Projeto Vida Indígenas Maranhão
Entrevista de Maria do Carmo Alves Guajajara
Entrevistador(a) por Dailson Maricõ Guajajara e Rairiza Oliveira Guajajara
Tabocal, 18 de fevereiro de 2022
Código da entrevista: VIM_HV008
Revisado por: Nataniel Torres
P – Qual o seu nome completo e sua data de nascimento?
R – Eu sou do dia 12 de outubro. Eu tenho 70 anos já. Agora minha era que eu não tô… só nos meus documentos, o dia que eu nasci foi no dia 12 de outubro, a minha idade tá constando 70 anos. Eu não sei se tá certo, mas nos meus documentos tá, e na minha palavra também tá. Eu acho que é isso mesmo que é a minha idade. Se lá no constando do ano por ano, a data tá certa.
P – A senhora poderia falar o seu nome pra gente?
R – O meu nome é Maria do Carmo Alves Guajajara.
P – É, onde você nasceu, a senhora nasceu?
R - Eu não “alembro” assim da era.
P – Não, onde que a senhora nasceu?
R – Onde foi que eu nasci? O meu pai foi um índio da Grajaú. Agora o meu pai viajou fora da Aldeia, aí ele encontrou a minha mãe. Aí ele depois que construiu a família, aí ele saiu de aldeia em aldeia pra gente morar, por causa que a aldeia dele, foi atacada aí ele saiu, foi atacada pelos Karayw, pelos brancos, e foi pra Coroatá, e lá em Coroatá que eu nasci. Ele casou com a minha mãe. Depois que a gente já tava “grandim”, ele saiu de aldeia em aldeia e aí a gente veio aqui pra aldeia do Lagoa Comprida, e lá não tinha mais índio. Aí a gente desceu aqui pra Santa Inês; chegamos aqui em Santa Inês no lugarzinho “relampo”, próximo aqui a aldeia. Aí a gente encontrou os parentes, e aí os parentes falaram que aqui tinha uma aldeia próximo aos Pindaré, Aldeia Pindaré, Porto Pindaré, aí ele disse, kuringueira, até morreu, “bora pra lá, parente. Lá tem terra pra gente trabalhar, pra você acabar de criar seus filhos”. Aí a gente veio na companhia dele, meus pais já morreram, e a gente ficou, ele deixou uma semente dentro dessa aldeia e essa semente constituiu muitas sementes, tem muitas sementinhas. Agora tinha um garoto aqui, o meu neto, e outros garotos e garotas ali tudo são meus netos e a gente tá aqui. Quando a gente chegou aqui, tinha muita mata, meu pai botava lavoura de roça. Eu não estudei por causa que a gente trabalhava de roça, a gente plantava arroz, a gente plantava milho, mandioca, fazia farinha, e aqui tinha muita caça nessa época, aqui não era assim, era outra vida pra nós, ia na floresta, era grande a floresta aqui, era muita mata, bem aqui a gente saia, matava caça, era perto as mata. A gente cresceu aqui, e fundou a vida nessa aldeia e a gente chama hoje em dia a nossa aldeia, foi o que Tupã botou nós aqui, Tupã é o senhor Deus é esse Deus guardou nós aqui, o meu pai tá enterrado aqui, a minha mãe, a minha filha, tem uma netinha também enterrada, e tem muitos antigos que ensinou muitas coisas pra nós também, que já é enterrado aqui. Aqui eu sempre tenho falado pra meus irmãos, pra mim, pra meus netos, que daqui eu não vou sair, por que aqui que foi que meu pai deixou a gente e aqui nessa aldeia nós tem trabalhado, eu tenho enfrentado também pra gerar as pessoas, os que vão nascendo, os que estão se criando, a gente dizer uma palavra pra eles, “olha, meus filhos ou parentes, aqui é nosso, nós tem que lutar por essa terra até o final, porque aqui é nosso, nosso Território, onde tem o pira pra nós comer”. Hoje em dia não tem muita caça, mas já tá gerando que nós estamos criando as matas, eu trabalho, meu esposo é Guardião, eu já tenho fundado a vida de Guardião com eles. Hoje eu peguei uma resfriagem andando dentro do mato mais eles, nas águas. Eu era conselho de mulheres e a gente andava, e eles botaram meu nome de “guardioa”, aí a gente andava dentro dos rios, correndo nas canoas, nas “voadeiras”, aí não aguentei, criei uma resfriagem na coluna, aí eu vivo de tratamento de coluna, não