Projeto Centro de Memória CTBC-Telecom
Depoimento de Valdemar Silva Zuza
Entrevistado por Luiz Egypto de Cerqueira e Norma Lúcia da Silva
Uberlândia, 20/03/2003
Realização Museu da Pessoa
Entrevista CTBC_HV096
Transcrito por Maria da Conceição Amaral da Silva
Revisado por Ana Carolina Calderaro
P/1 – Boa tarde, Valdemar.
R – Boa tarde.
P/1 – Obrigado por ter vindo atender o nosso convite. Eu queria te perguntar primeiro o teu nome completo, o local e data de nascimento.
R – O meu nome é Valdemar Silva Zuza. Eu nasci em seis de fevereiro de 1962 em Montividiu, Goiás.
P/1 – O nome do seu pai e da sua mãe por favor.
R – José da Silva Zuza, falecido, e Horades Cunha Silva, falecida também.
P/1 – Você conheceu os seu avós?
R – Não, nem maternos nem paternos.
P/1 – Mas sabe o nome deles?
R – Do paterno, sim.
P/1 – Qual é?
R – A avó se chamava Josefina, Delfina e o avô era... Hmm, eu me esqueci. Não lembro, assim, de cabeça. Foi o que te falei, o do avô. Agora, as avós maternas eu não lembro.
P/1 – Você tem alguma notícia da origem dos seus avós? Se eles eram da região? Se vieram para cá?
R – É, eu tenho conversado muito que... Com o que eu chamo de vó hoje que é minha tia, Dona Maria. Ela que conta essas histórias. Porque eu vim muito novo para cá e não tinha muita convivência com a família dos meus pais e da minha mãe. Então eu sei que meu avô era baiano. A minha avó era nascida e criada em Uberlândia mesmo. E me parece que eles separaram cedo. E meu pai, como era o mais velho, assumiu a criação deles lá. Então... Essas histórias que a minha avó conta.
P/1 – E você...
R – Me parece que é Jesuíno o nome do avô. Aí depois você confirma lá na ficha, certo? Agora, os avós maternos eu não sei porque eu não tive muita convivência com o lado da minha mãe. A minha mãe tinha pouco, tinha... Parece que hoje existe um irmão ainda que mora em Itumbiara, mas eu tenho muito pouco...
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Depoimento de Valdemar Silva Zuza
Entrevistado por Luiz Egypto de Cerqueira e Norma Lúcia da Silva
Uberlândia, 20/03/2003
Realização Museu da Pessoa
Entrevista CTBC_HV096
Transcrito por Maria da Conceição Amaral da Silva
Revisado por Ana Carolina Calderaro
P/1 – Boa tarde, Valdemar.
R – Boa tarde.
P/1 – Obrigado por ter vindo atender o nosso convite. Eu queria te perguntar primeiro o teu nome completo, o local e data de nascimento.
R – O meu nome é Valdemar Silva Zuza. Eu nasci em seis de fevereiro de 1962 em Montividiu, Goiás.
P/1 – O nome do seu pai e da sua mãe por favor.
R – José da Silva Zuza, falecido, e Horades Cunha Silva, falecida também.
P/1 – Você conheceu os seu avós?
R – Não, nem maternos nem paternos.
P/1 – Mas sabe o nome deles?
R – Do paterno, sim.
P/1 – Qual é?
R – A avó se chamava Josefina, Delfina e o avô era... Hmm, eu me esqueci. Não lembro, assim, de cabeça. Foi o que te falei, o do avô. Agora, as avós maternas eu não lembro.
P/1 – Você tem alguma notícia da origem dos seus avós? Se eles eram da região? Se vieram para cá?
R – É, eu tenho conversado muito que... Com o que eu chamo de vó hoje que é minha tia, Dona Maria. Ela que conta essas histórias. Porque eu vim muito novo para cá e não tinha muita convivência com a família dos meus pais e da minha mãe. Então eu sei que meu avô era baiano. A minha avó era nascida e criada em Uberlândia mesmo. E me parece que eles separaram cedo. E meu pai, como era o mais velho, assumiu a criação deles lá. Então... Essas histórias que a minha avó conta.
P/1 – E você...
R – Me parece que é Jesuíno o nome do avô. Aí depois você confirma lá na ficha, certo? Agora, os avós maternos eu não sei porque eu não tive muita convivência com o lado da minha mãe. A minha mãe tinha pouco, tinha... Parece que hoje existe um irmão ainda que mora em Itumbiara, mas eu tenho muito pouco contato com ele, entendeu?
P/1 – Certo. A atividade do seu pai qual que era?
R – Meu pai tinha uma fazenda lá no Montividiu. Inclusive, essa fazenda... Ele era de Uberlândia, ele foi nascido também aqui em Uberlândia. Trabalhou com caminhão na época. Inclusive, eu acho que ele trabalhou com Seu Alexandrino em uma época. Porque a idade deles era mais ou menos parecida. Ele era mais novo acho que quatro anos só do Seu Alexandrino. E depois ele casou e adquiriu uma fazenda lá em Montividiu. Inclusive, essa fazenda foi comprada para o seu Alexandrino, sabe? Ele foi para lá e lá ele criou a família todinha. Só que eu sou o caçula da família e a minha mãe morreu muito cedo. Então foi a causa da minha vinda para cá. A família já tinha distorcido os irmãos para cada lugar e então eu vim muito cedo aqui para Uberlândia.
P/1 – Quantos irmãos eram?
R – Somos em dez, somos onze comigo.
P/1 – Você é o caçula.
R – Eu sou o caçula.
P/1 – Como é que era, como era o nome dessa fazenda lá em Montividiu?
R – Te ser sincero... Assim, o nome dela eu não lembro. Eu vim muito novo. Quando eu voltei lá em Montividiu, já tinham vendido ela. Não tenho lembrança do nome, não.
P/1 - _______ o que é que você se lembra da sua época de primeira infância lá?
R – Lá eu lembro muita coisa. Eu lembro que eu tive um acidente lá com um monjolo. Eu tenho até essa cicatriz aqui, ó. Eu tive um problema na cabeça, na... Você conhece monjolo?
P/1 – Sim, claro.
R – Monjolo... Eu era pequeno, acho que eu tinha lá meus três anos. Eu saí da casa lá, o monjolo estava socando milho e eu cheguei a cabeça assim para ver. E a minha irmã, essa irmã, a...
P/2 - Neuza?
R – Não, a Faninha, que é a mais velha. Ela morava lá com meu pai na época. E eu cheguei a cabeça. A sorte é que o monjolo não bateu direto. Ele bateu de raspão. Inclusive, eu tenho umas fotos minhas de novo, meu cabelo era repartido de lado e grande. Porque eu tinha uma pelada muito grande aqui na cabeça, um caroço, o couro cabeludo ajuntou. Eu bati o queixo no pilão aqui e a unha. Só que ele, no bater, me jogou para fora. Mas, na época, eu muito sem recurso. Essa passagem eu lembro. Eu lembro que eu estava todo ensanguentado e da minha irmã. Depois eu não lembro mais nada. Aí lembro histórias de que foi curado lá mesmo e tal. E eu vim tratar desse negócio na cabeça agora, com dezesseis, dezessete anos. Aqui em Uberlândia.
P/1 - _______ esse risco?
R – É, foi assim: eu era mais novo, com seis anos, o seu Alexandrino me levou no Santa Catarina. Mas na época daqueles médicos, esses médicos mais antigos, aconselharam ele a não deixar fazer cirurgia. Porque não, porque estava pegado no osso do crânio e era loucura mexer com aquilo. Ele pegou, ficou com medo e largou. Mas eu fui ficando mais velho e aquele negócio já estava incomodando. A pessoa não podia pôr a mão na minha cabeça, é... Não, eu ia pentear o cabelo ou ia cortar o cabelo o pessoal levava um susto porque era um caroço grande. Era o couro cabeludo que arrancou e ajuntou, né?
P/1 – Hum, hum.
R – Aí, um certo dia tinha na época na Bcimpar ainda tinha. Inclusive, ela está até lá hoje, tinha uma assistente social, a Bete. Ela falou assim: “Eu vou olhar.” Aquela angústia minha, que eu já estava com dezessete anos. Ela pegou e disse: “Eu vou levar você no especialista. No médico.” Urologista, né? O de cabeça?
P/1 – Não.
P/2 - Urologista _____.
R – Não, neurologista. Inclusive, não lembro o nome dele agora. E ele pegou e falou: “Não, isso é a coisa mais simples. Isso aqui é o couro cabeludo que está...” Eu achei estranho porque esses médicos, na época do meu avô lá, do que ele me levou em Santa Catarina, eles nem olharam. Eles só puseram a mão: “Não, que não, que não.” Que não podia e tal. Aí eu fui, ele falou: “Não...” E ele __________ só na medicina. Marcou a cirurgia para o tal dia. Fui lá, a única coisa que eu tinha trauma era de ficar careca, né? Eu tinha horror de raspar a cabeça, em não sei o quê. Inclusive eu estava lá na mesa, até o Alex ficou comigo lá. Na noite que se prepara, né, cinco horas da manhã. Porque foi uma cirurgia. Começou a mexer na cabeça, né? E ele pegou e repartiu. Abriu só aqui, assim. Abriu não, raspou só aqui. Aí o que é que ele fez? Ele tirou aquela carne, aquele couro morto que já estava juntado ali, fez uns retalhozinhos, e puxou o couro cabeludo. Minha cabeça, hoje, ela tem uns cortezinhos aqui, mas hoje ela está perfeita. Não tem mais aquele caroção. Se você ver minha identidade, você vê que meu cabelo era grandão para tampar, né? Então foi das façanhas que eu lembro lá da fazenda. E depois uma outra época, quando a dona Maria me levou lá de novo, eu acho que eu já tinha uns seis anos mais ou menos. Uns três ou quatro anos depois que eu vim de lá, ela voltou lá para ver meu pai. Levou. Era uma dificuldade muito grande porque de Itumbiara, lá era tudo terra. Não tinha asfalto.
P/1 – Era uma distância grande?
R – Era... Dava o quê? Hoje dá quatrocentos quilômetros. Mas você imagina quatrocentos quilômetros, hoje você tira... Uberlândia, antigamente passava pelo Trevão porque não tinha aquela estrada Tupaciguara ali. Então você pega hoje, ali dá uns 140, 160 quilômetros pelo Trevão. E o resto é estrada de terra, não tinha posto. Eu lembro que foi naquelas Veraneios que seu Alexandrino levava aqueles galões de gasolina. Era menino, eu lembro de tudo. Tinha que abastecer no caminho mas com recurso próprio, porque não existia posto. Inclusive, na minha vinda, eu lembro que não tinha. Teve uma, eu vim na época de outubro, parece que já estava chovendo, e não tinha ponte. Tinha uma ponte, tinha caído o rio. Então, para atravessar a Veraneio, tinha que amarrar tratores, os caminhões. Então ficavam os tratorezões lá só para atravessar o pessoal passando. Não lembro que rio que era, na época. Sei que a ponte tinha quebrado e passava na água mesmo. Você vê que é um sofrimento danado.
P/1 – Essa vida na fazenda, embora você ainda bastante novo... Mas como é que funcionava sua casa? Como é que era a sua casa? Como é que era o dia-a-dia?
R – Olha, na realidade mesmo da minha vida lá, meu pai era um... Ele trabalhava muito. Mas era uma pessoa assim muito sem... Muito... Para negócio ele não era muito bom. Trabalhava muito, mas ele não sabia segurar negócio. E como eu era mais novo ali, eu sei que a vida era muito pobre, né? Você vê, na fazenda mesmo não tinha energia elétrica, não tinha conforto nenhum. Conforto nenhum, como se fosse uma fazenda normal. Era a luz de lamparina. Eu lembro que a minha avó contava que eu dormia em um berço. Era um caixotão de madeira, né? Ela ________ que tinha lá, os colchões eram de palha de milho, né? Tomava banho... Eu lembro que tomava banho era com aquele chuveiro de... Você subia, punha água quente, esquentava no fogão, botava na... Como é que chama? Dentro dele e subia com uma corda. Então você tinha que tomar banho correndo. Se acabasse a... Se estivesse ensaboado... Era o banheiro que tinha dentro da casa. Não, os recursos lá eram dessas coisas, que eu lembro. Tinha os meus irmãos mais velhos, que parece que eu era novo, eles não gostavam muito de... Eles iam para a cidade às vezes, final de semana. Tinha uma cidadezinha pertinho, Montividiu. Era currutelinha lá, mas era uma cidadezinha. Eles iam e diziam que eu era chorão demais, não sei o quê, então eles sempre estavam jogando eu para escanteio.
P/1 – Sei.
R – E meu pai era uma pessoa assim, uma pessoa boa mas muito rígida também, nervoso... Ele ficava nervoso, qualquer coisinha ele apelava com os meninos. Então eu apreciava muito essas intrigas deles lá. Essas coisas eu ainda lembro ainda de lá.
P/1 – Sua primeira escola foi lá?
R – Não, foi aqui em Uberlândia.
P/1 – Ah...
R – Foi quando eu cheguei aqui em Uberlândia.
P/1 – O que é que motivou essa tua vinda para cá?
R – Para eu ser sincero... A Dona Maria, quando ela já tinha trazido uma irmã minha que é a Neuza. E em uma dessas façanhas, ela voltou lá para visitar o irmão. Eu nem conhecia Dona Maria, não sabia quem que era Neuza. Não sabia. De repente, chegou uma pessoa lá, ela foi até levada com o Luiz Carlos. Luiz Carlos Garcia, que era neto do Zé Maria, que era irmão... Acho que era irmão mais velho do seu Alexandrino, que morreu. E ele que foi até dirigindo com a Dona Maria. Esse cara faleceu agora, há pouco tempo, lá no Pacajá. E ela chegou lá e viu aquela situação da vida lá, por que meu pai saía. Os irmão já estavam maiores, porque a diferença de idade lá com os outros irmãos era grande. E como a minha família foi muito separada, tipo assim, uma irmã minha já tinha vindo, a outra... Quer dizer que lá na fazenda mesmo só tinha esses três irmãos, que eram o Zé Antônio, o Paulo, o Valdir e eu. O resto já tinha tudo caçado seus rumos. Um foi criado com Dona Eleusa, a filha da Dona Maria lá em Belo Horizonte. Isso eu também não sabia, né? Aquilo estava... Para mim era novidade. Eu era simplesmente um menino. Foi o que eu te falei, eu cheguei lá eu tinha acho que eram quatro anos. Quatro anos de idade, né? Foi essa, quando ela chegou lá, viu aquela situação e se sentiu na necessidade de me trazer. Mas uma coisa que eu guardo muito é que ela, no caminho, chorou muito, sabe? A Dona Maria... Foi a Dona Maria, a Zulmira, que é a irmã dela mais nova, que ainda está viva ainda, que são as duas, esse cara dirigindo, e a Neuza, que é a irmã. Que foram lá ao Montividiu. Lá fiquei sabendo que a Neuza era minha irmã e tal. Mas, assim, então... É tipo assim, ela conversou muito com meu pai lá e eu não participei dessa conversa. Mas nesse... Como é que fala? Nesses assuntos lá, deu para notar que era alguma coisa sobre mim. Como se diz: “Ele é o mais novo, está muito novo para ficar aqui.” E me trouxe para Uberlândia. E veio nessa viagem. Só que, no caminho, eu notei que ela estava chorando muito e falando: “Como é que o Alexandrino vai aceitar esse menino? Como é que ele vai aceitar?” Isso e aquilo, e eu guardei na minha cabeça. Isso eu não esqueço de jeito nenhum. Aí eu lembro que ela olhava muito para mim e tal. E passava, a viagem muito longa. Eu não sei se demorou dois dias para chegar, se dormimos em algum lugar. Eu sei que a viagem foi longa. Eu lembro que eu cheguei aqui em Uberlândia, o apartamento ali, o Gaiola de Ouro parece que era recém... Eu nunca tive em uma cidade. Eu nunca tinha visto um prédio na minha vida e vim direto para um apartamento. Eu subi aquilo, caladinho... Subiu todo mundo. A Neuza sempre fazendo: “Aqui é isso, aqui é isso, aqui é a televisão.” Ela pegou e eu queria ir no banheiro, mas eu falava muito errado. Eu nunca tinha ido na escola e acostumado com o pessoal da... O roceiro lá, né?
