Wilson Santarosa nasceu em Americana (SP) em 28 de outubro de 1949.
Na minha infância, Americana - aliás, a melhor cidade da América Latina - era uma cidade pequena de 40 mil habitantes, barulhenta pra chuchu. Só tinha tecelagem na cidade inteira, qualquer fundo de quintal tinha um tear, e era aquele tear mecânico, era muito barulho. E jogar futebol, jogava futebol de manhã, de tarde e de noite. Nadar pelado em rio - e apanhava da minha mãe todo dia porque eu ia nadar todo dia e ela me batia todo dia por causa disso. Eu chegava em casa, ela olhava no meu calção assim, porque o calção mostrava. Se estava amarelo é porque tinha ido nadar, então... pau todo dia. E meu irmão escapava. Meu irmão era mais velho que eu, ele ia nadar junto, mas ele sempre fugia e ele não apanhava, e eu apanhava. Aí eu acho que ela descarregava a raiva em mim, aí ela me batia. Depois, quando eu já era adulto, um dia eu conversei com ela: “Você fazia isso comigo”. Ela até chorou. E acho que ela descarregava mesmo, ela batia em mim todo dia, eu já sabia: “Bom, hoje eu ainda não apanhei, a qualquer momento eu vou apanhar”. Assim. Ah! era uma infância diferente da cidade grande, vivia mais... contato com a natureza... era muito gostoso, eu não esqueço disso.
Meu pai nasceu em Americana, minha mãe nasceu em Campinas. Eu nasci num sítio, nasci lá, fiquei até uns quatro anos, com quatro anos e meio fui para a cidade.
Os avós por parte da minha mãe eram de Campinas, mas moravam em Americana. O pai do meu pai era meu “nonno” - a minha “nonna” eu não conheci, mas meu “nonno” veio da Itália quando era criança. Era um homem muito bom. Eu gostava de cruzar com ele todo dia porque ele me dava um dinheiro -todo dia- para comprar doce. Mas foi muito rápido. Meu “nonno” morreu quando eu tinha uns 10 anos, 12 anos, por aí. E os avós por parte da minha mãe - aí era avó... Minha avó morreu quando eu já era adulto, já era casado.
Meu...
Continuar leituraWilson Santarosa nasceu em Americana (SP) em 28 de outubro de 1949.
Na minha infância, Americana - aliás, a melhor cidade da América Latina - era uma cidade pequena de 40 mil habitantes, barulhenta pra chuchu. Só tinha tecelagem na cidade inteira, qualquer fundo de quintal tinha um tear, e era aquele tear mecânico, era muito barulho. E jogar futebol, jogava futebol de manhã, de tarde e de noite. Nadar pelado em rio - e apanhava da minha mãe todo dia porque eu ia nadar todo dia e ela me batia todo dia por causa disso. Eu chegava em casa, ela olhava no meu calção assim, porque o calção mostrava. Se estava amarelo é porque tinha ido nadar, então... pau todo dia. E meu irmão escapava. Meu irmão era mais velho que eu, ele ia nadar junto, mas ele sempre fugia e ele não apanhava, e eu apanhava. Aí eu acho que ela descarregava a raiva em mim, aí ela me batia. Depois, quando eu já era adulto, um dia eu conversei com ela: “Você fazia isso comigo”. Ela até chorou. E acho que ela descarregava mesmo, ela batia em mim todo dia, eu já sabia: “Bom, hoje eu ainda não apanhei, a qualquer momento eu vou apanhar”. Assim. Ah! era uma infância diferente da cidade grande, vivia mais... contato com a natureza... era muito gostoso, eu não esqueço disso.
Meu pai nasceu em Americana, minha mãe nasceu em Campinas. Eu nasci num sítio, nasci lá, fiquei até uns quatro anos, com quatro anos e meio fui para a cidade.
Os avós por parte da minha mãe eram de Campinas, mas moravam em Americana. O pai do meu pai era meu “nonno” - a minha “nonna” eu não conheci, mas meu “nonno” veio da Itália quando era criança. Era um homem muito bom. Eu gostava de cruzar com ele todo dia porque ele me dava um dinheiro -todo dia- para comprar doce. Mas foi muito rápido. Meu “nonno” morreu quando eu tinha uns 10 anos, 12 anos, por aí. E os avós por parte da minha mãe - aí era avó... Minha avó morreu quando eu já era adulto, já era casado.
Meu “nonno” arrendava um sítio, tocava um sítio, naquela época era comum isso, em volta da cidade ter isso, ele cuidava de um sítio, criava porco, plantava milho.
A autoridade era meu pai. Entre meu pai e minha mãe, acho que tinha lá suas disputas, mas quem... Era aquilo: o homem trabalhava, ganhava dinheiro, e a mulher tomava conta da casa e dos filhos. Éramos quatro irmãos, todos homens, então minha mãe deve ter ralado também, porque eram quatro terríveis. Meu pai, logo que saiu do sítio e foi para a cidade - ele foi trabalhar na CPFL e se aposentou na CPFL, como eletricitário - ganhava na época que entrou, eu me lembro, ele ganhava salário mínimo, era salário mínimo, mas não era tão ruim o salário mínimo, na época. A casa em que nós morávamos era uma casa que tinha um terreno muito grande, e meu pai tinha horta no fundo de casa, criava galinha, tinha porco, meu pai fazia lingüiça - era uma lingüiça deliciosa, pendurava num quartinho que tinha lá, durava seis meses a lingüiça, pendurada. Eu me lembro que a gente pegava uma faca e ia cortar pedaços, parecia um salame, não estragava. Hoje você compra uma lingüiça, mesmo na geladeira em uma semana estraga. Naquela época não, era bem pura, saudável. E eu me lembro que a horta que ele plantava, além de a gente comer, era para vender também, completava a renda. Eu saía com uma cesta e ia vender verdura, alface, almeirão, rúcula, na rua, no bairro que eu morava. E todo mundo comprava, porque era bom, não tinha agrotóxico, não tinha nada, era tudo natural. Era isso. Eu comia sopa de feijão todo dia - à tarde. Era sopa de feijão com pão, que tinha sobrado. Não tinha, não tinha dinheiro, não tinha não.
E com 11 anos... Na época, você fazia o primário e depois fazia - chamava admissão - um curso intermediário, como se fosse um cursinho para entrar no ginásio. E eu fiz admissão num colégio lá em Americana e entrei na primeira série ginasial. Quando terminou a primeira série, foi implantado em Americana um colégio chamado ginásio vocacional. Eram cinco unidades no Brasil inteiro, e era um colégio integral, você entrava de manhã e saía só à tarde, e acho que a maior parte das coisas que eu consegui acumular foi nesse colégio.
Foi nos anos 60. Antes do golpe. O golpe foi em 64, o colégio se implantou lá em 62. Então eu saí do ginásio em que eu tinha entrado - perdi um ano - para entrar nesse colégio. O colégio era muito bom, valia a pena. Nesse colégio eu tinha aula de, desde artes plásticas, pintura, escultura, práticas agrícolas, educação física, tudo que era esporte. Marcenaria e aula de inglês, aula de latim e aula de francês. Três línguas, além do português. Então foram quatro anos muito bons, acabei aprendendo muita coisa. Você estudava, por exemplo, metalurgia. Eu lembro que eu vim em Volta Redonda pra conhecer a CSN, tinha 12, 13 anos. Com 14, 13 anos, eu passei dez dias no Rio de Janeiro pra conhecer um monte de coisas que nós estávamos estudando, você nunca mais esquece, o colégio era bom. Depois, com o golpe militar, o colégio ainda ficou mais um ano, depois fechou, prenderam todos os professores, foram todos para a cadeia “porque eram todos comunistas, terroristas”. Todos, todos. Um único ficou, que era o professor Vladir dos Santos, lembro o nome do desgraçado até hoje.
Esse professor entregou todos os outros. Acho que ele é diretor da escola até hoje, até hoje. Virou um ginásio normal. Chamava-se Ginásio Vocacional de Americana, depois morreu um dos papas, o João XXIII, passou a chamar papa João XXIII, e, depois do golpe, passou a se chamar Presidente Kennedy. E esse cara, eu tenho raiva dele, mas tudo bem. Ele que entregou todo mundo
Fecharam os cinco, em São Paulo, tinha uma unidade em São Paulo, uma em Americana, uma em Rio Claro, em Batatais e o quinto eu não me lembro onde era. Mas era um colégio muito bom. Imagina um colégio público, em que você entrava de manhã, almoçava, tomava café da manhã, fazia educação física, aprendia a mexer com a terra, aprendia arte (seja lá qual for), três línguas, música... Aprendia tudo, tudo que você imaginar.
Tinha banco, tinha uma cooperativa. A cooperativa tocava a cantina, uma loja de material escolar e o banco. E eleição direta para dirigir isso daí entre os alunos. Aí teve duas chapas para eleger quem ia dirigir o banco, a cooperativa como um todo. Uma chapa foi feita pelos riquinhos da escola, e outra pelos pobres, eu concorri na outra e fui vice-presidente da cooperativa e nós ganhamos a eleição. Nós fizemos uma sacanagem, distribuímos bala para a molecada. O cara que era o presidente, ele tinha um pouquinho mais de grana que eu, e o pai dele deu uma grana... Nós compramos um monte de sacos de bala, distribuímos bala pra chuchu e nós ganhamos a eleição.
O banco dava talão de cheque e tudo. A molecada gastava comprando material escolar ou gastando na cantina, e depois o pai cobria lá o estrago que o cara tinha feito, mas o banco faliu. Imagina, todo mundo com 13 anos dirigindo um banco, e a molecada dando cheque, dava cheque. Já começava a dar cheque para outras coisas, trocava com um, comprava bola e não sei o que e dava cheque para outro e pendurava lá. Aí, no fim o banco faliu, não teve muito jeito não. (risos). Mas foi legal, foi uma experiência legal.
Meu pai ia muito nas reuniões dessa escola. Todo mês tinha reunião de pais, e lá eu acredito que eles politizavam um pouco sim. Mas era uma cidade muito provinciana e não tinha discussão política em Americana, não tinha. Passou a ter a partir de 78, por aí, que começou iniciar a fundação do Partido dos Trabalhadores, o PT na cidade, a partir daí. Antes disso não tinha quase nada.
Na igreja católica eu fui marianinho, que chamavam, usava uma roupa azul e uma medalha pendurada, cantava no coro da igreja, essas coisas, coroinha, isso assim. Mas era mais por diversão, porque em Americana tem uma igreja muito grande e uma bateria de sinos, e é bonito. Então eu entrei nessa história aí de marianinho porque no domingo a gente ia bater o sino lá, era uma farra. Eu e mais uns dois ou três amigos que tomávamos conta disso, bater o sino às nove horas da manhã no domingo, o que chamava o povo para a missa das nove e meia, se não me engano, ou dez horas. E era uma diversão bateria de sino, pendurava naquelas cordas lá, era uma bateria de sino, e era uma farra, então a gente foi para isso. Todo o mundo sabia quem batia o sino na cidade, era eu e mais esses dois caras, era divertido, mas depois nunca mais tive contato com igreja, não teve uma maior profundidade de educação religiosa - ainda bem, no meu entender hoje, ainda bem, não gosto. Eu acho que a igreja católica fez muito mal para a humanidade. Eu entendo assim, em todos os poderes, na época do império, nas ditaduras, a igreja católica sempre apoiou, inclusive no descobrimento do Brasil, a igreja católica dizimou os brasileiros que aqui moravam, que eram os índios, a igreja que fez isso. Separa aí da história de Deus, que eu acho que é outra coisa, não é a igreja. Para mim a igreja, católica, universal, qualquer uma delas - são todas iguais - é uma forma de ganhar dinheiro e um grupo de gente que toma conta delas se aproveita disso. O bispo da igreja universal não é diferente do padre da igreja católica, são iguais, é uma carreira, uma profissão. E eu diria o seguinte: existem algumas profissões em que se vive bem e não se faz nada, tipo a carreira diplomática. Eu não gosto de gente que vive nas embaixadas por aí, que no meu entender, não tem muito... a relação entre países tem que ser feita, mas ela está deturpada, e o pessoal vive de festa. A carreira religiosa, padre, bispo, essas coisas, é igual, é como um prego enferrujado, não faz nada. Mas é uma carreira bonita. Para quem não quiser fazer nada e tomar bons vinhos e comer bem, é uma boa carreira. Vocês já sabem o que eu penso da igreja agora, né?
A juventude era jogar futebol, como eu falei no início, de manhã, de tarde e de noite, sempre joguei futebol, muito, muito. Uma época era futebol de campo, depois, numa época, nós pegamos em, eu tinha 17 anos a gente morava num bairro que chamava bairro São Domingos, era um bairro pobre da cidade, as ruas eram de terra, só muito depois foi asfaltado. E nós convencemos um homem, o sobrenome dele era Luchesi, ele tinha um terreno muito grande e nós convencemos ele a vender o terreno pra nós, um grupo de uns dez moleques, todos na mesma idade, 17, 18 anos, e nós íamos fundar um clube, e a coisa deu certo, o homem topou, desde que o pai de um assumisse as promissórias que nós íamos pagar depois. E teve o pai do meu primo, que era meu primo também, ele acabou acreditando na história e assumiu, nós compramos o terreno e vendemos títulos do clube para pagar o terreno e construir o clube. E deu certo, o clube existe até hoje, funcionou.