trabalho mais com eles. As minhas amigas, as minhas parentas aqui que são indígenas, que andam com eles nas matas. Mas pra mim é o território que eu mais amo, é aqui, no Porto Pindaré. Eu acho bom aqui, que aqui o papai lutou muito pra encontrar esse território pra nós morar e até aqui a gente não aprendeu a língua. Hoje em dia eu entendo um pouco, eu sou Crente Evangélico, eu canto, ajudo a cantar na Língua indígena, o hino, e aí eu tô aprendendo, a gente tem muita paixão, porque o pai da gente não ensinou a língua pra gente, mas nós estamos aqui pra contar as histórias da gente e pra mim eu sou muito feliz. A gente já morou ali no Januária, meu pai que fundou aquele lugar do Domingão ali ó, ali era pra nós ter uma aldeia grande, só da família, mas aí a gente ficou morando assim pra cá, aí o Domingão lá ficou um mato depois que meu pai morreu, aí o Domingão fez lá, fez aquele território pra ele, e tá lá criando os netos dele, os filho, ajuntou aquele filho que vivia também pela aí, o Manoel, a minha irmã tá morando lá. Aqui moro eu, a minha filha, meu filho, outro que mora pra ali, o nome dele é Reginaldo que mora ali, dali é a Socorro. A gente tá aqui nesse montinho e tem ela lá, que é a minha irmã, e o Domingão que é meu irmão. O resto tão morando em Barra do Corda, o meu irmão, meus sobrinhos tão tudo morando lá. O meu irmão mesmo, por parte de pai e mãe, nós somos uma família que nós não fomos “salteado” não, meu pai morreu deixou a família dele grandona. Eu tenho um irmão que anda pelo mundo também, que ele largou a gente e aí pegou a vida dos brancos, ninguém sabe onde ele mora também, a natureza dele foi a natureza do meu pai. Meu pai largou o pai dele criança e ganhou o mundo, largou as aldeias, mas o sonho dele que ele tinha era morrer nas aldeias, e ele morreu e foi enterrado aqui na Aldeia Januária, ali no cemitério, e a minha mãe também.
P – Dona Maria, qual lembrança você tem dos seus pais e dos seus avós, dos seus tios, a senhora poderia contar um pouco assim sobre eles?
R – Eu tenho lembrança do meu bisavô, tenho lembrança da minha bisavó, da minha vó. A minha vó era Maria do Santos. A minha bisavó se chamava Joana e o meu avô era Deoclides, e o meu Bisavô era Raimundo dos Santos. E aí os meus tios, eu tenho um tio que mora pra aí no Coroatá, no Itapecuru, mas a gente nunca mais teve contato. Eu só tenho um tio, irmão da minha mãe. Agora tia, eu tenho 3, uma é chamava Maria Raimunda, a outra era Ozebra, aí uma faleceu, e as outras também não tem contato, nós nunca tivemos contato com os tios meus. Meu bisavô morreu e ainda fiquei criança, mas eu lembro dela, eu fiquei uma garota ainda de 9 anos, nós tudo novo, mas eu lembro dele. No dia que meu avô adoeceu, meu bisavô, ele pedia pra gente balançar ele. Ele morreu e a gente balançando ele. Agora meu avô ficou em Coroatá num tempo a minha mãe foi lá ele tinha morrido numa casinha sozinho, e a minha avó já tinha outro esposo, aí ela morreu também. E esse esposo da minha avó, foi que achou meu avô morto na casa, eles moravam tudo perto, aí a minha mãe andou lá aí ele disse pra ela: “Marta, o teu pai morreu tá com poucos dias, achou ele aí na casinha dele morto”. Minha avó era trabalhadeira de roça também, o meu pai, meu bisavô criou a mamãe, criou minha tias. tudo fazendo farinha. trabalhando de roça. Quando meu pai encontrou minha mãe, a minha mãe tava numa casa de forno trabalhando, meu disse assim, ele podia ter a sua idade por aí assim, ele disse: “eu vou me casar com uma moça daquela que são trabalhadeiras”, e ele casou com a mamãe. Hoje em dia meu pai faleceu, mas a gente tem muita saudade dele ainda, porque ele era uma pessoa muita coisa doce com a família. Eu acho assim que a gente tá aqui mas a gente tem muito parente por aí por fora mesmo, que são índios também; a gente não tem contato.
