia em ordem crescente para o extremo com Maranhão há a precipitação pluviométrica. Então você vai ter região ali que chove em média de 400, 600 milímetros d’água. Então durante toda a acumulação de inverno. Então você vai encontrar no extremo do Maranhão dois mil milímetros, acumulação de chuva-ano, então ela tem a fase semi-árida que é a região localizada no Cristalino que é uma região do solo de cristalino de fato que você não vai encontrar água no subsolo, se você perfurar poço vai ter dificuldade de encontrar água e se encontrar pode não ser boa para o consumo humano. Então você já vai pegar o meio do Piauí a área de transição, ora você vai encontrar o solo bom com boas vegetações, vale lembrar que a outra marca da vegetação da região semi-árida predomina a caatinga que são aquelas plantas resistentes a essa irregularidade das chuvas, resistentes às secas então você vai ver também a alteração dessa mata nessa mesma trajetória. Então ela vai mudando, não quer dizer que a caatinga seja ruim e que tenha outra mata melhor, muito pelo contrário, então as diferenças do solo, da vegetação e do clima. Então você vai tendo essa alteração em todo o Piauí. Na área de transição você vai encontrar municípios com melhor precipitação pluviométrica, com a mistura da vegetação e isso por conseqüência da precipitação e da qualidade do solo que é todo uma relação do solo, clima e vegetação. No Piauí exatamente por estar numa região de transição existe uma dificuldade da delimitação. Você não pode dizer que esse município “B” que está na região semi-árida ele é totalmente semi-árido. Então foram feitos estudos pra ver o que predomina naquele município. Quando a gente começou o governo tinha todo o desencontro de informações. A Defesa Civil ela delimitava semi-árido aqueles municípios que por força da irregularidade das chuvas, das secas, das situações de emergência...
P - Decretava o calamidade?
R - Decretavam situação de emergência ou estado de calamidade. Então ela tinha um marco. Você ia pra Secretaria de Meio Ambiente tinha outro marco, você chegava lá na Secretaria no Emater, que é o Instituto de Extensão Rural tinha outro marco. Tinha a coincidência grande de município, mas tinha uma margem que não coincidia. Então com essa preocupação a gente do estado pra iniciar o trabalho permanente de convivência com o semi-árido a gente teria que ter um terreno delimitado. Também não seria camisa de força. Se for área de transição a gente iria admitir as diferenças, as dificuldades, mas precisaríamos delimitar a nível de governo. Então nós resgatamos, não precisou pesquisa nova. Uma pesquisa encomendada pela SUDENE ainda em 82 apoiada pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e pelas universidades federais de todo o nordeste. Então nos recorremos às pesquisadoras ainda do estado e elas sistematizam uma atuação dessa pesquisa pra delimitar pra gente. Por que a sistematização. Primeiro que os referenciais de delimitação manteria, mas como a gente teria a nível de Brasil e o estado do Piauí não fugiria a regra o avanço, muito grande emancipação de desmembramento de municípios então a gente só foi corrigir o desmembramento e a emancipação desses municípios e chegamos ao número de 148 municípios, a gente chama de domínio do semi-árido piauiense por força dessa área de transição. Até aonde vai? É como a onda. Até aonde nós temos essa caracterização mesmo e a área de transição. Já recentemente o governo federal, também preocupado com a delimitação a nível nacional, promoveu uma pesquisa que já deu um outro quadro. Então a gente tem os dois referenciais, não vamos recuar numa pesquisa reconhecida a nível de estado que o governador decretou pra reconhecer a área como área de atuação de políticas publicas, mas respeitando também a da delimitação feita porque foi também pesquisa. A ciência, tem essa abertura à margem de ver diferenças de metodologias, de referenciais teóricos pra conclusões de teses e teorias. Então o Piauí tem, ao nosso ver, a partir dessa pesquisa reconhecida, 151 municípios porque foi desse período mais um município reconhecido emancipado. A pesquisa na realidade ela apontava 150. Dois municípios, a própria identidade municipal não se reconhece como semi-árido. É a área de transição e eles se vêem muito mais como área de cerrado, então a gente respeitou a identidade local que ela já é pautada a nível de estados, são municípios fortes reconhecidamente como regiões de cerrado. Então esses dois ficaram de fora. Cento e quarenta e oito seria a pesquisa. Quatro estavam reivindicando a possibilidade de ficarem esses 152, mas dois a gente mesmo reconhece que a identidade local não é de semi-árido e ficaram 150. Então mais um porque esses dois que a gente contemplou já eram contemplados pelo SUDENE e então foi tranqüilo pra gente. E um que se emancipou que foi Aroeira do Itaim.
