Meu nome é Maurício Araújo de Souza. Eu nasci em Santa Isabel, era uma cidadezinha no interior do estado de São Paulo, agora faz parte da Grande São Paulo. E eu nasci em 27 de outubro de 1935, ao meio-dia, uma bela tarde de sol, 24 horas depois do estouro dos formigueiros de onde saem as içás. Na cidade pequena, quando o formigueiro rompe e as içás saem voando, é uma festa, todo mundo sai correndo para pegar e fazer uma bela fritura de içá. Mamãe, na véspera de eu nascer, ela correu atrás de içá também. Eu sei disso porque no dia que eu nasci ela estava na dúvida se era porque ela comeu muito içá que ela estava com dorzinha de barriga ou porque eu estava chegando (risos). Então eu fui confundido com içá no começo da vida (risos).Antônio Maurício de Souza, meu pai. Um poeta, barbeiro, jornalista, músico. Ele fazia de tudo na parte artística, pintava também. E mamãe, Petronilha Araújo de Souza, poetisa, também era prendada. Naquele tempo se houvesse a função, ela seria uma estilista, fazia roupas maravilhosas. Quando eu nasci, abri os olhos e a minha casa era cheia de livros. O livro que eu gostava de folhear era um dicionário Larousse. Era meio diferente o ambiente em que eu nasci. Uma vez por semana os amigos de papai se reuniam lá para uma seresta, cada um cantava ou contava as suas poesias. E havia saraus. Às vezes, traziam instrumentos musicais e se reuniam. Como a casa era meio pequena, quando vinha muito instrumento musical tinha que procurar outro lugar para tocar. Eu era garotinho e ia junto, e na esquina tinha uma loja funerária que era grande, cheia de caixões e tudo o mais. O pessoal sentava em cima dos caixões e tocava lá o seu chorinho, as suas músicas, suas serestas. E eu sentado em cima do caixão, ouvindo (risos). É por isso que eu criei o Penadinho sem medo nenhum de alma do outro mundo (risos).Meu pai era especializado em soneto, soneto que é uma coisa difícil. Mas todos eles...
Continuar leituraMeu nome é Maurício Araújo de Souza. Eu nasci em Santa Isabel, era uma cidadezinha no interior do estado de São Paulo, agora faz parte da Grande São Paulo. E eu nasci em 27 de outubro de 1935, ao meio-dia, uma bela tarde de sol, 24 horas depois do estouro dos formigueiros de onde saem as içás. Na cidade pequena, quando o formigueiro rompe e as içás saem voando, é uma festa, todo mundo sai correndo para pegar e fazer uma bela fritura de içá. Mamãe, na véspera de eu nascer, ela correu atrás de içá também. Eu sei disso porque no dia que eu nasci ela estava na dúvida se era porque ela comeu muito içá que ela estava com dorzinha de barriga ou porque eu estava chegando (risos). Então eu fui confundido com içá no começo da vida (risos).Antônio Maurício de Souza, meu pai. Um poeta, barbeiro, jornalista, músico. Ele fazia de tudo na parte artística, pintava também. E mamãe, Petronilha Araújo de Souza, poetisa, também era prendada. Naquele tempo se houvesse a função, ela seria uma estilista, fazia roupas maravilhosas. Quando eu nasci, abri os olhos e a minha casa era cheia de livros. O livro que eu gostava de folhear era um dicionário Larousse. Era meio diferente o ambiente em que eu nasci. Uma vez por semana os amigos de papai se reuniam lá para uma seresta, cada um cantava ou contava as suas poesias. E havia saraus. Às vezes, traziam instrumentos musicais e se reuniam. Como a casa era meio pequena, quando vinha muito instrumento musical tinha que procurar outro lugar para tocar. Eu era garotinho e ia junto, e na esquina tinha uma loja funerária que era grande, cheia de caixões e tudo o mais. O pessoal sentava em cima dos caixões e tocava lá o seu chorinho, as suas músicas, suas serestas. E eu sentado em cima do caixão, ouvindo (risos). É por isso que eu criei o Penadinho sem medo nenhum de alma do outro mundo (risos).Meu pai era