P – Dona Maria na sua aldeia assim tinha Pajé, Cacique, como eles eram, o que eles faziam, a senhora poderia dar detalhes assim pra gente um pouco da história?
R – Tinha.
P – É, a senhora poderia contar como era, contar um pouco da história?
R – Tinha pajé. Ele fazia remédio, cuidava dos outros índios. Ele cantava também pra pessoa ficar bom daquelas enfermidades, eles fazia casa de pau, eles faziam garrafada pra gente ficar bom, ele curava as pessoas com aquelas palavras que ele tinha, antigamente se chamava benzimento, o pessoal vendia, curava aí, o pajé passava a mão nas pessoas pra ficar bom. Eu conheci muitos pajés assim, que curavam as pessoas, aqui mesmo, aqui na aldeia que a gente mora, tinha o "curino véi" que ele curava gente. Eu tinha um neto, tinha não, ele mora aí, quando ele nasceu, deu uma doença que rachou a cabeça aqui, aí ele disse que era uma doença que entrava pela o vento na criança quando nasce, aí ele arrumou umas palha de tukum e curou meu netinho. Quando nasceu o Erinaldo, ele amarrou as palha de tukum, acendeu um Tuwary e assoprou, aí ele tirou aquela enfermidade que entrou na cabeça da criança e a criança ficou bom. Eu conheci Paraipe também que ele até teu tio, ele cansou de fazer remédio pra mim. Quando eu tava numa dor na enfermidade, ele chegava, acendia um cigarro e assoprava e eu ficava bom daquela dor. Era um Pajé muito bom ele. Eu conheci, tinha também um Pajé aqui, que aí a gente não botou muita fé nele, que ele aprendeu demais. Era o finado Mirim, era um Pajé muito forte, ele curava a gente, aí a gente ficava bom. Mas depois ele começou as coisas nas pessoas, aí a gente não deu mais apoio porque a gente quer que cura pra sarar as enfermidade, pra curar pessoas, pra ficar bom, não pra fazer o mal, e ele era um Pajé muito bom, mas, do meio por fim, a gente não botou mais fé nele porque ele já tava botando coisa diferente nas pessoas, aí aqui foi os que eu conheci. Lá em Barra do Corda, eu conheço dois também, lá onde meu irmão mora, a vida de um Pajé é uma vida que conheci. Conheci seu Nelson também, ele conhece o que que o senhor tem, ele conhece assim a Duduça chegar aqui. Ele diz assim "o Duduça tá acontecendo isso contigo, tá acontecendo isso assim", "o que é seu Nelson que eu tenho?", "tu tenha cuidado, menina". E é assim que a gente tem os pajés, que a gente conhece, que ele cura a gente, faz remédio, tira assim uma casca de pau, faz um remédio pra gente, ensina muitos remédios assim pra gente. Eu boto muita fé assim quando, que nem hoje eu sou crente, eu não tenho mais essa ilusão de pajé, tenho não. O meu Santo poderoso é aquele, eu tenho tanta fé naquele Tupã que eu chego aqui dentro da minha casa e ali eu ajoelho, aí eu peço pra ele e ele me dá força. Agora mesmo eu tive, agora que eu melhorei, já tô mais forte, mais eu quase morro com esse vírus que veio agora aí, eu fiz um voto com ele e eu tô aqui, eu conversei com ele.
P – Fala um pouco agora sobre a cultura, qual era a língua que era falada assim na sua aldeia?
R – Língua falada, da cultura. Que a cultura era boa.
P – Qual era a Língua, a Identidade tenetehara que vocês falavam?