Clube Recreativo Esportivo Aliança. Aliança por quê, de onde surgiu o nome? Não sabíamos direito, Aliança... Juntou o nome de todos, fizemos uma aliança aqui e montamos um clube e pagamos direitinho, conseguimos vender de cara assim 120 títulos, e o pessoal pagava acho que em 30 meses - não me lembro direito agora - e funcionou. E aí eu já comecei aprender a fazer marketing, sem ter sabido. Porque na época não tinha computador, não tinha xerox, não existia. Nós fizemos um panfletinho assim e copiamos naquele mimeógrafo a álcool. E era assim “Creia no Crea” porque era Crea. Só escrevemos isso e jogamos debaixo das portas à noite, e no outro dia de manhã todo mundo no bar - porque tinha um bar central do bairro e todo mundo se encontrava no bar. Todo mundo no bar com o papelzinho na mão querendo saber “o que será que é isso?” A hora que nós...matamos a pau, aí nós fomos conversando com as pessoas, todo mundo pá, fazia, assinava as promissórias, o clube existe até hoje com salão de baile, quadra esportiva e aí eu comecei a jogar futebol de salão por causa da quadra que nós construímos, nós mesmos construímos, passamos concreto e fizemos a quadra. Aí eu convenci um candidato a prefeito do PDS na época, eu trabalhava numa construtora que estava construindo o estádio do Rio Branco, em Americana, de futebol e o cara que era diretor do Rio Branco era candidato a prefeito pelo PDS, mas eu não quis saber, falei com ele - Décio Vita o nome dele, inclusive é o nome do estádio. Eu falei: “Olha, Décio, se você der a iluminação da quadra lá do clube, vai todo mundo votar em você”. Ele falou: “Você garante?”. “Lógico que garanto, eu conheço todo mundo, eu sou o diretor do clube” - eu era tesoureiro do clube. Ele falou: “Está bom, então vamos fazer, eu pago”. Pagou os postes, os refletores todos. E aí ele ia acender, inaugurar. Ele falou: “Você tem que levar todo mundo lá”, estava às vésperas da eleição, encheu de gente, nenhum eleitor, só tinha molecada.
Lógico que não ganhou a eleição, mas ele ficou puto comigo. Ele me olhava e falava assim: “Seu traidor, desgraçado”. Me xingava. Mas ganhei a iluminação da quadra, está até hoje lá. Nessa empresa fiquei trabalhando oito anos.
Meu primeiro emprego foi com 12 anos. Meu irmão estudava de manhã, foi na época que eu fazia aquela primeira admissão e depois o primeiro ano do ginasial, antes de entrar no colégio Vocacional. Meu irmão estudava de manhã e eu estudava à tarde, e nós tínhamos o mesmo emprego. Eu trabalhava de manhã e ele trabalhava à tarde, no mesmo lugar, numa tecelagem que era uma máquina que chamava espuladeira, que enrolava o fio num canudinho que ia no tear para tecer o pano.
Então eu trabalhava nessa máquina. Enfiava o canudinho, botava o fio, ligava e vuuum, enrolava aquilo, tirava, botava numas tabuinhas para levar lá no tear, fazia isso, fiz quase dois anos isso, esse foi meu primeiro emprego. E não era um emprego ruim, não, até que era um bom emprego
Era uma tecelagem lá em Americana. O dono da fábrica era o Tide, Aristides. Era muito conhecido, a cidade era desse tamanho. Conhecia todo mundo. Então ele arrumou um emprego, meu pai conversou, “um trabalha de manhã, outro à tarde”. Ele falou: “Ah, tudo bem”.
TRABALHO
Depois eu fui trabalhar em outra tecelagem, aí já era no escritório, auxiliar de escritório. Depois eu entrei nessa construtora e trabalhei quase dez anos, entrei como auxiliar de escritório e no fim acabei ficando chefe do escritório, como meio contador, eu cuidava da empresa praticamente sozinho, tinha mais quatro ou cinco funcionários no escritório. Depois dessa... O meu pai sempre falava, quando montou a Replan, em 1972 - o meu pai trabalhava na CPFL, na usina termoelétrica de Carioba, que mandava energia para a Replan, então eles tinham contato com rádio, Replan e a CPFL - meu pai falava: “Por que você não vai trabalhar na Replan? Tem concurso, vai lá. Petrobras, é emprego bom”. Eu falava: “Não, eu não quero ser peão. Fazer turno, estou fora”, e fiquei lá. Aí, em 1975 eu li no jornal “Concurso para a Petrobras”, e era para operador. Na hora que eu vi o salário... “Meu Deus, por que eu não fiz? Meu pai falou há três, quatro anos atrás.” Era um emprego muito bom, o salário era bom.
Fiz o concurso na Petrobras, passei, e tinha que ser meio escondido, porque eu tinha que fazer um curso em Campinas durante três meses para atingir média nas provas para a Petrobras contratar. Então eu tinha que trabalhar durante o dia, e de noite ir para Campinas, mas sem o meu patrão saber que eu estava fazendo curso na Petrobras, então foram três meses assim, clandestino, eu fiz o curso. Tanto é que no dia que eu já sabia que eu ia ser contratado eu cheguei nele, era um italiano ruim pra diabo, falei: “Ó, estou indo embora que eu vou trabalhar na Petrobras”. Ele falou: “Vai nada”. Ele não acreditou, e aí insisti. No outro dia eu falei: “Ó eu vou embora, meu último dia é sexta-feira”. “Você não vai, eu sei que você não vai”. E como eu era o chefe, eu fiz a minha homologação e acertei tudo e fui embora. Ele não ficou sabendo. Na segunda eu não apareci lá, porque já estava na Replan.
Aí, na segunda-feira à noite ele foi na minha casa e falou: “Você ficou louco!”, você me abandonou lá, abandonou o emprego?”. “Abandonei nada, está a homologação aqui, ó” com carimbo da DRT e tudo. Eu não batia muito bem com ele, era muito ruim o italiano. Eu nunca mais voltei lá. Depois de uns três, quatro anos eu encontrei com ele na cidade, ele veio perguntar: “Tudo bem lá? Puta diferença, hein?” “Agora eu estou conseguindo viver, você não me pagava nada”. Ele: “No dia que você quiser voltar, pode voltar que tá aberto”. Eu: “Lógico, você não paga, eu que fiquei que nem um tonto trabalhando de graça para você”. Aí fui para a Petrobras em 75.
Para mim foi mais ou menos um choque, porque sair de Americana, cidadezinha desse tamanho, provinciana, para ir para a Petrobras, aí já comecei a me relacionar com o pessoal de Campinas, nossa! Campinas na época era o máximo que tinha na região, então foi bem diferente. Aí o contato começou, mais ou menos na mesma época, em 75, eu entrei dia 8 de dezembro de 75 na Replan.
Lembro, lembro do primeiro dia, eu fiquei 40 dias... A gente ficou fazendo estágio em todas as áreas, e na Petrobras tinha uma cultura que era a seguinte: quem entrasse novo pagava um churrasco para todo mundo do setor. Fazia uma semana que eu estava lá, era eu e mais cinco no mesmo setor, nós pagamos um churrasco para todo mundo do grupo, que na época era o grupo dois, era um grupo de turno, então eram mais ou menos cem pessoas, era bastante gente, era um churrasco no Crer, era um clube da Petrobras lá. Então tinha jogo de futebol. E aí no jogo de futebol, uma hora eu joguei a bola muito forte e pegou nas costas de um cara e o cara achou ruim, que levou uma bolada nas costas, o cara estava sem camisa; deve ter ardido pra chuchu. O cara ficou puto comigo, na primeira bola que eu peguei, ele veio e me deu uma porrada, eu percebi que ele veio e bateu. Bateu para descontar a bolada. Aí eu fui para cima dele, já estava brigando. Aí todo mundo apartou. Um que tinha entrado junto comigo me segurou e falou: “Você está louco, esse cara é o nosso chefe”. Era o superintendente da refinaria, noturno, era aquele cara, e eu já estava dando soco nele. “Você nem foi registrado ainda, você vai pegar o olho da rua.” Por causa do futebol.
Entrei como operador de transferência e estocagem. É o pessoal que recebe petróleo, cuida do armazenamento de petróleo, manda para a unidade de refino e depois recebe os produtos finais, gasolina, diesel, gás etc. E que cuida do faturamento da Replan. Contava o volume que era vendido para faturar para as distribuidoras. Fiquei lá oito anos, até sair liberado para o sindicato.
Foi a greve de 1983, que foi a primeira greve da Petrobras em nível nacional. Foi o decreto 2024 – 2012, depois o 2024 em seguida, que foi o decreto-lei dos militares e que ia reduzir 10% o efetivo da Petrobras. Eles iam demitir 10%, e nós sabíamos. Então teve a greve. Só que era para ter sido uma greve nacional, todo mundo estava combinado nos sindicatos. Houve traição do restante dos sindicatos. Quem fez a greve foi só Campinas, Paulínia e Mataripe, na Bahia. O restante ninguém fez, todo mundo traiu. Eles acabaram se reunindo com o Shigeaki Ueki na época e eles acabaram se vendendo, sei lá por que razão, e não fizeram a greve. Largou só para Paulínia e Mataripe. Mas nós agüentamos a greve, seis dias. Eu acho que segurou as demissões das outras, porque foram demitidos 10% em Mataripe e 10% na Replan. E o restante ninguém foi demitido, a não ser um ou outro que tentou puxar a greve.
Sindicalizado, desde o primeiro dia, mas na época era diferente. Quando eu fui assinar o meu contrato, eu já assinei o contrato, já assinei sócio do clube da empresa e do sindicato, tudo junto. O cara que me deu lá já deu assim, “assina aqui, tá?”. A gente assinava qualquer coisa, entrando na Petrobras, podia botar lá promissória que a gente assinava. Todo o mundo assinava.
Porque o salário era muito bom. Fui ganhar, sei lá, sete vezes mais do que eu ganhava no emprego anterior. A gente na época saía de férias da Petrobras, ia viajar para Santa Catarina, ficava 20 dias na praia sem pestanejar, tinha dinheiro para isso. Eu ganhava, seguramente, entre 1.500 e 2.000 dólares se fosse hoje. Ganhava bem. Mas não ganhava exagerado, acho que ganhava o justo. A responsabilidade era muito grande, hoje o salário dos petroleiros está muito ruim. E a responsabilidade de trabalhar e o risco, o risco é grande também, você trabalhar com um produto altamente inflamável, alta pressão, alta temperatura, com gás mortal a qualquer momento.
O salário era alto devido a isso: adicional de turno, porque tinha que fazer turno, inclusive de final de semana, Natal, Ano Novo, estava lá trabalhando, e adicional de periculosidade. Esses adicionais é que elevavam, ou que elevam até hoje o salário, porque o salário em si, o salário básico, não era muito grande, mas com os adicionais dobrava. Aí era um bom salário, aí dava para passear em Santa Catarina de vez em quando.
O sindicato tinha um trabalho em Campinas até bom, na época era o Jacó Bittar o presidente. Mas era meio pelego ainda o sindicato. A ditadura era muito forte na época e o pessoal acho que tinha medo, mas em 78, quando começaram as greves no ABC, já teve um reflexo lá. O Jacó já se relacionava com o pessoal do ABC, já começou levar um trabalho mais politizado dentro da Replan. Tipo, o pessoal do ABC em greve e nós fazíamos coleta de dinheiro para bancar. Em 78 a gente já fazia isso. E foi preparando para que o pessoal tivesse consciência da necessidade de um dia ter que fazer a greve. Então já tinha isso, a partir de 78 lá na Replan.
O pessoal contribuía numa boa, havia esse companheirismo. O pessoal do administrativo não, mas o pessoal do turno tinha uma unidade muito forte, o pessoal contribuía mesmo. Eu lembro que teve uma greve de oleiros, o pessoal que trabalhava em olarias na região de Salto e Itu, e nós também contribuímos, fizemos uma arrecadação de dinheiro para eles, os trabalhadores das olarias de Salto e Itu. E para o pessoal de São Bernardo também. E não tinha outra, não tinha muito mais greve. Então já foi adquirindo consciência a partir de 77, 78, por aí, e que culminou com a greve de 83, que foi uma greve muito linda.
Eu acho que depois de uns três anos que eu estava na refinaria eu já estava militando, sem ser diretor do sindicato. Esse tipo de coleta de dinheiro para as greves e tal, eu que liderava os grupos, eu que puxava isso e ia arrecadando.
Levou uns três anos. Eu estava na minha lá, trabalhando normalmente, mas a partir do momento em que começaram a surgir as greves no Brasil – o que não havia -, acho que chamou atenção e aí eu já comecei a fazer esse tipo de coisa lá dentro. Em 83, quando houve a greve, eu não era diretor do sindicato.
Não começou por conta própria, foi organizado. Foram muitas reuniões e assembléias e nós já sabíamos que, em tendo a greve, a diretoria ia ser cassada. Então nós fizemos um comando alternativo, nós chamamos na época, e eu participava do comando alternativo. Iniciou a greve no dia seis de julho, e eu estava dentro da refinaria, eu estava trabalhando, meu grupo estava trabalhando, e, de manhã, quando a greve iniciou de manhã -eram 23 ônibus mais 14, quase 40 ônibus. Todos os ônibus chegaram só com o motorista, não tinha nenhuma pessoa dentro dos ônibus, nenhuma. Então foi 100% do pessoal que entrou em greve. Foi uma greve muito consciente, não teve piquete, não teve nada, ninguém foi lá na porta da Replan. A Replan é lá em Paulínia, e a greve se concentrou lá em Campinas. Todo o mundo foi lá para o local da Assembléia. E eu estava dentro da refinaria, e a ordem que nós tínhamos era de não parar, ficar tocando. Só que nós não íamos ser substituídos, e a ordem era: não dorme e não come.