especializado em soneto, soneto que é uma coisa difícil. Mas todos eles baseados em histórias de amor trágicas. Era de dor de cotovelo, ciumeira. Papai era muito alegre, extrovertido, brincalhão, não batia com o que ele era, mas era o estilão dele. Naquele tempo todo mundo escrevia ou compunha músicas de dor de cotovelo, ou escrevia músicas de dor de cotovelo. Mamãe acompanhava tudo, inclusive foi a minha professora. Eu me alfabetizei com mamãe. Papai trazia gibi, eu descobri o gibi, gostei, pedia para ele. Ele trazia três vezes por semana, jogava um gibizinho quando chegava em casa, e eu tentava ler. Não sabia, daí mamãe lia alguma coisa, mas ela sempre ocupada, era mais fácil me ensinar a juntar as letras, sílabas, palavras, e em dois, três meses eu estava lendo, sozinho, para não amolar mais a minha mãe. Eram histórias em quadrinhos, gibi Globo Juvenil, gibis de antigamente, e traziam alguns personagens que ainda são conhecidos, Super Homem, Tarzan e tudo o mais, e outros que se perderam no tempo aíPapai tinha uns cadernos de poesias também muito bonitos. Ele tinha uma letra muito bonita. Ele escrevia as poesias dele, ia trabalhar no salão, onde ele tinha uma redação e fazia um jornalzinho crítico. No fundo do salão de barbearia do papai havia um jornal tipo Pasquim, chamava-se A Vespa, depois foi empastelado, depois ele criou A Caveira, que foi empastelado também porque ele criticava política, criticava religião, criticava costumes. Meu pai era realmente um cara corajoso para falar umas coisas que ele falava nesses jornais. Eu tenho exemplares desses jornalzinhos que falam que a redação era no salão do Maurício. E, quando ele voltava do salão, trazia os gibis, eu lia e dali eu comecei a querer desenhar. Pegava os cadernos de poesia do papai, quando ele ia embora, trabalhar, e eu ilustrava com garranchos, estragava tudo os cadernos dele. Papai chegou, olhou aquilo, em vez de brigar comigo, ele saiu e voltou com cadernos, iguais aos dele e com lápis, lápis de cor e mais material para eu desenhar. Ele falou: “Estes são seus! Aqui você faz os seus desenhos. Esse daí é meu, você não faz mais”. Então, foi a maneira dele me incentivar. Eu não sabia desenhar, sabia fazer garrancho, mas alguém acreditava em mim, me deu até as ferramentas adequadas. Minha infância foi em Mogi das Cruzes porque eu nasci em Santa Isabel e depois me mudei para Mogi das Cruzes, onde papai tinha o salão. Santa Isabel também tinha, mas depois ele foi para Mogi. Eu tinha entre dois, três, quatro, cinco anos. E morava numa rua de terra em Mogi das Cruzes, Rua Ipiranga. A gente brincava na rua, todo mundo, bolinha de gude, papagaio, pega-pega, aquelas brincadeiras de criança, e geralmente os moleques brincavam com os moleques, as meninas brincavam com as meninas. De vez em quando, fim da tarde, inventava alguma brincadeira mais suave para brincar com as meninas também. A rua era interessante porque todas as nacionalidades que eu conhecia naquele tempo estavam representadas naquela rua. Do lado da casa, da minha frente, tinha a casa do espanhol, na esquina tinha a casa do turco, que não era turco, era sírio-libanês, mas chamava de turco. Mais adiante tinha a casa do japonês. Depois mudou um americano na outra casa lá no fundo que quase não abria a porta, não deixava a loirinha sair para brincar com a gente, a gente ficava incomodado com aquilo. Tinha portugueses, bastante portugueses, e mais alguns que eu não lembro mais, mas, de qualquer maneira, era uma Nações Unidas ali naquela rua. Naquele tempo eu brincava com toda essa garotada de diversas origens e eu, naquele tempo, aprendi a inclusão. Aprendi naturalmente. Depois a gente cresce e descobre que existe preconceito. A gente era igual na brincadeira, na briga, na confusão, na desordem, na molecagem e na