Entrevista de Ricardo Oliveira de Lima
Entrevistado por Maria Fernanda Santiago de Lima e Camilly Vitória Saturnino Mello
Maceió, 07 de julho de 2025.
Projeto Memórias Que Não Afundam
Entrevista número NOS_HV010
Transcrita por Monica Alves
00:00: 29
P/1 - Ricardo, primeiramente eu queria agradecer a você por ter topado esse convite. E aí para começar, eu gostaria que você ..se apresentasse dizendo o seu nome, o local e a data do seu nascimento.
R - Certo. Eu sou o Ricardo Oliveira, tenho 59 anos. Nasci aqui no estado de Alagoas, na cidade de Maceió.
00:00:48
P/1 - Qual o nome dos seus pais?
R - Osvaldo Justino de Lima, meu pai. E minha mãe, Jeronice Oliveira de Lima.
00:00:49
P/1 - Com o que os seus pais trabalhavam ou trabalham?
R - Meu pai era funcionário federal, minha mãe era costureira, e depois ela montou a sua própria microempresa de costura e aposentou nesse ramo.
00:01:18
P/1 - E aí, como você descreveria o seu pai e a sua mãe? Você sabe a história de como eles se conheceram?
R - Ao pé da letra, não, mas eu imagino que tenha sido nesses bailes da vida, né? Na época que eles viveram, sem o consentimento dos meus avós, e era aquela coisa do proibido é bom, e contrariando a autorização deles, eles começaram a namorar.
00:01:53
P/1 - E aí, você é o filho mais velho deles?
R - Dos homens, sim. Nós somos cinco, éramos, em cinco, um já faleceu, e eu sou o mais velho dos homens. E a única mulher que tem, minha irmã, é mais velha do que eu.
00:02:08
P/1 - E aí, como é a sua relação com os seus pais, com os seus irmãos?
R - Era, né? Era bem aberta, gostosa, prazerosa, animada, isso tudo. Eu tive uma infância e adolescência muito boas com eles, mas infelizmente eles já nos deixaram.
00:02:31
P/1 - E você sabe da origem da sua família? Como… você conhece a história dos seus avós? Fale um pouco pra gente.
R - Os meus avós paternos vieram do interior, da região de Murici, União dos Palmares, daquela região ali. Trabalhavam na usina, essas coisas. Do lado materno, meu avô trabalhou muito tempo no Cais do Porto. E minha avó trabalhava numa fábrica de tecido que tinha no bairro do Bom Parto, que era a fábrica Alexandria. E dali essa é a história, digamos, mais viva na minha cabeça. Que era esse trabalho que eles tinham, de onde eles vieram, né? A origem deles. Meu avô aqui da capital, da parte da minha mãe, e meu pai, os avós da parte do meu pai vieram do interior.
00:03:22
P/1 - E quais eram os principais costumes da sua família? Você consegue nos dizer alguma tradição que vocês criaram?
R - A tradição era a questão dos aniversários, das festas de família, de reunir todo mundo. Isso vem desde a época dos meus avós e até hoje. De certa forma, a gente consegue ainda manter essa tradição de qualquer evento que seja, a gente tenta juntar o máximo na família.
00:03:55
P/1 - E aí dessas reuniões que a sua família fazia, né, você tem alguma história que gostaria de contar?
R1 - Rapaz, já tiveram tantas, assim, uma história específica… O meu avô, quando ele ainda era do Cais do Porto, lá tinha um tal de um Festival do Guaraná e ele conseguia números em convites, ingressos e coisas nesse sentido e distribuía para os filhos, para os netos, para os bisnetos. Aí todo mundo ia, a galera todinha descia do Farol para o Cais do Porto, onde acontecia, né? Um ficava tirando onda com o outro, no popular, gíria, “mangava” dos outros. Todo mundo voltava com um bucho cheio de guaraná, de tanto guaraná que a gente tomava no festival. Então isso é uma lembrança mais forte dessa questão do lado do meu avô, as viagens que nós fazíamos para o interior, para passar o final de semana, na Semana Santa, os feriadões. E nós íamos sempre de trem, os irmãos, a gente pegava o trem, o pai ia de Maceió para União dos Palmares, de trem. E a gente ia com aquela visualização e criando aquelas memórias afetivas. E a gente chorava quando chegava o final de semana para poder ir passar o final de semana com meus avós em União dos Palmares.
00:05:34
P/1 - E aí os seus pais, eles te contaram sobre o dia do seu nascimento? Sabe como foi? Sabe como que o seu nome foi escolhido?
R - Não, até hoje eu não tenho uma... Não sei se minha irmã tem essa informação, ela é mais velha do que eu, mas eu não tenho uma lembrança. Só sei onde foi, mas não sei, baseado em que eles escolheram esse nome. Eu não tenho essa informação.
00:06:01
P/1 - E sobre a sua infância, qual foi a casa que você passou a sua infância? Você se lembra da rua?
R - Sim, tudo. A casa, lá na rua, que antes era travessa de São Goiás, ali próximo ao Hospital Portugal Ramalho. Eu vivi lá do ano que eu nasci, 65, até 2001, morando. E depois de 2001, quando eu casei, eu mudei do Farol para o Pinheiro. Mas lá na rua a gente tem a lembrança, desde quando era a casa de taipa, que minha mãe derrubou a casa e construiu de alvenaria. Acho que até hoje a gente tem foto em casa, da casa sendo construída. E a rua, tudo é muito vivo lá. Por isso que a gente sentiu tanto quando teve que deixar, em função desses problemas da Braskem.
00:07:05
P/1 - E aí, morando lá na Travessa Goiás, você tem alguma lembrança dessas brincadeiras? Tem alguma história que você gostaria de compartilhar com a gente?
R - Rapaz, assim, história, história, especificamente, não. Mas todo mundo se conhecia, eles se juntavam para conversar na calçada, e não tinha hora. Quem estudava de manhã se reunia de tarde, quem estudava de tarde se reunia de manhã, e todo mundo se reunia à noite. E a gente brincava, né, das antigas brincadeiras que chamava rouba a bandeira, pega-pega, esconde, trinta e um alerta, tudo a gente brincava na rua. Isso foi uma coisa assim, de que a maioria que tiveram que deixar suas casas agora, são os mesmos que nasceram ali e se criaram. A gente conhece esse povo desde o nascimento até recentemente, né. Então, uma lembrança forte era essa harmonia que existia e essas brincadeiras que a gente tinha, de jogar bola no meio da rua, de tomar banho na chuva, entendeu, de sair, de correr, de subir pé de manga, de juntar, de descer para o bom parque para pegar caranguejo, jogar o mangue. Isso tudo é muito forte na minha cabeça ainda.
00:08:28
P/1 - E aí, lembrando dessa época, você recorda o que você queria ser quando crescesse? Você tinha algum pensamento?
R1 - Olha, a princípio, que era até por orientação, orientação não, por sugestão do meu avô, pai da minha mãe, ele dizia: “Vai para a engenharia, vai ser engenheiro agrônomo, não sei o que e tal e tal.” Eu não levava muito a sério o que eu queria, era um adolescente ainda e tal, né. Mas a partir do momento que eu já estava no ginásio e comecei a praticar esportes, aí, dali eu foquei na questão da Educação Física. E até entrar na universidade, né, levei uns cinco paus, umas cinco reprovações, passei em outro curso, para depois voltar para o meu sonho. Digo: “Não, eu estou fazendo o que é aqui? Se eu quero Educação Física, eu vou voltar a tentar.” E aí, quando eu já tinha tirado o peso de já ter passado em outro curso, eu voltei a fazer e fui aprovado e concluí o curso de Educação Física.
00:09:34
P/1 - E falando um pouco sobre a educação, você recorda a escola que você estudou no Ensino Médio?