Porque aí uma hora ninguém ia agüentar mais, e tinha que parar a refinaria, porque não tinha quem tocasse. Então nós ficamos lá 36 horas. Aí eles derrubaram a energia da usina Carioba, em que meu pai trabalhava, coincidência.
Eles derrubaram a energia da CPFL, aí caiu - a gente chama de caiu na refinaria. Só que não podia, porque as unidades estavam todas operando com produtos, e é um perigo isso, derrubar de vez, pode explodir, incendiar.
Eles derrubaram. Caiu tudo - todos os equipamentos, as bombas, os motores -, mas nós corremos e reativamos com energia própria. Não deixamos porque o risco era muito grande, mas eles fizeram. Aí operou mais umas três horas, quatro horas, veio a ordem para parar e ir embora. Aí nós paramos a refinaria, da forma que tinha que parar, e fomos embora para Campinas. Ah, eles não queriam dar ônibus. Porque a gente ia trabalhar de ônibus, mas como nós tínhamos aderido à greve, eles falaram isso “então parou a refinaria, agora vocês vão embora” “embora como? Não tem ônibus, vocês tem que dar ônibus”. “Ah, não. Não tem ônibus, vocês se viram”. “Nós não vamos embora então, vamos ficar aqui”. Aí levou umas três horas de novo para vir o maldito do ônibus. Eles eram uns panacas, onde já se viu, tinha 150 pessoas lá. “Vocês vão embora a pé de Paulínia até Campinas.” Trinta quilômetros. Uns idiotas, mas era ordem dos militares, não dar ônibus. Já eram os militares, nesse momento já eram eles que estavam tomando conta da refinaria, não tinha mais superintendente, não tinha mais nada.
Eles já estavam mandando. Inclusive, a ordem para derrubar a energia foi deles. Sem nenhuma responsabilidade, eles também não tinham nem idéia do que era uma refinaria para mandar parar, uns idiotas.
Aí nós fomos de ônibus para Campinas, no Centro de Convivência, onde estava concentrado o pessoal, mas nós chegamos lá eram uma oito horas da noite. Não tinha ninguém, todo mundo tinha ido embora para casa. “Puta! Acabou a greve, só nós que não estamos sabendo.” Ficamos desesperados procurando todo mundo, mas na época não tinha celular, não tinha nada. Era um sacrifício danado para se comunicar, não tinha telefone de ninguém. Acabei indo embora para Americana, porque eu morava lá ainda. Voltei no outro dia de manhã ao centro de convivência, aí estava todo mundo lá, ufa!
Ainda mais que na TV já estava a notícia da Globo. “Volte a trabalhar, que não sei o quê, você será demitido, esquartejado..”. E a família? E a família? O pai, a mãe, o irmão, todo mundo ligando: “Pô, você é louco, volta”. Você tinha que agüentar uma pressão danada. Era o jogo deles: põe na TV que atinge a família. Teve amigo que a mulher falava, o cara ligava do orelhão para casa, a mulher falava “se você não for trabalhar eu vou largar de você”. Era assim, porque estava vendo a TV, e a TV fazendo a cabeça. Eu lembro que o Carlos Nascimento, que era repórter da Globo na época, ele era repórter de rua, ele foi na refinaria lá em Paulínia e mostrou um instrumento que marcava o nível de produto num tanque. Aí mostrou o flare, a tocha acesa, mostrou o indicador de nível ali no instrumento e depois mostrava a refinaria e depois voltou e mostrou de novo o instrumento com o nível alterado, tinha subido o nível do tanque, e falando que essa era a prova que a refinaria estava operando. Não estava, era mentira, eles mexeram manualmente no nível, e o Carlos Nascimento fez isso. Nós sabíamos que a refinaria não estava operando, era mentira. Eles botaram gás, soltaram gás numa esfera que tinha gás, para a tocha, e acenderam a tocha; a tocha acende num ignidor lá embaixo. Então, para mostrar, porque tocha acesa é um indício de que a refinaria está operando. E estava apagada já fazia uns dias. Isso para botar na TV e apavorar as famílias, e as famílias falarem: “Só você que não está indo trabalhar”. Era esse o jogo. O Carlos Nascimento fez isso, e à noite ele foi lá na nossa assembléia. Ah! Teve cara que pegou ele pelos colarinhos. E deram porrada nele, ele saiu chorando de lá, apanhou. Apanhou, porque nós sabíamos que ele tinha pregado uma mentira no Brasil inteiro.
Chorou, chorou pra chuchu, aí falou: “Mas eu fui obrigado a fazer”. Ele admitiu. Admitiu que era mentira. Falou, “não, fui obrigado a fazer isso”, mas teve cara que falou: “Obrigado uma ova, você é um pilantra”, e enfiou a mão nele. Apesar que...também, coitado, um besta. Então foi uma greve violenta - violenta assim, que eu digo, mental, psicológica.
Se ele não faz aquilo, poderia ser demitido? Não sei, ele poderia ser um pouquinho mais: “Pô, isso é mentira, eu sou um jornalista, eu mostro fatos, isso aí não é...”
Durante a greve eu era encarregado de reunir o meu setor, todo dia, e conversar com o pessoal todo dia, para não correr risco durante a greve, que o cara furasse a greve escondido, que alguns fizeram. Do meu setor inteiro, não só do meu grupo, do meu setor inteiro ninguém furou, o pessoal fez a greve legal.
Eu não era diretor do sindicato, e como eu era do comando alternativo eu tinha esse papel de todo dia fazer a chamada lá: “Fulano de tal...”, para ver se ninguém escapava, eu ia conversar com o pessoal para ver se estavam todos...
Mas a pressão da família foi muito pior. Todo mundo tinha, difícil ... Já o meu primeiro casamento, nós estamos em 2003, vinte anos atrás eu tinha 33 anos, 33 era meio moleque, né, meio irresponsável.
Bom, aí a greve acabou, o pessoal não agüentou mais, não tinha jeito, outras refinarias não aderiram. Na Bahia, a greve foi de outra forma, em Mataripe não teve nada de 100% parou - lá parou na porrada mesmo, o pessoal expulsou todo mundo. Hoje dá para contar, foram lá e desligaram tudo, tiraram o disjuntor, jogaram fora, não ia operar nem que quisesse, não tinha jeito. Tiveram que botar os instrumentos de novo no lugar porque eles tiraram mesmo, na Bahia foi assim. E voltamos a trabalhar, sem conquistas. Frustrado, o que aconteceu? Nada, 10% demitido e não podia mais falar em sindicato dentro da refinaria e em lugar nenhum. Se falasse era rua. Então teve 153 demitidos na Replan, era 10% do efetivo, era muita gente. Ó para eu chorar... eu tenho certeza que eu vou chorar mais vezes...
Ficou ainda durante muito tempo, agentes da SNI na época. Eles ficaram dentro da refinaria, zanzando lá por dentro, virava e mexia você encontrava com um deles lá.
Não houve prisões. Era proibido falar em sindicato, mas nós tínhamos que organizar o pessoal. Os 153 estavam lá fora, estavam desempregados. E os sindicatos com uma intervenção, tinha um cara lá tomando conta do sindicato. Primeiro eles botaram um cara, Wilson de Almeida, era um funcionário do Banco do Brasil, botaram como interventor, mas o cara ficou acho que dois dias e caiu fora, ele nem sabia o que era direito, nomearam ele para alguma coisa, ele achou que era isso, depois que ele percebeu que era um sindicato, falou: “Estou fora,” e sumiu, não voltou mais.
Aí eles nomearam uma junta governativa que eles chamavam, três caras, funcionários da Replan. Três pilantras, acabaram mudando de lado e aceitaram. Então nomearam um presidente, um secretário geral e um tesoureiro. O tesoureiro nunca foi. Ele cuidava da tesouraria, mas lá na refinaria. Ele era contador lá na refinaria e ele nunca foi ao sindicato, ele morria de medo. O secretário geral tinha que fazer uma assembléia, para prestação de contas ou qualquer coisa assim, e ele achou que era o chefe do sindicato. Aí chamou a assembléia e foi todo mundo. Os demitidos foram todos, os 150 demitidos e mais alguns da ativa, nós acabamos juntando lá, “vamos, se dane, vamos lá”, porque era proibido, ninguém podia. Mas como era a junta governativa que chamou, era oficial, então podia, nós fomos. No que o cara pegou o microfone para dar início na Assembléia, um dos demitidos pegou o microfone dele e disse: “Não senhor, você não vai dirigir nada aqui, aqui é democrático, nós temos que eleger a mesa, não são vocês que vão dirigir”. Aí ele quis encrespar; o cara deu-lhe uma porrada no meio da cara. Apanhou pra chuchu, bateram nele, mas bateram doído mesmo. Bateram, bateram nele. Aí foi a carreira meteórica dele no sindicato, porque nunca mais ele voltou lá, sumiu, pediu demissão da junta. E acabou ficando um cara, era um bonachão. E acabou ficando e ele falou para nós: “Não, pode deixar, eu vou fazer tudo o que vocês quiserem”. Aí a gente começou a obrigá-lo a rodar boletim, a gente fazia o boletim e fazia ele rodar o boletim para a gente distribuir. Então acabamos, mesmo sob intervenção, usando lá o sindicato. Nós fazíamos reunião todo dia dentro do sindicato, e ele ficava quietinho lá dentro da sala dele: “Se eu falar qualquer coisa os caras batem em mim”. E foi aí que eu entrei de cabeça no sindicato, nessa briga pela retomada do sindicato.
Era militante, chegou um momento que eu pensei o seguinte: “É melhor entrar de cabeça do que tentar ficar na periferia, e na periferia é capaz de eles me demitirem. Agora, se eu entrar de cabeça, eles não vão ter coragem de me demitir”. Porque mais uma leva de demissão ia pegar muito mal para eles. Então eu entrei de cabeça, eu e mais dois caras, nós conversamos isso: “Vamos entrar com tudo e vamos fazer jogo aberto”.
Foi o presidente e o secretário, era o Salvador Betteon e o Moreira. Aí nós pedimos uma reunião com o superintendente. Falamos: “Não tem jeito não, nós vamos assumir essa porcaria aqui e nós estamos deixando claro para você que estamos fazendo isso”. Ele só falou assim: “Vocês estão correndo um grande risco. Eu não vou demitir, mas se vier uma ordem de cima, vocês estão na rua”. Eu falei: “Bom vamos correr o risco, que se dane”. E fomos. Aí a gente, que já dirigia assembléias, reuniões, já estávamos montando chapa, já estava fazendo isso, mesmo não tendo ainda a intervenção suspensa. Aí durou dez meses a intervenção, depois de dez meses eu lembro que nós fizemos uma assembléia com 120 pessoas da ativa, nenhum demitido, e nós íamos fazer uma caravana para Brasília para falar com o Murilo Macedo para - nós falávamos exigir, mas era pedir a suspensão da intervenção. Nós fizemos a assembléia de noite, no outro dia de manhã veio a notícia que estava suspenso. Eles sabiam, eles acompanhavam. Sempre tinha alguém no meio que estava lá para dar a notícia. Então, como eram 120 da ativa, era 10% do pessoal da ativa que estava lá, dos que sobraram, era muita gente, eles não achavam que nós conseguiríamos reunir tanta gente. E o pessoal assinou a lista. E os termos da ata eram exigência da suspensão, que o sindicato era nosso e tal, e todo mundo assinou, inclusive alguns com cargo de chefia de grupo e tal. E foi. Aí conseguimos a suspensão, foi a eleição, chapa única. E virei um dos diretores liberados, assim que a gente chama, porque a empresa libera para trabalhar só no sindicato. Dentro da empresa, mas liberado para o sindicato, isso em 84. Foi logo em 84. Em 83 foi a fundação da CUT nacional, em 84 foi a fundação da CUT interior de São Paulo. E eu recém-eleito no sindicato, acabou sobrando a presidência da CUT no interior de São Paulo para mim, eu, assim: Blam! Imagina o que era isso!
Sobrando, eu tinha acabado de assumir o sindicato, eu tinha vindo de Americana. Você imagina, lá daquela cidadezinha provinciana, de repente eu viro presidente da CUT no interior do Estado de São Paulo.
Teve um congresso, e o petroleiro era um sindicato muito importante. O resto, a maioria eram oposições, tinha o sindicato dos metalúrgicos de Itu e Sorocaba e tinha a Assuc, que era a associação dos funcionários da Unicamp. E petroleiro era o sindicato mais importante, tinha acabado de vir da greve de 83, que balançou o país. Então, pum! Quem vai ser o presidente da CUT? Ele - eu.
Eu era nada, o sindicato era, mas eu não, quem era era o Jacó. O Jacó era, eu não. Eu era um ilustre desconhecido. Ninguém sabia quem era eu, só o sindicato dos petroleiros, mas fora não. Eu nem morava em Campinas. Eu morava em Americana, só fui morar em Campinas quando fui eleito para o Sindicato. Dois, três meses depois eu falei: “Não dá para ficar indo todo dia”. Então mudei por isso. Não conhecia ninguém em Campinas, e muito menos no interior do Estado.