traquinagem. Tudo que eu ponho nas historinhas do Limoeiro lá da Turma da Mônica eu brinquei lá na Rua Ipiranga.Quando eu era criança os meus pais me lembravam da cartinha do Papai Noel. E antes disso, a correspondência vinha para todo lado, mamãe escrevia para as estações de rádio, mandava as poesias ou músicas dela, e ela, às vezes, ganhava prêmios com isso. E depois mais tarde, lógico, eu tive minhas cartas para namorada quando eu trabalhava em São Paulo e ela, ou elas, são duas em tempos diferentes, moravam no interior. Depois, profissional, não havia computador nem nada, era carta dos leitores dos gibis, das historinhas e tudo o mais. Tenho muitas dessas cartas guardadas. Tenho cartas lindas de pessoas que hoje devem estar com 50, 60 anos, mas que tinham cinco, seis anos quando escreveram essas cartinhas. Eu estou selecionando algumas delas, inclusive, para um momento dos nossos gibis publicar e falar: “Onde está você?” Eu assisti a um filme tempos atrás, que chama-se Cartas para Julieta, que é um filme muito bonitinho que uma senhora pega as cartas que deixaram em Verona, na Itália, dirigidas à Julieta. Eu vi aquele filme e falei, eu tenho carta desse tipo. Estou pegando e eu vou fazer esse movimento. Eu vou publicar essas cartinhas que eu recebi há 40, quase 50 anos e vou atrás da pessoa ou da família, ou de alguma lembrança que a gente possa levantar. Isso vai dar uma lembrança gostosa da correspondência como era antigamente, como era guardável. Guarda numa gaveta com cuidado e tudo o mais, e ela fica 200 anos mostrando sua história.Fizemos um concurso de cartas para escolher o nome do coelho da Mônica e do gato da Magali também. Foram dois momentos mágicos dentro da nossa empresa. E é bom esse tipo de contato, a amizade que nasce de uma carta, de uma correspondência. Porque dá uma ligação eterna com a pessoa. Então é aquele toque mágico do contato humano, tão necessário. Apesar dos e-mails estarem galopando, ainda tem muita carta chegando, geralmente de crianças. E eu penso que a carta, para criança, é mais sensível, mais paupável. Ela gosta de ter aquele papel, a textura, sentir que é algo que nasce dali da mão dela, sai dela e vai para quem ela está endereçando. E quando vem uma resposta, melhor ainda, pois tem a ligação de sonho.Eu me lembro que uma vez eu estava trabalhando na Folha de São Paulo e começou a chover muito em São Paulo. Daí eu imaginei, com essa chuva toda o Cascão pode estar meio preocupado, pois o Cascão é a minha personagem que não gosta de água. Então, nas tirinhas diárias do jornal eu fiz o Cascão sumir. E a explicação que a turminha, Cebolinha, Mônica, mandavam para o leitor é que ele tinha sumido porque ele estava com medo de tanta chuva. Então, ele estava esperando a chuva passar para ele voltar. E, o tempo passou e o Cascão não voltava. A criançada começou a escrever para mim: “Cadê o Cascão? Passou a chuva, como é que ele volta, como é que não volta?”. Eu falei: “Como é que eu vou fazer para o Cascão voltar? Preciso criar uma situação”. Então, eu pedi para criançada escrever para mim sugerindo os locais onde o Cascão poderia aparecer na volta. E choveram cartas para Folha. Eu fui chamado pelo diretor da Folha, pelo Otávio Frias para eu explicar o que estava acontecendo que estava inundando a caixa de correio dele porque nunca tinha visto isso. E mais carta, e mais carta, e mais carta, e eu tinha que achar onde eu vou fazer o Cascão aparecer. Eu já tinha os personagens com as características, com a máscara e tudo o mais, então eu pensei em pegar o personagem, escolher um local para ele aparecer. As cartas, e a busca do Cascão era tamanha que se eu falasse: “O Cascão vai aparecer em tal lugar”, eu tinha medo do público, do acúmulo de gente, tinha que ter cuidado. Eu tinha que escolher, eu escolhi para