R - Todas, todas. O Ensino Médio eu fiz no CEPA [Centro Educacional de Pesquisa Aplicada]. Inclusive, acho que a escola está até interditada hoje. Ela fica numa faixa que está no mapa de risco, que é a Escola Afrânio Lages. Ao que me consta, não sei se estou equivocado, mas eu acho que a escola ficou desativada em função de estar dentro do mapa, mas é dentro do CEPA. Como o CEPA é um centro educacional, eu também fiz da quinta à oitava série, que é antigo, da quinta à oitava e fiz o segundo grau todo no CEPA, né? O primário foi no Pinheiro. Porque naquela região, naquela comunidade, todo mundo se alojava por ali, ou para trabalho, ou para estudo, ou para diversão, tudo era em torno daquela comunidade. Então, os amigos que eu tenho hoje, a maioria é daquela região ou de onde eu morava, ou de onde eu estudava. Onde é que eu estudava? No Pinheiro. Qual era o maior centro educacional do CEPA? Onde fica o CEPA? No Farol. Então, todo mundo é daquela região ali.
00:10:52
P/2 - Quais amigos mais te marcaram na época do Ensino Médio?
R - Na parte do Ensino Médio, acho que todos da minha turma da escola. Até hoje a gente se fala quando encontra. E os da rua são mesmo que família, entendeu? Quando a gente se encontra por aí. Eu que tenho sido, assim, um pouco relapso com isso, porque às vezes eu me escondo na minha limitação, às vezes. O pessoal: “Vem cá, passa aqui.” E aí, quando eu vejo que eu tenho que chamar alguém para me levar, não sei o que, eu digo: “Não, cara, não sei o que e tal.” Eles sentem mais a minha ausência de me pedir e eu de corresponder. Mas, se dependesse dos caras, era todo final de semana, tal, tal. Agora tem o outro lado, eu não aguento acompanhar os caras, não, porque os caras são danados aí na farra. Eu gosto, mas até a página oito.
00:11:48
P/1 - E aí, quando e como você começou a sair sozinho com os amigos, né? O que vocês faziam? Como vocês se divertiam?
R - Normalmente eram aquelas festinhas que nós chamávamos de assalto. Havia combinações, cada um levava um “Kisuke” com alguma coisa. Levava a chamada safadeza, que era o mamão com os palitinhos e tomate, queijo, azeitona, aquelas coisas. Cada um levava um ingrediente e se juntava e fazia. E aí independente se era aniversário ou não, ou só para se juntar. Normalmente era assim que se fazia. Ou nos bailes, que antigamente tinha muito baile de colégio. O pessoal da 8ª série, para arrecadar dinheiro, fazer as festas para dinheiro para a formatura, ou até mesmo no segundo grau. E a gente ia, né. Aí tinha as festas que a gente comprava o ingresso e tinha as festas que a gente “maiava”, né? Que a gente, de certa forma, burlava. Fazia parte da adolescência, essa vivência, né? Mas tudo assim… Eu agradeço de ter crescido nessa comunidade e a gente apenas se divertir, não ter nenhum registro de alguém que pendeu para o lado ruim, para isso ou para aquilo. O grupo que se mantém até hoje, tranquilo.
00:13:12
P/1 - E aí, como se davam as relações amorosas nessa época? Você se relacionava?
R - Rapaz, complicado, viu? Complicado porque, (risos) a minha irmã ali já fica rindo. Complicado porque, assim, na época da adolescência era bem danado, hein? Bem danado, assim, todo mundo era danado, né? E ninguém levava nada a sério. Mas, assim, quando eu tinha, acho que 16 anos, entre 15 e 16 anos, foi que o destino pregou uma peça e o molecão... E a que eu mais queria é a que menos me queria. E aí foi aquele sofrimento de adolescente que todo mundo passa, de querer. Mas aí, rapidinho, depois de um certo tempo, a gente vai crescendo e vai vivendo outras experiências.
00:14:08
P/1 - E aí eu queria que você contasse um pouco mais a história de como você conheceu a sua esposa.
R - Na adolescência, quando eu comecei a treinar, eu gostava muito de handebol. Quando eu era criança, eu ia para o ginásio do CEPA assistir os jogos dos mais velhos e eu era o menino do placar, eu ficava lá mudando enquanto as competições aconteciam. E à medida que eu fui crescendo, eu fui me interessando e comecei a treinar e jogar na escola. Então, assim, quando eu tinha mais ou menos entre 14 e 15 anos, eu comecei a me destacar muito no handebol para a minha idade, assim, na época, tanto no Infanto Juvenil. Quando tinha competição eu era o artilheiro, eu era escolhido o melhor atleta. Aí no Infanto Juvenil foi assim, no Juvenil foi assim. Então eu começava a ficar meio famosinho, digamos, na área. Então, na área do colégio, essas coisas, pintava muita menina, muita paquerinha, essas coisas. E aí, assim, naquela, né, de pegar tudo que vinha, assim, beijinho e tal, e namoro, e lá vai, lá vai, lá vai. Nessa época, quando eu estava terminando o segundo grau, foi quando eu a conheci. Mas aí, eu já era famoso, por quê? Porque eu estava na universidade, já jogava handebol universitário, pessoal com outra cabeça, também namorava muito, e aí foi quando eu conheci. E a gente namorou um bocado, mas aí eu tinha outras namoradas. Namorava, acabava, voltava para ela. Acabava com ela, ia para outra, acabava, voltava. Parecia que meu destino estava traçado, que eu rodei, rodei, rodei, mas sempre terminava com ela. E com ela eu estou até hoje. Nosso filho já tem 27 anos, ele vai fazer 28, agora em novembro. E o destino uniu a gente. Era para ser.
00:16:18
P/1 - E aí você falou um pouco também que você fez um handebol na faculdade, né? O que mudou na sua vida a partir desse momento que você ingressou na faculdade?
R - Rapaz, principalmente a questão da mentalidade, né? Enxergar a vida de uma forma crítica. Na minha época, a universidade estava passando por uma transição de grade curricular e tudo mais, do que era o tradicional, do que era o novo, o progressista. E eu, como fui uma pessoa muito curiosa, assim que eu entrei na universidade, eu já fui fazer parte do centro acadêmico, no centro acadêmico, eu fiz parte do DCE [Diretório Central dos Estudantes], fiz parte da executiva nacional do curso, aí vivia viajando em congresso, participando desses debates políticos, tinha uma tendência política, mas nunca fui filiado a um partido nenhum. Mas eu tinha uma tendência, eu me simpatizava muito com um determinado partido e só sei de uma coisa, eu sou de esquerda, não sei se da esquerda radical ou tal, mas eu sempre fui um cara mais voltado para as ideias de esquerda. Mas nunca me filiei a partido nenhum, nem sou radical no sentido de pensar e não ver e não ouvir outras perspectivas do que pensar. Então a universidade trouxe esse crescimento pessoal, emocional, político, ideológico, no período que eu passei por lá. E o pior é que eu tinha duas vertentes, porque eu estudava na particular e estudava na federal e curso totalmente diferente, eu fazia Educação Física na federal e fazia Ciências Contábeis na particular. Então o público era outro, as pessoas eram outras, as ideias eram outras e eu naveguei por esse universo aí.
00:18:22
P/1 - E aí, quais foram os momentos mais marcantes desse seu período acadêmico?
R - Eu acho que foi essa questão mesmo do crescimento da política, não da política partidária, mas da política dos acontecimentos, da justiça social, dessas coisas. E, igual quando eu entrei, a questão de ser calouro ou não, mas eu trafegava, navegava com as pessoas e dos outros períodos, os mais velhos, os mais jovens, havia uma troca muito grande de experiências. A questão das greves na universidade, dos encaminhamentos, de tomar frente, era a forma como eu pensava. Então, fiz muitas, muitas amizades que eu tenho até hoje com o pessoal da educação física. E nessa leva aí, eu tinha uma coisa na minha cabeça, eu não sei o que é que eu estava prevendo, que me esperava, tudo eu vivia muito intensamente, essas coisas. Eu vivia, para mim, eu tinha que aproveitar aquele momento, de alguma forma. E de tanto querer aproveitar tudo, o que eu menos fazia era dormir, descansar. Na universidade estava aceso 24 horas. Estava em um lugar, estava em outro, saia de uma e ia para outra. Para dormir, era o mínimo para descansar. Eu queria viver, viver com toda a gente. E isso acabou, um certo tempo depois, trazendo o prejuízo, né, que eu sofri um acidente de carro. Eu já estava formado, quando tive um acidente de carro que lesionei a coluna, a região cervical, o pescoço, que aí me deixou sem movimentos. Acho que um homem lá de cima disse: “Você está muito danadinho, você está andando demais, eu vou aquietar você por um período.” E foi isso que me deixou de cadeira de rodas.