P - Uma vez delimitado quais são as ações?
R - Ao longo da história nossa a gente tem visto o semi-árido pelas notícias de imprensa, “tá seco”, situação de emergência. O cenário que o semi-árido mais é ilustrado, mais é visto, é o período da estiagem, o período que compreende, mais ou menos, entre agosto e dezembro. É quando exatamente se configura a baixa das águas onde tem as águas de superfície que evapora, que acaba, porque as pessoas realmente consumiram ou choveu pouco nem acumulou, então é onde se decreta situação de emergência. A situação de emergência ela é decretada nem tão só pela falta de água, mas pela perda produtiva. Isso da pra saber já entre maio e julho porque a safra, o plantio e a colheita das famílias rurais da região ela acontece entre janeiro e abril, durante todo o período chuvoso vai plantando e vai colhendo então já dá pra saber. Mas ela se agrava e se consolida a situação ou de emergência ou de calamidade a partir desse período. Então ela vem com o cenário público e vem com uma terra seca, uma terra de mortalidade infantil, uma terra de perda produtiva, uma terra de sede, uma terra de sofrimento. Vendo esse cenário exposto ele é pauta de política, pauta política para mobilização de recursos. O primeiro recurso é pra água e a água chega através de carro-pipa. Então historicamente a situação de emergência é a mobilização de carro-pipa. Além disso, numa outra política pública historicamente pautada no semi-árido é a perfuração e a escavação de postos, tem sido, embora reconhecidamente em alguns lugares não tem água de subsolo, não ofereça água de subsolo nem água de qualidade nem em quantidade pra esses poços. Então muitos poços são perfurados, foram perfurados, alguns equipados, outros não, alguns equipados, mas não ofereçam água em quantidade e alguns equipados não oferecem água em qualidade. E terminou que isso sempre foi demandado pela própria população. É o grito de socorro, o carro-pipa pelo caráter mais emergencial e o poço como viesse como uma salvação mais permanente. E o outro de socorro é a cesta básica, e também os serviços, os serviços de emergência que ao longo do tempo foram contratados pra cavar açudes, barreiros, barragens, serviços de limpeza de estradas. Então como emergencial também. O programa quando se começou esse governo e a criação do Programa de Convivência com o Semi-Árido proposto pelo governador foi no sentido de mudar, avançar com esse serviço. Primeiro não se deixaria de prestar socorro, e nem de implantar essas obras se necessário fosse, mais cautela na perfuração de postos, perfurar onde fosse realmente reconhecido que ali daria o resultado permanente. Até porque a área de transição ela vai oferecer essa condição, mas reconhecidamente seria implementado o trabalho das cisternas porque as cisternas como foi acompanhado, difundido por essas instituições que a gente tinha constituído o fórum de convivência com o semi-árido já era uma difusão e uma pauta nacional. Então esse governo priorizou a construção de cisternas porque já estava sendo algo de interesse da população e reconhecido pelo governo como uma tecnologia apropriada. Por que? Ao se estudar a precipitação pluviométrica se percebia que era uma precipitação satisfatória para catar e guardar. Segundo que a cisterna ela daria retorno em caráter permanente pra família e dava retorno e água de qualidade para o consumo humano prioritariamente. Não se deixaria de construir os barreiros, as barragens, os açudes, mas uma outra medida, além de captar água de chuva, porque é uma unidade familiar era de distribuição das obras públicas, nós temos regiões críticas que tem grandes barragens com espelhos d’água com acumulação d’água enorme e que a população em torno não tinha acesso. Então esse governo procurou priorizar a distribuição dessas águas à longas distâncias e prioritariamente para as sedes desses municípios que é o que a gente chama das áreas urbanas, as áreas das cidades. Então foi feito um trabalho de adução que são adutoras que levaram a água da barragem de Petrônio Portela situada na Serra da Capivara, município de São Raimundo Nonato, que distribuiu para 11 municípios atenderem a área urbana as residências com a água dessa barragem. As cisternas do Piauí elas chegam no ano de 2006 a uma barreira de 20 mil cisternas em todo o estado na região semi-árida desenvolvida pelo governo federal implementadas no estado tanto pelo governo do estado como pela sociedade civil que é o Fórum Piauiense de Convivência com o Semi-Árido. Está atendendo aí uma média de 100 mil pessoas em toda região semi-árida. Outro trabalho que é pra resultado a longo prazo é de Educação Contextualizada para a Convivência com o Semi-Árido. Na realidade a própria cisterna ela traz uma carga pedagógica importante. É feito o trabalho de mobilização, de sensibilização, de divulgação e capacitação das famílias para elas compreenderem nem tão só a dimensão das cisternas que é ela como tecnologia, mas também o que, que é ela no contexto da convivência com o semi-árido e pra isso pra compreender o que que é a convivência com o semi-árido e que pressupõe e necessariamente a gente trabalhar o que que é a região semi-árida.