O sindicato dos petroleiros era um sindicato muito forte. Inclusive na fundação da CUT nacional teve um papel importante o nosso sindicato, com o Jacó eleito secretário geral da CUT. E o Menegueli era o presidente; só não foi eleito presidente [Jacó] porque os metalúrgicos do ABC não iam dar esse mole para nós, lógico que não. O Jacó era liderança na época, era ele, o Lula e o Olívio Dutra. O Gushiken era menos que eles; eram os três que lideravam tudo, tanto na fundação da CUT quanto na fundação do PT. Então o nosso sindicato tinha um peso danado, e acabei virando o presidente da CUT. E não conhecia ninguém, não conhecia nem Campinas, o interior muito menos. Aí no outro dia: “Ó, tem greve na Dako, você tem que ir lá”. “Meu Deus do Céu, onde é que é a Dako?”. Tinha que ir lá e falar em nome da CUT, então foi um trauma para mim. Mas eu aprendi assim na porrada. Foi tudo desse jeito, mas aprendi legal, eu acho. Acho que assim a gente aprende mais rápido, é obrigado a aprender.
Eu senti a mudança, lógico que senti, porque foi da água para o vinho. Água para o vinho não, água para pedra, porque água para o vinho são muito parecidos, os dois são líquidos, foi completamente diferente. Eu fui com tudo, eu descobri o mundo. Descobri o mundo. Agora, foi pesado; pesado para agüentar foi.
A minha mulher, minha ex-mulher, ela sempre deu apoio. Ela me ajudou muito, me apoiava direto. Mas a partir daí não teve mais dia, noite, sábado, domingo. Era uma militância full time, direto. Todo dia, toda hora. Sábado e domingo era o dia de mais trabalhar para o sindicalista naquela época. Se não, era pelego, era um negócio meio... Hoje eu paro e falo: “Que idiotice aquilo, tinha que trabalhar normalmente.” Hoje eu falo: “Pessoal, pára com isso, seminário final de semana, estou fora, não vou”. Eu trabalho a semana inteira, 50 anos trabalhando, agora, final de semana, que eu vou descansar, vocês marcam seminário? Por que não marcam terça e quarta-feira?” Qual é a diferença? Hoje eu não aceito mais não. Ontem tinha uma reunião da Fome Zero, com a Petrobras e a BR distribuidora, e alguém falou: “Está sem agenda, vamos marcar amanhã à noite?” “Amanhã à noite? Eu já trabalho todo dia, das 8 da manhã às 10 da noite, praticamente eu estou aqui desse jeito, daí vocês marcam de noite? De noite não. Melhor marcar durante o dia.” O movimento do sindicato, só depois que eu fui descobrir, estava errado, essa militância insana aí, senão era pelego, quem não fizesse isso era pelego. Falava para a família: “Agora ele arrumou uma amante, que é o sindicato, e vocês tem que segurar a barra aí”. Depois de um tempo a minha mulher falou: “Qual é a tua? Eu aqui em casa e você zanzando por aí?”
Eu tive que aprender meio na marra, mas foi bom, aprendi mais rápido. Na época nós tínhamos acabado de sair da ditadura militar, e os sindicatos ainda tinham muitos pelegos – muitos, muitos, muitos. A maioria, cara comprometido com o governo que estava dirigindo o sindicato. Então, qual era o trabalho da CUT? Tanto da CUT quanto do nosso sindicato lá de Campinas, o Sindipetro Campinas - dos petroleiros são 20 sindicatos a nível nacional, todos vinculados à Petrobras. Cada unidade da Petrobras tem um sindicato. Rio Grande do Sul tem um, no Paraná tem outro, São Paulo são cinco sindicatos, agora que tá unificando, na Bahia tem outro, Belo Horizonte outro, Espírito Santo outro, no Rio tem um aqui, um em Duque de Caxias, um na Bacia de Campos. E por aí afora, são 20. E também todos, na época só tinha o nosso e o da Bahia, que fez a greve de 83, que eram comprometidos com os interesses dos trabalhadores, o restante era tudo pelego. Então o mesmo trabalho que a gente fazia na CUT de fomentar as oposições sindicais para ganhar os sindicatos, nos petroleiros a gente fazia também. Porque na Bahia teve intervenção e eles não conseguiram retomar o sindicato. Quando teve a eleição foi um pessoal liderado pelo Mário Lima, que já deu depoimento aqui, que acabou ganhando o sindicato. E o compromisso deles era outro, não era com os interesses dos trabalhadores, eles atuavam mais em função de quem estivesse na diretoria da empresa. Então foi esse no início lá da CUT. O trabalho era fomentar a oposição, apoiar a oposição para ganhar o sindicato. E não era um trabalho muito tranqüilo não, porque primeiro, para reunir um grupo para começar a montar a oposição, se a empresa que o cara trabalhava soubesse, era demissão sumária, não tinha conversa, tinha que ser tudo meio, dependendo da categoria, tinha que ser clandestino. Nos petroleiros não, a gente fazia aberto. Acho que nós conquistamos essa coisa de não ter que ser tão clandestino não, porque a direção da empresa, você tinha lá o superintendente de uma refinaria, mas ele não tinha tanto poder assim. Quem tinha poder era aqui no Rio de Janeiro, a diretoria da empresa. Então a relação era outra, então o cara não conseguia demitir tão fácil assim. Então as oposições dos petroleiros foram mais abertas e tal. Em outras categorias não, se descobrisse que o cara estava participando de uma oposição para ganhar o sindicato, para fazer greve na empresa, era rua. Então tinha que ser clandestino até o registro da chapa. Quando se registrasse a chapa o cara ganhava estabilidade e ele não seria demitido - se ganhasse a eleição. Porque, se perdesse, também ele perdia a estabilidade e ia para a rua depois. E para ganhar uma eleição num sindicato pelego era muito difícil. Primeiro porque eles não sindicalizavam. O número de sindicalizados era muito baixo, pequeno. E a maioria com uma relação mais ou menos histórica com o assistencialismo dos sindicatos - farmácia, barbeiro, não sei o quê. Então o cara não que
ria perder. E a oposição, nós viemos com um discurso de renovação, sem assistencialismo, nada. O cara, a base falava: “Pô, para que vai servir sindicato, se não tiver farmácia, barbeiro, advogado, póroró, material escolar e tal? Vai servir para quê?”. “Esses caras vão ganhar o sindicato e fazer greve e eu vou acabar perdendo o emprego”. Então, percebe como era difícil de você... “Pô, nós vamos ganhar o sindicato e nós vamos revolucionar a relação capital e trabalho”. Como é que você fazia um discurso desse para a base totalmente despolitizada? Então era muito difícil. Além do mais, os pelegos eram craques em roubar a eleição. Eles roubavam a eleição, eles trocavam urna. Você tinha que botar o fiscal da urna, a eleição ia durar cinco dias, o cara tinha que dormir com a urna ali, porque senão, se saísse de perto, eles trocavam a urna, trocavam mesmo. E aí era tudo voto - porque a gente já acostumava, né - Chapa 1. Chapa um era a chapa da situação. Então só ia aparecer voto da chapa um, que era chapa do pelego. Várias nós perdemos assim. Eu me lembro duma dos - por sinal lá na minha cidade - sindicato dos tecelões, lá das tecelagens de Americana, sindicato dos trabalhadores da indústria têxtil. Nós fizemos um trabalho lá de dois anos. A maior indústria lá, que era a Fibra, que era uma fiação e hoje é do grupo Vicunha, lá do Steinbruch, que comprou metade do país; comprou não, ganhou de presente com a privatização; lá a gente tinha certeza que 90% dos votos eram da chapa de oposição. Na passagem da urna no último dia - não era dia, era noite -, quando a urna voltou pro sindicato, que eram os votos daquela indústria, eram 500 votos, era muito voto. O cara do sindicato estava com a urna na mão, e o nosso fiscal atrás dele. Passando pelo corredor, ia entrar numa sala onde ia ser depositada a urna, na passagem da porta a urna entrou primeiro. Percebe? A urna entrou primeiro, foi tchum, tchum, trocou na passagem. Aí foi a apuração, mas o nosso fiscal não viu, só depois nós fomos descobrir que tinha acontecido aquilo, foi apurado, e aí era pau a pau, a oposição e a situação. Eram 11 urnas, se não me engano eram 11, essa foi a última. À hora que abriu, só tinha voto da situação, não tinha voto, e a base daquela indústria, todos estavam lá na apuração. Eles queriam ver, queriam trocar o sindicato porque o cara era muito sem vergonha, o presidente do sindicato era um tal de Leão, fazia 20 e poucos anos que ele estava no sindicato e totalmente uma porcaria. Os caras queriam quebrar o sindicato, quando viram aquilo - que eles estavam lá e falaram “pô, eu não votei, meu voto tá aí na chapa um e eu votei na dois, pô”-, eles queriam quebrar tudo. Eles roubavam mesmo. E além do mais os pelegos contratavam o que nós chamávamos de bate-paus. Eles contratavam uns gorilas que ficavam apoiando o sindicato durante as eleições, para bater em nós. E eles batiam mesmo, se cruzasse num lugar longe de todo mundo, era surra na certa, ia apanhar mesmo, eles faziam isso. Então saía uma urna, saía um bate-pau num carro, saía um desses gorilas num outro carro, cercando o nosso que estava dando apoio, porque senão eles batiam no nosso fiscal lá dentro do outro carro, era um negócio incrível, meio de guerrilha, parecia uma guerrilha. Na cidade, quando tinha eleição, a cidade ficava assustada dessa guerra entre CUT e na época era CGT, do Joaquinzão, e normalmente apoiavam os pelegos. Então era briga, era pauleira, muitas vezes quebravam o sindicato mesmo. Saía de tudo, tiro, os caras iam armados. Esses gorilas, todos armados, e normalmente a Polícia Militar dava apoio a eles, normalmente, se tivesse que prender alguém era um nosso, certeza que era um nosso que ia para a cadeia. Tirava o cara, por qualquer motivo está preso. Então era um trabalho muito difícil. E as greves, eu costumo falar assim, que na época tudo no que a gente botava a mão virava ouro. Na época não tinha, hoje tem os grandes caminhões de som e tal, na época era um Fusquinha com duas cornetas, um som muito ruim que você ligava, dava microfonia, você não conseguia atingir longe, o fio era curto; não dava para ir longe, aí ficava lá; entre o zunido da microfonia você falava.
A primeira coisa que a gente falava era “Companheiros”. Qualquer frase ou qualquer discurso sempre começou assim na época. “Companheiros”. Ou “Companheiros e companheiras”, ou “companheiras e companheiros”, era isso. Eu me lembro que algumas pessoas de Mogi-Mirim me procuraram em Campinas, eles trabalhavam na Rainha, fábrica de tênis. Eram 3.600 trabalhadores, e 3.500 eram mulheres. A maioria era mulher que trabalhava na Rainha. E qual a dificuldade que eles tinham lá? Era o autoritarismo da direção da empresa. Só podia ir ao banheiro -um dos exemplos -, só podia ir ao banheiro uma vez de manhã e uma vez à tarde, não podia ir mais do que uma vez de manhã e uma vez à tarde. E a chave do banheiro ficava numa placa desse tamanho assim, bem colorida. Uma das trabalhadoras, para ir ao banheiro, tinha que ir lá com a chefe dela, pegar aquela chave enorme, passar na fábrica inteira, todo mundo sabendo que ela estava indo ao banheiro - era para identificar mesmo. Foi onde eles mais bateram, nessa história do banheiro. E outros problemas que eles tinham, de insalubridade, de cola, essas coisas, que não tinha muitas condições de trabalho. Bom, foram lá reclamar. “Então, o pessoal está a fim de fazer alguma coisa?” “O pessoal está a fim sim, inclusive nós queremos fundar um sindicato lá”, que não tinha, era um sindicato estadual o deles, mas eles queriam fundar um sindicato lá. “Tudo bem, nós vamos lá”. Aí programamos tudo, cinco horas da manhã. O pessoal entrava às cinco e meia, seis horas, mas tinha que chegar às cinco lá. Ai fui eu e um outro cara de Campinas, que era metalúrgico, num Fusquinha, com as duas cornetinhas em cima, cinco horas; escuro ainda, paramos assim em frente da Rainha. Tinha um paredão assim de caixa de som no portão da fábrica. E à hora que nós chegamos e ligamos o nosso som, que nós íamos começar a conversar, que estava chegando gente – a maioria ia a pé, de bicicleta -, eles ligaram aquele som com música, terrível, uma altura assim, que não se ouvia nada.