R – É língua tentehara, a língua mesmo da cultura.
P – Um pouco da cultura?
R – Que se a gente, se eu gosto da cultura, que eu do ponto na Cultura. Por que eu sou crente, mas eu não largo a minha cultura, eu gosto de tá, também brincando com eles, eu adoro tá na cultura, eu gosto de me pintar, quando a gente rela o jenipapo, eu gosto de me pintar, eu gosto da cultura. Eu não quero que a cultura se acabe não, eu sempre, eu gosto da cultura do índio, gosto de ter aqueles cantos com a gente.
P – Ainda sobre a cultura, sobre as festas, qual foi a mais marcante pra senhora?
R – Os cantos?
P – Não. As festas, que festa?
R – As festas indígenas?
P – Qual é o que foi que mais marcou a senhora, que a senhora não esquece, que a senhora não quer esquecer nada desse dia?
R – Eu, da menina moça, pode ser da menina moça?
P – A que a senhora mais gosta, que a senhora lembra até hoje?
R – Ah, eu gosto da festa da menina moça. Eu gosto dessas festas que a gente faz cantoria só pra brincar mesmo na cantoria pra cantar, pra pular, quando nós dançamos na cultura, essa eu adoro viu. Quando a gente tá cantando, eu adoro essa, pra gente tá dançando aí fazendo a roda, eu adoro, a festa da menina moça, eu adoro também.
P – A senhora lembra de uma festa da menina moça, que a senhora nunca esqueceu ou uma festa que a senhora foi e nunca quer esquecer aquele momento?
R – Eu "alembro".
P – A senhora poderia contar pra nós, de quem foi, como que foi, onde?
R – Eu alembri. A primeira festa que eu vi da menina moça, foi da Maria Helena e eu nunca esqueci. Seu Manezinho, a Maria Vitória, ela fez a festa, eles cozinharam as comidas dele no Tastiao. Até a minha mãe ajudou e eu nunca esqueci dessa festa dela. Aí depois ela saiu com o Domingão, fugiu, aí foi ser esposa do Domingão, eu nunca esqueci dessa cultura dessa festa dela. Era 5 quando foi feita a festa, era 5 meninas que se formou e eu nunca esqueci.
P – E a senhora lembra quem eram os cantores antigamente lá?
R – Lembro. Era Curino véi, era Kurinin, era Paraipe, era um senhor que se chama Marcelino véi, que ele foi capitão, esse eu não lembro mais dele, porque eu saí, passei muitos anos fora da aldeia. Quando eu cheguei, acho que ele tinha falecido, tinha um senhor que se chamava Raimundinho aleijado, tinha seu Avelino, tinha muitas pessoas que tava cantando. Nesse tempo, eu lembro, tinha Pepino véi que era novo mas ele também gostava de sacudir o maracá. Eu lembro das pessoas que tava nessa cantoria.
P – A senhora falou da dona Maria Helena com seu Domingão. Você pode contar um pouco dessa história pra nós?
R – Eu posso! O Domingão levou a Maria Helena criança, foi até ajudada mesmo por mim, a gente brincava muito, e aí ele disse pra mim que queria casar com a Maria Helena, queria morar com a Maria Helena, aí eu disse: ela é criança, meu irmão. Eu tinha 15 anos de idade nessa época. Ele foi e tirou ela, nós tiramos ela lá pra casa, aí ele foi embora pros prato, aqui por Limoeiro com ela e a noite a minha mãe, ela não era indígena, tinha medo dos índios, aí os índios se ajuntaram lá em casa com um monte de flecha alí no Areinha e minha mãe tremia assim ó, com medo de seu Manelzim, que era o pai dela, do Paraipe, com medo dos meninos que tudo, só o Avelino que era afastado um pouco, que não queria tá com flecha assim, e aí a mamãe chorou. A mamãe dizia "eu tenho medo dessa aldeia", porque o paolino te acalmar marta, já que a gente vai ajeitar isso. Aí chamou os parentes, conversou com os parentes, aí ele disse: parente, eu não quero que minha filha ficar longe daqui. Aí o papai foi buscar ela. Eles vieram, fizeram uma casinha ali no Areinha mesmo e a gente ficou lá, e ela ficou com ele até hoje. Aí tem o Valte e não gerou mais criança, mas ela cria os sobrinhos como filho e meu irmão cria também, cria filho do cunhado dele e ai eles viveram, tão até hoje vivendo junto viu. Mas ela foi embora com ele criança, criança depois da cantoria dela. Aí a gente quis que ela vivesse com ele, meu pai, e aí ela vive até hoje com ele.