P - Lúcia desculpa. Você está falando de cisternas, elas são as Barraginhas?
R - Não. A cisterna ela é uma obra familiar. Ela é feita de cimento e areia, é um depósito, é a nossa caixa d’água que a gente tem na área urbana é a caixa d’água da família rural.
P - A gente podia entrar agora no assunto das Barraginhas porque se não nós vamos acabar não falando delas.
R - Pode ser.
P - Então você podia falar como é que começou esse projeto?
P - Como é que apareceu?
R - Então veja bem, quando o nosso Programa de Convivência com o Semi-Árido foi instalado nesse governo era na perspectiva de mobilizar tudo o que fosse adequado de melhor para a convivência com o semi-árido. Então nesse sentido desenvolvendo outras tecnologias a educação nas escolas para essa convivência a gente começou a pesquisar mais e tomamos conhecimento. Já era do nosso conhecimento, mas aprofundamos o conhecimento do que estava acontecendo em Minas Gerais que é o Sistema Barraginhas. Então soubemos da sua premiação na Fundação Banco do Brasil, o que viabilizaria a extensão desse trabalho a outro estado, é a chamada transferência tecnológica.
P - É a aplicação?
R - Exatamente. Então nós tivemos aí uma interação com a Fundação Banco do Brasil no sentido de que o Piauí fosse contemplado com esse trabalho.
P - Vocês procuraram a Fundação?
R - Exatamente. Na realidade houve uma procura mútua. A Fundação Banco do Brasil sabia do interesse do governo do estado em difundir tecnologias apropriadas e o governo do estado tomou conhecimento nessa premiação e dessa possibilidade então se candidatou a levar para o Piauí esse trabalho e a Fundação atendeu prontamente levando ao nosso conhecimento, mais aprofundado nessa tecnologia. Então levou o Doutor Lúciano Cordoval que é o autor do projeto que desenvolve tem todo um acúmulo no estado de Minas foi nos visitar junto com a equipe da Fundação Banco do Brasil para que a gente pudesse apreciar a proposta, a possibilidade e a partir daí elaboramos o projeto apoiado pela Fundação e elegemos os municípios que foram 12, dentre eles, 10 que se propõe a se tornarem modelos de convivência com o semi-árido, modelos municipais pra implementar mais esse trabalho, junto a outros tantos que estão sendo realizados no Piauí.
P - Bom, na prática como funciona a Barraginhas? Como que ela foi implementada?