P/1 – Quatro anos?
R – Quatro anos. Isso, quatro anos. Eu fiz cinco anos aqui em Uberlândia. Foram quatro anos, eu fiz cinco anos aqui em Uberlândia. Aí ela pegou... Eu sei que chegou de tardezinha, o Seu Alexandrino chegou. Aquele velhão e tal. Aí nós sentados na cozinha, eles tomavam sopa, e eu lembro que ele ficou me olhando e eu olhando assim, de rabo e olho, com aquele medo. Eu nunca tinha sentado em uma mesa para comer. E eu sei que a Dona Maria conversou com ele lá. E foi, mas ele não falou nada, ficou caladinho. Foi passando o tempo e logo eles arrumaram escola para mim. A primeira escola que eu estudei foi ali no... Hoje é Escola Estadual Bom Jesus. Para baixo do INPS [Instituto Nacional Previdência Social]. Você desce o INPS uns quatro quarteirões chegando no... Como é que chama esse mercado?
P/2 - Sirva-se.
R – Sirva-se. Para cima tem uma, só que era Grupo Escolar Bom Jesus. Eu sei que na época não tinha jardim, não tinha nada. Entrei no primeiro ano direto. Só sei que eu, para poder pegar, não conseguia. Eu tive que repetir o primeiro ano de novo. E essa vivência aí com o Senhor Alexandrino... Mesmo assim, Dona Maria com muito medo, né? E eu só sei que o negócio virou o disco. Eu crescendo, o Seu Alexandrino já estava com os filhos todos criados. A Neuza ficava muito com a Dona Maria porque ela era mulher. E começou virar... O Seu Alexandrino virar para o meu lado, você entendeu? Me pegar para a gente. Aí eu estudava. Entrava às sete horas da manhã na escola. A gente acordava às seis horas, quinze para as cinco. A gente ia à granja onde até moro hoje, a gente buscava leite. Ele dava uma olhada lá na fazenda. Era pequeno na época. Só mexia com leitinho de gado. Tirava para o consumo. A gente pegava o leite lá de manhã cedo. Tinha três latas: uma lata de dez litros, uma lata de cinco e uma de três. Para você ver, eu não dava conta de carregar a lata de dez. Ele carregava a de dez e eu carregava as outras. Aí ele deixava, parece, lá no Doutor Luiz, ele deixava três litros, e no Walter deixava dois. E os dez litros iam lá pra casa, porque Dona Maria ia fazer doce. Mesmo no apartamento ela fazia doce, fazia muita coisa. Então foi o começo da minha vida. Isso ele pegou e começou desde pequeno lá. Passou um tempinho, acho que estava com seis anos, ele já começou a andar. E isso começou a dar muito atrito entre ele e a Dona Maria. Porque a Dona Maria achou que como eu era parente dela ela teria que criar do jeito dela, né?
P/1 – Hum, hum.
R – E então foi levando. E comecei viver com ele. Aí comecei, a gente ia para a chácara todo final de semana. Isso era sagrado. Chegava, a gente estudava de manhã. A Neuzinha estudava, eu estudava de manhã, depois acho que eu passei para a tarde. É... Nessa escola… Voltando ao assunto, nessa escola eu fiquei até a quarta série. Nunca tomei bomba. A Dona Maria sempre me ajudando na parte de escola. Ela me ajudou muito.
P/1 – Adaptou-se rapidinho então?
R – Oi?
P/1 – Adaptou-se rapidinho?
R – Adaptei rapidinho. E principalmente Seu Alexandrino me adaptou. Porque eu era homem, né? Então para ajudá-lo ou ficar com ele. Ele agradou. Ele era caladão, eu sempre fui caladão. Nunca fui falador, essas coisas. Aí ele adaptou. Na sexta-feira acabava, encerrava o expediente e já pegava a gente e dormia lá na Marileusa, né? Só domingo à noite que a gente vinha embora. Então a vida foi levando. Depois eu fui pegando idade, fui continuando a estudar. Depois eu passei para estudar à noite, que eu comecei a tomar conta da Marileusa lá novo. Acho que com doze anos ele já botou eu para tomar conta da chácara. Eu já fazia essa... Esse carreado. Levava os peões de manhã cedo, tinha uma picape da CTBC e ia um rapaz comigo. Mas eu que levava lá e ficava o dia inteiro.
P/1 – Doze anos?
R – É, doze anos eu comecei lá na chácara. E aí, cada tipo de serviço lá, a gente fazia. Mas eu estudava, voltava e estudava à noite.
P/1 – Queria duas coisas Valdemar, antes que a gente avance mais. Primeiro: como é que era essa cidade que você encontrou? Quer dizer... Esse garoto que chegou lá do, da ___________ fazenda e chegou em Uberlândia. Que cidade era essa?
R – Para ser sincero, quando eu cheguei em Uberlândia, o que mais me assustou foi subir no prédio, porque eu era pequeno e a Veraneio tinha uns bancos muito altos e não deu para eu ver que aqui era cidade. Mas, depois, lá dentro do apartamento que eu senti, quando a gente olhava na janela, que eu fiquei andando e eles me levava, na mão. Você fica pasmo com a casa daquele jeito. E era novinho o apartamento. Estava inaugurando o apartamento dele. Ele pegou e aquilo para mim foi assim, como é que fala? Inexplicável. Você sai de um lugar assim, tão diferente, tão mato... Para você ter uma noção, eu ia muito pouco a Montividiu. Meu pai levava, às vezes, uma vez por mês a Montividiu. Então vamos chegar em Uberlândia e ver? Aí, depois, no outro dia, acho que o medo meu estava tão grande que não deu para eu reconhecer que eu estava em um lugar tão alto. Eu dormi. No outro dia que eu fui cair em mim de que eu estava em um lugar diferente. Que ali era a Dona Maria, a minha irmã e tal. Mas o choque foi muito grande. Eu não sei te falar a reação, porque na chegada mesmo eu não senti nada. Eu só cheguei, achei: “Eu quero ir lá embaixo, ao banheiro.” Ela falou: “Não, aqui em cima tem banheiro.”
P/1 – (riso)
R – Isso a minha irmã, sempre orientando. Ela... A casa, então, ela foi me mostrando. Ela sabia que eu não sabia o que era televisão, um rádio. O rádio... Até que ainda tinha uns radinhos lá na fazenda, era só meu pai que ligava. Porque esse a pilha, né? Aqueles radiões de madeira. Então a sensação, assim, de estar, eu fui sentindo acho que durante a semana. Mas eu estava muito receoso pela aquela conversa que ela teve na Veraneio. Será que o Alexandrino... Eu falei: “Bom, o Alexandrino deve ser uma pessoa de lá. Será que ele vai aceitar ou não?” Então... Aquele receio que eu fiquei dele, às vezes até medo. Olhava para ele, ele olhava para mim. Ele não conversou comigo nos primeiros contatos. Então, assim, eu acho que eu fui sentir mesmo que eu estava na cidade uns dois dias depois. Até eu me acostumar com aquele pessoal ali. Tinha uma funcionária que trabalhava para ela. Aí depois foi, né? Mas foi realmente incrível.
P/1 – A segunda coisa que eu queria recuperar é essa primeira escola. Esse período de... Tem alguma professora que tenha te marcado? Esse primeiro ano que você teve que repetir por razões óbvias... Como é que o garoto encarou tudo isso?
R – Não, porque quando eu entrei, parece que foi com seis anos. E, tipo assim, eu sentar em um banco de escola... A Dona Maria foi lá, me matriculou no Grupo Escolar Bom Jesus. E eu não peguei nada no começo. Eu fiquei seis meses ali, voando ali dentro, tentando, porque eles iam muito para a escrita. Não era hoje, como se prepara uma criança no maternal, que a criança vai brincar no Jardim I. Na época era meio na bucha. Mas eu até que me saí bem, porque no segundo semestre eu já estava sabendo escrever os caderninhos. Eu lembro da Dona Nilza. Dona Nilza era diretora lá na época. E eu tinha uma professora, e essa professora... Sabe por que é que eu não esqueço dela? Eu tive várias professoras lá, porque era uma professora só para tudo. Ela batia o sinal para o recreio, a gente saía. O pátio era no meio, as classes eram do lado. Não sei se você conhece lá. É um galpãozão no meio e as classes. Hoje deve ter mudado. E tinha um sino. Aqueles sinão de... Batia para a gente sair. E eu não sei o que é que eu esqueci, você não podia voltar para a classe enquanto não acabasse o recreio. E eu cheguei lá, era uma professora acho que moreninha, até com esse cabelinho seu. Só que ela estava fumando. Quando eu entrei de volta, ela jogou o cigarro longe. Mas deu para você notar que ela, que as professoras não fumavam perto de aluno. Não podia nem saber na época. Eu achei assim: “Nossa, ela fuma.” A única coisa que eu guardo dela. E fora as folias que eu fiz lá dentro, que a Dona Maria foi chamada e tal. Mas eu não formei, tentei. Mas, pelo menos, na minha escolaridade eu não tive repetição de ano, essas coisas. Mas, no Bom Jesus, na primeira eu repeti. Porque a professora, assim, dava até para eu passar. Eu lembro da Dona Nilza conversando com a Dona Maria. Mas eu acho que ele estava muito atrasado e pegou. Eu repeti o primeiro ano de novo. Aí foi a primeira série, a segunda, a terceira e a quarta. Só que na quarta, nessa passagem desses quatro anos, o bom que a diretora chegava no fim do ano e falava. Lá tinha muito trabalho. Tinha teatro, tinha os teatrinhos que a gente fazia. Eu lembro de uma passagem dessa que nós fomos fazer uma apresentação na televisão. Antigamente era... TV Triângulo é hoje. O que é que era?
P/2 - Integração.
R – Não, a TV Triângulo. Era a TV Triângulo. Aí eu lembro que Sona Maria e a Nilza: “Mas você vai aparecer na televisão.” Ia aparecer no jornal. No jornalzinho das sete, que hoje ainda tem, mas era um jornal direcionado. Nós fomos fazer uma apresentação que eu ia de coelho. Então tinha que botar aquele negócio. Aí a minha avó, a Dona Maria falou assim: “Quando você baixar o negócio você dá um tchau, viu?” Mas aquilo ali, aquele mundo de câmara lá, que dar tchau que nada. Nós apresentamos o negócio lá, eu já estava na terceira série. Terceira série. Foi um teatrinho que nós fizemos porque o nosso grupo foi o melhor da escola. Então ia apresentar na televisão. Mas aquela escola deu uma base muito boa. Inclusive, hoje, ela é uma escola boa ainda. Então ela deu uma base muito boa para eu poder pegar, porque depois eu mudei de colégio, já mudou totalmente o ensino. Mas, ah... Era muito gostoso! Eu, nossa... Fazia muita folia. E gostava de bater nos colegas.
P/1 – E a Dona Maria nessa história?
R – Não. Ela, a dona Maria foi uma pessoa assim... A minha avó ela tinha um... Ela custava a ficar nervosa, mas quando ela ficava nervosa, aí sai de baixo, que eram três dia dela no ouvido da gente. Então, assim, a gente tinha receio dela, mas não esquentava muito com ela. Agora... Meu avô, não. Seu Alexandrino era, ele ficava nervoso toda hora. Qualquer coisa ele já estava te xingando, não sei o quê. Mas ele já dava uma volta, já voltava estava normal. Conversava com você. Vamos embora, vamos fazer isso, vamos fazer aquilo. Foram as histórias que nós tivemos para a frente aí. Então, tipo de escola, eu nunca tive problema com ele. Mas, Dona Maria... Eu fazia as tarefas, né? Chegava, almoçava, fazia as tarefas e depois ela ia me tomar tudo que eu tinha feito. Então foi até bom que eu não tive problema nenhum. Só na primeira série, porque foi um choque de chegada. Da primeira, segunda, terceira, quarta série. Aí, na quinta série, ela começou já a me abandonar, porque o ensino já começou a complicar, ela já não sabia muito. A Neuza tinha a vida dela lá, a Dona Maria era muito assim, em cima da gente. Isso e aquilo para eu não fazer nada de errado. E então, na quarta série… Até a quarta série foi tranquilo. Teve as molecagens minhas mesmo. Eu sei que, na época, eu invoquei com a Escola Polivalente. Todo mundo falava da Escola Polivalente. Eles queriam que eu estudasse lá no Bueno Brandão, que era pertinho. Eu falei: “Não, que eu...” A Escola Polivalente, na época, era a melhor. Ela tinha agrícola, tinha técnica, tinha isso tudo. Eu peguei e fui. Ele falou: “Não, se você quer ir para lá...” Isso ele não discutiu comigo. Eu até achei engraçado porque ele sempre era um... Mantinha uma palavra. “É assim que tem que fazer, é assim que tem que fazer.” Ele: “Não, se você quer ir para lá, tem que ir para lá.” Fui lá, fiz matrícula. Fui e lá eu fiquei até a oitava série. Precisa de falar no meio das histórias ou não?
P/1 – Por favor. Pode ficar à vontade.
R – Ah, na escola lá já comecei rapazinho. E já comecei na quinta série, sexta série... Comecei a ratear. Peguei umas recuperações brabas. Quase que eu tomei bomba. Isso aí me custou caro para caramba, porque na quinta série eu fiquei de recuperação para tomar bomba mesmo. Mas aí eu dei uma ajeitada. Estudei bem lá na escola e consegui passar. Mas na sexta série eu já comecei com amizade, com amigo, essas coisas. E eu lembro, eu não sei se eu estava na sétima, surgiu... Eu era muito novo. O Luiz Alexandre _________ tinha ganhado uma moto do pai e da mãe dele. E eu como todo final de semana estava sempre com eles e tal, eu sempre andando a pé e ele vendo aquilo, né? Aí um belo dia lá ele resolveu, foi ali nos Irmãos Garcia, tinha uma motinha usada para mim. Ah, meu Deus, aí que...
P/1 – Que idade você tinha?