P – Quando a senhora chegou, como era esse lugar aqui?
R – Esse lugar aqui era uma matinha. Esse lugar aqui não tinha ponte. Quando eu vim morar aqui, não tinha ponte, aqui não tinha estrada, a gente atravessava lá no Januária pra ir pro zé boeiro, pra Bom Jardim. Aqui não tinha estrada, em lugar nenhum, nem pra ir pras aldeias não tinha estrada e a gente atravessava lá. Aí depois de muitos, acho que uns 5 anos atrás, que começaram o DNER a abrir essa estrada aí, começaram a fazer a ponte. Aqui não tinha ponte quando nós viemos morar pra cá, aqui era uma mata, uma matinha ali onde o Santo morava é uma mata, tudo era mata, mata, mata. Tinha madeira muito mais grossa que essas daqui duduta, muita, muita mesmo, muita caça, eu comi muita caça dessa aldeia, acabamos de se criar, pra gente entender as coisas, foi comendo caça daqui. Tinha muito peixe. Legume a gente comprava aí. Tinha milho, tinha mandioca, macaxeira, inhame, abóbora. Quase a gente não comia essas coisas assim, a gente comia mais era mingau de inhame, essas coisas. Hoje em dia a gente diz assim, os índios sente muita doença, porque não come as coisas que era de antigamente, a gente já come é a comida dos brancos, já come manteiga, já come óleo, já come essas coisas, comida temperada. Aí diz que a gente ficar fraco com essas comidasm. Eu acredito que é mesmo.
P – Como se chamava esse lugar aqui?
R – Aqui, Tabocal?
P – Aham.
R – Tabocal. Aqui ele se chamava era, beira da estrada de Ramal. Não tinha estrada, mas aqui não era aldeia Tabocal, aqui se chamava, o lugar do cearense, que o cearense que morava ali com a Cotinha. Só uma casinha que tinha lá dentro do mato onde a comadre Maria mora. Quando eu entendi, era bem ali a casinha deles, aonde tem aqueles pés de manga ali da comadre Maria, ali eram duas casinha, era uma casinha do moço que chamava Deusdete, que era marido da minha irmã, que a mulher dele era uma senhora que chamava Margarida, ela morreu, e aí esse Deusdete ficou só, e a Cotinha morava com o cearense, e era só um lugarzinho que tinha ali, que se chamava assim viu, lá da aldeia do Cearense viu, aldeinha. Era ladainha ali, só era duas casinha que tinha bem ali perto da comadre Maria, onde ela mora, aqui não era aldeia Tabocal. Essa aldeia Tabocal foi fundada, quando eu dei uma viagem pro Pará, e ela foi fundada com o finado Luiz Pico. Luiz Pico começou a fazer essa aldeia e aí começaram a vir gente. Minha mãe morava no Joroga aqui pra dentro, aí voltou, veio morar aqui na aldeia Tabocal. O avô dela morava aqui, Luiz Pico, uma velhinha que tem ali, você já viu ela, que é a avó dela, a Alzenira? Aí começou a crescer e hoje ela tem 50 família, ou é 60, pois é. E ela tá crescendo. Ela pode não crescer mais porque aqui é uma ilha, aí ela pode não crescer mais.
P – Dona Maria, sua aldeia passou por alguma invasão de madeireira ou fazendeiro, colonos?