R - Barraginhas ela é uma obra simples e que deve captar água de chuva numa perspectiva de infiltração na terra. Ela não é para oferecer água de superfície nem pra família consumir e nem para os animais. Na realidade ela cai bem para a região semi-árida porque é uma grande característica do semi-árido é a capacidade de evaporação que é muito mais superior da precipitação pluviométrica. Pra se ter uma idéia, a capacidade média de chuva na região critica do semi-árido é de 500 milímetros e ela tem uma capacidade de evaporação em dois mil milímetros. Então é por isso que fica muito seco. E a gente costuma dizer que chove mais pra cima do que pra baixo. Então as Barraginhas ao trazerem essa perspectiva de infiltração então ela é a sabedoria dessa tecnologia é de fazer guardar e evitar a evaporação. Então é o tempo que se guarda ela infiltrada, guardar a água infiltrada na terra, ela o tempo que não evapora ela vai viabilizar uma maior capacidade produtiva da terra. Aquela terra que secava logo porque a água era chamada pela evaporação então ela guardada ali ela pode alimentar as raízes das plantas e viabilizar mais produção durante o ano. Quer dizer, aquele risco máximo da região semi-árida pela irregularidade das chuvas o risco é de perder a produção, por que? Porque ela só aproveita o período que chove, é aquela chuva, aquela água de superfície, ao guardar ela vai alimentar melhor, garantir mais a capacidade de resistências das plantas, da produção e por aí...
P - Perenidade para a produção agrícola.
R - Exatamente. Então o primeiro é que a Barraginhas ela é construída em áreas a orientação é de que seja em áreas de declives, então você evita a erosão feita com as enxurradas. A gente pensa que não tem enxurradas lá no nordeste do semi-árido por ser tão seco, mas tem por conta dessas quedas de águas de chuva irregular. Então evita a erosão, evita o arrastar dos micro organismos, nesse caso você mantém o solo mais alimentado, guarda a água. Além de vitalizar, de potencializar a produção ela também, a médio e longo prazo, pode contribuir com a melhora da água no subsolo e como resultado final com o fortalecimento das próprias micro bacias, das bacias e por aí vai.
P - Bom, é uma escavação em área de declive, o que mais?
R - Exatamente. A obra em si ela é em área de declive pra evitar essa erosão e pra acumular e infiltrar água pra viabilizar a produção. E geralmente ela não é uma barragem isolada. Ela é um sistema de Barraginhas; você pega todo o terreno, a propriedade, e você articula o posicionamento dessas Barraginhas no sentido de uma contribuir com a outra. Ela pode ser em seqüência. A primeira, num plano mais alto, ela vai conter e como essa contém ela segura a evolução, a distribuição da água para a segunda que vai melhorar mais ainda a acumulação da outra que estiver mais baixa. E se são três, quatro, mesmo que você coloque duas paralelas você trabalha um perfil afunilado, por exemplo, onde a terceira, a quarta, ela pega o potencial de duas, três que estão numa posição, digamos, triangular acima dela. Então é toda uma área que vai ser favorecida, é toda uma propriedade que vai ser favorecida pela acumulação da água, pela infiltração da água. E a experiência no Piauí é a orientação, primeiro, que a família deve manter a sua tradição produtiva, se ela planta o milho, se ela planta o feijão, o que ela planta ela deve manter. O que a gente quer aumentar é a capacidade de retorno dessa produção que geralmente é ameaçada, geralmente ele muito pouco colhe, dependendo da área. Mas acrescentando dessa experiência a cultura das fruteiras. A gente introduz nessa proposta de Barraginhas do Piauí a plantação de fruteiras no sentido deles introduzirem dentro do hábito alimentar mais frutas, além de incentivar o desenvolvimento de fruteiras próprias região como o caju, umbu, outros produtos. Isso vai depender, no caso do Piauí, de município para município do que que prevalece de produção.
P - Ela começou a ser implantada agora em 2005?
R - Exato.
P - Já teve alguma produção a partir...
R - Não. Na realidade como começamos inclusive ao final de inverno nós ainda estamos apenas com as obras, pra captar água do próximo inverno e introduzir a produção das fruteiras para que a gente possa mensurar os resultados a partir de 2007. O que a gente já tem de resultados é resultado de processo. Primeiro que pressupõe que mesmo sendo em propriedade privada essas Barraginhas é parte de um projeto maior municipal de convivência com o semi-árido. Então tem as cisternas, tem produção da mandioca, a produção do milho, do arroz, do feijão, mas a gente chega ali com a tecnologia do sistema Barraginhas como mais uma tecnologia importante para se somar aos outros esforços. Isso significa mobilização, organização e formação de uma nova consciência para realmente as pessoas terem mudanças de qualidade de vida com o potencial e sabendo enfrentar as dificuldades locais com o próprio potencial. Quer dizer, não vai chover mais nesses municípios, o que aumenta é a sabedoria popular com a tecnologia Barraginhas de saber guardar a água. Então antes ela trabalhava de uma forma bem rudimentar. Chovia, corria e plantava. Então se não chovia acabava a água e morria. E agora não. Ela se antecipa às chuvas como é o caso, a própria introdução do trabalho a gente promove toda a construção agora para prevenir pra que na hora que chegar as primeiras chuvas, aliás, toda a chuva que vier ela já esteja preparada para acumular água. Então é preventivo, é caráter permanente, é alternativo e é “alterativo”, ela altera o modo de conviver com a região.