00:18:22
P/1 - E quais eram as suas expectativas de carreira neste período de estudo?
R - Eu me culpo, até hoje, porque eu fiz tanta coisa e cuidei pouco do conhecimento específico do curso. Vou lhe dizer o porquê, na Educação Física, até hoje, ela não é tão valorizada, é, mas não é tanto, antigamente, era muito menos. Eu deveria ter terminado e ter partido para o mestrado, para um doutorado, ou o que fosse, e eu parei na graduação. Só vim fazer uma pós-graduação na área de Educação Física depois que eu já estava sedentário. E daí, também pendi, em função da minha limitação, eu fui para outra área. Aí fui fazer Gestão Pública, fiz especialização em Gestão Pública, fui trabalhar em escola pública, fui ser diretor de escola. Então, eu me adequava ao que o mundo me oferecia, entendeu? Mas na área da Educação Física, eu acho que eu estudei pouco, no pós, no término da graduação, eu acho que isso eu deixei um pouquinho a desejar.
00:21:46
P/1 - Nessa época, você fez algum estágio? Como foi esse momento e essa experiência?
R - Sim. Na época que eu estava na universidade, o meu primeiro estágio foi em uma escola de síndrome de Down. Eu cheguei lá, não passei uma semana, porque a escola, a universidade não se preparava para aquilo. Era uma realidade que eu me deparei, por mais conhecimento que eu tivesse das outras situações de estudo, mas não tinha. Eu não fui preparado para trabalhar, não. E aí, foi uma semana que eu passei nesse estágio. Os outros estágios que eu tive foi tudo em academia. Na área escolar, eu não cheguei a estagiar na área escolar. Eu já cheguei trabalhando já de carteirinha assinada e tudo.
00:22:35
P/1 - Na época que você estava na universidade, você estudava e trabalhava ou você trabalhou após o fim da graduação?
R - Não. Quando eu estava na universidade, eu tive uma vida muito louca em cima daquilo que eu falei. Chegou uma época do curso que eu tinha que estar sete horas na UFAL [Universidade Federal de Alagoas], aí eu estudava Educação Física até perto de meio-dia, pegava uma carona, ônibus, ou o que fosse. E nessa época também eu estudava Ciências Contábeis. Aí eu tinha um estágio por Ciências Contábeis na Caixa Econômica. Eu largava da UFAL, descia correndo para a Caixa Econômica, trabalhava lá até às seis da noite. Às seis da noite, eu saía da Caixa Econômica, corria para o CESMAC [Centro de Estudos Superiores de Maceió] para estudar Ciências Contábeis. Nessa correria do dia a dia, três vezes por semana, depois que eu já estava no CESMAC, eu subia para a UFAL de novo de noite, para treinar de dez à meia-noite, jogar handebol para a Seleção Universitária. Quando acabar o treino meia-noite, tomar banho, comer, chegar em casa, uma hora, duas horas da manhã e eu tenho que estar de pé de cinco, seis horas para poder às sete horas estar na UFAL de novo. Então é essa correria aí que ajudou muito, mas também me prejudicou bastante. Eu não tinha tempo para cuidar de mim, era uma correria assim, por muito, muito tempo. Então tinha o estágio da Educação Física dentro do horário e tinha o estágio no banco, através das Ciências Contábeis. Tudo na mesma época.
00:24:19
P/1 - Após concluir a graduação, qual foi a sua primeira experiência profissional?
R - Foi na academia. Dessa vez não mais com estágio, era uma espécie de coparticipação na academia. A gente cuidava, arrecadava, era eu, uma outra amiga e o dono do prédio. A gente juntava tudo, pagava as contas e eu como professor de musculação e ela como professora de dança, a gente era encarregado de trazer alunos para a academia. E voltando um pouco ao que eu falei agora pouco, essa questão do dia todo corrido completo, eu comecei a não render. Fazer muita coisa e não fazer bem, você começa a não render. Nas aulas de manhã eu cochilava, desatento, nota baixa. No banco também eu estava meio disperso, fazendo as coisas e estava com apresentação de deficiência de vitaminas. Eu fui ao médico e o médico deu um alerta assim bem contundente. Aí eu tive que optar na época. Aí eu deixei Ciências Contábeis, já estava com mais da metade do curso. Aí eu deixei e fiquei só com a Educação Física. Aí me aprimorei e corri para o mercado. Então nessa questão da academia, foi uma experiência assim, mais digamos que inicial. E a partir daí eu fui convidado para trabalhar na escola. Aí o pessoal surgiu os convites ao mesmo tempo. Aí duas escolas ao mesmo tempo me chamaram para trabalhar. Só que como eram em lados opostos, uma no Farol e outra no Tabuleiro, e eu gosto disso, aí eu fui para o da Farol e a do Tabuleiro, e deixei a academia. Aí fiquei na escola, porque realmente eu me identificava muito mais com a escola. E na escola eu fazia de tudo, era iniciação de basquete, era atletismo, era o handebol, que era o carro chefe, era a Educação Física mesmo, escolar. E aí eu fiz isso nas duas escolas até sofrer o acidente.
00:26:48
P/1 - E aí na sua experiência na escola, quais foram os maiores desafios desse tipo de trabalho? E também as maiores aprendizagens?
R - Olha, os desafios era a questão de mudar a mentalidade em cima do que você imagina, pensa sobre a Educação Física. Primeiro, a começar pelos diretores das escolas, de achar que a Educação Física não é importante para o currículo que você faz. E eu comecei a mudar isso onde eu passei, primeiro pela obrigação, eu defendia muito essa questão da obrigatoriedade da Educação Física, de colocar em recuperação, de dar falta em aluno, de reprovar aluno para o pai vir lá e dizer: “Mas meu filho só perdeu em Educação Física.” Eu digo: “Pois é.” Então é essa mentalidade de mudar. Mas aí, se o conselho escolar aprovou, e que você sofreu em Educação Física, é uma questão do conselho escolar. Mas a minha parte com o tempo eu consegui mudar e dar essa importância. Tanto é, que também cabia aos professores nas escolas criar alternativas para chamar esse aluno para as aulas de Educação Física. E aí não era só Educação Física por educação física, não era só exercício calistênico, a gente colocava um alongamento, a gente colocava uma ginástica para a menina, para chamar as meninas. Porque aí se vai e uma menina, faz e gosta da aula, ela já fala para a colega e assim vai e vai puxando. E a gente foi modificando e eu acho que consegui nas duas escolas que eu passei. Tanto é que hoje tem alunos, ex-alunos, que já são pais, até avós, que hoje em dia o povo é bem adiantado, bem apressado. A gente mantém uma amizade que quando encontra é uma festa. E eu tinha esse elo de além de dar aula, cuidar do aluno, de eu ter uma relação direta com a família. Nas escolas que eu passava, eu ia para a secretaria da escola para acompanhar a nota, olhar a nota, como é que o aluno estava, porque a situação dele na sala de aula refletia na aula, principalmente nas equipes que eu montava, que eu tinha do Mirim ao Juvenil, em se tratando de esportes. E aí aquele menino agressivo, o menino que faltava, o menino que me respondia, eu tinha que averiguar e buscar a causa. Na maioria detectava o quê? Filhos de pais separados, dificuldade financeira em casa, essas situações, que apesar de ser uma escola particular tem muita bolsa e nem todo mundo tem dinheiro, nem todo mundo. É uma ilusão achar, porque é uma escola particular, todo mundo que estuda é rico. Cada um tem suas dificuldades.
00:29:48
P/1 - E aí como seguiu o desenrolar da sua trajetória acadêmica? A sua trajetória profissional?