R – Ah, eu tinha treze anos. Treze para catorze anos quando ele me deu essa moto. Nossa, Dona Maria quase morreu quando eu cheguei lá, mas eu já sabia andar. Porque eu andava na do Luiz Alexandre e da Ana Marta. Inclusive, a da Ana Marta era grande. A do Luiz Alexandre era cinquentinha, pequenininha. Aí eles iam lá para a praça, ali onde a gente morava. O pessoal ficava sempre na praça, então eles andavam sábado e domingo. Aí eu andava na moto deles lá.
P/1 – É uma coisa meio que genética, né? Porque o Seu Alexandrino também gostava de moto.
R – Gostava. Ele adorava. Mas aí... Rapaz... Essa moto deu uma complicação. Quando eu cheguei com essa moto nós estávamos lá na chácara. Era final de semana. Nós tínhamos vindo. Ele foi lá na CTBC comigo e parou nos irmãos Garcia. Quando ele parava, o Irmãos Garcia era lá no centro, ainda lá no Banco Rural. Eu peguei e fui direto para as motos, né? Fui ver as motos. Montava em uma moto, montava noutra. Daí ele já veio, ele era muito de surpresa. Ele nunca te contava o que é que ele ia fazer, se ele ia fazer alguma coisa. Ele chegava, entregava e pronto. Aí comprou essa moto e falou assim: “Essa aí dá para você andar?” “Dá.” Aí eu virei um tiro, né? Primeiro, eu lembro que eu fui lá no prédio, que o porteiro era muito meu amigo. Era um pretinho que trabalhava aqui, eu não lembro o nome dele. Raimundo... Chamava Raimundo. E ele que cuidava mais da limpeza, mas era playboyzão. Os outros eram tudo... Eram uns porteiro meio caretas. Pegavam no pé da gente para caramba. Eles entregava a gente lá para a Dona Maria direto. Qualquer coisa que fazia eles entregavam para todo mundo. E esse cara era super gente boa. Eu cheguei: “Olha o que é que eu ganhei.” Ele falou: “Deixa eu dar uma volta.” Eu falei: “Não, você está ficando doido? Eu ganhei agora.” “Não, eu sei andar de moto.” “De jeito nenhum.” Aí, a primeira pessoa, engraçado... Eu saí de lá, fui lá mostrar para esse menino e fui embora para a chácara. Cheguei lá, guardei. Eu sabia que esse negócio ia dar problema por causa da Dona Maria. E, rapaz... Quando ela viu que essa moto estava lá, que o Seu Alexandrino chegou... Aí o pau quebrou. Mas ela xingou ele, tudo. Que onde que ele estava com a ideia, dar uma moto para o menino. “Esse menino não tem juízo. Você vai devolver essa moto.” Mas xingava... Ela era terrível também quando ela saía na...
P/1 – E você quieto?
R – Eu? Quietinho, que eu sabia. Nem lá não fui porque eu sabia que o negócio ia dar problema. Eu vou é perder a minha moto. Eu só sei que ele: “Maria, deixe de ser ignorante, Maria. Que não sei o quê.” “Não, você está doido. Você quer matar esse menino. Esse menino já não tem juízo e você vai dar uma moto para ele. Olha a idade dele.” “Mas os meninos têm lá, não sei o quê.” Sei que ela não deixava ele falar. Aí ele pegou, entrou. Do jeito que ele entrou, ele já saiu e foi embora. Nem almoçar em casa ele não almoçou. E a moto ficou, né? Eu fiquei quietinho lá e tal. Sei que deu muito problema, mas foi nessa época que eu estava estudando lá no Polivalente. Mas assim, a lei da moto era a mesma coisa: só final de semana.
P/1 – Aham.
R – Sábado e domingo. Mas a gente é moleque e ficava aquela moto guardada lá, novinha, a gente lá e ia na garagem, roubava a moto, saía dia de semana às vezes, né? (riso) E era gostoso. Eu dei muito trabalho para eles. Foi um trabalho saudável também. Não foi nada de marginal, de coisa. Mas essa moto deu uma dor de cabeça... E começou a me atrapalhar na escola, você entendeu? Porque aí eu ia para a escola e de lá eu saía com os amigos com essa moto. Vixe... E foi a época que eu comecei a... Não, eu já estava trabalhando na granja. Mas aí ele começou e me ensinou a dirigir muito cedo. Eu comecei a dirigir muito cedo. E aí eu passei para a noite, a estudar à noite. Inclusive, eu não fiz até a oitava série. Fiz a sétima. Na sétima eu já passei para a noite, lá no Rene Giannetti. Eu passei para o Rene Giannetti à noite porque eu estava trabalhando só meio período na chácara. Com essas passagens aí, eu comecei a trabalhar lá na chácara.
P/1 – Certo. A rotina... Quero dizer, essa sua rotina, o seu trabalho na chácara era meio de administrador? Assim, como se fosse administrador? Mesmo nessa idade?
R – Era não. Ele queria me botar administrador, mas eu era muito menino. Quer dizer, ele falou assim: “Você vai tomar conta da chácara.” Tinha os pedreiros dele lá, tinha os vaqueiros. Bom, eu tinha treze anos. Não conseguia comandar nem se eu quisesse. Então eu levava o negócio na farra também.
P/1 – Sei.
R – Levava. Aí eu comecei a levar o leite, porque lá ele começou a entregar o leite na Calu, levava em uma charrete. Aí já estava começando a dar... Já dava 150 litros de leite. Ele falou assim, um dia eles estavam muito enrolados lá no mato. Porque lá na chácara eu andava para tudo quanto é lado. Levava a madeira, levava poste na picape, o tratorzinho. Carregava arame, cano, que ele vivia fazendo dreno, fazendo córrego de cimento. Era a vida dele, adorava. Por isso que eu estou te falando: ele ia sexta-feira e só voltava no domingo. Quando era feriado, era sagrado. A gente, a função nossa era lá. Então nós ficávamos atolados na fazenda lá. Mesmo antes de eu dirigir, eu já ficava lá com ele. Aí ele pegou um belo dia, ele virou: “Olha, está todo mundo enrolado aqui e o...” Como é que ele chama? O Joaquim... É o Branca. Ele deve estar até vivo ainda.
P/2 - Pires.
P/1 – Joaquim Pires.
R – Joaquim Pires. “O Joaquim Pires não vai poder levar o leite hoje, você que vai levar.” Aí eu tremi na base. Eu falei: “Gente do céu, eu vou ter que ir à cidade.” Porque a Calu é aqui na cidade, né? Aí eu falei assim: “Você sabe dirigir e você tem juízo. Você pega, entrega, volta depressa e vê se está precisando de você aqui.” Eles estavam fazendo um serviço na época lá do anel viário, passando a canalização. Rapaz... Engraçado que eu nunca tive medo. Nesse dia eu tive muito medo de ir. Porque, quando você aprende a dirigir, sempre vai alguém com você ou você está em uma autoescola dentro da cidade. Você, no mato é uma coisa você dar uma brecada, ou sair no meio do mato lá, tudo bem. Agora, você entrar no meio dos outros carros... E eu lembro que ele falou assim, foi tipo assim, eu acho que ele tinha muita confiança em mim também. Ele falou: “Hoje você vai levar o leite.” E eu fui.
P/1 – Que carro era?
R – Era uma picape, uma picape Willys. Era uma camionetinha tipo aquela Rural, só que de carroceria. Só que tinha uma gradinha boiadeira nela. Aquele logotipo da CTBC, mas aquele logotipo, sabe? E dessa picape eu nunca mais desapeguei.
P/1 – Três marchas?
R – Eram quatro marchas no câmbio. Dessa vez acabou. Ele falou assim: “Agora você vai ser o leiteiro, você entendeu? De hoje em diante...” Eu fui e voltei. Beleza, né? E...
P/1 – Mas foi ele quem te ensinou a dirigir?
R – Foi. Ele me ensinou a dirigir. Nós tínhamos um Jipe lá, Jipinho da CTBC, e esse Jipe, final de semana, ia para lá para a gente. Mas ele levava mais para ensinar os menino a andar e tal. Ele me ensinou assim, chegava assim e falou: “Olha, aqui é a embreagem, aqui é o freio e aqui é o acelerador. Olha, como é que você sai.” Ele não tinha muita paciência, aí ele falou: “Se você for bom observador, você olha o que eu estou fazendo que você aprende.” Só isso.
P/1 – Interessante.
R – Eu lembro daquele Jipe, era marcha seca. Aquele tempo passava marcha, quase arrancava o braço da gente quando raspava. E ele chegava o pau nesse Jipe. Mas de primeira. Só andava de primeira. Não dava para pôr a marcha nele, né? Ia não sei aonde: “Vai lá ver não sei o quê.” Catava o Jipinho e vap, né? Ele sumia naquele Jipe. Depois desse Jipe, veio essa pick-up. Porque precisava de carroceria lá porque tratava do gado. Ele gostava que limpasse as cocheiras. Tinha que raspar tudo, botar capim, gordura. Então tinha que colher. Mas mesmo assim, tinha um tratorzinho lá. Mas o tratorzinho foi mais para a frente que eu comecei. A gente mexia pouquinho mas depois que eu fui inventando mais coisa que ele foi, a gente foi passando para o trator. Mas era menino, aí essa parte do leite começou. E foi sempre aumentando o leite e uma coisa que nunca acabou. Tirou o curral de lá hoje, mas continua lá na Canadá. E o leite dele está até hoje. Nunca parou, você entendeu?
P/1 – Certo. Quer dizer, essa rotina de responsabilidade na granja, estudo, e no final de semana era mais trabalho. Que não ia para lá para ______________.
R – É, no final de semana, é tipo assim, eu já ficava lá dia de semana. Depois eu passei a estudar à noite. Mas na sexta-feira, como se diz, eu já saía da escola e já ia. E, inclusive, teve uma época que, vamos supor, sábado a gente trabalhava. Domingo você parava ao meio-dia. Aí o churrasco dele é sagrado. Todo domingo tinha que ter o churrasco lá na casa, né? Juntava a família toda. Isso até o Walter. Mas depois que o Walter faleceu ainda continuou muitos anos e tal. Mas a gente lá, aí eu me liberava às vezes domingo, três horas da tarde. Quando o Luiz Garcia vinha embora, eu descia de carona com ele para passear um pouquinho na cidade e ver, né? Aí depois ele ia embora com a Dona Maria. Eu já encontrava lá. E teve um belo dia lá que eles me ligaram e falaram que não iam. Que era para eu voltar, eles ligaram no prédio. Como eles sabiam que eu ficava na porta do prédio, ligaram lá na portaria do prédio e falaram para o Zé Pretinho: “Ó, acha o Valdemar aí e fala para ele que nós não vamos embora hoje.” Eu tive que voltar de ônibus e era noite já. E ali na descida da chácara, onde é a descida do Call Center, ali era feio, porque era uma mata de um lado e de outro lado era eucalipto. E era só estradinha de terra no meio. Mas eu passei tanto medo nesse dia, rapaz. Eu passava... Eu lembro de um fazedor de cerca lá na chácara. Eu vivia enfiado com esses peões, então tudo que era história, eles contavam. Eu lembro que ele chegou para mim e falou assim: “Quando você tiver com medo, você anda para a frente, nunca olha para trás e vai contando uma história. Vão contando um caso mais alto para você. Não conta caso baixo, não, porque o próprio medo seu você vê barulho, vê tudo.” E eu fui, rapaz. Mas aquilo, assim, correr, era muito chão. Eu já tinha que correr demais e às vezes ficava pior. E eu lembrei desse caso desse cerqueiro. Ele é até falecido, esse senhor. Ele trabalhou muitos anos lá fazendo cerca. Ele falou assim: “Você olha para frente, nunca olha para trás e conta um caso. Vai contando um caso.” E eu fui, quando eu cheguei lá na chácara, estão os dois bem bão, sentados lá no alpendre, que eles tinham batido remédio – Dona Maria e Seu Alexandrino – na casa, que estava muito cheia de mosquito. Ficaram lá de fora, lá no alpendre. E eu cheguei lá eram nove e meia da noite. Porque andar assim, em um lugar daquele, né? Nessa época eu não tinha moto, não tinha nada, não. Mas eu já estava começando a vir na cidade e indo à tarde. Mas não podia falar nada. ______ ralava a gente ainda, né? (riso) “E veio bem? Você está ficando homem já. Já está começando a andar sozinho.” (riso) E aquilo, para ele, era uma coisa que você fazia que para ele você já... Igual esse negócio de dirigir, foi uma vez e acabou. Foi bem, agora acabou. Agora é você. Aí eu comecei a ficar independente muito cedo, sabe, muito cedo. Depois da chácara, que eu fiquei uns tempo lá na chácara, ele viu que estava muito novo, o negócio lá começou a aumentar muito serviço e ele me passou para a CTBC. Foi onde eu comecei a trabalhar lá com o seu Tião. Eles falavam que era para aprender ofício. Ah, o seu Tião era uma oficina que tinha na CTBC...
P/1 – Sebastião Gomes?
R – Isso. Ela fazia. Ali fazia de tudo que a empresa precisava, fora as coisas que ele fazia para a chácara também, que era porta velha, arrumava fechadura, fazia mata-burro, desentortar, soldava pá velha, enxadão velho, mandava arrumar tudo. Ele nunca jogava, enquanto não acabava mesmo, ele não jogava fora. E o Seu Tião fazia para ele, fora...
P/1 – Como era o seu Sebastião? Trabalhar com ele?
R – Seu Bastião? Seu Bastião era a pessoa que, nossa… Aquele era ignorante para caramba, né? Era uma pessoa boa, mas era uma pessoa muito sem cultura. E eu tive muito atrito com ele lá dentro no começo, porque o Seu Alexandrino me pôs lá para eu aprender ofício. Mas aprender ofício, eu tinha que trabalhar também, fazia, aprendi a pixar cruzeta, fazer DG. Os DG, que eram os distribuidores gerais já. Inclusive, teve uma época que eu fiz um sozinho. Na chapa, cortava. Fazia rosca e depois pintava, né? Essas partes, galeria que vai segurando os cabos, ele é chumbado na parede. Aí fazia desde a braçadeira, a peça que é chumbada na parede para segurar o cabo a gente fazia lá também. Então era essa diversificação de serviço. As escadas que os instaladores usavam, que na época não tinha o G-7, né?
P/1 – Uhum.
R – Então vinham aqueles, compravam aquele mundo de escada de madeira, mas a gente tinha que pôr agulha de ferro ou para reforçar ela. E fazer os estanhos para derreter, para soldar os... Como é que fala, gente? As emendas dos cabo são de... Como é que chama aquele material que derrete?
P/1 – Chumbo?
R – Chumbo. Então, nas emendas dos cabos a gente fazia uma mistura lá. Acabou que tinha uma forja, a gente ficava apertando assim o carvão e a panelona aquela de feijão, só que a gente ia colocando aquelas capas de chumbo e depois misturava estanho para dar liga. A gente pegava aquele negócio quente, tipo em usina, né? Só que tinha uma forminha, botava e mandava para os almoxarifados aqueles molde para os cabistas fazerem a solda. Eles iam com um maçarico e iam derreter. Então, assim, o que ele fez foi muito interessante porque ele falou assim: “Eu quero que você comece da base. O que é a empresa? De onde que ela começa.” Então eu trabalhei com o seu Tião lá. Mas o seu Tião, eu tive muita briga com ele porque ele era muito ignorante. E eu não aceitava muito ele querer me mandar. Mas foi um bom professor para mim, viu?