P/1 Quantos municípios vão ser contemplados. Quantos municípios foram?
R - São 12 municípios. Pra citar seria bom?
P - Pode, pode, registrar.
R - Pois bem, nós temos o Piauí é dividido em vários territórios dentro dessa região do semi-árido, transição, e cerrado. E nós escolhemos concentrar num território chamado Serra da Capivara que é inclusive onde está situado o berço, dizem que é do homem, mas onde quer de todo mundo, o berço do homem americano onde é concentrada uma região mais crítica de captação, aliás...
P - Um sítio arqueológico.
R - Exatamente. Então nessa região nós temos o município de Santa Luz que ele extrema ele é dessa área de transição, temos o município de Guaribas que é uma referência nacional do mais baixo IDH (Índice de desenvolvimento Humano) que ao mesmo tempo tem muita pobreza e é da região semi-árida. Então é uma forma da gente contribuir com essa tecnologia que ela vem pra somar esforços no sentido de dizer que a mudança da qualidade de vida ela chega e se transforma com o aprendizado e com a relação das potencialidades locais. Tem o município de Caracol, Jurema, Anísio de Abreu, São Lourenço, Coronel José Dias, e aí Coronel José Dias está de fato dentro da área do parque, o parque está dentro do município, parque Serra da Capivara. Esses outros municípios é do parque Serra das Confusões que é também onde encontramos sítios arqueológicos extremando ali com a Bahia e segue para outro município que é João Costa, Oeiras, Paes Ladim, Oeiras a gente já está ali no meio do Piauí que é numa área também que vai se aproximar a área de transição e aí vamos para a extrema de Pernambuco que é Acauã paulistana sendo Acauã também município piloto aí modelo a nível do Fome Zero, Guaribas e Acauã, pra mostrar a superação da fome através das transferências de recursos, apoios dos governos, mas também apoio dos recursos naturais e locais.
P - Antes do contato da tecnologia social das Barraginhas você já tinha algum contato com a Fundação Banco do Brasil? Você já tinha ouvido falar alguma coisa aparecida?
R - A gente já conhecia a experiência, já tínhamos interação através de outras secretarias do governo do estado implementando outros trabalhos, tendo apoio na área da informática, com a juventude, com a cultura, mas também na área de produção na própria Secretaria de Desenvolvimento Rural, ter uma parceria com o apoio da Fundação que é a criação de galinhas caipiras. Um outro projeto importante no Piauí que conta com o apoio da Fundação é na área de produção de mamona, numa perspectiva de contribuir aí com o biodisel, que é uma política defendida tanto pelo governo federal como pelo governo do estado como algo também alternativo e importante nessa área a nível de combustível a nível nacional.
P - Como que se dá essa relação governo do estado com a Fundação Banco do Brasil?
R - Primeiro que é uma relação muito boa, no sentido de receptividade, de construção e de viabilidade desses projetos.
P - Só pra saber como que seria. Qual é o papel que a Fundação tem nessa história toda, como é que ela atua nessa parceria?
R - A Fundação ela é uma parceira no sentido de estar presente na viabilidade desses projetos, tanto da mamona, da galinha caipira, das escolas e turmas de informática pra juventude e, por último o Projeto Barraginhas. Então ela é uma grande incentivadora que ela se propõe a fazer a sua participação que passa pelo financiamento, mas também necessariamente tem a participação a nível de apoio mesmo de acompanhamento.
P - Lúcia, como é que você avalia a Fundação, a atuação da Fundação Banco do Brasil num país feito o nosso com tantas necessidades no seu estado especificamente?