“O que nós vamos fazer aqui?” A gente falava assim, não dava nem para ouvir, parecia que estava cochichando. Abafaram a gente, eles sabiam que a gente ia. Aí o que a gente fazia? No intervalo - porque eles botavam lá uma fita, um disco, na época acho que não tinha CD não, não me lembro, acho que não tinha não-, mas no intervalo de uma música para outra, aqueles 10 segundinhos, aí eu: “Companheiros e companheiras! Hoje começou a greve!”. É a única coisa que dava tempo de falar. Aí no outro intervalo eu falava: “Eu sou o Santarosa da CUT, e nós estamos aqui para apoiar vocês” e parava, porque no som já entrava a música e não tinha a menor condição. E aí ficou um jogo de uma turma para o lado de dentro e uma turma pro lado de fora. E com os de fora eu comecei a conversar no ouvido, assim, chama, comecei a chamar, então eles faziam assim, e a chefaiada cercando as meninas, virava e mexia uma conseguia passar por baixo. Eles estavam fazendo um cordão humano para não deixar os que tinham entrado - porque o ônibus passou ali, viram assim, mas não sabiam o que estava acontecendo e o ônibus descarregava elas lá dentro. Os que chegaram a pé e de bicicleta não entraram, e elas, à hora que perceberam, começou a greve, e a chefaiada cercando, então elas escapavam por baixo do braço dos caras. Um negócio assim incrível mesmo, nós ficamos acho que até o meio-dia assim nesse jogo. Virava e mexia alguém escapava lá e vinha correndo. Eu me lembro, teve uma que saiu correndo assim, tropeçou, caiu e se machucou toda, se ralou toda, e foi um chefe que a levantou assim, quase que chacoalhando, sabe, falando: “Tá vendo sua besta, o que você fez?”. Aí o pessoal correu para cima do cara para tirar a menina, e ela queria fazer a greve, fizemos uma greve de 12 dias. Cem por cento parado. Para discutir a porcaria do banheiro, que a fábrica não abria mão. Veio o prefeito da cidade, entrou na parada, o delegado regional do trabalho, para discutir o direito delas irem no banheiro, só isso. A grande discussão era essa, por isso que eu botei lá que naquela época tudo o que a gente botava a mão virava ouro, nós fizemos a greve sozinhos, eu e esse cara. E aí elas não deixavam a gente ir embora. “Parou, parou, hoje já fizemos assembléia, todo mundo vai para casa e acabou.” “Não, vocês têm que ficar aqui, vocês não podem ir.” Aí eu saía de lá dez horas da noite, e quatro da manhã estava de volta, para continuar falando o dia inteiro. Falava o dia inteiro, porque daí os caras desistiram do som deles, e a gente levava o pessoal para uma passeata na cidade...
Aí a gente falava de tudo, aí nós fomos dando aula de conjuntura, dívida externa, o que representava tudo isso; foi o máximo. E a gente pegava o microfone - você falava uma hora e meia sem parar-, a gente dava aula para eles e foi conscientizando nesses 12 dias. Eles fundaram o sindicato lá, hoje não sei contar, não sei nem como é que está, mas fundaram o sindicato, tocou.
A maioria era mulher, aí elas traziam água com limão “porque senão você vai, você fala demais e aí vai machucar a garganta, limão é bom”, aí elas traziam limão. “Estou sendo bem cuidado aqui”. Então foram muitos dessas.
Na Bosch, Bosch Metalúrgica em Campinas. Uma fábrica que nunca tinha feito greve, ela é muito autoritária, qualquer sindicalização o cara está na rua, o sindicato não podia distribuir um jornalzinho na porta da fábrica. Eles não deixavam, eles contratavam a polícia, davam dinheiro, eles compravam a polícia. O sindicato parava, lá a polícia já vinha, batia, prendia, tomava os jornais, assim, era violento. Mas aí decidiu a greve dos metalúrgicos do ABC, de Campinas, São José dos Campos, Taubaté, Sorocaba e Itu. Eles decidiram fazer greve, começar a Vaca Louca, se não me engano era o nome da greve, a Vaca Louca. Era qualquer coisa assim, “nós vamos parar de qualquer jeito, na porrada”, sei lá, eles tinham um nome, se não me engano era Vaca Louca ou a Vaca vai pro Brejo, não me lembro. Foi o Vicentinho que deu o nome na greve. E aí nós fomos lá para parar a Bosch, eram cinco horas da manhã, chovendo, frio, mas um frio danado, molhado na chuva, e tinha uns quatro caminhões assim, aqueles... é espiga de milho? Ou espinha de peixe, da Polícia Militar, fechado, a gente não sabia o que estava lá dentro, mas a gente sabia que os brucutus estavam todos aí, e os caras estavam bebendo dentro do caminhão, isso nós vimos; tinha garrafão de cachaça, o comandante estava dando. Aí, quando começaram a chegar os homens, eu lembro, porque eu cheguei com o meu carro, era o meu carro pessoal. Não tem jeito, né, “nos vamos ter que parar na marra”. Botei o carro no portão da Bosch, desci, tranquei o carro e larguei lá. “Aqui ônibus não vai entrar”. E nos outros portões - tinha mais uma meia dúzia de portões alternativos que eles sempre mantiveram-, de noite nós fomos lá e botamos umas correntes assim, uns cadeadões, e nós trancamos. Tinha o deles, mas nós botamos o nosso também. Na hora que nós trancarmos o portão lá em cima, eles vão para o alternativo, mas tem o nosso cadeado aqui, eles não vão poder entrar. Até achar serrinha, até fazer tudo isso, a greve já pegou. Bom, eles tentaram fazer isso, perceberam que estava tudo trancado, não tinha jeito. A polícia... Aí o comandante baixou ordem, desceu um monte de... batalhão de choque, e os caras desceram todos meio chapados, meio bêbados, para massacrar mesmo, para bater, bater, mas bateram em todo mundo, bateram. Aqueles cassetetes de um metro e tralálá, comprido, vai buscar a gente longe. Eu levei uma nas costas assim, que dobrou nas costas assim, sabe, investiu assim, aquele frio, puta, mas como doeu. Tinha um amigo meu que tinha um defeito na perna - foi paralisia infantil, ele tinha uma perna mais curta, ele andava meio manco assim, ele passou por mim assim, depois eu dei risada, eu e ele também, passou assim, “ai meu Deus, como dói”, correu. Teve um que levou uma pancada do guarda, tinha um aterro, ele desceu rolando...
Só que eles estavam tão alucinados em bater, que eles bateram em todo mundo, inclusive nos trabalhadores da Bosch, que estavam sendo impedidos de entrar, porque nós estávamos fazendo piquete. Aí a greve pegou por isso. Os caras ficaram tão putos, porque apanharam, iam trabalhar, “cheguei para trabalhar e estou apanhando da polícia”. Parou tudo, parou 100% a Bosch, desse jeito. A polícia estava lá a serviço da Bosch, ganhando dinheiro da Bosch, batendo nos funcionários da Bosch, que foram para trabalhar - eles nem sabiam se iam fazer greve ou não, aí fizeram, levou uma semana para voltar ao trabalho a Bosch. Mas era nesse nível, a polícia sempre do lado do patrão, protegendo o capital e batendo nos trabalhadores, sempre, sempre..
Na época nós começamos, todos os sindicatos, quando tinha campanha salarial, chamavam a CUT, e a CUT acompanhava a negociação. Essa por exemplo da Bosch, teve uma negociação com a direção da Bosch, foi o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de lá e eu, nós negociávamos em nome de todo mundo, a CUT fazia isso. E como a CUT era ilegal, era clandestina, não existia a entidade, a instituição CUT, a patrãozada não deixava a CUT assinar acordo. Então, virava e mexia, quando a greve estava firme e tinha certeza que segurava a greve, a gente exigia: ou a CUT assina ou a greve continua. Que era para ir marcando, ir construindo a CUT, a gente estava construindo. Então quando assinou o primeiro acordo, a CUT assinou, foi lá na região de Campinas, foi o primeiro acordo que nós assinamos. Puta, aquilo eu cantava igual a uma galinha que tinha botado ovo, né. O primeiro acordo que a CUT assinou fui eu!
Foi uma empreiteira da Replan. Ou a CUT assina ou não tem, a greve continua. Acho que foi em 84, final de 84, início de 85, por aí.
Parece que a história é tão antiga, né? Não, foi outro dia, é que está sendo muito rápida essa evolução no país, foi muito rápida. Praticamente em 20 anos aconteceu tudo no Brasil.
Ah! Com a Petrobras, eu estava falando de outras categorias? Eu comecei a participar de negociação em 89. Até então não tinha... Todos os sindicatos participavam da negociação, até 88 foi assim. Sentavam 20 representantes de sindicatos e 20 representantes da empresa. Se nós botássemos 40, eles botavam 40 lá também, era assim. E a partir de 89 nós instituímos um comando nacional, como nós chamávamos na época, que depois virou FUP, a Federação Única dos Petroleiros, mas nós montamos o comando porque ainda nós não tínhamos derrubado todos os pelegos, ainda tinha pelego. Estávamos meio a meio entre CUT e não-CUT, então o comando também era meio a meio - metade de pelego e metade, nosso. E na mesa de negociação nós que batíamos mais – batíamos que eu digo é que segurávamos mais a peteca, porque os pelegos na primeira proposta eles já assinavam, “tá tudo bem, vamos que vamos”. E eu era o coordenador do comando, já em 89. Eu fui coordenador do comando por três anos. Então a negociação com a Petrobrás era uma negociação dura, dura, porque durante a ditadura militar eles estavam implantando, na implantação da Petrobras no Brasil inteiro, então eles queriam, era a filosofia deles - só depois que nós fomos descobrir isso- eles queriam os melhores trabalhadores do Brasil trabalhando na Petrobras para a Petrobras crescer e ser uma empresa competente. Então tinha muita... O acordo coletivo que eles assinavam também com os pelegos, tinha muita coisa, que os pelegos falavam conquista, mas não era; eles tinham dado. A assistência médica era ótima, no início tinha até cooperativa, o cara comprava televisão, bicicleta, tudo, e era praticamente subsidiado pela Petrobrás. Os militares fizeram isso, então os pelegos não tinham que movimentar, mobilizar trabalhador nenhum, os petroleiros nada de jeito nenhum, porque o acordo era bom. Só que, quando terminou a ditadura militar, o novo governo começou a tirar coisa dos petroleiros. Então nós tínhamos que começar a resistir, que aí já estava uma política de redução de salário, redução de efetivo, condições de trabalho, eles já estavam tirando coisas. E os pelegos não estavam nem aí, eles estavam acostumados a só a assinar, só assinar, eles não mobilizavam, não faziam nada. E com isso que a gente foi usando as campanhas salariais, divulgando, aí nós tínhamos o jornal da CUT na categoria, e as oposições do sindicato dos petroleiros faziam a campanha salarial paralela ao sindicato, levavam o jornal da CUT, do Comando, e foi formando o pessoal, foi conscientizando o pessoal, e a gente acabou derrubando todos. Em 92, a partir de 91, 92, todos os sindicatos, os 20 eram CUT já, no início. E no início lá em 84/85, era só Campinas sozinho. O primeiro que nós conseguimos fazer a oposição e ganhar foi no Paraná, que foi em 86 e depois foi Duque de Caxias, Rio, foi pipocando um a um, foi caindo os pelegos e ganhando a CUT, ganhando todos. A negociação com a empresa, passou a partir daí a ser muito dura. Eles tiravam coisa e não arredavam o pé. E como a Petrobrás é uma empresa pública, eles deixavam fazer greve. Porque parar uma empresa de petróleo é um prejuízo enorme, era muito melhor, muito mais tático conceder alguma coisa do que tomar o prejuízo de uma refinaria parada, porque era muito grande o prejuízo. E como era empresa pública, o governo falava, “não, a Petrobras não vai ser o trampolim da CUT ou do PT”. A briga era política, que eles cedendo para nós era a CUT que estava ganhando, e aí era exemplo para outras categorias também irem para a briga, então eles deixavam a gente fazer greve.
Eles deixavam a gente parar. Em 91, governo Collor, a primeira greve nacional dos Petroleiros foi nesse ano. Até então nós nunca tínhamos conseguido parar tudo. Em 91 nós paramos tudo, todas as refinarias e toda a Bacia de Campos - inteirinha parada, inteirinha, parou tudo, ficou zero. Não produzia nenhuma gota de petróleo e não saía nem uma gota de derivado, em lugar nenhum. Nem assim, nós ficamos 23 dias parados e eles não concederam nada, nenhuma vírgula, nada. O governo agüentou, tomou um prejuízo danado, o país tomou um prejuízo danado. E ficaram fazendo a guerra política na imprensa: “Vai faltar o gás”, “tá vendo, essa turma da CUT é a turma do PT”. É isso que eles ficaram fazendo, o PSDB, ficaram fazendo a disputa política através da nossa greve.
Teve um ano, 89, a primeira eleição do Lula para presidente, nós fizemos greve às vésperas da eleição. Eu lembro que tive uma reunião com o Lula para discutir com ele isso. “E aí, o pessoal quer fazer a greve, vai atrapalhar tua eleição, porque vão jogar para cima de você isso”. E o Lula falou assim: “Se for para perder a eleição em função disso, eu vou perder a eleição. Vocês têm que fazer a greve”. Nós fizemos. Só para perceber o quanto ele foi importante nessa história toda. Mesmo nessa hora ele falou “não, se for para perder a eleição em função disso, eu vou perder a eleição, vocês tem que fazer a greve”. E foi muita coincidência, a nossa data-base é em setembro e a eleição em outubro, então toda vez que tinha eleição nós estávamos numa campanha. Não foi diferente em 94, não foi diferente em 98, sempre estavam os petroleiros, depois até virou carne de vaca, “pode fazer aí”. Então essa relação com, eu diria com o Lula, mas era com os metalúrgicos do ABC, que veio desde as greves de 78, que a gente contribuía, como eu tinha falado lá atrás, nós tínhamos uma relação muito forte com eles, de reunir diretoria com diretoria. Metalúrgicos do ABC e petroleiros de Campinas era forte, e virava e mexia os bancários de São Paulo a gente também se reunia, as três diretorias, para discutir alguma campanha, discutir alguma ação, que nós achávamos que podia produzir algum efeito bom para a construção da CUT ou mesmo para a conscientização dos trabalhadores brasileiros, nós sempre fizemos isso.