R - Rapaz, eu estava bem satisfeito. Depois já estava bem calejado já com as escolas. Eu tenho um amigo que na época era capitão da polícia militar e ele também, como era da mesma escola, ele não era professor de Educação Física, mas tinha jogado handebol comigo, ele tem uma ideia mais progressista dentro da corporação. O militar tem uma coisa muito conservadora e tal. E ele estava adotando uma sistemática de preparar os soldados de uma forma mais humana, uma preparação física e tal, tal. Aí ele veio conversar comigo, comigo e com outro colega pra gente começar a preparar monitores dentro da corporação para dar aquela preparação física dos soldados, porque eles faziam muita calistenia, aqueles exercícios que não olhavam posicionamento de coluna e tal. E a gente montou um curso de preparação de monitores de educação física para militares. E eu fazia parte desse grupo de professores. Aí eu fiquei dando aula na polícia, sendo civil e dando aula dentro da corporação como contratado. E a gente montou várias turmas de monitores para saber medir uma frequência cardíaca, para calcular o percurso que deveria fazer. Não é só sair no quartel e rodar a cidade toda e voltar pra mostrar que é militar, tem que ter um parâmetro científico para isso. Então tudo isso foi ensinado pros monitores para ser repassado às tropas. Não sei se deram esse prosseguimento depois. Tanto que ele saiu, foi pra reserva depois de um certo tempo, por ele ser uma policial progressista, tinha uma certa resistência, até que tiraram ele da direção de ensino. Eu não sei se deram continuidade a isso, mas foi uma coisa muito boa na época. Então a minha trajetória foi entre as duas escolas e academia de polícia militar.
00:32:20
P/2 - Em relação aos bairros, quais foram os endereços que você morou?
R - Eu morei no bairro do Farol, ali próximo do hospital Portugal Ramalho e quando eu saí de lá em 2001 ninguém nem sonhava nada disso acontecer. Eu saí, mas ficaram meus irmãos e minha mãe. Não, minha mãe já tinha falecido. Aí eu fui morar no Pinheiro. Daí começou toda aquela loucura dos bairros e o meu prédio foi um dos últimos, do meu prédio fui o penúltimo apartamento a deixar o prédio, em 2019. Teve gente que começou a sair em 2018. E aí nós estávamos bem no centro da área mais crítica do Pinheiro, tanto é que tem uma rachadura no solo que passava bem na frente do meu prédio, mas eu ainda resisti. E nós saímos de lá em 2019. Passei dois anos morando na Pitanguinha, em aluguel social, pra depois comprar aqui e mudar para cá definitivamente. Essa história é uma história complexa, até me dá uma agoniazinha porque, quando a gente estava no Pinheiro… porque se você for comparar em termos materiais e localização não se compara com essa localidade aqui, é outra realidade. Mas lá você era feliz, você tinha todos os seus vizinhos perto de você, era uma moradia parecida com a minha anterior da infância e adolescência lá do Farol, um fazia uma rabada, um prato, uma coisa para levar lá para o vizinho, você podia ficar em casa sozinho, a porta dormia aberta, era uma tranquilidade. Você tinha no centro um campinho de futebol que várias gerações passaram por ali jogando bola, jogando pião, jogando uma série de coisas. Nós tínhamos também um bloco de carnaval, que era o Bloco dos Papudinhos, que o pessoal montou também na região. Nós tínhamos uma associação de moradores. Então funcionava, as coisas funcionavam. Você acordar e ouvir o bom dia do vizinho, tal. Aqui, você mora aqui, se não cruzar com alguém e der um bom dia no elevador, você não tem uma relação social, a não ser se tiver algum evento do prédio e assim mesmo vem pouca gente. As assembleias aqui, tem 140 apartamentos. Se chega a 20 em uma assembleia, é muito. Então, o que foi pesado aqui? Depois que eu mudei para Pitanguinha, o tal do mapa de risco começou a se ampliar e, aí, atingiu a região onde eu morava antes de ir para o Pinheiro, que era onde estavam meus irmãos. Eles passaram a ser área de monitoramento, só que houve uma pressão muito grande. Eu acho que até pressão política também, a gente fala ‘política’ na questão dessa relação, não é nem conflituosa... sei lá, contaminada, entre os poderes públicos e a própria empresa Braskem. Se era monitoramento, não tinha o que pressionar o pessoal a sair. Eles se basearam em duas casas que estavam rachadas, só que essa rachadura, na minha concepção, não tinha a ver com essa questão da Braskem. Uma das casas era uma casa que estava fechada há anos, com madeira podre. Era um defeito do mau cuidado da casa, não era da rachadura. As demais casas, até hoje, não apresentam nada significativo. E essa área de monitoramento passou a ser área de desocupação. Aí, eu estava na Pitanguinha, eu morava na Pitanguinha quando começou essa ampliação. De 2019 até 2021, eu morava na Pitanguinha. E com uma reserva de dinheiro que eu tinha e o valor da indenização não dava para comprar o apartamento que eu queria, que era outra dificuldade. Eu estava procurando, e essa dificuldade aparecia tanto na hora do aluguel social quanto na compra definitiva. Porque o dinheiro tinha que caber no valor do imóvel que eu queria. Para caber, ele tinha que ser um imóvel térreo, onde quando era prédio sem elevador, tinha que ser térreo pela minha mobilidade. E, quando era um prédio com elevador, os valores eram lá em cima. Então essa dificuldade eu comecei a passar desde a época do aluguel social. Foi quando eu encontrei esse prédio que eu falei, na Pitanguinha. Mas, aí, como a gente tinha uma grana guardada e tal, a indenização, a gente encontrou esse aqui. Aí foi em 2021 que a gente fechou o negócio. Aí um fato curioso: quando eu morava no Pinheiro, no prédio que eu morava, eu morava no térreo, a minha sogra no apartamento de frente, a minha cunhada no apartamento vizinho e uma outra cunhada no segundo andar, então, boa parte da família da minha esposa morava no mesmo prédio. E, aí, quando começou essa desocupação, foram para a Avenida Rotary, que é um bairro perto, só que um pouco mais distante, mas estavam ainda mais ou menos perto. Aí uma das minhas cunhadas comprou aqui. Depois fui eu. Depois, outra cunhada. Depois, foi a sobrinha. E aquele povo que estava longe se juntou de novo. Você vê o que é a vida, né? E está todo mundo aqui no prédio agora. Quem não está aqui no prédio está morando aqui perto. Tem uma outra cunhada que mora aqui perto, numa rua aqui atrás, que também era do Jardim Acácia. Em 2019, quando eu já estava nessa situação de ampliação do mapa, quando eu tinha meus irmãos, aí, preocupação, né? E eu não tinha ainda chegado a um acordo definitivo com a Braskem, as propostas ainda estavam abaixo, era para ter falado isso até antes, mesmo na questão da compra do apartamento. Então foi muito estresse nessa questão da mudança, de como cada um estava vivendo, porque pela ligação que a gente tem familiar, a gente também ficava preocupado com onde é que os outros iam morar, passar a morar e tudo mais. Então foi uma situação de muito estresse. O que aconteceu? Depois que nós chegamos a fechar… a moça com quem eu comprei o apartamento aqui no prédio, ela foi mandada por Deus, porque ela disse: “Vou aguardar vocês resolverem essa situação.” Ela não vendeu o apartamento para ninguém e manteve o preço que a gente tinha conversado anteriormente, na época bem abaixo, estava abaixo do que o pessoal estava comprando por aí. Porque deu um boom imobiliário, com essa questão muita gente se aproveitando e subindo os preços. E eu não sei se ela foi