R - Eu sou suspeita pra falar porque eu sou uma pessoa empolgadíssima com a contribuição dessa área de atuação nossa dentro do semi-árido que é com a mamona e com as Barraginhas. Então são iniciativas importantes que ela se desafiou a implementar no estado. Vale ressaltar que nós nos sentimos privilegiados e orgulhosos por ser o primeiro estado do nordeste a implementar o sistema Barraginhas e isso atribui-se à boa relação da Fundação e à capacidade da Fundação de fazer essa leitura de possibilidades. Primeiro que ao fazer no Piauí e ao fazer com esse nosso governo sabe do compromisso que nós temos de pegar uma iniciativa, ainda que pequena para a dimensão do estado, pra dimensão da necessidade, mas entender a capacidade e a possibilidade de difusão dentro do que, por sua vez, vai refletir em contribuir para a difusão no nordeste, sendo o primeiro estado do nordeste a trabalhar. E sabiamente a Fundação sempre esteve discutindo conosco a participação da sociedade civil organizada. Então é um elemento importante que a gente reconhece na Fundação essa sua compreensão, esse seu desejo, esse seu estímulo pra que fazendo um trabalho com o governo seja um trabalho que venha a interagir com a sociedade civil. Sendo feito esse trabalho de Barraginhas com o governo que se propõe a difundir em todo o seu estado e fazer refletir para os outros estados e comprometendo a sociedade civil a sociedade civil ela leva para toda a extensão da sua atuação como no caso da ASA produz 11 estados que estão situados no semi-árido. Então eu vejo com essa postura de mobilizar, de interagir, de colaborar, de estar presente, de financiar, de difundir o que é importante numa região que possa ser importante para uma outra eu acho e compreendo do meu ponto de vista de muito valor porque são projetos, são tecnologias que a principio poderiam se resumir a ser umas experiências localizadas e a inteligência está em procurar difundir essa tecnologia social para outros cantos e para outras experiências nessa perspectiva de multiplicação. Eu acho de grande importância.
P - Agora na sua trajetória que começou na militância e agora você está podendo trabalhar com o governo e difundir para o seu estado inteiro essa uma atuação mais afetiva. Como é que você se vê agora nessa outra posição?
R - Bem, numa posição desafiadora, porque quem é governo não pode esquecer que não governa para um ou outro. Tem que governar para todos e todas e tem que estar governando atento para toda demanda, e tem que saber ter a sabedoria de ver o compromisso com a sociedade sem discriminar e ao mesmo tempo saber escolher prioridades, principalmente no nosso caso do estado do Piauí que tem muitas limitações inclusive financeiras, o potencial então a gente tem que saber gerenciar os escassos recursos para a grande necessidade. então não é fácil. Quando a gente fazia o trabalho pastoral o trabalho de militância você fazia dentro dos limites, você não é cobrado, você na realidade você está porque você se compromete e no caso do governo a gente se compromete e a demanda vem e é necessária e você tem que atender. Então eu me sinto primeiro honrada, gratificada por poder servir e me colocar a serviço de toda uma população e uma população carente. Esse Programa de Convivência com o Semi-Árido tem um compromisso com a região que sofre, a meu ver, um dos que mais sofrem. Vale lembrar que você não tem água boa pra beber é o limite da vida e na região semi-árida o que mais você constata são famílias, dispersas, difusas, isoladas e sem ter para onde recorrer, inclusive recorrer para beber água. Então eu me sinto primeiro feliz pela oportunidade, e me sinto desafiada a ter que fazer o esforço máximo possível pra cumprir o trato, o compromisso feito com a população.
P - Você poderia falar das pessoas que você tem contato com a Fundação Banco do Brasil? Poderia citá-los?