Como eu fui presidente da CUT, lá na região de Campinas, no interior do Estado de São Paulo, muito tempo, e secretário geral da CUT do Estado de São Paulo, da CUT de São Paulo, então na empresa eles sabiam, eles tinham todas as informações de quem era quem. Quando eu vim para o comando, na coordenação do comando, eles já sabiam, quem eu era, eles tinham a ficha, então foi a primeira negociação em que a empresa se preparou mais. Eles contrataram o Júlio Lobos, que era um RH famoso, um chileno, que escreveu vários livros no Brasil e que dava orientação aos RHs das grandes empresas no Brasil para enfrentar a CUT. Contrataram esse cara aqui na Petrobras também. Eu me lembro que quando eu sentei na mesa os caras estavam todos meio assim, porque a CUT na época, eram todos “meio guerrilheiros, bravos, briguentos, terroristas”, então eles estavam com medo de mim, e não era nada disso, nada de anormal, mas foi a primeira negociação mais profissionalizada. Eu já tinha feito um monte de negociações com outras categorias por ser da CUT e uma série de cursos que a CUT estava dando, curso de negociação coletiva, a gente fez muitos desses cursos. Em 86 nós tínhamos fundado já o Instituto Cajamar, que era o que nós chamávamos na época da Universidade dos Trabalhadores. Todo mundo que está hoje no governo fazia parte da direção do Cajamar. Eu era da coordenação do Instituto Cajamar e depois de um tempo eu fui o coordenador do instituto Cajamar, que tinha cursos de formação política de todos os níveis. O Lula fez vários cursos no Cajamar.
Em Cajamar, perto de São Paulo. Eram 104 fundadores do instituto Cajamar. Então todo mundo, o Lula, Olívio Dutra, Jacó, Jair Meneguelli, Vicentinho, Mercadante, até o Weffort, que foi ministro, foi fundador, aquele que foi do Dieese, como é que se chamava?
Barelli, o Walter Barelli, foi fundador do Instituto Cajamar. Paulo Freire foi fundador do Instituto Cajamar. E Pedro Pontual, Vladimir Pomar. Então era um lugar onde se tinha formação política mesmo.
Fiz vários. Virava e mexia tinha de algum assunto. Primeiro tinha os cursos normais do instituto, que era de formação política, e segundo tinha seminários pontuais, que pegávamos um assunto e juntava gente do Brasil inteiro para discutir aquilo e tirar as linhas políticas tanto para a CUT quanto para o PT. Isso aconteceu muitas vezes, e acho que até aprendi bastante, porque me botaram como coordenador do Instituto, acho que eu estava bem
Eu já tinha passado por Cajamar, então aqui na Petrobras estava todo mundo com medo.
O pessoal de nível gerencial da Petrobras, todo mundo me conhece, todos, todos me conhecem, então eu tenho uma certa facilidade de autoridade sobre eles, eu tenho. Durante esse período todo aí eu ganhei isso. Numa das negociações -foi essa greve de 23 dias-, o comando ficou sediado lá em Campinas, é o Sindicato de Paulínia, e a sede é em Campinas. E eu coloquei o seguinte no comando: “O comando tem que estar numa base onde a base influencie o comando. Uma base que esteja borbulhando, que aí o comando vai ter autoridade, vai ter firmeza de condução da greve”. Que era greve mesmo, a gente ia para a greve, não tinha outra coisa. Nós íamos negociar com a Petrobras, a gente sabia que não ia, tinha que fazer a greve. Então o comando foi para Campinas, a base em Campinas lá de Paulínia, sempre foi a melhor base, a mais politizada, a mais conscientizada, o maior número de sindicalizados, 95% do pessoal lá é sindicalizado, sempre foi assim, então o comando estava em Campinas. Quando fez 18 dias de greve, o cara que era o RH aqui da empresa, Ari Matos Cardoso, ele ligou lá e me chamou. Ele falou que tinha uma nova proposta e tal para acabar com a greve. Chegamos; ele disse que não era proposta que ele queria fazer não, era uma avaliação da greve, que nós estávamos indo para um buraco sem fundo, levando a categoria pro brejo. Quis dizer dessa forma. Eu não aceitei, batemos boca, e ele me chamou de irresponsável, eu o chamei de moleque. Ele continuou querendo mostrar autoridade para cima de mim, eu perdi a estribeira, mandei ele “tomar no cu, chamei ele de filho da puta e falei que ia bater nele e fui, e ele correu. E os advogados e o rapaz que estava comigo, que era o Barbosa, me segurando e escapei, correndo atrás dele. Foi um barato, ele correndo no corredor e eu correndo atrás dele, ele se trancou na sala de RH. E antes de correr ele falou: “Você tá demitido”. E eu falei: “Você não é homem pra isso”, ele tanto é que ele não me demitiu, acho que ele teve medo, ele não foi homem suficiente para demitir mesmo. Só que eu não sabia, eles estavam gravando tudo, eles gravaram isso tudo. E depois de algum tempo, o Diego, que hoje é o chefe de gabinete do presidente da Petrobras - ele era diretor do sindicato dos petroleiros em Mauá, na época -, ele acabou fazendo amizade com o superintendente lá em Mauá, e um dia ele me ligou e falou “Santarosa, eu ouvi uma gravação, você chamou o Ari de filho da puta, mandou ele tomar no cu”, “Diego, eles gravaram”? “Gravaram, e o superintendente me mostrou a fita, está tudo gravado.”
Aí, passado um tempo, em 92 eu me aposentei, e em 95 fui eleito conselheiro da Petros, no conselho de curadores da Petros, que é o fundo de pensão, e o Ari Matos Cardoso, que era o cara, também era indicado pela empresa, como do conselho. E aí a gente teve que se cruzar de novo. Porque depois a gente nunca mais teve relação, ele também saiu do RH, acho que foi em função daquela greve, ele perdeu a autoridade que ele tinha de RH, naquela greve. Mas ele continuou lá com suas relações lá na diretoria da empresa, e ele virou conselheiro da Petros, e eu fui eleito. E lá a gente se cruzou de novo. Aí um dia, acho que foi a segunda vez , eu nem sabia que ele era do conselho. Aí eu cheguei nele e falei para ele: “Quero pedir desculpas por aquilo que aconteceu, porque aquele momento me levou a fazer aquilo, não é o meu eu, então eu estou te pedindo desculpas”. Ele chorou! Ele falou: “Eu jamais esperava que você tivesse a grandeza de pedir desculpas”. Eu falei ‘não, eu estou pedindo desculpa mesmo, eu que fiz errado, é que eu perdi a estribeira, eu estava fora de controle, eu perdi o controle”. Depois foi uns três anos, eu fui cinco anos, ele saiu antes, todo mês estávamos reunidos juntos, para discutir a Petros.
Outro momento também foi de uma greve da Petrobrás, foi uma ocupação, e o pessoal da terminal de Alemoa, que é lá em Santos, eles ocuparam o terminal, e enquanto durou a greve eles tomaram conta do terminal. E o terminal tem todos os produtos, inclusive o GLP, numas esferas enormes. E o RH - essa foi uma greve anterior -, o RH da empresa era ainda - não era ainda, era antes- era o Ari Matos Cardoso, e ele me chamou, eu era do comando, num sábado de manhã - e por coincidência era o Barbosa também, que estava comigo, eu e o Barbosa, ele e um assessor dele - para dizer o seguinte: “Olha, o Batalhão de choque da Polícia Militar está em frente ao terminal de Alemoa, e se o pessoal não desocupar o terminal eles vão invadir. E aí nós não sabemos o que pode acontecer”. Eu falei para ele: “Eu imagino um batalhão de choque invadindo um terminal, que tem GLP, gasolina, produto inflamável, que que pode acontecer? Vão botar fogo no terminal, vai matar todo mundo, inclusive a própria PM, vai morrer todo mundo”. Ele tinha me dado dez minutos de prazo. Ele me deu, “você tem dez minutos para resolver isso”, porque ele sabia que o comando tinha comando. Se eu ligasse lá e falasse “desocupem”, eles desocupariam. Mas eu fiz o contrário. Eu falei para ele: “Vamos fazer o seguinte, em vez de você dar os dez minutos, você tem dez minutos para tirar a polícia de lá; eles não vão desocupar”. Aí o homem ficou branco, e eu e o Barbosa saímos da sala. “Fica aí para vocês dois resolverem se vocês vão tirar a polícia de lá ou não.” Aí passaram 20 minutos, ele veio e falou: “Ó, nós estamos retirando a polícia de lá”. Como eu não tinha celular, eu não tinha notícia de nada. Aí, depois que nós fomos embora - eu e o Barbosa saímos vibrando, “arrancamos a polícia de lá”. Aí, quando chegamos lá em Campinas -pegamos um vôo aqui e fomos lá para Campinas; o comando estava lá- que nós soubemos da notícia. A polícia entrou no terminal, todos os homens, o batalhão de choque entra, tum, tum, tum, pulando, quase que correndo. Quando eles fizeram isso, o pessoal tinha subido nas esferas, todos eles estavam ocupando as esferas, e tem uma válvula de descarga da esfera, que você abre manualmente, e era GLP, gás. O barulho daquela válvula é maior, mas vezes maior do que uma turbina dum jato, o barulho que faz. E sai GLP vapor. Aquele barulho do GLP saindo. À hora que eles entraram, eles abriram todas. A polícia viu aquilo, ficou com medo, o comandante falou “recuar, virar, meia-volta” eles fugiram.” Eles saíram por causa disso, não porque nós tínhamos dado prazo. E para o pessoal que estava ocupando as esferas foi uma vitória, mas nem Deus tiraria eles de lá mais. Daquele dia para frente, entrava a prefeita. Na época a prefeita lá era a Telma, a Telma entrava, entrava quem eles quisessem, quem eles deixavam entrar, entrava. A polícia não entrava, eles não deixavam, então foi uma vitória deles. Apesar que na negociação, no final, depois de não sei quantos dias, nós perdemos, porque eles não cederam um milímetro.
Nós, mesmo nessa época, mesmo sendo do sindicato, nós reivindicávamos muitas coisas que eram a defesa da empresa. Tipo sucateamento de equipamento, que nós conhecíamos, nós trazíamos para a mesa de negociação para a empresa recuperar aquilo, porque estava perdendo dinheiro público, a gente fazia isso. E muitas vezes com fotografia, porque eles negavam sempre que estariam sucateando, e tinha uma política já naquela época de sucateamento que era para privatização da empresa, para a empresa ficar improdutiva e tal, a opinião pública contrária, e ia privatizar, era esse o jogo. Então nós fotografávamos e levávamos para a mesa: “Está aqui ó, não é possível vocês deixarem acontecer isso”. Então muitas a gente ganhava por causa disso. Nós fizemos isso muito tempo, várias vezes, muito, muito. E inclusive coisas que nós sabíamos que tinha um contrato, descobria um contrato superfaturado, por exemplo, nós trazíamos a denúncia para a mesa de negociação, era a pauta dos trabalhadores, nós sempre fizemos isso. E o papel que o sindicatos exerceram na defesa da empresa foi muito importante, porque até hoje, hoje eu acredito que não vai ter mais isso, mas mesmo até o governo Fernando Henrique, que praticamente entregou o patrimônio todo brasileiro, mas na Petrobras eles nunca conseguiram botar a mão, porque esse trabalho foi intenso, acho que não tem nenhum trabalhador da Petrobras que não defenda a empresa, que não defenda a Petrobras pública no Brasil, não tem. Inclusive a democratização da empresa, que praticamente nunca houve, sempre nós defendemos isso, que ela tinha que ser mais pública, não é só ser estatal; ela tinha que ser pública. O que era gasto na empresa o povo tinha que tomar conhecimento; não dá para patrocinar o Flamengo, por exemplo, que a Petrobras patrocina até hoje, e nós estamos discutindo o que fazer com isso, são dez milhões de reais por ano, que dá para o Flamengo, e o Flamengo não recolhe INSS, não paga os jogadores, e nós não sabemos o que eles fazem com esses dez milhões. Então isso tem que ser discutido, mas lá atrás nunca ninguém... Gastava do jeito que queria, então o negócio é que o sindicatos sempre exerceram esse papel aí com bastante propriedade.
Mas voltando lá, então eu acho que a gente profissionalizou essa coisa do sindicato de negociação com a Petrobras, e depois o comando acabou virando a Federação Única dos Petroleiros e está até hoje. Hoje nós estamos meio em dúvida, tanto nós que acabamos virando direção da empresa, quanto os sindicatos e a FUP, que nós estamos buscando, que relação que nós vamos ter daqui para a frente, ela é diferente, não é capital e trabalho, patrão e empregado, não é ou não deve ser, nós ainda não encontramos, como é que nós vamos fazer essa relação, “vocês sentam de um lado e nós do outro e nós vamos ficar batendo um no outro? Vocês vão botar o Dutra num jornalzinho, a caricatura dele e sentar o porrete nele, ou nós vamos sentar junto e tentar encontrar as saídas que nós precisamos?”