P/1 – E essa oficina, quantas pessoas eram? Como é que ela funcionava?
R – A oficina era... Quer ver quem tinha? Era o Sebastião,o chefe da oficina lá; tinha o filho dele, que é o Divino, que ainda está vivo ainda; tinha um tal de Pedrão, esse já morreu, inclusive morreu, eu estava era ímpar ainda lá em cima, esse Pedrão era um homem grandão; o Gerson, esse também sumiu eu não sei o que foi feito dele. Esses foram quando eu entrei, eles já estavam lá. Aí ficaram, porque na época os funcionários ficavam até quase aposentar, né? O Gerson e eu. Depois eu entrei. E tinha um outro lá que eu não lembro o nome dele agora, que o irmão dele até pouco tempo trabalhava na Central, mas esse cara era mais... E tinha o pessoal do pátio, que descarregava trilho, aqueles trens, né? Ah, fora aquela máquina que tinha lá de serrar trilho, essas coisas, né? (pausa)
P/1 – E esse grupo dava conta de todas essas necessidades da empresa? Era muito trabalho?
R – O que era feito lá, era o trem lá, trabalhava. A gente trabalhava sábado até meio-dia, uma hora. Na época, a CTBC funcionava até essa hora.
P/1 – O Seu Sebastião tinha uma aproximação muito forte com o Alexandrino, né?
R – Tinha, eu vou te falar o seguinte: ele deve ter contado a história dele, que ele começou como faxineiro e tal. Só que o Seu Alexandrino era uma pessoa, tipo assim, você era o engenheiro, tinha o mestre de obras e tinha o peão. Ele conversava com o engenheiro e com o mestre de obras como ele conversava com o peão. Ele não tinha esse negócio de... Então, tudo o que ele precisava, tudo o que ele tinha que fazer era direto com o Seu Alexandrino. Então às vezes vinham os engenheiros com as plantas. Se o cara chegasse lá meio arrogante, ele saía com o cara na cabeça na hora. A gente até ria. “Ih... O Sebastião vai sair com o cara na...” Aí, se o cara chegasse e contasse pescaria para ele e tal, aí ele dava aquelas risadonas dele e aí ele fazia. Mas enquanto o Seu Alexandrino ou o Zé Leonardo não pedia? O Zé Leonardo também, ele respeitava muito o Zé Leonardo. Mas o Zé Leonardo também, quando ele chegava com muita coisa, ele saía com o Zé Leonardo no grito.
P/1 – (riso)
R – É. Aí, desde lá, logo nós ficamos um tempo aqui em baixo. As oficinas depois mudaram lá para cima. Onde é o restaurante da Algar, ali que era a oficina, né? Eu fiquei um tempo com ele, já fui ficando mais mocinho. Aí eu começava, ele era bom porque nós fazíamos de tudo. Então, aí começou a andar de carro, nos carros da CTBC. Eu começava a botar equipamento nos carros, ele fazia para mim. Ele gostava muito de mim e eu gosto dele também, certo? A gente teve os atritos porque eu era moleque e entrei, não queria saber de trabalhar. É aquele primeiro emprego mesmo, que você tem que marcar horário, né?
P/1 – Uhum.
R – Aí comecei a receber meu primeiro salário, né? Mas eu não recebi igual os outros, não. Eu recebi na Dona Ilce. Dona Ilce me pagava no dinheiro lá no caixa.
P/1 – Certo. (riso)
R – Eu lembro que ele me falou: “Olha...” Eu lembro direitinho. “A primeira facilidade que você vai ter é que você não vai precisar de prestar concurso. Eu te ponho dentro. Mas aqui eu não te conheço.” Seu Alexandrino falou desse jeito para mim. Como se diz: “Aqui você tem que se virar para você subir.”
P/1 – Uhum.
R – E de lá, aí fiquei um bom tempo com o seu Tião e aí eu já estava ficando mais mocinho já, que se via. Eu falei: “Não, agora...” Aí, até acho que foi o Doutor Luiz, ele falou assim: “Olha, mas precisa passar já para o Departamento de Energia para você fazer um estágio lá.” Ah, não. Teve uma época que eu tinha saído da oficina. Seu Alexandrino me botou no distribuidor geral, porque ele queria que eu passasse na oficina, depois no DG, na Central e depois ia encaminhando, né? E eu só sei que ele me passou. Teve uma época que ele me passou, que era até o Cleber. O Cleber Garcia que era o chefe lá em baixo. Ele me passou para o DG, um belo dia lá em baixo. E eu não sei o que é que eu aprontei de noite com os meninos aí, que nós fizemos uma farra e tombamos o carro do cara, né? O cara tombou com a gente e eu dentro desse carro lá, né? Saí para ir para a escola, heim? Para ir para a escola. Nós fomos para Brasília e voltamos à noite. (riso) E na volta que o cara falou assim: “Vamos ali em Brasília que tem uma loja...” Isso eram os amigos, o irmão de um amigo nosso que tinha uma loja lá em Brasília e tinha desmanchado. Eu falo: “Ah, não, eu vou para a escola.” “Não, Sô. Meia-noite nós estamos aqui de volta.” Eu falo: “Lá em Brasília?” “Só buscar umas coisas de escritório da minha loja a gente volta.” Nós fomos até em dois carros. Mas eu era de menor, eu fui. Eu só sei que eu fui nessa nhaca desse negócio.
P/1 – (riso)
R - Esse cara dormiu no volante no caminho e tombou esse carro, e nós lá dentro. Virou aquela paçoca só. (riso) Ele foi tombou reto, que ele dormiu e o carro caiu em um lugar assim. Eu sei que ele parou em uma árvore. Parou de cabeça para cima. Eu falei: “Nossa Senhora, pronto.” E eu peguei... Na época, gente do céu, esse povo ficou louco. Que amanheceu e eu nunca... Chegava às vezes tarde, lá em casa era um problema sério de horário, né? Às vezes, final de semana, quando eu ia sair a noite, mesmo lá da chácara que eu vinha, eu tinha horário de chegar em casa. Não tinha esse negócio. E eu não aparecia. Nossa, Seu Alexandrino saiu doido, Dona Maria. Ligaram para a polícia e botaram o Zé Leonardo doido atrás. Aí eu sei que esse negócio enrolou, nós estávamos lá em Cristalina ainda. Lá em Cristalina eu peguei e liguei. Fui em um orelhão lá da Polícia Rodoviária, liguei. Nossa, mas eu estava com tanto medo de ligar que: “Gente eles vão acabar comigo, né?” Mas não tinha comunicação na época também, né? A comunicação era escassa. Eu sei que ele pegou eu, ela, a Dona Maria ficou tão nervosa, falou assim: “Ele vai voltar para a oficina de novo. Ele não vai dar esse serviço para ele, não, por causa dessa irresponsabilidade. Quase matou.” Voltava para a oficina de novo. (riso) Falei: “Ai, meu Deus do céu, mas não é possível.” Sei que eu lembrei logo do seu Tião: “Que é que você arrumou, rapaz, que você está de volta?” Eu falei, eu contei o caso para ele. Ele caiu na risada.
P/1 – Valdemar, como é que era a convivência com o Seu Walter, o Doutor Luiz? Como é que eram essas pessoas assim?
R – Olha, o Walter Garcia, a convivência mais foi muito menino ainda. Porque ele morreu em. não sei se foi 1974, 1973.
P/2 - Quatro.
R – Em 1974. Eu sei que ele era bem mais severo. O Luiz Garcia já era mais maleável com a gente. Apesar de que a gente encontrava muito pouco também. O Walter era muito enérgico. Mas ele era uma pessoa muito boa. Porque o Walter, ele morava ali perto do apartamento. Então eu almoçava, todo dia ele passava lá na dona Maria. Ficava há cinco minutos. Ele sentava, a gente almoçava em uma mesinha redonda lá, ele passava. Até na época que apareceu aquela doença, o negócio dele, eu lembro direitinho. Ele vinha da casa dele. Até eu almoçava assim, olhava na janela, eu falava assim: “Olha, o tio Walter está vindo.” Ele tirava a caminhonete dele, vinha e parava lá. Ficava cinco minutinhos, tomava o café com a Dona Maria e Seu Alexandrino. Ia embora para a Intermarques – ele ficava na CTBC e na Intermarques. A gente ia muito à fazenda dele final de semana. Muitas vezes a gente ia lá para Bela Vista. Aquela fazenda muito bonita. E eu lembro uma vez que eu fui, nós fomos na caminhonete dele, acho que foi tanta gente nessa caminhonete... E eu fui com a perna, minha perna foi assim. Eu falei: “Gente, mas não é possível que esse povo não está cabendo nesse carro?” Mas aquele negócio, você não ficar, era o pessoal, era o povo da família deles lá e eu tive que ir com eles. Eu sei que a minha perna chegou lá eu não estava nem sentindo. Eu falava: “Nossa, a fazenda não chega nunca mais.” Mas, assim, ele era sistemático também. Ele era uma pessoa boa. Mas eu não tinha muita convivência diretamente com ele. Tinha, que sempre eu estava com seu Alexandrino e ia lá na Intermarques, eu estava com seu Alexandrino. Eu ia lá na CTBC encontrar com ele, às vezes eu via ele lá de relance, né? Encontrava mais era na fazenda e nos almoços de domingo.
P/1 – Uhum. Como é que eram esses…?
R – Os almoços de domingo eram sagrados. Isso eu ouvia todo dia.
P/1 – Fala um pouco desses almoços, porque ao mesmo tempo que era uma confraternização familiar, também era uma espécie de reunião de trabalho,né? (riso)
R – Era, não porque isso era desde novo. Desde quando eu cheguei, passou um tempo que eu me lembrava, né? Parece que seu Alexandrino gostava muito, acho que eles falavam de trabalho lá tudo. Mas esses almoços, para ele, eram sagrados, sabe? Tinha, só se tivesse viajando ou Walter. Mas na época eles viajavam pouco. Não tinha muito o que sair para fora. O Walter, ele gostava de fazer churrasco. E era o Walter que fazia, você entendeu? Então ele chegava domingo, meio-dia ele começava a chegar, Dona Maria já tinha preparado as carne, aquela comidaiada. Eu lembro que na época a gente nem conhecia sal grosso. Que ela temperava tudo um dia antes. Carne de vaca, carne de porco, linguiça, aquela coisarada. E ela tem as gamelas, inclusive tem as gamelas até hoje. Quando eu vou fazer churrasco, que ela adora quando eu faço churrasco, ela fala: “Ai, mas fica gostoso com esse sal grosso? Você não quer que eu tempere?” “Não, não quero não, vó.” (riso) Porque ela botava pimenta, alho, sal fino. Tempero mesmo. Temperava a carne e deixava nas gamelas. Aquilo, no dia, rapaz... A carne estava preta. Porque ela escurece, né? Não é que é preto estragado, é preto do tempero que entranhou nela. É gostoso você comer na hora mas depois ela é terrível, né? Mas eles gostavam daquele jeito. Então o Walter acendia a churrasqueira, mas o jeito de acender churrasqueira era com gravetinho. Ele não gostava que você punha o carvão direto, não. Você tinha que queimar uns gravetinhos primeiro, uma madeirinha grossa, porque senão gastava muito carvão. E aí, a hora que virava brasa é que tinha que jogar o carvão. Tem esses macetes. Era... Então, inclusive a churrasqueira, depois que eu casei eu mandei reformar, ela está guardada até hoje em um canto lá. Uma churrasqueirona comprida que tinha aquelas... A gente era pequenininho, botava manivela para rolar e acendia o fogo. Mas, assim, de negócios mesmo eu lembro, que sempre tinha visitas, né? Depois, logo que a minha irmã casou, o seu Osvaldo participava muito desse almoço. Mas, do contrário, era o Seu Alexandrino, Dona Maria, eu, a Neuza, o Walter com o Alex, e a Catita. A Aurora, a Catita casou o Paulo, era casada com o Paulo, na época ele ia também. O Luiz com a Dona Ofélia. O Luiz Alexandre e a Dona Marta. Isso era... Acho que era raridade falhar um almoço desse.
P/1 – Era a oportunidade que se tinha de estarem juntos?
R – É, porque encontrava todo mundo. Então, mas mesmo até antes dele ficar doente, essa confraternização eles faziam muito, né? Juntos. Ele gostava muito, ele não deixava ninguém alterar com ninguém. Ele era bem líder mesmo. Ele foi um líder bem nato mesmo.
P/1 – Certo.
R – Então, esses almoços, acho que era um modo dele estar com todo mundo. Ali eles tomavam vinho, o Walter gostava de cerveja, cerveja e cigarro. Aí bebia umas lá meio brabas, eu lembro que ele saía com a camionetinha dele. Ele chegava lá no topinho do morro, ali onde você tem a casa. Eu não sei se você já foi lá.
P/1 – Uhum.
R A hora que começava a subir, tinha dia que o peão tinha que ir lá e botar a caminhonete lá em cima para ele, porque ele não dava conta de subir. Tomava a cerveja dele e tal. Então esses almoço duraram muitos e muitos anos. Depois o Walter faleceu, né? Mas, mesmo assim, continuou com o Luiz e tal. Depois a empresa foi, o negócio foi expandindo, começaram a viajar, os filhos foram ficando grandes, alguns já casaram. Na época era só a Catita que era casada, só ela, o resto era tudo solteira.
P/1 – Certo. Como é que chegou, finalmente, esse momento que o Senhor Alexandrino chama você para perto dele? Quer dizer, aí tinha uma fase em que você já não sai de perto mais dele?
R – Não.
P/1 – Te leva para todo lugar, _______________.
R – Não, aí que... Mas isso, essa fase, já começou muito novo. Desde a época do leite, você entendeu? Tipo assim, aonde ele ia, eu estava junto. Dia de domingo eu lembro que ele falou assim: “Vamos ver como é que está Uberlândia?” “Vamos.” Aí saía. Ou saía com a Dona Maria junto também. Eu andava na... Nossa... Ele tinha uma mania de enfiar no meio dos mato. Que falava que antigamente lá tinha estrada e o trem, não tinha estrada nada. E ele andava. Dentro da Veraneio a gente tinha uma torquês? Sabe o que é uma torquês?
P/1 – Uhum.
R – Torquês é uma ferramenta grande, com que você pode desde cortar um arame ou bater também, para você arrumar. Porque onde ele passava ele podia abrir, mas ele fechava. Ou, às vezes, lá na Deolinda, na irmã dele. Esse final de semana a gente... Esse sábado e domingo à tardezinha, às vezes tirava para andar. Ia lá na Genu, lá na Deolinda... Mesmo? A última irmã dele? Acho que é Deolinda, que morava aqui em uma fazendinha também. Ou, se não, lá dentro da chácara mesmo. Ou senão quando __________ vamos andar na cidade com a gente. “Vamos ver como é que Uberlândia cresceu, sabe?” Então essa que foi a ligação. Desde a época que começou. Eu lembro desde a latinha de leite, né? Aí depois ele já começou a ter aquele problema de visão. A gente ia trabalhar em um lugar, eu ia dirigindo. Até muita gente falava assim que era: “Ah, você que é o motorista do Seu Alexandrino?” Eu ficava puto, eu falava: “Eu não sou o motorista dele, né? Eu dirijo para ele mas não sou motorista dele.”