com a minha cara, ela segurou, e a gente deu uma parte para ela amarrar a palavra e ela me deu um prazo para negociar com a Braskem para a gente fechar o resto. Passou desse prazo, a discussão com a Braskem, a gente não fechou de imediato, tiveram duas ou três reuniões, e a moça segurou. O resultado desse estresse todo? Consegui fechar o apartamento, fechei o valor e marcamos o dia da mudança. No dia da mudança, o caminhão encostou lá no prédio da Pitanguinha para trazer os móveis para cá. E no dia da mudança, no horário que estavam colocando os móveis dentro do caminhão para fazer a mudança, eu tive um infarto. Eu sabia que ia doer, sabia que eu não ia segurar [choro contido]. Bom, aí o que aconteceu? Estava lá o namorado da minha sobrinha, um sobrinho meu ajudando na mudança, e eu passando mal. Bom, aí, pela minha experiência, eu acho que eu me salvei. Eu disse: "Faz a massagem cardíaca." Ensinei para fazer a massagem cardíaca. Foi o que me segurou, e, ao mesmo tempo, eu não perdi a lucidez. Aí eu disse: "Liga para o meu irmão para ele vir buscar, para levar para o hospital." E aí meu irmão chegou, colocou no carro, e a gente veio para o hospital. Aí tive o atendimento e tal, durante à noite fiquei em observação, fizeram os exames e tal, vários microinfartos. E aí, já depois da emergência, fui para a UTI [Unidade de Tratamento Intensivo]. No outro dia, eu estava na sala de cirurgia, coloquei dois Stent no coração. Aí fiquei uma semana internado. Depois de uma semana, coloquei mais dois, porque a quantidade de contraste que eu recebi não dava para fazer os quatro de uma vez, o corpo tinha que eliminar o contraste para poder fazer essa segunda cirurgia. E aí eu fiz essa cirurgia, e até hoje eu tenho quatro Stent no coração. Tudo em cima desse estresse todo. Eu era um cara que estava sempre fazendo exame e tal, não tinha indicativo nenhum de pressão alta. Tudo indica que tenha sido esse estresse todo que eu estava passando pela questão dessa mudança e tal, e o prazo que a mulher deu, apesar de ela ter segurado. E pronto, aí passei por mais essa, fiquei na UTI vários dias e depois consegui sair. E o pior de tudo é que foi em pleno foco da pandemia. Eu já tinha perdido muita gente conhecida pela pandemia, e eu internado com um monte de gente do meu lado com COVID. E você acredita que eu, infartado, com cirurgia, entrei e saí e não peguei COVID? Você vai explicar isso como? Tinha gente do meu lado que saía de saco. Então você ficava preocupado com a cirurgia, preocupado em pegar a COVID ali e não sair, e vendo pessoas saindo do seu lado e saindo no saco. E graças a Deus, entrei e saí sem COVID. Não tem como explicar [choro]. E do hospital, já tinham feito a mudança, já tinham feito umas adaptações no apartamento, e eu já vim do hospital e já comecei outro ____, e estou aí até hoje nessa situação. É dose. Mas a Braskem sempre assola, assola, porque sempre que a gente conversa com outras pessoas, cada um tem uma história pra contar em cima do que aconteceu, das pessoas que se foram por depressão, por suicídio, cada um com a sua dor. Mas é isso. Então, nessa época do acidente, eu comparo muito com essa questão do infarto, dessa situação toda, porque eu estava na melhor fase da minha vida quando aconteceu o acidente. Inclusive, eu tinha ido para Barra de Santo Antônio, que a minha mãe e meu pai tinham comprado um terreno lá, só que meu pai tinha falecido, minha mãe já não estava bem de saúde, e a gente resolveu construir. E no dia do acidente, eu tinha ido lá nesse terreno com a arquiteta fazer as medições lá, olhar o terreno pra começar a construir. De lá, depois que eu tive esse compromisso com ela, ela voltou para Maceió, e eu fiquei na Barra de Santo Antônio porque tinha uma festa. Eu sempre tinha alguma coisa pra fazer. E eu fiquei num aniversário de uma amiga nossa. Aí vêm as coincidências da vida, quando acabou a festa, o meu carro não quis pegar, nossa, parece que era um aviso. Empurra pra lá, empurra pra cá, o carro pegou. Aí eu venho embora, eu e três amigas na parte de trás do carro. Chegou ali perto da FIT, da faculdade, Ladeirão do Óleo, não sei se vocês conhecem. Aí as meninas desceram do meu carro; elas iam pra casa dela na Ponta Verde e eu subi sozinho. Por quê? Estavam meus irmãos, estava minha mãe na casa de um irmão meu, o Benedito Bentes, num aniversário que eu ia encontrar com eles. Aí as meninas desceram do meu carro, eu subi sozinho pela Via Expressa. Na época, a Via Expressa não tinha muita construção, era um breu danado a pista, muito mal iluminado. E aí um camarada lá fez uma ultrapassagem. Eu tinha tomado umas cervejinhas e não percebi a manobra errada que ele fez, não fui eu que fiz manobra errada nenhuma, só que quando eu vi aquele farol bem alto assim na minha frente, só puxei o carro de lado. Ele bateu em mim, e eu capotei. Você olhando assim, você diz: “Não, foi pouca coisa para o que aconteceu.” Aquele movimento de chicote, eu lesionei a C3, C4. Aí, outra coincidência: tinha mais ou menos poucos dias que eu tinha feito o seguro do carro e tinha feito o plano de saúde e aí o carro lá ficou com as rodas pra cima. O pessoal foi parando, aí no sentido, na intenção de ajudar, desviraram o carro. Aí no sentido de ajudar, na intenção de ajudar, desviraram o carro e eu estava dentro. Na situação de acidente, você não deve mexer no corpo, tem que esperar o resgate, o socorro, de forma natural. Mas aí desviraram. Até hoje eu não sei se no acidente eu já lesionei a coluna ou se nesse movimento de desvirar o carro, se não foi isso que aconteceu. E da posição que eu estava, com a compressão aqui no meu tórax, eu não conseguia falar direito. Aí, depois que de alguma forma eu consegui falar, eu disse: "Não mexa mais no carro, aguarde o socorro." Aí chega a polícia federal, que fazia pouco tempo que a Via Expressa passou a ser federal, federalizada, alguma coisa desse tipo. Aí a viatura chegou, chegou sem maca. Olha as coisas que eu já passei. Aí espero o bombeiro. O bombeiro chega. Quando o bombeiro chegou, eu tive um momento de lucidez. Alguma coisa me tocou e eu disse: "Não me leva para o ponto de socorro, que eu tenho plano de saúde." E fazia pouco tempo que eu tinha, que era o plano da escola. E aí foi a salvação, porque eu não fui para a HGE [Hospital Geral do Estado]. Porque eles não iam ter o cuidado, não porque eles não quisessem, não sei, porque era talvez a dinâmica do próprio hospital, não sei, do cuidado que eu tive vindo para o hospital particular. Porque eu caí logo na mão do melhor neurocirurgião da época que tinha aqui, que era o doutor Rui Costa. Aí quando eu falei pra eles: "Não me leva para o ponto de socorro, que eu tenho plano de saúde." Aí me trouxeram. Porque antigamente aqui, o Arthur Ramos, ele era do hospital de SESI [Serviço Social da Indústria] . E aí fizeram os testes, né? Mandaram o recado, que os caras não ficam no hospital, eles recebem o chamado. "Pessoal, tem um caso aqui.” Eles veem de onde estão e vão avaliar. E viram que tinha uma lesão e a minha lesão era muito alta, né? Entre a terceira e a quarta vértebra. Se fosse uma mais em cima, eu teria pifado. E foi outra consciência esse aperreio, né, de eu ficar 12 dias na UTI, respirando oxigênio teoricamente ______. Mas pela altura da lesão a musculatura toda paralisa, principalmente a respiratória. E foram vários dias de UTI e foi um sufoco, mas eu consegui sair
00:51:46
P/1 - E aí depois que você chegou aqui nesse novo bairro, como foi o seu processo de adaptação?