R – Passou. Posseiros. O pessoal invadiram muito, fizeram muita lavoura aqui dentro. Hoje que ela tá criando, mas ela virou capoeira aqui, ela não tinha lugar pra gente trabalhar de roça, só tem ali por lado do Joroga que já criou, mas aqui não tinha, aqui foi devorado. Ali mesmo onde o Domingão mora, ali tinha era madeira mais alta, mais grossa, o madeireira que tinha ali em Santa Inês, ele devorou ali, levava as madeiras, foi muito. Aí o pessoal invadiu e fizeram muita roça aqui dentro. O pessoal ali da colônia do bambu, pessoal da rua. Aqui ficou diferente demais, quando a gente, aí os índios, os indígenas começaram mesmo a rendar o pessoal, botava na cabeça deles que tinha que arrendar, aí eles arrendaram e estouraram muito as matas, as florestas daqui, foi e virou só capoeira, não ficou mais mata pra gente trabalhar.
P – A senhora teve alguma história que a senhora não contou, que gostaria de contar agora nesse momento?
R – Como?
P – Se a senhora tem alguma história que a senhora não contou, que a senhora queria contar pra nós, que a gente não lhe perguntou?
R – Ah, eu tenho uma História pra contar, mais a história da minha vida aqui. Eu tinha muita vontade de casar com índio igual eu, não casei, só branco. Toda vida, minha sorte deu com branco. Eu quando foi uns anos, eu arrumei uma "ajuntacão" com um índio, era o raiva de carneiro. Me ajuntei com ele, mas não deu certo. Eu tinha 15 anos de idade, ele também era novinho, a gente não deu pra construir a vida juntos e aí eu fiquei só. Aí eu arrumei um branco trabalhador do meu pai, ele trabalhava aqui dentro da aldeia, de roça mais meu pai, ele é até pai da Socorrinha, aí eu fiquei com esse branco até os 3 anos, aí ele foi embora, não deu de nós viver, que ele era muito rebelde pra aquele judiar da filha, ela criancinha, ainda bateu nela, com 2 meses de idade ela tinha, quase que ele mata ela e aí ele foi embora, papai mandou ele ir embora e ele foi e eu fiquei sozinha. Aí, quando passou uns tempos, eu dei vontade de sair da aldeia pra mim procurar emprego, pra mim trabalhar, aí deixei minha filha, com a idade de 4 aninhos. Eu passei 18 anos fora da aldeia, mas também eu sei contar muitas coisas da minha vida pelo mundo. Eu passei bem, eu passei mal, eu fui tratada mal, eu fui tratada bem. Eu andei até em Manaus, só que eu não conheci a cidade, eu passei uns tempo mais o pessoal que trabalhava na camaca correia. Mas eu não passei nos cursos que eu fiz pra trabalhar, mesmo de cozinheira eu não passei. Aí eu voltei pra Tukuru'y, aí eu fiquei em Tukuru'y muitos tempos, tinha muitos fazendeiro pra lá e eu encontrei um rapaz que chamava Tonhão. Este rapaz, fiquei lá noa
hotel que trabalha servindo mesa, eu e outra amiga, aí eu simpatizei dele e a gente viveu 8 anos. Esses 8 anos eu trouxe meus filhos pra cá, meus filhos são registrados aqui, mas eles não nasceram aqui. Eu trouxe eles pequeno, só o Régis que eu trouxe rapazinho, eu trouxe eles todinho pequeno, o Jhony e a Lidia eu trouxe mocinha já, e o Régis também rapaizinho. Aí hoje em dia eu registrei eles, que eles não tinham registro. Aí eu registrei eles como índio, por causa da minha mãe, do meu pai, de mim. Mas eu sofri muito pelo mundo,mas eu voltei e tem umas indinhas que elas foram pra lá, pro meio do mundo, mas elas não voltaram mais, e eu tô aqui ó, contando a história, eu tô aqui e hoje meu esposo é índio. A gente se atende muito bem, ele é mais novo do que eu, ele tem 56 anos.
P – Como foi pra senhora contar um pouco assim da sua história pra gente hoje?
R – Outra história.
P – Não, como foi pra senhora contar a sua história hoje pra nós aqui?