P/1 – (riso)
R – E eles... Ele realmente sentia que ele se apegou e eu me apeguei muito nele. Os problemas que eu tinha com a minha avó ou às vezes com as aprontadas que eu dava, ele sempre me passava um pouco a mão na cabeça, né? Ele: “Ó, o negócio está feio para você. Vai lá para a chácara e fica lá dois dias, que a sua avó está que...” Esse lance vó é porque eles não são meus avós, são meus tios, né? Mas todo mundo chamava de vô. Eu não lembro quando eu peguei esse negócio de vô. Vô e avó, né? E lá era bença todo dia para dormir. Bença. Se você não falasse bença, nossa... O tempo fechava. E eu só sei que essa convivência com ele começou foi desde, que eu me lembro, a época do leite. Mas depois eu estudava, passava a noite. Mas depois eu comecei a trabalhar na CTBC, a gente ia para o mesmo lugar e ele já estava com problema de vista. Ele guiava mal, mal, quando ele guiava ele batia muito. Ele dava, batia quase todo dia. Ele batia o carro quando ele saía. Quase todo dia ele chegava com o carro amassado. Por isso que ele gostava de Veraneio. Sempre teve Veraneio. Ele andava só com as Veraneio da empresa. Aí, um dia, o Luiz chegou para ele e falou assim: “Pai, pára de andar com o carro da empresa, pai. Compra um carro.” Aí, desse dia em diante, ele resolveu e comprou uma Veraneio para ele, novinha. Mas em seis meses ele detonava ela tudo de uma vez. Batia, andava no meio do mato.
P/1 – Por que o gosto pela Veraneio?
R – Ele falava que a Veraneio tinha tanta lata que, quando ele batia, até chegar nele, já amortecia. Então ele falou assim: “Então, eu gosto da Veraneio.” Ele só teve Veraneio. Ele veio a ter caminhonete depois, que eu estava mais velho, que começou às D10, e achava bonito. Aí eu fui conversando na cabeça dele. Aí trocou. Não trocou. Deixou a Veraneio, comprou nada, mandou reformar, (mandou) o Zé Leonardo reformar uma caminhonete velha. Eu falei: “Gente do céu.”
P/1 – Tem uma Veraneio lá _________.
R – Tem até hoje. A última Veraneio dele está lá até hoje. Dele mesmo, ele teve oito Veraneios. Ele reformava elas todo ano, mas chegava em um ponto que ele trocava. Essa aí foi a última. Mas ele não teve muita, ele trocou, chegou a dirigir ela, mas muito pouco. Essa Veraneio eu acho que é 1980, parece. Um negócio assim.
P/1 – Enfim, mas eu quis dizer essa aproximação sua dele, mais no sentido mesmo, eu entendi que vem desde o leite.
R – Ah...
P/1 - Mas é mais no sentido mesmo profissional. Quer dizer, você sendo uma espécie de olhos do seu Alexandrino.
R – É, eu te falei. Eu acho que ele pegou uma confiança. Eu também nunca traí a confiança dele. Tipo assim, porque a gente saía da CTBC e já passava direto em ver o serviço. E ele gostava muito de discutir: “Como é? Vamos fazer isso aqui? Isso aqui vai ficar bom, né?” Era aonde eu chegava com ele: “Não, vamos fazer assim.” Às vezes eu teimava um pouco. “É diferente.” Ele gostava de pessoas que discutiam com ele. E para ele juntou o útil e o agradável. Ele nunca gostou de bibelô perto dele. Como se diz, eu dirigia para ele mas eu trabalhava também. Eu não ficava por conta só dele, né?
P/1 – Hum, hum.
R – E o jeito de eu dirigir ele já, tipo assim... Mas quando começou a minha vida, já comecei a mexer com informática. Eu já tinha as minhas coisas mais importantes para fazer. Tinha reuniões. Às vezes não dava para buscá-lo. O porteiro que levava ele, o porteiro lá da Algar, era o Impar lá em cima, né? Eu só sei que eu chegava... Pra você ter noção de como é que ele é: ali na Pepsi-Cola, antigamente não tinha aquele trevo, não. Você passa o viaduto da Fepasa [Ferrovia Paulista S/A], entrava direto em uma terra e entrava na Andraus Gassani. Vocês lembram disso?
P/2 - Lembro.
R – Ali é o seguinte: eu já chegava e, do jeito que eu chegava, via se não tinha carro, já vazava direto. Até aí eu chegava para o porteiro. O porteiro chegava, encostava, olhava para trás e para a frente e entrava. Eu lembro que, esse porteiro me contando, ele falou assim: “Mas o Valdemar não faz isso. Ele já chega e já entra.” “Não, não. Eu não falei nada. Que depois você...” Ele mesmo falou e ele mesmo já voltou atrás, né? “Depois você bate e fala que eu sou culpado. O Valdemar já chega, já entra de uma vez.” Quer dizer, até o estilo de fazer as loucuras que ele fazia a gente foi pegando também, então ele adorava. Ele achava muito ruim. “Não, mas não tem jeito de você sair da reunião mais cedo?” Porque o horário dele era muito sagrado. “Porque hoje você fica até uma hora da tarde, uma e meia. Vai almoçar depois do horário, né? Às vezes tem gente que fica à noite.” Isso aí, não. Ele era sagrado. Ele falou assim: “O que não deu para fazer até onze e meia, não adianta, que não vai fazer.” Eram onze e meia, ele estava lá me esperando na porta, ali naquelas garaginhas da Algar. Ele me esperava ali. Eu saí do, antes _________ eu já estava lá no Departamento de Energia. Ia embora onze e meia, quinze para a uma, meio-dia e meia a gente estava de volta. Isso era sagrado. Aí, às vezes, quando ele dava o... Quando ele já foi ficando mais velho, às vezes ele queria dormir um soninho, aí ele falou: “Você pode ir que depois a sua avó me leva.” E eu tinha que vazar, né, por causa dos horários. Ele, tipo assim, dava uma deitada lá. Eu chegava: “E aí?” “Não, hoje você pode ir. Vai indo que agora mesmo sua avó me leva.” Mas ele estava cansado, já foi começando, você entendeu? Essa convivência de dirigir para ele foi isso. Então o pessoal, às vezes, todo mundo fala: “Ah, você era o motorista?” “Não era.” Eu não me considerava o motorista dele. Eu me considerava um companheiro dele.
P/1 – Certo.
R – Porque a gente estava no meio do mato, estava junto. Estava na pousada, a gente estava junto. Quantas vezes nós fomos para a pousada eu e ele, encontro lá. Às vezes Dona Maria não ia, eu ia junto. Então ele sentiu um companheiro mesmo, né?
P/1 – Eu queria um testemunho, quer dizer, eu entendo exatamente essa aproximação, mas _________ da relação com este homem. Quer dizer, o eventual afeto que pudesse ter ali, um carinho. Ele nessa intimidade. Como é que era o seu Alexandrino? A pergunta básica é a seguinte: quem era esse homem? Como é que era Seu Alexandrino?
R – Não… Eu, no meu ponto de vista, assim... O que eu senti pelo Seu Alexandrino... Eu considerei o como um pai, né? Um pai, um filho. Tive meus problemas com ele e tal. O Seu Alexandrino era o tipo de uma pessoa que... Ele era uma pessoa muito boa, mas ele era uma pessoa que cobrava muito. Mas ele era justo, você entendeu? Eu ponho ele assim: ele era uma pessoa muito enérgica, vamos dizer assim. Enérgico mesmo, severo com as coisas, ralador. Xingava. Mas ele era uma pessoas justa, você entendeu? Pelas convivências que eu tive com as outras pessoas que trabalhavam com ele, né? Então eu achava assim, ele trabalhava, ele xingava, mas ele era muito justo com aquela pessoa, sabe? Ou se você não pisasse na bola com ele, ele te levava no andor mesmo. E você tinha o que você merecia. Tanto como financeiro, tanto como bens materiais. Como agrado, dele falar bem. Desculpa. Eu lembro que ele sempre me falava: “Nunca deixa uma pessoa perder a confiança em você. A confiança é uma coisa que é uma vez só.” É o que eu até tento passar para os meus menino, né? Mas a minha relação com ele, sinceridade, foi como pai e filho mesmo. E ele, é uma coisa que eu sempre falo, dono de uma pessoa muito justa perante os funcionários, os outros que trabalhavam. Os motoristas de caminhões que trabalhavam, viajavam a semana inteira. Final de semana adorava pegar uma boquinha na chácara porque ele ia cedo. Trabalhava no trator lá cedo e fazia o serviço. Mas era muita coisa que tinha lá naquela chácara. Cara, parece que não acabava o serviço lá. Era dreno, era cerca, era brejo. Dreno você sabe o que é, né? É pasto molhado, ele queria que secasse para fazer pasto para plantar alguma coisa. Era fazer curva de nível, era plantar braquiária, para o gado, era buscar capim lá na beira do rio da _______, porque o capim dele não dava. Eu tinha que triturar. Para tratar do gado. Tudo tinha as suas horas para fazer, né? Então o pessoal ia para lá. Nego trabalhava ali até oito horas da noite. A gente agarrava junto. Aí eu lembro que ele tinha, assim, em um bolso ele tinha as notas graúdas. E no outro bolso ele tinha os trocados. Era certinho o dinheiro dele. Ele pegava o dinheiro assim, pegava e já tirava. Ele não tinha esse negócio de pagar hora extra não. Ele pegava aqui: “Toma Olien, toma Zé Benedito...” Quem outro? O Olien e o Zé Benedito foram quem mais trabalhou lá. E o Branco, o Joaquim Piza, ele já era de lá. E o outro que morreu já, na época já estava meio cansado, ele tacou lá dentro lá para ficar no dia-a-dia. Então ele era uma pessoa muito justa sabe. Agora, sim, uma pessoa, um professor. Porque tudo que ele ia fazer ele te ensinava. Ele nunca escondia nada. Soube o aproveitamento das coisas. Ele vivia catando trem nas estradas. Arame, pau… “Isso aqui é uma aroeira. Vamos pegar esse aqui, que isso vai fazer falta.” Pode ver que na porta da casa dele lá em baixo é cheio de coisa. Cheio de tudo. Então, nas casinha de ferramenta dele, uma pessoa muito, super organizada. Mas enérgico demais. Assim, as caixinhas de cano tinham que estar no lugar. Ferramenta tal que ia, sabia tudo onde estava. “Valdemar pega isso.” Tinha aquilo lá. Se sumisse alguma coisa... Meu amigo, você podia esperar que o barulho era certo. Mas é aquilo que eu te falei, ele te catava, te arrebentava, mas na mesma hora ele estava de boa com você de novo. Não ficava aquele falatório o resto da vida.
P/1 – Certo. ____________
R – Então é o que eu vou dizer daquela pessoa é o seguinte: ele foi um pai para mim e uma pessoa muito justa. Justa. Mas, sabe assim, de um ponto que ele não deixava ninguém, mas tinha que ser honesto com ele. Do contrário, se ele também perdeu a confiança, acabou. Aí o caboclo não prestava. Mas não prestava mesmo.
P/1 – Uma vez só.
R – É uma vez só.
P/1 – Do ponto de vista do seu trabalho na CTBC como é que foi a sua aproximação com a informática? Como é que você começou a se encantar com a informática?
R – Não... É como eu estava comentando com ela, eu estive nessa oficina e aí passei para esse departamento elétrico, onde faziam os retificadores, as _______ Central. Essas coisas. Não chega energia direto, passa no retificador. Então, ali, na época, montava tudo lá. Mas assim, enrolava os transformadores. Fazia as caixas. Então até pegava. Inclusive, na época, era até o Fausto Calabra que era o... Não era nem o coordenador, era o chefe do Departamento de Energia Elétrica. Ali mexia-se com ar-condicionado, com e a parte elétrica, mas não é parte elétrica de tomada.
P/1 – Sim, sim ________________
R – De mexer com tomada. Mas se você quisesse, também tinha tudo lá para você aprender.
P/1 – Uhum.
R – Aí lá era mais parte de retificador e estabilizador, sabe? Então você tinha que rondar. Tinha aquele esquadro, tinha os projetos. Aí, até na época, foi o Doutor Luiz que falou: “_________ Valdemar, vem aqui e tal. Eu já conversei com o papai e eu acho que você está bom de oficina já.” E eu fiquei lá. Só que nessa aí era perto da informática. Eu passava lá, que via aqueles computadores IBM na época.
P/1 – Hum, hum.
R – Aqueles puta daqueles computadorzões. E eu fui ficando. Aquilo foi: “Gente, o mundo agora... Para a frente, né?” Mesmo na época, não existia nem notebook nem desktop. Tinha acho que eram os 386 na vida já estava começando a querer lançar. Mas era aqueles terminais IBM. Aqueles terminais burros. Eu sei porque depois eu fui mexer com isso aí.
P/1 – Era de cartão ainda?
R – Era de cartão. Não, eu estou falando o terminal de ponto. Mas era só ali dentro. Não tinha terminais ligados em lugar nenhum, né? E eu passando, eu próprio conversando com ele, falei assim: “Nossa, vou ver aquilo lá.” Ele falou: “Não, vai olhando lá.” Parece que, desde que eu entrei nesse Departamento de Energia, não me agradou muito ficar ali não. Não sei se foi porque o Luiz me pôs lá e ele queria me pôr onde ele queria, né? Ele falou: “Não, vai lá.” E lá a gente não era muito de ficar enfiando nos departamentos dos outros. Não é igual hoje, que você anda e tal. Hoje... Até um certo tempo atrás, era assim, cada um na sua. Você chegava, ia para o seu serviço, aquilo ali e você ia embora e tal. Mas sempre eu rodei lá. Eu ia muito para a oficina do Seu Tião. No almoxarifado do Zé Leonardo que lá tinha trem demais da conta. Eu vivia lá dentro. E essa aproximação minha eu fui vendo. E entrei lá um dia. Era na época o Marivaldo que era o chefe, gerente lá. Conversei. Era um cara muito para a frente e tal. Ele falou: “Eu trabalho aqui no lado.” Ele falou: “Eu sei, Seu Valdemar.” Todo mundo me conhecia porque virava e mexia eu estava saindo e entrando com Seu Alexandrino junto. E comecei a me interessar. Ele falou: “Não, Sô, vem para cá, rapaz, que eu lá dou um jeito para você.” Eu peguei e falei com ele: “Não, deixa eu passar para lá porque...” Aí eu acho que ele até conversou com o Luiz. Porque o Luiz, já na época informática, ele estava bem. Ele falou assim: “Não, pai, eu acho que o Valdemar ali vai ser uma boa. E é um futuro. A informática é o futuro.” Aí ele, não sei o que é, que deu um negócio lá que eu tinha que acertar com Marivaldo e o trem estava demorando demais, sabe? E eu sempre, eu já tinha até largado o Fausto, coitado. Larguei o Fausto lá para o lado, ia lá, ficava pouco e ia para a informática. Só que eu cheguei na informática todo empolgado. Porque lá a gente estava muito, mexia com projeto, com coisa, mas era mais manual. Tinha a Regina Dobes, que na época era a analista lá. E a Regina Dobes está ainda. Nossa, me tacaram em uma sala e botaram uma pilha de manual assim. Diz que era para eu aprender programação.