R - Antes dessa questão da gente falar especificamente nesse assunto, eu voltaria um pouco para 2001. Como eu estava afastado da educação física particular das escolas, eu prestei concurso para a prefeitura para professor. Fiz a minha inscrição na condição de deficiente, na vaga deficiente. Concorri com outros e fui aprovado em 2001 pela prefeitura de Maceió. A princípio, eu já cheguei a dar aula de Educação Física na cadeira de rodas. Eu ia para a escola, só que eu chegava em casa pior do que quando eu ia. Eu não transmitia isso para as pessoas, mas quem me conhecia a fundo sabia que eu não estava legal, porque, da forma como eu trabalhava a Educação Física, a mobilidade e tudo, por exemplo, aula com criança, eu me jogava no chão, eu me embolava no chão com aluno, com as brincadeiras e tudo mais, eu me envolvia mesmo na aula. E eu, naquela condição da cadeira de rodas, eu não fazia aquilo. Então, as minhas aulas eram muito fracas pela minha própria limitação, e aquilo não me fazia bem. Aí, dentro da própria escola, nas aulas de educação física, eu falei com a diretora. Aí ela disse: "Aí, Ricardo, então eu vou puxar você para projetos. Com o que você quer trabalhar aqui na escola? Que projetos?" Aí, um detalhe que eu esqueci de mencionar, que antes mesmo de entrar na prefeitura, eu trabalhei dois anos no Instituto do Meio Ambiente, mas aí não era um emprego, não era um concurso, era um serviço prestado. Mas eu passei dois anos por lá. Então, tem toda a questão de educação ambiental. Aí eu devia buscar isso. Era chegando o desafio, e eu buscando a resposta para aquilo, para o que o momento pedia. Então dentro da escola eu fui trabalhar a educação ambiental com os alunos. A escola tinha uma área boa lá, a gente começou a fazer plantações de árvores, característica da Mata Atlântica, tinha toda uma abordagem em cima do que a gente começou a fazer. E a escola começou a aparecer para as demais escolas e para a própria secretaria, eles me chamaram para fazer parte de um projeto, Lagoa Viva, da prefeitura. Então eu fiquei um pouquinho afastado da Educação Física. Eu fui participar deste Lagoa Viva para a educação ambiental no complexo Estuarino, Mundaú, Manguaba. Então, a gente fez todo um trabalho nisso aí. Depois disso, eu estava trabalhando na prefeitura e na escola com a educação ambiental, aí surgiu um convite para ser um diretor de escola. O diretor no município é por eleição, a comunidade escolar, os professores, funcionários e os pais, dentro de uma paridade, eles que elegem o diretor da escola. É assim que funciona. Às vezes tem intervenção na escola quando há uma irregularidade ou a escola está irregular com prestação de contas ou uma série de situações com a secretaria, ou quando a escola tem uma eleição não apresenta chapa ou por alguma impugnação, alguma situação assim. Aí o secretário indica o interventor para ele organizar a casa e a partir daí seguir o destino. Eu fui convidado para ser o interventor em uma escola, e a partir daí eu entrei para esse ramo da gestão escolar. Só que, com a minha inquietação, eu estava no serviço público, mas eu não estava na gestão. Passei a ser gestão, mas eu não tinha conhecimento. Aí eu fui fazer pós graduação em gestão pública municipal para poder conhecer todas as coisas, para também não estar caindo no mesmo erro dos outros. Então eu fiquei com uma intervenção na escola. Depois eu concorri à eleição nessa mesma escola que eu fui interventor. Depois, eu tinha que fazer a organização e realizar a eleição, e nessa eleição eu coloquei meu nome à disposição. Mas tinha uma força política de um determinado vereador na região, no bairro da escola. Ele interferiu muito na eleição, ele dominava, e aí eu perdi a eleição. No mesmo ano, surgiu uma outra escola com intervenção também, e como a secretaria já sabia, conhecia o meu trabalho, aí mandou eu ser interventor nessa outra escola. Aí eu fui ser interventor como diretor também em outra escola. E aí eu passei mais um ano de intervenção, realizei a eleição, aí sim eu fui eleito, porque não tinha interferência política ou, pelo menos, eu já encaliçado, não deixei que essa... Já estava mais experiente, não deixei que essa interferência prejudicasse. Aí eu fiquei eleito, fiquei por 12 mandatos e me aposentei por lá na escola.
00:57:42
P/1 - E aí, falando um pouco do Pinheiro onde você morava, quais foram os lugares do bairro que mais te marcaram?
R - No bairro, no Pinheiro, a escola que eu fiz o meu primário, da primeira à quarta série, também foi atingida por isso aí. E dentro dessa linha de pensamento aí, a questão dos destinos, quando eu estava morando aqui, esse mapa chegou na casa de meus irmãos, que eles tiveram que sair. A gente rodou de novo para procurar a casa, e eu encontrei uma casa com meus irmãos aqui na rua de trás do prédio. E meus irmãos hoje estão morando perto de mim. Então voltando essa questão do bairro que ficou marcado mesmo, no Pinheiro é um local que a gente morava e a escola que eu fiz o meu primário.
00:58:46
P/1 - E aí, tem alguma festa, tem alguma celebração ou algum evento cultural que você costumava frequentar lá no Pinheiro?
R - Sim, tinha esse do bloco quando eu já estava no Pinheiro, e tem o do outro bloco quando eu morava no Farol. Que mesmo depois de morar no Pinheiro, eu ainda eu voltava para lá quando tinha as realizações, que era uma coisa assim, que durou mais de dez anos, do bloco saindo. A gente começou e que era loucura, os doidinhos lá amanheciam o dia de ano novo, e a gente saía com instrumento na mão, batendo, aquela coisa bem bagunça, bem sem pretensão, íamos andar pelas ruas por ali. Cada ano a gente: “O ano que vem vamos sair agora com um caixote de som.” Aí abre a mala do carro, bota o caixote, a gente vai. Aí depois a gente começou a se pintar igual uma banda que eu sou fã até hoje, que é a Banda Timbalada, que a pessoa pinta o corpo. Aí a gente começou a pintar e sair pelo bairro. E sempre era na virada do ano, no ano novo. As pessoas ficavam acordadas esperando o pessoal passar. Aí a gente começou a ganhar umas camisas, a coisa foi aprimorando. A gente passou a sair com camisa, começava a ganhar camisa, deixava quilo de alimento, umas coisas assim, e a gente saiu por muito tempo. Mas também depois passou um período sem sair. E agora, em 2023, quando o mapa já tinha chegado lá na região e muita gente já tinha saído, aí a gente disse: "Vamos fazer um reencontro." Aí a gente reativou o bloco, corremos atrás, e foi um sucesso danado. Em 2023 nós conseguimos colocar, porque tinha intervenção, mas as ruas ainda estavam livres. Então foi bom para as pessoas, bom, e também foi assim, um choque pra quem morou, saiu e chegou lá a casa estava com tapume, a porta com tijolo fechada e tal, que tinha sido isolada pela Braskem. Mas foi uma coisa boa reencontrar, as pessoas se encontraram, se confraternizaram. Foi muito bom o bloco em 2023. Mas aí a gente não saiu em 2024. E não saímos esse ano, quase que nós íamos sair, mas como eu falei, o edital quando chegou pra gente não teve muito tempo para correr atrás das autorizações. E assim mesmo teve muita demolição, algumas ruas estão interditadas, não dá pra fazer o percurso.
01:01:49
P/1 - E de onde veio o nome do bloco?
R - Pingalada, porque eu era fã, eu e meus irmãos éramos fãs da Timbalada. E o Pinga era de Pinga, de bebida, pinga de bebida. Aí a galera ficou: “Vamos juntar aqui o Pinga com o Timbalada, então fica Pingalada.” Que era a galera que tomava uma até amanhecer o dia do ano novo e depois saía no bloco. É uma coisa bem despretensiosa, mas sempre com essas cores branco e preto e com pintura no corpo.
01:02:20
P/1 - E quando o bloco saia pelo bairro, ele tinha alguma rota específica que vocês seguiam?
R - Sim. Tem o percurso lá das ruas próximas que a gente saía. E a gente, como eu falei, a pessoa saía a pé, depois caixote na mala do carro, depois carro de som, depois paredão. Nós saímos com o paredão. Então é uma coisa que saía, as pessoas ficavam em uma porta, mas tudo sem fim lucrativo, tudo em cima de doações. Como agora foi em 2023, quem participou, quem deu cota para produzir as camisas, comprar gelo, eram comerciantes dali da região mesmo, que tinha sua vendinha, sua lojinha de roupa, tudo conhecido nosso. Nunca foi nada de vender pra ter fim lucrativo. Era uma diversão mesmo da comunidade.
01:03:20
P/1 - E aí após a remoção quais são os impactos no bloco?
R - Olha, principalmente essa confraternização que você pode fazer. Muita gente já me sugeriu fazer num lugar fechado para juntar esse povo. Mas hoje em dia tá tão complicado esse negócio de violência, de se juntar, de fazer uma coisa aberta. Teria que ser uma coisa muito rigorosa para controlar, pra que só entrasse os ex-moradores. É meio complicado. Aí: “Não, faz num salão que o povo investe.” Eu não quero fazer nada que fuja da característica. Então eu prefiro amadurecer, estudar uma forma de colocar lá embaixo, numa sexta-feira no Jaraguá. Aí, qual é a dificuldade que eu encontro? É que não pode som. Você não pode botar um… pela rua de Jaraguá. Teria que ser na goela, teria que ser no instrumento, teria que ser alguma coisa desse tipo. A gente tem até um grupo de WhatsApp que os moradores e pessoal do bloco participam, tipo assim, se eles encararem fazer o desfile mesmo por apresentação, sem essa questão musical, se eles encararem, a gente vai sair em 2026 no Jaraguá. Pelo menos para juntar o pessoal, o pessoal se encontrar. Entendeu? Porque o ideal seria a voz também, entendeu? Da música.