ele aparecer numa manhã de domingo ia descer do helicóptero que a TV Bandeirantes me emprestou, no Centro Campestre do Sesc, lá em Santo Amaro. E eu tive que colocar na Folha de São Paulo, no domingo de manhã. Eu tive que escolher um local grande, amplo. Eu tive que colocar o local, indicar o local na manhã de domingo, na Folhinha de São Paulo porque assim o pessoal compraria o jornal de manhãzinha e não dava tempo de chegar muita gente lá. Tinha medo do público ser demais para gente controlar até. Bem, fizemos isso, mesmo assim o helicóptero não pode descer de tanta gente que tinha lá esperando o Cascão. Precisou haver cordão de isolamento, pessoal afastar a turma, criançada a entrar por outro lado e tudo mais, aí então, desceu. Aquela zorra, o Cascão desceu. A criançada veio, o helicóptero precisou parar a hélice e tudo o mais, aqueles cuidados todos. E tudo isso provocado pelas cartas, pela correspondência que chegou aos magotes na Folha, assustou a direção da Folha, e me mostrou a possibilidade que a gente tem para você juntar, formar eventos, a partir dessa correspondência. Hoje se faz muito isso nas redes sociais, mas em outros tempos a gente fazia, tranquilamente, pelos Correios.Aqui nenhuma carta fica sem resposta. Eu tenho uma equipe preparada, especializada para isso, lá no nosso sótão. Cada vez que eu viajo pelo país, e em alguns países também de vez em quando eu pego. O pessoal comenta: “Recebi uma resposta, recebi uma carta”. Quando eu viajo pelo Brasil, às vezes até no exterior, eu recebo informações, pessoas me procuram e falam: “Tem uma carta que eu recebi semana passada ou ano passado” “Eu tenho uma cartinha que vocês me mandaram quando eu era garota, quando eu tinha tal idade”. Isso é guardado, tem gente que põe na parede. Então, é uma fidelização que a gente consegue com as cartas que, raras vezes, em raros momentos, ou em raras formas de comunicação a gente tem. Porque a carta é um prolongamento seu, é uma coisa que você tocou, você mexeu. Se houvesse uma pessoa que sentisse quem escreveu ou não, botou a mão: “Ah é, Fulano, Fulano, Fulano, é assim, assim, assim”. Carta tem essa magia. Sempre vai ter.A Mônica foi a primeira personagem a ter selo. Foi a primeira personagem, depois tivemos mais alguns, nas olímpiadas, esportes e tudo o mais. Mas eu fiquei muito honrado na ocasião. Agora faz tempo que nós não temos selo, me parece que vem vindo mais um aí. Naquele tempo, inclusive, era mais comum do que hoje a filatelia. O pessoal brigava pelo selo, até pelo carimbo postal. Mas eu sou desse tempo, então eu lastimo que o selo ainda esteja precisando achar caminhos no meio da tecnologia atual, da comunicação. No Natal será lançado o dos 50 anos da Mônica. Nós vamos voltar ao mundo dos selos e eu estou planejando também fazer selos em outros países onde nós estamos entrando firmes também, principalmente na Ásia nós estamos com algumas possibilidades de estudos.Eu perdi minhas cartas de amor. Quando eu marquei meu casamento, o meu pai preocupado em que a minha futura esposa lesse e pudesse ficar meio magoadinha, enciumada, ele levou e sumiu com as minhas cartas. E eram cartas tão bonitinhas, tão gostosinhas e contavam o que eu estava fazendo. Recentemente, há poucas semanas, a Magali, minha filha, localizou nos guardados da mãe dela, que faleceu, algumas cartas que eu troquei com ela quando a gente estava se preparando para casar. Ela, em Bauru, eu, em São Paulo. E para mim foi um achado. Então, são tesouros aquelas cartinhas porque mostram realmente um casal muito apaixonado falando dos sonhos, falando da vida, falando o que esperava da vida e tudo o mais. E a leitura dessas cartas fez bem para as minhas filhas. Elas viram que não era só o que nós contamos, ali estava a prova de que nós vivemos esse momento.
Recolher