P/1 – (riso)
R – Ah, rapaz, a hora que fizeram aquilo eu falei: “Não, isso não é minha praia, eu ficar aqui lendo esse trem, não.” Porque eu nunca aguentei ficar sentado, parado. Vendo Fulano, a minha mesa aí. Mas o que eu mexo hoje, sabe? Eu vou no prédio, vou nas localidades, vou tudo. Até hoje. Então eu acho que isso é desde pequeno. A hora que eles me meteram naquele mundo, o Marivaldo falou: “Valdemar, lê isso aí que eu vou botar o Reninho.” O Rener. O Rener era um analista, na época. Analista de suporte que falava. Que existe analista e programador, né? Para você ser um programador. Eu falei: “Ai, meu Deus do céu.” Eu lia aquilo ali, não entendia. Aí ia lá no Rener, ele explicava. Eu não entendia. Eu falei: “Mas esse trem é complicado assim, meu.” Ele falou: “Não, Valdemar, vamos fazer uma coisa? Vamos começar a mexer com ___. E começou a vir modem, essas coisas, né? “Vamos começar a mexer. Mas você eu quero que você fique meio período lendo aqui.” Mas eu achei sacanagem, porque todo mundo fez curso fora com professor ensinando e eu não.
P/1 – Teve que se virar.
R – Eles me tacaram os livros, e falaram assim: “Vai ler.” Uma, que dava um tédio, que dava um sono. Você chegava depois do almoço, ler umas letrinha miudinha. Mas cada manual... Meu filho. Como se programar em Cobol, como se programar aquilo... E quando eu tivesse dúvida, eu procurava o Rener. Mas eu comecei. Foi legal porque eu fiquei um ano e meio ali, lendo, mas mexendo com outra coisa. E comecei a fazer umas programaçõezinhas e tal. Mas na época era complicado. O sistema era muito difícil. Principalmente porque era tudo e Cobol e Basic. Mas aí esse negócio começou a me atiçar. Esse negócio de instalar, já começou a instalar terminal via... Como é que fala? Via linha discada. Era LPCD que chamava, Linha Privada e Canal de Dados, né? Era. Começou a fazer esses negócios. Eu falei: “Ah, isso aqui é minha praia, né?” E já instalava e não sei o quê. O Marivaldo sentiu que eu gostei um pouco da área técnica. Ele falou: “Não, Valdemar, vamos fazer o seguinte, mas eu não quero que você pare, não. Por favor. Eu quero que você...” Eu falei: “Tudo bem, vamos mandar brasa.” E dessa eu fui. Comecei na área de informática. E eu parti muito a parte de hardware. Inclusive, eu fiz um curso em São Paulo. Fiquei três anos na área de teleprocessamento de dados. É tipo uma faculdadezinha mas é um curso técnico. Eu fiquei uma época lá. Foi onde que um pouco atrapalhou minhas escolas também. Eu comecei a largar um pouco e não formei, né? Eu formei na parte técnica, mas em faculdade mesmo eu não formei.
P/1 – O Seu Alexandrino se interessava por essa área que era, até então, nova na empresa?
R – Não, até que não. Ele não se ligava muito nessa área, não. A área de informática não era o forte dele, não. Engraçado que quando eu passei... Mas beleza, como falou que era de futuro, ele falou: “Não, você vai ficar e tal.” Inclusive, uma época eu fiquei, até fui gerente lá na época que o Marivaldo saiu. O Marivaldo... Tinha a Regina, o Jansen e o Marivaldo. Eram os três que guerreavam pelo poder lá dentro. Eles pegaram e me tacaram lá na gerência. Eu, muito moleque, falei: “Nossa, eu estou ferrado na mão do Jansen aqui, né?” Mas desde aquela época já tinha os... E eu... “Tá.” Eu fiquei seis meses, só que virou uma paçoca. (risos) Mas eu fiquei como interino e Seu Alexandrino achou ruim. Porque o Luiz foi lá e falou: “Bom, a Regina vai assumir. O Valdemar vai ceder até ele pegar, pai. Deixa ele.” “Ah, mas eu tinha posto ele como gerente, por que é que você…” “Não.” Aí foi contornando ele. E, realmente, eu achei uma barra meio pesada. Não pelo volume de lá. Tinha muita gente. Mas eu achei o clima pesado, né? De administração. A guerra que estava para poder assumir lá, né?
P/1 – Sim.
R – Então, eu falei assim... Nessa época eu já fiquei esperto. Eu falei: “Eles vão me queimar facinho nisso aqui.” Você entendeu? Foi onde aí eu fiquei. Fui subindo lá, subi até certo ponto também. Porque a gente chega um ponto que, poxa, você tem todas as liberdades ali dentro e tal. Mas eu me interessei na área de informática. Hoje eu sou analista de suporte lá dentro. Comecei na época instalando todos esses terminais da CTBC, tudo ali da IBM. Esses, a parte de modem... Tudo a gente fazia. Aí eu comecei a ter uma equipe. Eu trabalhei... Esse o Reninho... O Rener era um analista e esse cara me ajudou muito, viu? Eu tenho até que agradecer, que ele era um cara calmo. Ele não está na empresa mais. Ele... Acho que ele está na universidade. De vez em quando eu encontro com ele na rua. Mas é um cara que me deu uma mão, um braço e a perna nessa área, porque eu estava tendo um pouquinho de dificuldade. Porque você tinha que ter mais, você tinha a teoria mas tinha que ter... Você tinha a prática mas tinha que ter a teoria também, porque tinha que ler muito, ver, né? E eu sempre fui meio preguiçoso para ler, né?
P/1 – Sei. Houve um momento, ao que eu me lembre, de turbulência, quando o grupo associa-se a Bull, e aí acaba-se trocando as plataformas IBM para a Bull.
R – Teve.
P/1 – Como é que foi essa situação?
R – Teve. Foi seríssimo lá dentro. Nós... Foi uma época de terrorismo dentro da CTBC. Porque é o seguinte: depois que o Marivaldo saiu, assumiu... Eles estavam... Teve essa junção da ABC Bull, que era a Honeywell-Bull francesa. Teve essa junção. Porque na época, até para entrar computador no país era difícil. Então o que é que aconteceu, teve uma empresa nacional para poder representar a empresa francesa. Fizeram a junção lá em cima lá e começaram a trabalhar o Bull junto com o IBM. O que era? Migrar do IBM para o Bull, você entendeu?
P/1 – Uhum.
R – Só que esse negócio não funcionou, não foi rolando. E estava o trem mais engraçado. Porque o grupo, a Impar, na época... A Algar, vamos falar Algar, né? Estava representando a Bull aqui no Brasil. E a IBM era um puta de um concorrente, você entendeu?
P/1 – Uhum.
R – O que aconteceu? Só que um cliente, uma pessoa vendo de fora, nós tínhamos a Bull de um lado e a IBM do outro.
P/1 - ___________.
R – Ele falou: “Mas espera aí, você estão vendendo esse aqui, está com IBM.” Como se diz, né? (falha na gravação) Aí foi onde foi contratado aquele japonês do Massami... Como é que se chamava o outro lá? Era um senhor lá, que teve. Mas esse Massami fez um terrorismo... Que nós éramos em 280 dentro da informática.
P/1 – Da informática?
R – Eram 280. Porque lá tinha digitação. Só digitação eram.. Um, dois, três... Eram quatro turnos. De manhã e de tarde era pesado. De noite, das seis à meia-noite, era média e madrugada era os backups, né?
P/1 – Uhum.
R – O turno de operador, que era de operador do IBM, operador do Bull. Tinha equipe para tudo, né? Para os dois, porque estava migrando. E foi uma época que eu fiquei em São Paulo também para pegar o que é que era o hardware, a parte de hardware do Bull. Eu fiquei dois meses em São Paulo. Ia na segunda e voltava na sexta.
P/1 – Certo. Bom, mas enfim, isso gerou problemas para a empresa? Porque aí era faturamento, ________?
R – Não, gerou... Mas o problema estava interno porque eles não estavam conseguindo fazer essa migração rápida. Aí foi uma época que já estava com umas dificuldade meio grande, eles aproveitaram, já detonaram todo mundo e fizeram. Arrancaram a IBM. Mas fizeram toda a migração, custasse o que custasse. Adaptado lá. Mas eles tinha que tirar o IBM, né?
P/1 – Nós estamos falando em que ano, Valdemar?
R – Olha, deixa eu ver aqui... Nós descemos... Para você ter uma noção, eu era solteiro. Eu tenho catorze anos de casado. Vamos botar isso há dezesseis anos atrás. Dezesseis, dezessete anos atrás, que foi o tempo dessa turbulência, né? Porque logo depois eu casei, mas eu lembro que estava uma turbulência lá dentro ainda. Ah, não, não... Minto. Foi menos. Uns treze anos atrás. Porque eu era recém-casado. Eu já era casado. Que eu lembro que eu chegava na Carla: “Carla do céu, mas o pau lá está moendo.”
P/1 – Esse é um momento que também coincide com a reestruturação do grupo da empresa, né?
R – Foi, foi uma época de... Foi a época já que o Doutor Mário entrou, né? Então já foi junto tudo. Essa migração que não saía. Problemas lá da empresa, lá em cima, que a gente não entra em detalhes, né? Eu sei que na área de informática foi um pandemônio. Eu sei que na época, nessa mexida, em seis meses nós ficamos em 120 pessoas, entendeu? Mas assim, preparava, tinham vários setores lá. Tinha o meu setor de digitação... Então, combinando tudo, foram 120 pessoas e acabou com coordenação, acabou com tudo. Aí foi umas modificações e foi a vida nova, mas uma vida que a gente já estava acostumado migrando o Bull para a IBM. Aí nós fomos, recolhemos tudo o que é IBM. Os terminais que estavam em todas as localidades que nós instalamos e tal. Mas nós já tínhamos colocado o Bull no lugar. Os terminaizinhos Bull. E foi evoluindo. Do Bull foi evoluindo. Foi a época que começou a saírem os PCzinhos, e nós começamos a migrar. Existe uma placa até, tem umas de lembrança lá na CTBC. Chamava Microlink. Porque você conseguia, você espetava ela no micro, instalava o software e conseguia passar já o sistema da CTBC do Bull. Você já conseguia, vinha no PC, né? Então já foi uma evolução. Nossa! Porque aqueles terminaizinhos eram o capeta para dar defeito. Dava defeito demais, queimava demais. Era um terminal burro, né? Ele mandava para o mainframe e o mainframe devolvia para ele. Então a gente fazia dentro do CPD, fazia o meio e fazia a ponta. Era tudo responsabilidade nossa.
P/1 – Isso te dava uma mobilidade, né? Quer dizer, era isso que você queria?
R – É, isso. Eu estava sempre rodando, estava sempre. Parava no Datanet, o Datanet destrinchava. Era configuração das linhas para poder sair endereço. A partir do Datanet já era responsabilidade minha e da minha turma. Eu tive até uma turma grande na época.
P/1 – Vem cá, como é que se deu na sequência desse processo, a migração para o conceito de Cliente-Servidor? Como é que tudo isso _________?
R – Perante os cliente?
Não, mas não.
P/1 – Eu estou dizendo no sentido da informática mesmo. Da própria gestão de tecnologia da empresa. Porque chega um momento que volta de novo para a plataforma Microsoft, né?
R – Isso. Mas, não, a parte de sistema, não. Teve, mas o problema maior foi nessa migração de sistema mesmo. Que foi a parte de análise, que nós tínhamos os analistas, programadores. Inclusive o demorado mesmo foi isso. Na parte operacional, que era dos operadores, no tempo foi treinando eles. Então a plataforma não mudava muita coisa. Mudava alguns processos lá, dentro de comandos. O que foi mais duro nessa virada foi encaixar o que rodava no IBM para rodar no Bull. Nisso que os analistas penaram, que foi demorado, né? Então eles derrubaram. E fora aquela guerrinha que tinha lá dentro de poder e tal. Então isso atrapalhou um pouquinho. Mas a plataforma, os analistas sofreram... Foram os que penaram maism porque eles tiveram que fazer a virada. Não era virada, que era a mesma coisa, era só que, tipo assim, você adaptar uma peça em outra. Era transferir o que estava no Bull para o IBM, né? Os operadores o que fizeram? Mudaram alguns processos de comandos do que foi para eles. Mas nessa época acabou a digitação, não existia mais digitação. Já era tudo direto. Habilitação direta. Então acabou. O maior sofrimento foi na área da virada do sistema. Essa aí já era parte dos analistas, lá já sofreu. Mas os operadores tiveram dificuldade. Teve uns que teve desligado que não aceitava aquela outra mudança. Uns mesmo que achava que o IBM era o IBM. IBM era IBM e ninguém mandava IBM. Foi embora com o IBM também, né?
P/1 – Certo. (risos)
R – Porque lá era o seguinte: se queria, queria; se não queria, caía fora. E outros continuaram e pegaram. Inclusive ainda tem hoje. Hoje ainda tem, acho que dois da época ainda, que são operadores e que estão lá dentro. Muitos foram desligados, mas existe hoje com essa plataforma de servidores hoje. Que hoje acabou Bull, acabou tudo, né?
P/1 – É mesmo.
R – Mas existem operadores do mesmo jeito, entendeu? Mas hoje, em cima da rede nossa, existe operador. Ainda tem dois lá ainda. Hoje são terceiros e tal, mas são da época.
P/1 – Valdemar, do ponto de vista do serviço, da atividade fim da empresa, ela sempre foi caracterizada por um avanço na tecnologia, de sempre estar na frente. De sempre oferecer coisas à frente do que o mercado oferecia. Como é que isso se deu nessa retaguarda de tecnologia da informação? Quer dizer, como é que foi esse processo? Foi uma coisa semelhante? Estava sempre up-to-date? Estava sempre melhorando seus processos? Os hardwares, os softwares... Esse desenvolvimento também era notado?
R – Nessa época para cá, depois que fizeram essa virada, o grupo já foi todo, já era dependente de informática. Então,o que é que eles fizeram? Os maiores investimentos que nós já vimos no grupo, fora central e essas coisas, era informática. Então foi uma época em que eles dedicaram uma atenção voltada mesmo para a informática, que ela já estava virando o coração da empresa, porque tudo dependia da informática já. Depois que migraram todas as localidades ligadas a Uberlândia, aí acabou. Aí o atendimento ao público, almoxarifado, era o sistema básico. Almoxarifado, contabilidade, contas a pagar e contas a receber... Esse foi o começo. Então dedicaram à informática, no grupo, tanto os profissionais lá dentro como fornecedores. O investimento na empresa foi escandalosamente. Eles investiram sem medo. A informática, para você ter uma noção, nós chegamos ao ponto de ter a melhor rede, a rede mais avançada de Uberlândia. Demos uma parada uns dois anos aí, porque parte de...