01:04:55
P/1 - E aí você ainda mantém contato com seus vizinhos do antigo bairro?
R - Sim, sim. Esse próprio grupo de WhatsApp que a gente tem, que é o bloco do grupo do Pingalada, é praticamente todo mundo de lá. Sem contar os contatos pessoais que a gente tem. Às vezes você tem três grupos, aí você tem a mesma pessoa nos grupos diferentes, mas você sempre tem contato com o pessoal da região.
01:05:27
P/1 - E como a sua rotina foi afetada após essa mudança?
R - É porque assim, veio junto a questão da Braskem, aí veio a questão do meu infarto, né? Logicamente que aí eu passei, fui pra junta médica e comecei a tirar licença médica, até que a prefeitura me aposentou. Eu já estava aposentado da iniciativa privada na época do acidente do carro, eu trabalhava em empresa privada, então fui aposentado pelo INSS. Quando eu estava na prefeitura, depois do infarto, eu fui aposentado já no outro regime, que é o estatutário, que é do servidor público. E depois que eu me aposentei por lá, eu não fiz mais nada, porque eles colocaram na minha aposentadoria por invalidez permanente. Então, eu não posso conseguir um outro trabalho que faça um registro, tipo uma carteira assinada ou um outro concurso, porque aí automaticamente anula a aposentadoria que eu já tenho, e eu vou ter complicações com a própria receita. Só que, pela condição física na época em que eu me aposentei, há dois anos atrás, eu: “Poxa, eu acho que eu não aguento mais trabalhar.” Mas minha cabeça, se eu pudesse, eu estava trabalhando até hoje, porque eu acho que eu ainda poderia contribuir muito trabalhando. Então isso me afetou, porque, digamos que foi uma questão compulsória, essa aposentadoria. Eu não queria me aposentar, se eu pudesse, poderia prolongar a questão da licença médica até eu me sentir um pouco mais seguro com relação à saúde, mas eu não queria me aposentar, eu queria voltar para a ativa. Mas de compensação, se o médico passou a caneta, eu só tive que respeitar. Mas me afetou muito, porque ficar em casa, praticamente quase todos os dias eu estou em casa, saio para resolver uma coisa, mas com o dinamismo que eu tinha, nossa senhora, só Deus sabe o que eu passo em casa, ficar o dia todo, não tem série do mundo que eu não tenha assistido ainda. É série, é filme, vai e vai, e eu fico inquieto para resolver as coisas. Mas essa dependência é como eu estava na ativa e estava na escola. Com relação a essa questão da trajetória após essa parada de forma profissional, eu sinto muita falta na questão do trabalho. Eu tenho que ficar procurando algo para fazer. Então, assim, a tal casa lá do início que eu falei, no terreno lá na Barra Santo Antônio, no dia do acidente, a gente tem essa casa ainda hoje, e eu sempre que precisa eu estou indo lá. Eu fico procurando o que fazer. A gente já fez a reforma na casa, então sou eu que saio para comprar as coisas. Os irmãos me elegeram o tal cabeça das coisas, eu só passo para eles: “Olha, foi gasto isso.” A casa a gente está locando por temporada, aí vai cobrindo as despesas e tal. Então, eu fico procurando essas coisas para tentar driblar essa ociosidade. Mas eu queria estar naquela questão do horário de entrada e saída, de fazer as minhas coisas. Mas reconheço que as condições já não são as mesmas. Mas eu tenho plena consciência de que eu ainda poderia render muito. E há uma questão assim, que quando eu estava na ativa, eu tive perda salarial também, né? Com essas aposentadorias, teve uma questão proporcional. Tinha as gratificações que eu tinha, mas eu tinha uma pessoa que dirigia para mim, então não dependia de: “Eu quero ir, sei lá, a tal lugar.” Eu ia. A pessoa trabalhava para mim. Mas com essas reduções e esse período que eu passei na ativa e tal, aí eu não tenho mais essa pessoa. Ou eu chamo meu irmão, ou eu chamo o filho, quem está na vez, assim, desocupado. A gente vai se encaixando, mas limita muito, né? Às vezes eu quero fazer as coisas, e cada um tem sua vida, né? Aí você liga: “Ah, estou em tal lugar. Estou trabalhando. Não posso hoje, posso amanhã.” Mas você quer fazer ali, você tem aquela coisa pra fazer naquele horário. Então isso também angustia muito, você às vezes querer fazer as coisas e não poder pela própria logística. Porque se eu, hoje em dia, né, economicamente falando, se eu colocar uma pessoa para dirigir para mim, para eu continuar as minhas coisas, vai faltar em algum lugar, que hoje está nesse sentido, né? A remuneração para quem é aposentado não acompanha as coisas da inflação dos produtos, das coisas. Apesar de você estar dividindo tudo com a sua esposa, sua companheira para tudo, mas não está fácil. Então isso também me prejudica um pouco, essa perda salarial, de gratificações de proporcionalidade na aposentadoria.
01:11:09
P/1 - E aí, você sentiu os impactos ambientais que foram causados pelo desastre?
R - Eu senti mais emocionalmente, na questão das pessoas, de ver o sofrimento delas, elas mendigando por uma indenização justa. De sentir que foi um acordo nocivo da sua grande maioria, logicamente que em toda situação existe quem se deu bem, existem aqueles que não se deram tão bem e os que se deram mal. Exemplificando, o pessoal daquela área verde do Mutange, né, todo mundo recebeu, para eles, entre aspas, se é que se pode dizer, usar esse termo “foi vantajoso” pelo valor, que era uma área verde, área invadida, tal, tal, tal, o valor. As pessoas que tinham os seus imóveis regularizados, foi uma luta para se conseguir um valor justo e nem sempre se conseguiu. Então quando você conversa com as pessoas e vê a situação. O meu filho se formou advogado, que na época do início, ele ainda era estudante, ele não tinha a OAB [Ordem dos Advogados do Brasil], então ele auxiliava o meu o meu sobrinho que também é advogado, um captava os clientes, ele aprendeu muito, agora ele já é advogado, já têm OAB e até hoje ele defende casos que não fechou, da Braskem. Então ele sempre conversa, compartilha com a gente a angústia, a dificuldade de negociação de pessoas. Então isso é o que mais me angustia, entendeu? Não provocamos, não vendemos nossas casas, a Braskem deduz que a sua casa vale X e tal. No entanto, nesse meio a gente fica sabendo tantas outras coisas, as pessoas com poder aquisitivo melhor tiveram suas residências avaliadas bem, bem satisfatórias. Acho que quem perdeu mais foi a população de baixa renda, acho que perdeu mais em todo sentido, econômico, psicológico, social e a perda de saúde mesmo.
01:13:38
P/1 - E você participou de alguma atividade para preservar a memória do bairro?
R - Olha, uma das atividades que eu participei, foi uma reunião que houve com o pessoal, com as lideranças da associação de bairros, para ver o que poderia ser feito para se manter isso. Só que foi uma reunião que, você vê pelo andamento que não vai surtir, quando se começa a ter influências políticas, cada um querendo puxar do seu lado e tudo mais e eu não vi perspectiva daquilo progredir, ficou basicamente resumido a cada bairro com as atividades que tinha antes, principalmente os blocos carnavalescos. Mas a princípio eu não tenho conhecimento de alguém que manteve o Coco de Roda, se reunindo e tal. Eu vi até uma reportagem há pouco tempo, o pessoal do Bebedouro estava tentando se reunir, o pessoal que tinha um Coco de Roda no Bebedouro. Mas, outras atividades culturais, eu desconheço que tenha prosseguido com isso, não conheço.
01:14:54
P/1 - E aí, o que falta ser reparado para você?
R - Poxa pergunta difícil. Eu acho que com tudo que aconteceu, você vai se adequar à nova realidade, mas uma reparação, eu acho, que nunca vai chegar. Por mais que você receba uma indenização, as perdas são irreparáveis. Você vai estar morando num lugar melhor, num bairro melhor, mas as relações interpessoais não tem como consertar. Você se adequa, cria outras, mas as antigas, aquelas que você praticamente viu nascer, cresceu junto essas relações você não repara. Eu acho que esse desastre para muita gente é irreparável.