R – Eu acho que chegou o momento certo de contar a história pra dois indígenas e pro senhor que não é. Eu simpatizei muito dele pra me contar essas histórias, aí então assim, acho que é assim, que quando chega um dia da gente se encontrar, para conversar um historinha, acho que chega aquele momento, aquela hora, aquele dia, chegar aquele momento que Deus dá, Tupã dá o momento pra gente e agora chegou a hora de eu conversar com a Duduta, com Dailson e com o senhor, como é seu nome? Márcio. Marcos? E com seu Marcos, e a gente se entendeu, eu simpatizei de conversar essa história com ele, contigo, com ela ali, e eu contei as históriasdo passado.
P – Gratidão!
R – Eu fui muito sofrida na minha adolescência, fui muito sofrida quando era Nnovinha. Esses daqui são tudo neto meu, esse daqui, essa daí, esse daí. Aquela ali é uma filha adotiva. Pois é,seu Marco, eu criei aquela filha ali ó.
P – Se a senhora fosse levar pra sua vida, uma memória que a senhora não quer esquecer nunca que foi importante pra senhora, o que a senhora levaria?
R – Como é Duduta?
P – Se a senhora fosse levar pra sua vida, algo que a senhora nunca quer esquecer, o que a senhora levaria? Uma lembrança, uma memoriazinha marcante?
R – Uma lembrança marcado da minha vida?
P – É, o que a senhora levava pra sua vida, o que a senhora não quer esquecer nunca, que a senhora vai leva pra sua vida?
R – Eu acho que, o que eu marquei na minha vida, foi eu tá junto com meus irmãos, brincar com meus irmãos, a gente inventava uma festa, a gente tocava, tinha uma radiolinha de braço, e o que eu nunca esqueci da lembrança da minha vida de novinha foi essa, eu com o Domingão com o Taurino. Pois é, eu sempre tenho levado. O meu irmão fez uma taboca, ele fez uma música, ele tocava, ele disse que era uma clarineta que ele tinha, que ele tocava, ele botava uma "paeta", aí o Taurino batia no pandeiro, o Domingos tocava, aí nós cantava. Isso daí eu nunca esqueci, que a gente brincava essa brincadeira, a gente dançava e aí nós aprendemos até que os vizinho vinha, os meninos indígenas da aldeia ali vinha e dançava com a gente, e eu nunca esqueci de quando eu tinha uns 14 anos, eu nunca esqueci dessa daí, viu. Às vezes, quando eu andava, dizia eu mais meus irmão a gente brincava, nós tocava, nós fazia carnaval, e aí eu nunca esqueci desse aí.
P – Então dona Maria, a gente quer agradecer novamente por essa sua entrevista, pela sua história de vida, é uma história de vida muito bonita, eu creio que não é só essa história que a senhora tem, que senhora viveu muito, mas a gente agradece o momento que a senhora contou um pedacinho da sua história pra gente, pra ficar marcado, a gente nunca vai esquecer!
R – Tá!
P – Gratidão!
P/2 – Muito obrigado, dona Maria. A senhora foi incrível, maravilhosa.
Muito obrigado!
R – Tá certo! Comi muita cotia aqui, assada, paca, e hoje eu como muita capivara, que é a caça que mais tem, muita capivara, tem comida aqui. Depois eu tá idosa, eu boto ali no varal, seca, eu como assada, eu como cozinhada. Às vezes meu esposo mata mais os outros, aí eu boto um quarto inteirinho pra moquear, fica moqueado, aí eu faço aquela farinha molhada, eu como com molho de pimenta e limão. A carne de capivara é gostosa, do mesmo jeito é pira. Eu como pira Mimoi, eu como pira mirrira, me diga o que é Pira mirrira?
P/2 – Eu não conheço, a senhora pode contar também?
R – Pira mimoi é cozido e assado. É o que é, a gente assa come assado ou moqueado. A gente faz um jiraul e bota pra assar com escamas e tudo. A gente come, é gostoso viu, pira mirrira, pira mimoi. A gente adora a comida com um xibeuzinho, farinha azeda. Um dia que você anda por aqui e tiver uma capivara moqueada, nós vamos comer.
P/2 - Muito obrigado!