Tipo, o sindicato briga muito, porque foi feita uma política lá de terceirização da empresa, hoje nós temos 34 mil trabalhadores diretos e 100 mil indiretos. Não é nem indireto, é direto, mas terceirizado, e não dá para ser isso. A terceirização foi feita meio na marra e violenta, e aí nós temos 122 mortes, nos últimos dois anos e meio, é muita gente morrendo.
Muito, muito, porque, não que o trabalhador terceirizado seja o culpado, mas eles contrataram assim qualquer um, sem qualificação nenhuma. A empresa terceirizada faz muita rotatividade, então hoje está trabalhando, na hora em que ele está aprendendo a trabalhar, ela manda embora e contrata outro, ou contrata um enfermeiro para trabalhar de soldador - isso não dá. Ele serra o pé da sonda, e derruba a sonda. E essa discussão nós também temos. Que o Dutra, que é o presidente da Petrobras, ele fala: “E aí, como é que nós vamos fazer agora? Nós vamos desterceirizar? Ou desterceirizar parte? Vai ser lento, vai ser brusco, como é que nós vamos fazer isso?”. Então é esse relacionamento que nós estamos buscando ainda, não sabemos direito como é que vai acontecer.
Os sindicatos... Por exemplo, participação nos lucros, a Petrobras sempre praticou a distribuição, da PLR, participação nos lucros e resultados, com um percentual de salário. Então, por exemplo, todo mundo vai receber 3,5 salários como participação, como PLR. Aí os sindicatos sempre brigaram pelo seguinte: quem ganha mais, leva uma parte maior do lucro da Petrobras. O mais justo seria pelo menos isso ser linear - pega o bolo de dinheiro, divide por todo mundo e todo mundo leva igual. Mas o corpo gerencial nunca aceitou, porque eles levam mais. E agora nós estamos no mesmo problema, os sindicatos estão discutindo agora, nesse momento, eles querem a PLR linear. Agora somos nós que estamos aí. E existe resistência do corpo gerencial ainda, que nós não vamos trocar todo mundo, não tem condição de trocar todo mundo, não tem engenheiros formados em petróleo no Brasil, só tem na Petrobras. Então as substituições que forem necessárias vão ser lentas. Você vai ter que formar gente, então não dá para a empresa baixar uma ordem, “agora a PRL é linear”, porque você vai causar um tumulto na empresa. Eu defendo por exemplo que o sindicato faça uma proposta diferente: saca uma parte do bolo e faz linear; a outra não, faz escalonado. E aí, num período de dois ou três anos a gente muda isso e aí passa a ser linear, sem choque. Mas os sindicatos estão falando assim: “Não, de jeito nenhum”. Aquele negócio: “Já e tudo”. Então acho que nós vamos chegar num momento de impasse, mesmo com a gente na direção da empresa, percebe, eu vou ficar assim meio na berlinda: “E agora?”
Eu trabalhei o tempo todo no período de transição aí da eleição, mesmo antes, e acabei me especializando na Petros, que é o fundo de pensão. Não tem, -isso eu falo sem modéstia nenhuma - não tem ninguém na categoria que entenda mais da Petros do que eu, não tem. E aí no período da transição eu articulei, conversei e tal de eu assumir a Petros, não era a Petrobras. Chegou um momento que reuniu o Dutra - ele já estava determinado, foi em dezembro, mais ou menos 20 de dezembro isso-, o Dutra, o Berzoini, que é o ministro da Previdência, o Palocci, que é da Fazenda, a Dilma, que é Minas e Energia, e nós conversamos sobre isso, porque existe um estatuto da Petros e uma lei, a lei 109, a lei complementar da Constituição - eles fizeram isso em setembro de 2002-, que teria que ter nível superior para assumir fundo de pensão, qualquer fundo de pensão. E eu não tenho. Aí eu me reuni com eles para dizer isso: “Eu não tenho, a lei me proíbe – agora, o estatuto nós alteramos e não tem nada que impeça”. A lei 108, que é a anterior, não tem a proibição e tem uma ressalva, inclusive, que pelo menos um terço dos diretores dos fundos de pensão poderão não ter nível superior desde que se comprove notória especialidade e tal, e é o meu caso. Falei; “então tem a possibilidade”. Aí nós discutimos lá uma hora e meia e bateu o martelo: “Você vai ser e acabou, e pode montar o resto da diretoria, convida as pessoas que você acha que têm que ajudar”, que eram mais três. E eu já comecei a trabalhar, tanto é que eles estão lá hoje, os outros que eu tinha convidado. O Wagner Pinheiro, que hoje virou presidente, o Luís Carlos Afonso, que é o tesoureiro e o diretor financeiro, e o Maurício, que é o administrativo. E o de benefício está ainda vago porque eu tinha montado com esses três, e o quarto não existe, está vago até hoje em função de...
No dia 28 de dezembro o Gushiken me chamou e falou: “Olha, o Lula quer que você assuma a Comunicação da Petrobras, não quer que você vá para a Petros”. Aí eu briguei, falamos palavrão um para o outro, falei: “Vou embora, não quero porra nenhuma, vou para casa então”. Aí ele: “Isso é uma determinação do Lula, você vai acatar ou não? O problema é seu”. Eu parei e falei: “Está bom, não dá para não acatar a determinação do Lula”, e acabei assumindo a Comunicação da Petrobras. Depois de uns tempos que eu fui perceber, o Gushiken veio me falar: “Está vendo porque você não assumiu a Petros? Foi você que levantou todos os passivos, os déficits que a Petros tem”. Fui eu que levantei durante o tempo que eu fui, cinco anos, do Conselho, e eu acabei fazendo isso e mostrando, expondo tudo isso para a categoria. E tem um passivo considerável lá, quase oito bilhões de reais, e vai ter que arrumar uma saída para isso. E o Palocci já falou: “Não vai ter dinheiro do governo para pôr lá, nem da Petrobras, vocês têm que se virar”. Pô, mas foi a Petrobras que causou isso lá -foram ações da empresa-, que causou o déficit que há na folha de pensões e RH. Eu falei: “Tudo bem, mas então vai cobrar o governo que fez isso, não o nosso”. Ele falou: “Está vendo a gelada em que você ia entrar? Você que levantou tudo isso, você ia presidir o fundo de pensão e a categoria inteira ia te cobrar: ‘agora resolve, você que levantou’”! Então eles acabaram de certa forma me tirando dessa fria. O Gushiken falou: “Você não ia durar seis meses, o pessoal ia te fritar lá. Você levantou, expôs tudo e agora? Resolve, né?”. Então acho que foi melhor. E além de tudo, e aí o lado bom... O Antoninho Marmo me falou um dia, antes de acontecer isso ele falou: “Porra, você está escolhendo a Petros, estão te oferecendo a Comunicação da Petrobras, estão te oferecendo o céu e você está querendo o inferno?” E era isso mesmo, porque lá na Petros, além de achar esse dinheiro, achar uma solução para isso, porque é a vida de 92 mil participantes - inclusive a minha, a minha aposentadoria está lá -, se quebrar aquilo lá 350 mil pessoas é que vão ser prejudicadas, se contar a família. E na Comunicação da Petrobras eu tenho 600 milhões por ano para gastar, se eu não gastar eu sou incompetente. Lá na Petros é o contrário - se eu gastar um vintém eu estou ferrado
É uma verba enorme, dinheiro que não acaba mais, é maior do que a prefeitura de São Paulo. Na prefeitura de São Paulo a maior parte é custeio. Para gastar mesmo não tem nada, tem que emprestar para investimento, e aqui não, eu tenho 600 milhões todo ano, 600 paus. Para gastar.
Porque tem verba de patrocínios, que vem da lei Rouanet, por exemplo. O lucro da Petrobras foi 10 bilhões o ano passado. Você tira 4%, que pode ir para incentivo cultural - é da minha área, e a Petrobras pratica isso. Faz patrocínio e tal, quem cuida disso sou eu agora, então tem dinheiro pra caramba. Aqui e na Argentina também. Essa condição eu fiz com o Gushiken, eu falei ‘tudo bem, eu aceito, mas eu quero incorporar a BR e a Petrobras da Argentina”, que eram separadas. Ele falou: “Tudo bem, se não tiver nenhum impedimento legal pode fazer”. E eu fiz. Então da BR também eu estou cuidando, e a comunicação da Petrobras da Argentina, que hoje a Petrobras é a maior empresa da Argentina, com a compra da Perez Companc, que é uma indústria de petróleo que era de origem argentina a Petrobras comprou, se tornou a maior empresa. Depois nós vamos para Bolívia, em que também a Petrobras é a maior empresa. Cem por cento do refino na Bolívia é na Petrobrás, nós vamos cuidar de lá também. Então vai dar para fazer coisa pra diabo! Coisas que a gente queria fazer enquanto movimento sindical e enquanto PT e não conseguia, hoje eu consigo. Um monte de projetos sociais, que nós estamos tirando de alguns patrocínios, mal discutidos e malfeitos, que eles faziam antes, nós estamos cortando aqui e jogando para o social. Então nós vamos poder fazer centenas, talvez milhares de projetos em pequenas cidades, que jamais teriam a condição de ter, porque não tem retorno nenhum para a empresa. Mas nós vamos fazer e com anúncio, divulgação de que a Petrobras faz, centenas de projetos nessas cidades. Aí tem o retorno, para a imagem da empresa será bom, agora lá não tem retorno nenhum, são cidades paupérrimas, mas nós estamos começando a fazer isso.
Projeto fome zero, nós temos um projeto fantástico aí, que nós estamos montando na Petrobras, na minha área, e tem todas as condições de fazer. Estamos fazendo um acordo com a Ford do Brasil, as coincidências, o acaso, não é por acaso, acho que não é; agora estou até acreditando. O presidente da Ford do Brasil hoje é o Maciel. Ele foi presidente da AEPET, Associação dos Engenheiros da Petrobras. E lá, antes de 88, durante a Constituinte, a gente se relacionou muito, eu era presidente do sindicato em Campinas, ele presidente da Associação dos Engenheiros, em defesa do monopólio de petróleo. A gente acabou virando amigo. Aí, quando assumi aqui, tinha um patrocínio da Jordan, Fórmula 1, que era a BR que ia fazer. Como eu anexei a BR, o cara da BR veio, o gerente da BR, “nós estamos fechando hoje à noite um contrato, um patrocínio para a Jordan, de um milhão e meio de dólares”. Eu falei para ele “não, não vai fechar não, quem é o piloto que tá por trás disso?”. “Ah! é o Felipe Massa, brasileiro”. Eu falei: “Quem está bancando o Felipe Massa? Tem alguém, é um deputado ou tem alguém no esquema?” Ele falou: “Ah! É o Maciel, da Ford”. Eu falei: “Então manda o Maciel dar o dinheiro, a BR não vai botar o patrocínio pessoal, um milhão e meio de dólares”. Aí no outro dia o Maciel me ligou: “É, sabia que se você chegasse aí ia acontecer isso”. Ele me chamou de filho da puta: “Aí, seu filho da puta, você vai me botar numa gelada. Eu tinha todo um anúncio para fazer na televisão e tive que cancelar”. Eu falei: “Por que você não põe o dinheiro?” Ele falou: “Eu não tenho, a Ford do Brasil não tem um milhão e meio para botar nisso aí. Agora, vocês têm, né? Agora, dá para fazer outras coisas, dá para fazer outros acordos, em contrapartida, a Ford dá a contrapartida se vocês bancarem”. Acabei negociando, baixou para um milhão e cem, e no fim nem deu certo porque um inglês botou sete milhões de dólares e tirou o Felipe Massa da jogada. A BR saiu fora também e não teve. Eles queriam que a gente aumentasse. Falei: “Não, negativo”. Mas continuou o acordo com o Maciel, da Ford. O acordo é o seguinte: nós vamos investir na alfabetização de adultos - a Ford já faz isso lá no ABC, mas nós vamos jogar para o Brasil inteiro -, talvez nós vamos contratar seis mil professores para fazer alfabetização de adultos onde não tem a menor condição de fazer, um investimento de uns 14 milhões de reais, investimento da Petrobras e Ford, e ele acabou concordando.
Porque a comunicação, até a legislação, até as agências, as grandes agências, a DPZ, que são os papas da comunicação no Brasil, eu estou conversando com os caras, colocando para eles: “Não dá mais para ser esse individualismo exacerbado que vocês produziram nos últimos anos e que produz inclusive essa situação no Rio de Janeiro. Acabaram com as organizações populares e a bandidagem tomou conta da cidade do Rio de Janeiro, do Estado, porque não tem nenhuma organização de base, não tem mais, aí os bandidos são contra, e agora eles não deixam mais a organização voltar, associações de bairro. Vocês produziram isso, as agências acabaram ajudando a produzir esse individualismo. Isso foi muito ruim para o país, nós temos que voltar a trabalhar um pouco o coletivo, fazer voltar a amizade, o companheirismo, vizinho, se conhecer, nós temos que fazer isso, senão você não é nação, senão você é um sujeito sem cara, não é gente, eu estou colocando isso para eles. Nós não queremos mais o consumidor de gasolina, a Petrobras precisa vender gasolina, mas nós vendemos gasolina para uma pessoa com cara, endereço e vocês não, a pessoa vai lá, enche o tanque e não tem cara, só deixa o cartão, o dinheiro e vai embora, vocês fizeram isso.” Eu estou conversando isso com as agências e na Argentina fazendo a mesma coisa. Nós temos que mudar, nós temos que ter marketing sim para vender gasolina, que é o grande negócio da Petrobras, mas nós queremos parceiro, queremos um amigo consumindo, não um consumidor sem cara, sem endereço, sem nada, então tem que mudar a coisa do, vendo, vendo, vendo, consumo, consumo, consumo, come o McDonalds e bebe a Coca-Cola e não sabe nem o porquê. É um completo idiota, eles produziram isso. Eu acho que o governo Lula tem todas as condições de mudar, acho que é por isso que eu estou aqui.