(fim do CD 1)
R - Investimento... Estamos bem hoje, mas nós chegamos a ser os pioneiros das instalações. Inclusive na parte que a Microsoft teve gente com... Veio gente para cá para nos ajudar, nos apoiar. Os investimentos eram muito altos. A plataforma nossa mudou totalmente. Nós éramos aquelas rede LAN que tínhamos rede, como é que chamava rede antigamente, né? Logo, logo já passou para NT já, você entendeu? Foi avançando. Então até hoje quando eles não... A parte de servidores. Investe muito em micro, desktop porque investiu muito. A empresa tem muitos micros bons e diminuiu muito o quadro. Então nós estamos reaproveitando o que está lá dentro, melhorando alguns. Mas na parte o host nosso é uma das melhores plataformas que estão tendo no mercado.
P/1 – E isso acabou...
R – Não, isso que eu ia... Voltando aquilo que você perguntou: eles nunca pararam de investir na área de informática. Porque eles acharam que aquilo ali... Acharam não, aquilo ali era o coração da empresa, né? Você entendeu? O atendimento ao público parava, na época do Bull, parava, chegava em um ponto que às vezes ficava dez minutos, era um transtorno. Então via que aquilo não podia ter falha. Foi onde investiram nos profissionais, investiram em equipamento. Investiram nos melhores softwares. Contrataram softwarehouses de fora. Isso quantos americano, quantos franceses não estiveram aqui com a gente. Tá certo. Um pouco foi abuso também. Acho que tem hora que teve até engenheiro demais aí. Mas porque nego aproveita o andar do carro, né? Mas o investimento foi fabuloso na área de informática.
P/1 – Mas isso acabou criando uma massa crítica, inclusive para oferecimento de serviços, quando a internet passou a banalizar assim no cotidiano das pessoas. Quer dizer, hoje tem-se um serviço, digamos, de provimento de acesso de banda que está ______.
R – Deixando a desejar. O problema é que começaram a investir muito interno, né? Dentro, interno. O pessoal para sair... Hoje você vê na própria informática, o pessoal está saindo para vender. Vender o serviço que a empresa tem para oferecer. Porque o recurso dela já está pronto. Então, agora tem que começar, nós temos uma base agora. Nós temos um data center hoje, que pode prestar serviço para qualquer um. Então agora eu acho que é o pessoal começar a treinar um pouquinho e atender grandes clientes. Porque antigamente você chegava no cara, o cara era leigo. “Ó, vou por isso para você, isso e isso.” O cara: “Tá bom.” Fechava ou não fechava, porque não vendia para fora. Era mais serviço interno. Hoje, não. Hoje você tem que ter cuidado com quem você está mandando. Inclusive, essa semana, nós estivemos conversando sério sobre isso em cuidado com a pessoa que vai conversar com o cliente. Senão o cliente dá um baile no cara.
P/1 – Uhum.
R – Isso aí é, tem esse problema sério. Porque ninguém é leigo mais na área de informática. Todo mundo entende. Então, se você vai vender um produto que nessa junção da Brasilis com a gente, que está lá a Brasilis, é uma empresa que está vendendo serviços. Então tem que ter profissionais ali dentro que saibam vender o serviço. Porque senão nós vamos ter problema. Dentro da casa não vai conseguir vender o produto que tem ali porque ninguém sabe os _______ lá de fora.
P/1 – E, sobretudo, que saiba customizar o serviço para o cliente, né?
R – Lógico.
P/1 – Que na verdade...
R – Saber o que é que você precisa. Você precisa de um tipo de serviço, especificar o serviço que você precisa, oferecer o equipamento que você tem ou que você possa adquirir de acordo com o serviço daquela pessoa, você entendeu?
P/1 – Claro.
R – Então, hoje, é o maior desafio que nós estamos fazendo. Porque, isso, antigamente nós éramos internos. Em um tempo para cá que nós ficamos tipo assim, sempre atendemos bem o cliente nosso. Era quem? Eram as meninas que atendiam o público, era o financeiro, era o jurídico. Era o _______, né, esse era o cliente, o público-alvo nosso. Nós nunca botamos a cara lá de fora para poder ver. Hoje, não. Hoje nós estamos botando a cara do lado de fora já. Hoje e ainda tem um tempo, né? Então a estrutura... Não é que nós atendíamos mal. Atendíamos bem lá dentro. Mas, às vezes, um errinho que você dá, você está dentro da empresa, conforma. Mas, agora, do lado de fora, você não pode errar, né?
P/1 – Muda de figura.
R – Muda de figura. Então esse pessoal agora, que está saindo em campo, tem de ter um cuidado. O que o cara está conversando, vendendo? O que é o produto que ele está vendendo? E se ele vai realmente dar conta de atender, né?
P/1 – Certo.
R – Porque a procura está muito grande.
P/1 – E como é que tem sido o resultado e que avaliação você faz dessa nova geração?
R – Não... Teve. Os resultados são bons. Teve alguns probleminhas aí com algumas empresas. É justamente o que eu falei: às vezes você vende um peixe que o tamanho não é aquilo que você vendeu. Tem, está tendo esse tipo de problema. Então está tendo uns conflitozinho aí. E isso é perigoso porque você está mexendo com cliente externo. Então eu falo assim: “Está bom? Pelo menos estamos pegando uma outra fatia do mercado? Estamos. Mas é bom ter cuidado porque senão a gente pode não dar certo em alguns pontos, principalmente em clientes que já são voltados à essa tecnologia de informática há muito tempo.” Os caras entendem. Não adianta você vender uma coisa e entregar outra.
P/1 – Certo.
R – Então é a única coisa, no meu parecer, que eu estou lá dentro e que eu vejo hoje. É esse feedback que as pessoas estão dando para o usuário final, o cliente. Hoje não é usuário final, é cliente mesmo. Saber vender. Saber vender o produto e entregar o produto que ele está vendendo.
P/1 – Mas enfim, tem coisa para entregar? Tem coisa para vender?
R – Tem. Nossa! Graças a Deus. Pelo menos o mercado está abrindo. A empresa está investindo muito no data center. Está tendo muito investimento. E interessou essa parte aí. Depois que a Brafisa se juntou com a Brasilis, o mercado abriu. Mas já é um mercado mais complicado. Não somos só nós que estamos vendo. Nós temos a facilidade porque nós já temos o caminho, porque já tem o meio. Porque o meio é a CTBC ou é outra empresa de telecomunicações que tem que vender. Então a gente pode oferecer um serviço porque a gente tem aquele meio já pronto. Então já tem uma facilidade. É saber aproveitar ele.
P/1 – Claro. Tem que aproveitar essa vantagem, o concorrente ______________.
R – Porque tem o outro concorrente mas ele vai ter uma dificuldade a mais que ele vai depender da gente e algum tipo de serviço. Então nós já temos essa vantagem. Então já é um passo à frente que você tem do concorrente.
P/1 – Muito bem, como é que você enxerga daqui para diante, sem te pedir nenhum exercício de futurologia... Mas o que é que você está olhando daqui para a frente? O que é que vem pela frente? O que é que a empresa pode, vai precisar responder no curto e médio prazo?
R – Bom, no meu pensamento hoje, pensamento não que nós já estamos botando em prática, fechamos as torneiras de tudo. Principalmente, a gente já tem uma ligação lá em cima em que a gente sabe como é que o andar da carruagem está. Esses dias eu estive conversando com o pessoal lá dentro, falei assim: “Nós já passamos em... Essa é a quinta crise que nós passamos. Todas as crises foram violentas.” Teve... Quinta, não, a terceira. Essa é a quarta. Teve aquele do Mário Grossi. Outras lá atrás. Crise que teve lá dentro. Mas não vou falar crise. Uma dificuldade que nós estamos passando agora, você entendeu? Uma dificuldade que nós estamos passando agora. Uma dificuldade, pelo menos o que a diretoria está passando para a gente: “Ó, Valdemar, vocês ________, mas corta, corta, corta. Vamos cortar.” Porque se você for escutar de fora, né, a empresa já quebrou, já fechou, já vendeu. Um dia eu cheguei não sei aonde o cara falou: “Ah, agora como é que vai chamar a celular da CTBC, agora já é da Telemar?” Eu falei: “Não, não é assim.” Então, o que nós estamos fazendo lá, já tem um ano, parte de investimento nós estamos tentando arrumar recurso próprio. Eu tenho rodado aí já tem uns oito meses, nós não compramos mais nada de desktop, de notebook. Parou. Estamos reformando, pegando aqueles velhos, adaptando. Para a gente, acho que é um modo de ajudar também. Porque se a empresa está bem, a gente está bem também. E a gente, principalmente nós, que criamos ali dentro, nunca queremos ver essa empresa mal. Mas, assim, eu fiquei com um certo medo. No começo do ano, nesses atropelos e tal. Mas eu estive conversando com o pessoal lá dentro, já me deu medo, assim... A gente é profissional, você está no mercado, você está aqui hoje, você está amanhã. Medo, assim, do que você viu, que está pronto aí se ela um dia tiver que fechar. Não seria o caso, mas sabe quando passa pela sua cabeça aquele medo? “Gente, sabe o que está acontecendo? A coisa será tão grave assim? Uma empresa tão grande dessa.” Mas não. Essa conversa que eu tive com essa pessoa, falou: “Não, está difícil. Mas está difícil para nós, está difícil para os outros. Está todo mundo.” Então é o seguinte: o que nós estamos fazendo lá dentro, eu, a equipe que trabalha comigo, todo mundo, nós estamos racionando o máximo. Quer dizer, a nossa parte nós estamos fazendo. Deixamos de investir esse ano. Não compramos nenhum desktop. Gente que precisava, fizemos lá dentro mesmo. A CTBC tem muita máquina. Nosso parque de máquina, hoje, nós temos dois mil. Vendemos agora uns duzentos para a Algar, que é uma empresa que é só de sucata. Que é micro que já foi sucateado mesmo. São 486 que não dava nem para fazer doação para as escolas. Então, mesmo assim, nós temos um parque hoje de 1800 máquinas. É muita coisa. Está certo que tem máquinas menores, máquinas melhores. O que nós estamos fazendo é contornar. Pegando quem precisa da máquina melhor, você entendeu? Pegou, esse atendimento ao público foi terceirizado, ele agora precisa de uma máquina que usa Windows e internet. Só tiramos aqueles micros que eram os mais novos, que eram atendimento ao público. Rodava BSS, Arbo, tudo que era muito pesado. Estamos recolhendo elas, botamos outras máquinas boas para as meninas também, que foram terceirizadas, que rodam bem e voltamos essas máquinas para dentro da empresa de novo. Então isso aí, para nós, está sendo uma boa. Vamos supor, se precisou de memória, a gente compra no mercado. Faz uma cotação. Faz um upgrade dele ali. Precisou de um HD maior, melhora aquela máquina, que é um Pentium 866. Já dá para rodar bem aí. “Ah, o meu precisa de 512 de RAM.” Vamos atrás do mercado para o cara. Mas, o quê? Deixou de fazer investimento alto aproveitando recursos próprios.
P/1 - __________.
R – Porque teve uma época, há uns três, quatro anos atrás, nossa... Era, assim, exorbitante o abuso. Às vezes tinha uma secretária: “Ah, mas a Fulana de Tal tem um micro muito mais bonito que o meu.”
P/1 – (riso)
R – É, chegou em um ponto crítico desse. A gente está lá dentro, aí o coordenador assinava: “Não, então compra.” Chegavam cem, 120 caixas de micro. Teve uma época chegaram 180 micros de uma vez. Encheu um andar para distribuir, né? Inclusive, uma dessas, foram esses últimos, há dois anos atrás, foram esses micros.
P/1 – Essa configuração nova, esse momento novo me fez lembrar muito o Seu Alexandrino porque ele também administrava com o olho no custo, né?
R – É lógico. ___________. Tudo para ele tinha o preço, o custo. E quando tinha um negócio... Eu lembro quando a gente ia nessa reunião da fazenda da Ipê ver número, né? Aí eu lembro que foi uma passagem lá na Fazenda Socotrisa. Nós fomos. Foi eu e ele. Ia ter uma apresentação lá da Ipê. O cara botou no quadro. Tinha as cadeira lá e daí botou na lousa, né? Ainda não era nem canhão. Era aquele... como é que chama?
P/1 – Projetor de slides?
R – Projetor de slides, né, e fazendo que em tal ano não sei o quê. Eu sei que ele foi olhando aquilo lá e ele pegou e apelou: “E meu lucro?” Aí o rapaz assustou, né? “Cadê meu lucro? Eu estou vendo muito número aí mas até agora você não falou do meu lucro.” “Não, seu Alexandrino, é porque não sei i quê.” “Eu quero saber do meu lucro.” E o Luiz: “Pai, espera aí pai. Deixa ele mostrar primeiro.” (riso) O que é que era, né? Quer dizer o negócio estava meio complicado lá e o cara mostrando aquela numeraiada, que investiu não sei quanto. Mas não saía nunca. Cadê o…?
P/1 – Dá o resultado.
R - O resultado. “Muito bonito o que você está fazendo, mas cadê o meu lucro?” E ainda batia assim: “Cadê meu lucro?” (riso) Eu achei interessante. Então ele falava muito isso aí, né?
P/1 – É verdade.
R – É umas coisa que a gente aprende, trabalhar sempre com economia. Isso que está acontecendo hoje para nós, a gente não muda muito, não, porque a gente já acostumou bem regrado.
P/1 – Isso faz parte da cultura, né?
R – Faz parte.
P/1 - Não desperdice, pegar o prego no chão.
R – É, não desperdice. Nossa, estamos bem aí fazendo. Engraçado que está rodando do mesmo jeito, né?
P/1 – É.
R – Então o pessoal estava de um jeito que já estava abusivo. “Eu quero uma máquina nova, de ponta. Eu quero isso, eu quero aquilo.”
P/2 - Essa cultura de doação de máquinas para as escolas, como é que, como que a gente começou com isso?
R – Essa cultura começou o seguinte: foi uma com o Nelson Scarcelli, uma vez. O Nelson Scarcelli estava lá em baixo e tinha uma, foi na época que tinha os 386 ainda. Aí ele estava juntando lá os micrinho, já não estavam rodando lá dentro. Era Windows, rodava Windows...
P/1 – Dois ponto zero?