R – Se tiver um pira mimoi, nós come também, eu sei que você já comeu por aí nas aldeia, não já? Panela de peixe, agora que não tá tendo o rio cheio, eu até suei, eu não gosto de tá contando essas histórias assim de cantoria dessas coisas que eu lembro do meu pai. É uma história muita que meu pai contava pro curino vei das aldeia, de Grajaú. E meu pai contava duma ilha do Bananal, que tinha muita aldeia nessa ilha do Bananal, e aí eu não gosto de lembrar assim que me recorda muito, aqui tem um lugar, tinha uns pés de pequi pra acolá, a gente chama cruaçu, eu não gosto de passar nesse lugar lá, que lá lembra meu pai. Cantoria eu brinco mais as meninas, e quando tem cantoria, primeiro eu choro, às vezes a gente olha assim pra mim e eu tô chorando, eu alembro meu pai, não tem uma brincadeira também que chamava de boiada você conheceu?
P – Não!
R – Essa também me traz na lembrança do meu pai, meu pai gostava. Agora meu pai gostava de cantoria. Às vezes eu vou ali pra casa do meu filho e a gente bota cantoria no YouTube, tem hora que, para mim tu quer chorar, eu lembro do meu pai demais, de cantoria, porque não tinha uma cantoria pra ele não ir, não cantar e não bater o pé também, meu pai gostava. Aí eu lembro demais, quando eu tô conversando assim do meu pai e da minha mãe. Eu lembro, às vezes quando eu sento aqui na porta, que eu olho pra li eu lembro da minha mãe, porque a minha mãe morreu de depressão e a apendicite espocou nela também lá em São Luiz. Mas a minha mãe andava 6 vezes num dia, da Areinha pra cá, com a trouxinha debaixo do braço. Aí às vezes quando eu olho pra ali à tarde, eu alembro dela, aí eu digo "a minha mãe podia estar aqui com nós". Eu lembro dela demais. Essa estrada ali marca muita história da minha mãe, eu não gosto de andar de pé ali naquela estrada que eu lembro da minha mãe. A minha mãe morreu. Ela as vezes caia ali no meio da pista, as carretas passavam quase botando ela, as pernas dela "trupicava" só dela andar, ela andava muito, muito, muito mesmo, aí ela tem um marido índio Timbira, aí ele disse que o Domingão falou que ele não queria ele lá mais, que a mamãe não tinha mais jeito de cuidar da casa, a minha mãe deixava as coisa queimar, ela esquecia por causa da depressão, aí ele disse assim pra mim arrumar um lugarzinho aqui pra ele, pra ele morar aqui. Aí eu fui e trouxe ele, ele mora ali, ele é um índio Timbira, mas eu gosto dele como meu pai. Eu marco essa história da minha mãe. Porque as vezes tem umas mulheres que é as irmãs da igreja, pegava ela ali na estrada e mandava me chamar. "Maria do Carmo, tua mãe tá ali, nós tiramos ela da frente da carreta", ela caída. Acho que vinda ela dar 6 vezes, ela vinha no correr do dia aí as pernas dela acho que não aguentava, ela caia na pista com a trouxinha embaixo do braço. Aí quando ela chegava aqui "mamãe, a senhora veio com quem?", "eu vim com Deus", assim que ela dizia pra mim, "eu vim mais Deus", "mamãe, larga de andar. Domingão fez uma cerca pra mamãe não vir pra cá e a mamãe furou o buraco na cerca e veio", aí ela disse assim "eu venho pra onde o meu marido, que tomaram meu marido" e era ele, e ainda hoje tá aqui junto com nós. É uma bela pessoa ele, ele é Timbira ainda, um índio Timbira. Ele não sabe a língua de Guajajara, só de timbira mesmo. Aí eu marco essa história no meu coração da minha mãe, a minha mãe era trabalhadeira, minha guerreira, e a mãe não morreu velha não, nova, nova minha mãe morreu, ela fazia tudo, varria terreiro, capinava, ela morreu da doença que matou ela.... Ela foi Morrer em Barra do Corda, mas ela foi enterrada aqui com a gente, nós ficamos o velório dela aqui, ela foi velada aqui. Eles levaram ela pra operar lá e morreu, que não era pra ter levado, porque o abalo da viagem infeccionou a operação dela do apêndice que foi espocada, o médico botou uma tripa de borracha nela, aí levaram ela pra tratar dela.
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