01:16:05
P/1 - Quais as marcas que ficam em você e na sua família?
R - A separação, essa quebra, essa quebra de amizade, de vivência, que para muita gente era mais que uma simples amizade, era quase que familiar. Muita gente teve seus filhos, viu seus filhos crescerem, casarem, terem filhos, serem avós, serem netos, tudo naquela região. E de repente, muita gente se espalhou. O que aconteceu comigo é uma exceção de estar uma boa parte da família junto. Você vai encontrar alguns casos que estão morando perto, mas aquela relação do dia a dia é difícil demais. Aí, uma das justificativas do lado bom, nesse sentido, se é que tem algum lado bom, com essa expansão imobiliária, saturou muito aqui por baixo e pela quantidade de pessoas que foram atingidas, migraram muito para a parte alta da cidade. Então, naturalmente, em alguns bairros, você vai encontrar algumas pessoas que eram da mesma região, não tão próximas, mas você vai encontrar: “Você está morando aonde?”. “Estou morando em Santa Lúcia e você?” “Em Santa Lúcia também.” Só que são bairros assim, dispersos, grandes que, se não telefonar e marcar para um ir na casa do outro ou se encontrar, é difícil. Coisa que antigamente ninguém ligava para ninguém, era botar a cadeira na porta e já era.
01:17:53
P/1 - E como você vê o futuro das regiões afetadas?
R - Outra pergunta difícil, porque eles não são transparentes com relação à situação de; como é que está, se estabilizou, se vai estabilizar, se vai estabilizar em quanto tempo, aí ficam nessa discussão de parques, urbanização, de novas vias de acesso, de mobilidade urbana. Mas ninguém, até hoje, nem o poder público, nem a própria empresa, e nem sei se tem como fazer isso, aparece para dizer: “Isso aqui vai ser assim, assado.” Surgiu alguma situação de que a empresa iria devolver o tal do lote lá que foi nosso. Várias vezes foi discutido isso também: “Se comprovar que estabilizou, só aquele lote lá vai voltar para a mão do proprietário.” Eu não acho que isso vai acontecer. Se estabilizar, que sejam criadas áreas que atendam a população, parques, ou VLT, ou metrô, seja lá o que for. Eu estou falando metrô, porque é embaixo da terra, não sei se tem como, com tanto risco, tantas minas, se vai ser possível. Eu estou falando a grosso modo, que sejam obras que atendam a população. Agora, que não vá para a mão da empresa, para que se torne uma especulação imobiliária, para que eles construam os luxuosos condomínios que a empresa, dentro do grupo, tem feito em outros estados. Também têm ramo de construção no grupo Braskem, de construir condomínios com aquela vista linda para a Lagoa, toda aquela parte do Pinheiro que foi demolida tem uma vista muito bonita para a Lagoa. Que essa área toda não se torne área para loteamento e construção de condomínios, porque, se não é habitável para nós, por que vai ser para eles?
01:20:10
P/1 - E o que você gostaria que as pessoas soubessem de toda essa experiência?
R - Eu não sei se dá para ter muita coisa boa dessa experiência toda, não, entendeu? A questão é, a lição que fica é, que os seres humanos, eles passam por essas dificuldades, se são legítimas ou não, mas tem que erguer a cabeça e seguir. Tem que seguir mesmo, com essa questão de peso, de angústia, de tristeza, mas não acho que ele vai se entregar para isso. Seguir e construir sua vida, tocar sua família em cima das suas condições. E a vida que segue. Tem que seguir. Não dá para ficar. Apesar de não concordar com um monte de coisa que vem acontecendo com os moradores, a gente não concorda. A gente não pode parar. Tem que seguir. A vida é um ciclo.
01:21:30
P/1 - Ricardo, a gente já está encaminhando para o final e aí você gostaria de acrescentar algo mais ou contar mais alguma história que você não pôde contar durante a entrevista?
R - Não, eu acho que o principal, acho que foi um apanhado bom, uns assuntos mais na frente, outros mais atrás, mas o apanhado é esse. É a questão da convivência, da origem da gente. É a questão de tudo que foi provocado, de tudo que eu passei, das angústias das pessoas que, mesmo já depois de serem indenizadas, quando ouve o nome Braskem, parece que estão falando uma coisa bem terrível. E pela própria indefinição e falta de clareza e transparência do público e da própria empresa. Quando se fala assim, de vez em quando surge uma notícia: “Braskem é considerada pagar danos morais individualmente", como aconteceu com uma família recentemente, que ela não fez acordo com a Braskem e entrou individualmente na justiça por fora, não participou daquele acordo. Tem que pagar e ganhou. E a Braskem para esse pessoal pagou um valor de dano moral diferente do dos acordos com o Ministério Público. Então criou-se expectativa. Tanto é que a defensoria entrou com a ação coletiva para unificar esse dano e reajustar. Então isso causa uma expectativa muito grande nas pessoas, principalmente aquelas que não têm um esclarecimento, um discernimento, das coisas que não são tão fáceis assim. Então o que eu recebo de ligação, de mensagem dos grupos, todo mundo: “E aí, como é que vai ficar? A gente vai receber?”. Acho que é uma coisa tipo uma varinha de condão. Mas por essa falta de transparência e pelo que eu conversei com algumas pessoas, inclusive meu filho, porque ele é advogado, é que essa ação coletiva, para que esse valor se estenda para os demais, teria que ser um acordo direto da defensoria com a Braskem. A Braskem concordar e automaticamente, já que ela tem todo o cadastro de quem ela pagou, ela pagar a diferença lá. Resolveu. Caso contrário, vai ser uma outra ação pedindo agora uma atualização. E aí, minha filha, não sei se estaremos por aqui para ver isso acontecer. Mas isso é ruim para a população, essa indefinição. Surge uma novidade dessa, aí o pessoal fica achando que vai ser mais algum dinheiro. Porque para muita gente o dinheiro está acima de qualquer... Se recebeu um dinheirinho a mais, está bem. Para muita gente não é só o dinheiro, é uma reparação histórica. E tanto tem essa questão desse reajuste do dano moral, como também tem um outro problema que também atrapalha e desperta nas pessoas uma expectativa, uma angústia, aquela ação também que é fora do país, da Holanda. Só nove pessoas foram contempladas porque também entraram por fora do acordo, foram lá, foram diretamente à sede da empresa da Holanda, e por lá já deu ganho de causa para essa obra. A empresa recorreu. Está faltando uma sentença definitiva, para a partir daí, em cima dessa sentença definitiva, se estender para o povo daqui, vai ser outra enxurrada de processo. As pessoas ficam em expectativas: “A gente vai receber o valor da Holanda?”. Porque são valores totalmente diferentes do que foi pago aqui. Porque lá eles calculam o dano moral por orientação da ONU em torno de mais de 100 mil por pessoa. Aqui eles pagam 40 por núcleo familiar. É uma diferença muito grande. Se uma casa tiver 8 pessoas, você divide 40 por 8. É muito diferente de como foi tratado. Essa é uma questão que atrapalha muito. Essa história dessa indefinição. Eu também acho muito inoperante a defensoria não ser mais incisiva nisso.
01:26:10
P/1 - Como foi para você contar um pouco da sua história para a gente?
R - Rapaz, eu achei que eu ia ser mais forte, mas eu falhei na história do infarto, porque foi pesado, envolveu tanta gente, tanta coisa. Um momento assim bem intenso de estar todo mundo nas suas casas, de hospital, de UTI. Aí vai uma semana, aí volta e fala: “Mas outra cirurgia". Então foi loucura. E eu não sei onde eu fui buscar força para passar por essa e sair ileso nisso. Além da questão do coração, o próprio infarto causou um problema pulmonar que foi isso que confundiu com o COVID, que deu um derrame pleural. Então, a imagem do pulmão no derrame pleural é parecida com o da COVID. Então eu fazia teste todos os dias. Todos os dias fazendo teste no COVID lá, com cirurgia lá, olhando para cima. “tome teste!’. E graças a Deus entrei e saí. Foi isso que eu achei que eu ia segurar na hora de comentar, porque eu já comentei outras vezes e dei uma segurada. Mas é isso, tudo é evidência.
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