R - Mas bem, no início do trabalho da Fundação Banco do Brasil nós tivemos uma presença importantíssima, Doutor Mário. Que esteve pessoalmente no Piauí a nosso convite por várias vezes e incansavelmente eu acho que por isso que a gente acha importante essa abertura, a flexibilidade, a capacidade de estar presente da Fundação, inclusive através de seus representantes. E a gente geralmente tem a idéia das financiadoras frias, distantes, com uma relação bem de aprovar ou não aprovar um projeto e a Fundação ela construiu conosco o projeto. Foi umas das coisas que mais nos levou a ter mais admiração, mais intimidade eu poderia dizer assim, com a Fundação porque a Fundação enviava, os seus representantes para estarem conosco tirando as dúvidas via internet, presente, ia lá para o Piauí aponto de construir conosco, tirar dúvida, divulgar esse trabalho. Então o Doutor Mário ele representa muito isso pra gente. Ele nos trouxe esse olhar da Fundação pela sua forma tranqüila, competente e presente de construir conosco. Foi assim que a gente chegou a ter esse olhar bem mais positivo da Fundação. A gente tinha a Fundação como aquela instituição longe que a gente poderia mandar um projeto, poderia aprovar. Então ela se tornou uma presença viva muito forte e importante pra gente. Em meio a isso tudo tem a valorização da mobilização social no sentido mesmo de trazer junto com a gente esse reconhecimento dos referenciais da organização popular, tanto assim que hoje nós temos a parceria da ASA, que é Articulação do Semi-Árido, que é uma articulação nacional, brasileira, que tem aí em média mil organizações não governamentais participando dessa rede. Então ela está representada no Piauí através do Fórum Piauiense de Convivência com o Semi-Árido que tem instituições de educação popular, instituições pastorais como é o caso da Cáritas, da Pastoral da Criança, da CPT, que é a Comissão Pastoral da Terra, e de educação popular como é o Centro Mandacaru, CEFAS, Escola de Formação Paulo de Tarso e a COOTAB que é quem representa a nível institucional toda essa rede de OnG’s que trabalham a tecnologia o sistema Barraginhas no Piauí. Então são parcerias importantes que executam. É o protagonista popular na execução desse trabalho é quem vai avaliar, é quem vai, de fato, marcar com a gestão histórica aí desse trabalho.
P - O que que você aprendeu com a Fundação Banco do Brasil nesse tempo de parceria?
R - Eu aprendi que primeiro é importante divulgar aquilo que dá certo. Segundo: fazer junto essa divulgação numa perspectiva de troca de saberes. Não é uma transferência tecnológica visto de uma forma tradicional, mas essa transferência tecnológica lida com uma troca de saberes. Então a gente aprende a consolidar melhor os laços. A gente aprendeu isso com a Fundação e aprendemos que esses saberes eles devem sempre, à medida do possível, serem difundidas entendendo que isso vai realmente dar outros efeitos como é a mobilização social, a transformação de qualidade de vida e que a gente pode construir juntos. Foi assim que a gente fez inicialmente a implementação do projeto do Piauí. Então a troca de saberes está no fazer junto, no difundir junto, no implementar junto.
P - A Fundação está fazendo agora o registro dos seus 20 anos de trajetória. Como é que você sente seu estado, você pessoalmente esses projetos fazendo parte da história da Fundação Banco do Brasil?
R - Bem, nos sentimos privilegiados, honrados aí de poder ser parte dessa história, uma história importante que a gente reconhece como um grande marco nas ações e dos trabalhos das instituições que desenvolvem trabalhos semelhantes a nível nacional. Então é uma grande honra poder desenvolver o trabalho que a gente sabe que só se inicia, e que a gente trabalha numa perspectiva aí de fortalecer cada vez mais essa relação.
P - Lúcia, tem alguma coisa que você queira falar que a gente não tenha te perguntado? Alguém que você queira citar
R - Bem, que o marco do semi-árido piauiense ele se engrandece à medida que tem uma política, uma articulação para uma política de convivência com o semi-árido e ele se fortalece mais com essa participação da Fundação do Banco do Brasil que privilegiou o nordeste, privilegiando aí o Piauí levando essa tecnologia que com certeza ela vai ser difundida da forma correta, no tempo hábil, pra população que precisa em todo o semi-árido. Então é uma população que precisa desse olhar, dessa atenção, desse compromisso das instituições que trabalham projetos sociais nesse país. E o projeto social chamado Sistema Barraginhas ela vai fazer uma grande marca no nordeste a partir dessa iniciativa do Piauí com o apoio da Fundação Banco do Brasil.
M- Você gostou de ter participado da entrevista?
R - Eu estou me sentido a estrela aqui.
P - Você não viu nada, ainda vem a seção de fotos. Então em nome do projeto, em nome da Fundação e do Museu da Pessoa eu gostaria muito de agradecer a entrevista.
R - Eu também agradeço.
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