R – Não, sô. Windows, nem sei se era Windows 95, sabe? Mal rodava o Windows 95 e tal. Mas foi o que começou. Os XP davam vida. Começou a juntar mas estavam em bom estado. Um belo dia eu cheguei e sentei com o Nelson, né? “Nelson, eu tenho aqui esses micros e eles estão bons ainda, e tem muita gente da empresa, funcionário que quer adquirir uma máquina aí e não tem condição. E ele quer, eles queriam comprar. O que é que você...” Que a gente tinha muito livre acesso com ele lá, no quinto andar. Ele pensou, pensou, falou assim: “Ô, Zuza, vamos fazer uma coisa? Não é função da CTBC vender micro para funcionário. Vamos, vou conversar aqui com o pessoal, vamos abrir um campo, essas escolas estão muito ruins. Essas escola estão assim.” Eu falei: “Não, realmente... É uma ideia brilhante. Vamos fazer. Você arruma os micrinhos.” “Ah, fala para o pessoal fazer um ofício.” Primeiro, sentei com a Marinês. Depois ele pediu para fazer um, elaborar um tipo de um... Não é um contrato. Uma documentação que a CTBC ia fazer, isso para a escola. Fazendo isso, isso, isso e aquilo. Então, sentamos com ele lá e ele falou: “Não, não é papel da CTBC vender para funcionário. Você vende isso aqui, daqui uns quinze dias dá um problema, o cara vai ligar para você: ‘Ah, o micro que você vendeu está estragado, tal, tal.’ Então vamos fazer.” E foi onde começaram as doações. Aí eu sentei com a Marinês. A Marinês passou, nós fizemos a planilha e começaram a chegar os pedidos, os ofícios. Só que aí o negócio começou, inflamou demais. Aí começou polícia, igreja, e virava aquele escambau. Aí foi onde passaram para o Pepe. Porque o Pepe... Eram ligações, né? Estava vindo tudo, mas para a minha mão. Então ficava aquela pilha. “Eu vou atender, não vou. É polícia, não sei o quê.” Começava o coordenador a te passar: “Ah, porque o Fulano de Tal aqui do distrito precisa de um micro. Vocês podiam ajeitar porque ele quebra o galho.” O Luiz Marques, lá em Franca, era não sei quem daqui, era daqui. Aí começou a querer desorganizar o negócio, porque o sentido era para escola. Bom, aí ele começou a se organizar e tal. O Pepe passava os pedidos e mandava para a escola. Aí começou esse lance de vocês aí das escolas, que eu achei até um trabalho extraordinário. Começou a dar problema o ano passado de novo. Aí nós sentamos com a Eliane, eu falei: “Eliane, faz o negócio, afunila só em vocês. Porque continua o coordenador de Fulano de Tal: ‘Eu preciso de um micro para o juiz.’” Porque tem esses pedidos lá dentro, né? Aqui, direto na Receita Federal, vai um micrinho para o juiz Fulano de Tal, tem que ir. Acho que são essas jogadas que eles tem que fazer lá, o jurídico com a CTBC, né? Ali na Justiça do Trabalho foram máquinas, né? Você vê, até hoje, em dois anos, nós estamos dois anos? É, há dois anos mesmo que começou a doar, ou três. Já doamos o quê? Duzentas máquinas, né?
P/1 – Duzentas máquinas.
R – Com impressora. Fora as impressoras. Duzentos micros. Se for, vamos botar aí 250 peças em bom estado funcionando. Teve uma época aí, mas no contrato estava bem o seguinte: “Quando a empresa estiver disponível.” Quer dizer que se ela não estivesse, não doa. Foi onde entrou agora o Instituto Algar, que está comandando. Então a função nossa é falar: “Eu tenho tantas máquinas para vocês, tá?” Você entendeu? É uma função melhor para nós. Porque tudo afunila nelas lá e eles que organizam. Se eles quiserem mandar, atender as escolas, mandar para o Juiz Tal ou para o Delegado Tal, está saindo deles, né?
P/1 – Certo.
R – Então, mas começou desse jeito aí. Foi uma sentada lá. Inclusive, até o Nelson, eu não sei se ele brincou ou se ele falou sério. Ele falou assim, na época, que os funcionários da CTBC ganhavam suficientemente bem para comprar um micro novo.
P/1 – (riso)
R – Desse jeito. Nossa... O povo ficou bravo para caramba. Mas ele deve ter levado na brincadeira. E realmente, o que ele falou é certo. Não é função da CTBC ficar vendendo micro usado. Porque pifou, você vai ter que reclamar para mim e eu não vou te dar garantia. Aí vai virar um pampeiro.
P/1 – Claro.
R – Vou ter que te dar uma nota fiscal porque eu estou vendendo. Eu, não. O pessoal estava vendendo um mobilizado da empresa.
P/1 – E também não é função precípua, pelo menos é uma função cidadã, mas não é uma função afim fornecer micros para todas as instâncias oficiais que tenham deficiência de equipamento. (riso)
R – É não, agora parece que fecharam. Primeiro as escolas parceiras. Vão atender e não é só máquina. Parece que você tem todo um outro trabalho que já não atinge a minha área, mas eu já li sobre esse trabalho. É um negócio bem... Hoje é engraçado, porque em muitas vezes que eu fui, às vezes que eu fui pessoalmente na época, eu ia instalar nas escolas e era uma festa. Tiravam foto, agradeciam à CTBC. E tal, tal, me lembro. Mas aí passavam duas semanas, três... Se desse algum problema no micro, em algum momento eles encostavam de novo. Não tinha uma acessória, um treinamento. Às vezes nem os próprios professores não sabiam mexer. Então, o que o Instituto Algar está fazendo hoje é uma coisa bonita. Que além de dar o recurso está dando o treinamento mesmo.
P/2 - Uhum.
P/1 – Valdemar, o que você diria para um pessoa que fosse começar a trabalhar na empresa amanhã?
R – Eu diria que seria bem vindo.
P/1 – O que ele vai encontrar aqui?
R – Não... Eu acho que vai encontrar tecnologia, humanidade. Porque eu acho que essa empresa é desde os diretores, até o funcionário, qualquer funcionário… Todos são humanos, né? Uma irmandade ali dentro. Então eu acho que, para uma pessoa que está vindo de fora... Eu acho que muita gente que gostaria de vir... Uma bagagem nova para a gente, tá? Porque a gente está precisando de novidades. Mas eu acho que a pessoa seria bem vinda porque ela vê o que é a empresa hoje. Muito a organização, a transparência ali dentro. Então é muita gente que a gente tem contato que não tem disso. A liberdade que você tem para trabalhar, você tem uma confiança muito grande nessa empresa. É que vem desde o fundador. Desde que você não pise na bola. Que eu acho que se você pisou na bola uma vez ali, também acabou. Então, só a liberdade que você tem de produzir, de fazer, de poder falar. Eu acho que isso é uma grande virtude já.
P/1 – Claro, o diferencial.
R – Fora as tecnologias que ela tem aí dentro. Que desde a mesa que você senta... Mesa? A cadeira que você senta, a mesa que você tem, um computador que você tem. Não é qualquer empresa que oferece isso, não. As viagem que você faz. Os treinamento que você tem. Você põe treinamento ali. __________ ali é um, dois treinamento que você coloca. Então, tipo assim, as facilidades que eles dão para a gente, tanto na área profissional... Só se a pessoa não quiser mesmo. Então eu acho que isso, a pessoa que chegar vai encontrar.
P/1 – Perfeito. Tem alguma coisa que você gostaria de ter dito e a gente não te estimulou a dizer?
R – Ah, vou te ser sincero, teria muita coisa. Mas eu acho que a gente entraria muito em detalhes. A vida do dia-a-dia, que foi a minha com o Seu Alexandrino. Teve muitas passagens. Mas eu acho que os carros chefe do negócio, as passagens, foi isso aí. A convivência com ele. Mas tem muitas passagens, sabe? Muita história para contar.
P/1 – Se bem que você contou bastante história.
R – É, eu desinibi um pouquinho. Eu estava até meio preocupado e tal. A gente vai soltando, mas às vezes a gente atropela muito as datas. A gente conta um caso aqui e começa a levar lá para a frente casos que, às vezes, são semelhantes aqui mas ele está lá na frente. Mas depois você volta. Às vezes eu não sei se é o jeito de me expressar, né? Eu me empolgo com uma coisa aqui, já estou contando outra lá. Mas a história da minha vida é legal. A passagem da minha vida com ele, desde os meus quatro anos até quando ele morreu, foi uma ligação muito grande. É um pai eterno.
P/1 – Isso ficou bastante claro.
R – Um pai eterno aquilo ali, viu? O que ele me ensinou, hoje... O que ele sempre falava para mim: “Você pode ter tudo na vida, dinheiro, carros e não sei o quê. Isso tudo você perde. Mas o conhecimento... O conhecimento ninguém te tira. Então aprenda, aproveite e aprenda enquanto você é novo. Porque o conhecimento ninguém te tira. O resto te tomam tudo. Mas o conhecimento? Acabou.”
P/1 – Perfeito, como é que... Agora um testemunho pessoal. Embora você tenha dado um testemunho pessoal até agora. Mas como é que foi para você ter dado esse depoimento para nós?
R – Olha, é tipo assim... Um depoimento mesmo, foi a primeira vez que você senta assim e dá um. Eu até achei engraçado, eu pensei: “Nossa, será que eles não vão me chamar?” Eu até cobrava daquela danadinha ali, né? “Será que eles não vão me chamar, né?” Mas eu não fui atrás também, não. Eu sou uma pessoa, tipo assim, eu acho que tudo é quando pode, né? Brinquei com a Eliane um dia. Ela falou: “Não... Você vai, sim.” Eu achei... Como é que a minha mulher falou? Ela falou assim: “Não... É que você está alegre, você está bem porque lembraram de você.” O dia que eu saí no livro, que tem umas fotografia minha no livro, né? Eu mostrando o livro para ela, aquela euforia e tal. Ela falou assim: “Não é o livro em si. É porque você fez parte desse livro.” A Carla chegou e falou isso para mim. A mesma coisa ontem, ela falou assim: “Você está feliz.” Quem falou assim: “Valdemar, você está muito sorriso, né? Muito sorridente hoje. O que foi? O que aconteceu?” Mas não falei nada também, não. Mas não é. É igual ela falou para você: “Lembraram de você.” Eu acho que isso é muito importante para a gente. As pessoas lembrarem para você dar um depoimento, você ser lembrado, ou você receber o mérito de alguma coisa que você fez. Então foi o que eu senti. Eu estava alegre. Eu estava feliz hoje. Até o menino falou assim: “Que risada, você está sorrindo hoje, né?” Não, não é que eu não sorrio. Eu sorrio todo dia. Mas parece que estava diferente, né? Mas eu não falei para ele o que era, não. Mas foi o que a minha mulher falou: “É porque você está bem. Você está bem dentro de você. Não é o problema desse livro. Não é o problema do papel. É o problema do conteúdo que está dentro dele. É o problema deles lembrarem de você, que você vai lá dar um depoimento.” Você entendeu? Então foi o que eu senti por dentro. Ela transpareceu melhor, ela falou o que eu estava transparecendo.
P/1 – Certo. Ela conseguiu traduzir.
R – Traduzir o que estava transparecendo para mim.
P/1 – Nós não falamos da sua família. Sua esposa?
R – É, eu tenho uma esposa e dois filhos. A minha esposa chama Carla Cristina Vasconcelos, eu tenho uma mulher batalhadora. Eu tenho o Felipe, que ele vai fazer doze anos agora em abril, e tenho o Igor, que é o mais novo e fez dez agora, em fevereiro. Então estão recente as datas. Lá em casa é uma escadinha: fevereiro, março e abril.
P/1 – Pelo menos você racionaliza as festas, né? (riso)
R – (riso)
P/1 – Está ótimo. Eu acho que foi muito boa a tua conversa, embora eu tenha certeza absoluta de que existem vários e variadíssimos casos ainda por contar.
R – Ah, sim. É igual eu te falei. A história vai por etapas. Você vai contando e vai lembrando. Então, se a gente for indo aqui, acho que vão dias, né? Mas eu acho que foi uma história muito bonita a da minha vida, tá? Você entendeu?
P/1 – Certamente. Ainda mais com esse pai que você teve _________.
R – Pô, esse foi violento. Esse... Que Deus o tenha lá no céu. É um cara que tem que agradecer ele. A Dona Maria também. Foi uma mulher que foi... Adoro a minha avó também. É, tipo assim... Mas a convivência foi muito grande com ele junto. Então eu estava com a minha avó para almoçar e para dormir, né? Porque praticamente a gente estava na rua.
P/1 – Certo.
R – Ou aos finais de semana. Mas é uma grande mãe também. Dona Maria é uma pessoa assim. Hoje parece que a gente, depois que o seu Alexandrino faltou, a gente começou a curtir mais a Dona Maria. Sentir ela, conversar. Não é que a gente não fazia isso. Porque era muito tumultuada a vida ali, era muita coisa. Então hoje eu estou sentindo. E a Dona Maria está... Ah, é uma vivência. São 91 anos. É muito chão. E é uma pessoa que está lúcida. Então, hoje, você tem um prazer de sentar com ela. Não adianta você chegar lá e falar de negócio para ela, nada. É você conversar a vida dela, dos meninos. Disso ela dá conselho. Às vezes... Lá a gente tem um costume agora, que às vezes ia todo mundo no sábado e no domingo. Ela estava ficando sozinha. Então nós combinamos, parece que na quarta é o Luiz Alexandre, quando eles estão aí, vão almoçar com ela. Na quinta a Ana Marta. Mas parece que, quando dá certo, também ela vai. Na sexta eu e no domingo a Neuza. Então, quer dizer, ela tem o patamar. Porque ela tem muita gente em volta e no final ela está sozinha, né? O Doutor Luiz estando aí, todo dia ele vai lá. Isso é sagrado dele. Mesmo ele ficando pouquinho, mas ele está lá. Ele vai, fica e volta. Mas aí nós programamos assim, para não chegar ou todo mundo de uma vez e ela ficar um dia com as pessoas e o resto sozinha. Então nós programamos esses almoços. Almoço mesmo. Senta lá, conversa um pouquinho, almoça. Cada um pega o seu rumo e vai embora. Mesmo a gente estando perto, lá dentro a dificuldade da gente é muito grande. Porque a minha mulher tem o negócio dela, eu tenho o meu. Os meninos estudam. Tem as atividades. Às vezes ela fala: “Ah, mas vocês sumiram.” Às vezes tem três dias que nós vimos ela, né? Para ela é uma eternidade. Porque ela fica lá em cima. Uma casa daquele tamanho.
P/1 – Mas não se pode esquecer que, no caso dela, cabe perfeitamente a frase feita, quer dizer: “Atrás de um grande homem sempre tinha uma grande mulher.”
R - Lógico, nossa... Aquela mulher deu murro na ponta de faca junto com o marido dela. Foi uma batalhadora, né?
P/1 – Certo.
R – Junto com ele. Vamos supor, no jeito dela, né? Não foi uma empreendedora, de estar lá na frente dos negócios, mas ela estava por trás, na retaguarda com ele, ali. Quantas madrugadas claras que ela acordava para começar a lida. Três horas. Desde o começo da vida deles lá.
P/1 – Exatamente.
R – E a lida não foi fácil, não.
P/1 – É uma bela história.
R – Bela história.
P/1 – Beleza. Muito obrigado, Valdemar. Foi muito bom te ouvir.
R – Muito obrigado vocês, então, por essa oportunidade.
P/2 - Obrigada.
R – Agradeço aí.
P/1 – Você já estava na nossa lista há muito tempo.
R – É, então está bom. Agradeço vocês de coração. O que precisar de mim, eu estou à disposição.
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