Quarta-feira [12 de março de 2003] fechou com todas as diretorias de todas as empresas da Petrobras - Petroquisa, BR, Transpetro, mais a da Petrobras e o corpo gerencial – [a presidência] fechou o planejamento estratégico para os próximos cinco anos, então isso inclusive da comunicação foi discutido lá e aprovado lá. Mesmo você tendo que vender gasolina você pode dar um pouco um enfoque social para a publicidade, promover um pouco essa história de resgatar o coletivo e parar com o individualismo babaca do neoliberalismo e da globalização: todo mundo é igual - não é igual! Mesmo no Brasil, o gaúcho é diferente do cearense, é diferente. Você tem que guardar, resguardar e respeitar as regionalidades culturais. Você tem que ser assim. Nós queremos implantar a cultura Petrobras lá na Petrobras da Argentina, mas a cultura Petrobras como empresa, não como dos petroleiros daqui, não tem nada a ver com os petroleiros da Argentina, e nós temos que respeitar isso, isso é um papel da comunicação.
Isso o catedrático, o phd em comunicação que eu nunca fui teve que fazer isso. Mas eu acho que na comunicação, não é só a formação acadêmica, porque se o sujeito não tiver formação política ele não vai se comunicar nunca. Ele pode ter até a função, mas vai ser medíocre. A minha mulher é jornalista, e eu sempre falo isso para ela. Jornalista que não tem formação política é ruim, só escreve babaquice, babaca pra caramba. E é isso mesmo. O cara que tem formação política - pode ser de direita, não precisa ser de esquerda-, mas ele vai ser competente, ele vai ser competente, tem uns aqui, o Brasil tem vários. Aquele que era dos EUA lá na Globo, o Paulo Francis, que foi de esquerda e virou de direita, competentíssimo. Tinha formação política. Aí ele escreve com propriedade aquilo que quem quiser que ele escreve, quem estiver no poder, ele escreve bem pra chuchu, tem formação política, não é só formação acadêmica. Acho que é por isso que eu estou me dando bem, não estou me dando mal, não. Estou me dando bem. O pessoal da área, na Petrobras tem 270 pessoas que trabalham na área de comunicação, muito grande, 270. É muito grande.
E é necessário. Talvez diminua, mas não é muito fácil não. Só a comunicação interna num país igual ao Brasil é muito difícil, tem que ter gente para fazer isso, para se comunicar com os trabalhadores. Para tratar com imprensa - a Petrobras é uma empresa muito visada, está na imprensa todo dia, então você tem que ter uma equipe, boa e competente para fazer isso, senão não consegue, não dá conta dos inúmeros meios de comunicação que tem no Brasil, é muito. O cara tem que ter gente. Tem a comunicação internacional. A Petrobras está no mundo inteiro hoje.
Tem patrocínio, patrocínio cultural ou social, sabe? Tudo isso demanda muita gente. Só nos patrocínios culturais, chegam na Petrobras três mil, três mil pedidos por ano. Você tem que ter gente para analisar os projetos. A Petrobras tem que desenvolver uma tecnologia própria da análise de projetos senão ela não dá conta nem de analisar, quanto mais de patrocinar. Você imagina analisar três mil projetos? São praticamente 10, 15 por dia. Como é que você vai ler o projeto, todos são calhamaços assim, então tem que ter gente mesmo, e a Petrobras faz isso. É fantástico, a área é fantástica, é uma coisa assim de maluco. A minha relação hoje é com o pessoal de cinema, imprensa, os papas deles todos. O Congresso, os deputados, senadores, ligam 10 por dia, todo mundo tem interesse em algum projeto, alguma coisa. Os ministros descobriram - mesmo os do PT - descobriram o potencial que tem a minha área ali. Todo mundo quer. Ontem [17 de março de 2003] eu almocei com o Gilberto Gil, me tratando assim como se me conhecesse há 20 anos. Eu nunca tinha sentado na frente do cara, mas me tratando muito bem, porque o dinheiro está aqui e é muito dinheiro. Seiscentos milhões é muito dinheiro. Tem que gastar dois milhões por dia, inclusive sábado e domingo, senão eu não consigo gastar tudo. Agora, vamos gastar direito. É isso que eu falo para o pessoal, nós não podemos aprovar projeto e dar dinheiro para o Beto Carrero - antes davam, davam dinheiro para o Pelé.
A prefeita de Campinas morreu de inveja quando ela ficou sabendo que eu tenho 600 milhões esse ano. Ela falou “eu tenho só 50 para gastar em Campinas, o resto é tudo custeio. Você tem 10, 11 vezes mais que eu”. E é verdade - não sou eu, é a Petrobras que faz isso. Eu só estou cuidando para que façam direito, não façam mais besteira, gastar dinheiro à toa. Acho que nós vamos conseguir. Mesmo assim é difícil, porque é muito grande e não dá para passar tudo por mim, eu tenho que botar gente de confiança para ajudar, senão eu não vou dar conta de jeito nenhum. Agora, percebem a virada? Você sai lá do sindicato brigando com o RH da empresa, e anos após, não muitos anos: plum!.
E eu acabei assumindo - porque aí a lei não proíbe - a presidência do Conselho deliberativo da Petros, que hoje a lei mudou, tem o caráter de deliberar, então a diretoria da Petros hoje não faz nada se não passar pelo conselho. E eles me botaram lá para presidente do conselho, porque eu sou o cara que conhece a Petros.
Relações com o governo
O fundo de pensão, qualquer um, principalmente os das estatais, na cabeça do governo, o objetivo é o seguinte: é fazer poupança no país para investir e alavancar setores de produção, principalmente, no país. Essa é a cabeça do governo. Na cabeça do participante: “Eu quero garantir a minha aposentadoria com tranqüilidade”. E da empresa é praticar políticas de RH que mantenham o seu trabalhador tranqüilo. E no final lá ele vai ter aposentadoria tranqüila, não precisa ficar procurando outras coisas. E só trabalhar direitinho, que ele tem. É esse tripé aí, com essas cabeças, que trata o fundo de pensão, que cuida do fundo. Agora, a Petros é muito grande, como a Previr, a Previr é muito maior, são 18 bilhões de patrimônio, que você investe em vários setores da economia do país. Então o tratamento é direto com o governo. O governo acaba influenciando e deliberando, decidindo: “A Petros vai ter que investir em tal coisa, vai ter que investir num grande hospital, não sei em que cidade”, por exemplo, estou usando como exemplo. E a Petros vai ter que fazer, porque todos os diretores da Petros são nomeados pela direção da Petrobras, que é nomeada pelo governo. Indiretamente, quem nomeia lá é o próprio governo. Tanto é que foi o Gushiken que tratou disso tudo lá, tanto na Petros quanto na Previr. Então é muito importante, Petros, Previr, Funcef. Esses três fundos podem fazer muitos investimentos de políticas do governo Lula, que o governo não tem dinheiro para fazer e a Petros tem. É estranho mas é assim, o governo federal não tem dinheiro, o fundo de pensão tem, então faz a política e o fundo executa - até com maior facilidade que o governo.
Antes funcionava com o PC [Paulo César Farias] fazendo lobby na Petros, o Ricardo Sérgio, esses caras que faziam os lobbies. Fundo de pensão fez um monte de besteira, um monte de investimento errado. O Tasso Jereissati... A Petros e a Previr são sócias do Shopping Iguatemi, e o retorno é menos do que a poupança, deixar dinheiro na poupança rendia mais. Eles sacaneiam na administração do shopping. Você nunca sabe quanto o shopping vendeu, teria que ter participação nas vendas. Você nunca sabe. Como é que você vai gerenciar? Só se você botar um cara em cada loja, isso é impossível de fazer. É um investimento furado, que eles fizeram. Nós não faríamos, e se possível nós vamos aos poucos sair desse tipo de investimento e investir em outras coisas. Nós podemos investir em casa própria, por exemplo. A Petros e a Previr podiam fazer acordos com cidades ou com Estados e construir milhares e milhares de casas. Tem dinheiro para isso. E a Caixa Econômica garante o retorno ao fundo de pensão, porque não pode perder. Se tiver inadimplência, quem garante? A Caixa Econômica. Dá para fazer isso. Eu tinha idéia até de investir em hospitais - hospitais públicos, que o governo, seja municipal, estadual ou federal, garanta o retorno para o fundo de pensão, mas ele constrói, já que as cidades não têm dinheiro, estão todas falidas. Agora, o fundo de pensão tem, pode fazer. Não precisa ficar a cidade: “Ah! não tenho a CND, não tenho não sei o quê”, então o BNDES não pode financiar a cidade. A Petros não tem nada disso, eu vou fazer, o projeto é esse, o conselho decide e faz. Depois o governo garante o retorno e devolve. Nós precisamos do dinheiro sempre para 30, 40 anos, que é isso que leva para o cara se aposentar. Então o retorno pode ser lento, aos poucos, desde que tenha rentabilidade, senão também não dá. Vai perder dinheiro, não vai garantir aposentadoria do cara que está pondo lá. É fantástica essa história dos fundos de pensão, e hoje nós estamos administrando, aqui são três companheiros nossos. Todos os três... Não, o Luís Carlos Afonso não, o Luís Carlos Afonso, que é tesoureiro, ele veio da prefeitura de Santo André, estava na prefeitura de Campinas, agora veio para cá. Mas o Wagner Pinheiro, que é o presidente, era dirigente sindical dos bancários de São Paulo, e o Maurício era presidente da FUP.
O Wagner Pinheiro estava no Banesprev. Aí, lá em dezembro, novembro ainda, nós conversamos com ele: “Você topa?” “Topo, vou ter que trocar o terno, eu não estou mais cabendo dentro dele”. De tão orgulhoso que ele ficou. É um troço fantástico que está acontecendo.
Estou no cargo desde janeiro. Antes eu estava na diretoria técnica administrativa e financeira da Ceasa de Campinas, que é uma grande empresa, a quarta Ceasa do país, e administrando a merenda escolar, que era terceirizada; nós desterceirizamos
Deixa eu falar uma coisa, quando nós chegamos aí na Petrobras, o Dutra, que é o presidente da Petrobras, ele era presidente do sindicato - antes de ser senador - dos trabalhadores da Petrolisa, que era uma empresa do grupo Petrobras. Ela foi extinta no governo Collor. Foi extinta, e o pessoal ficou brigando na Justiça porque eles perderam o emprego. Quem trabalhava, 1.500, mais ou menos 1.500. E o Zé Eduardo era o presidente do sindicato e agora ele virou presidente da empresa, da Petrobras. E no primeiro dia o pessoal já veio e falou: “Dutra, e agora, agora você vai readmitir a gente”. Ele coçou a cabeça e disse: “Eu sabia que ia acontecer isso”. Mas tem que readmitir, já está acertado. Eu cheguei, no mesmo dia chegou o Dutra, chegou o Diego, que era o diretor do sindicato em Mauá, o Armando - o Bacalhau que a gente chama, mas aqui não pode mais, “agora eu não posso mais ser chamado de bacalhau”. “Está bom, Armando, agora nós vamos chamar de doutor Bacalhau” - chegou junto ele, que o Bacalhau era diretor do sindicato da Bahia, o Enio, que é um geólogo, conhece a Petrobras de cabo a rabo, fantástico o conhecimento dele, um dos melhores. Ele dava aula para engenheiros da Petrobras, só que ele foi presidente do sindicato dos petroleiros aqui do Rio também, um companheiro nosso também.
Enio Barreto. E nós chegamos todos juntos, no 23º andar, que é o andar da diretoria da Petrobras. Nós chegamos no 23º andar como direção da empresa, e é um andar em que nós éramos proibidos de entrar. Nunca tivemos acesso, enquanto sindicatos ou enquanto trabalhadores. Aí nós chegamos: “Agora quem manda aqui somos nós, tá?”. Os diretores anteriores estavam ali ainda. Eles foram mudados um mês depois, então a reunião de diretoria, que o Dutra ia, era o Dutra e eles. Então nós íamos todos. Sentava o Enio, o Bacalhau, eu, o Vidal, que é assessor do Dutra, o Diego, todos nós sentávamos na reunião da diretoria da Petrobras ,e os caras ficavam putos. “O que virou isso aqui? É reunião de sindicato aqui?” Andaram até soltando notinha na imprensa. “Não é de sindicato não, nós que mandamos aqui agora, vocês daqui a pouco estão saindo fora”. Então a gente morria de rir com esse tipo de situação. E um monte de coisa que hoje a gente fala para todo mundo lá dentro, antes se a gente falasse nós éramos demitidos, não podia falar. Por exemplo isso que eu estou falando, dinheiro para o Beto Carreiro daqui nunca mais vai sair, se eu denunciasse isso eu podia ser demitido. Agora não, eu posso falar, aqui não vai mais fazer isso. E o pessoal, os trabalhadores mesmo aqui da sede estão adorando, porque mudou o clima da empresa, mudou, era uma hierarquia militar, regime assim ditatorial, mudou tudo.
Quando assumiu, na primeira semana, o Dutra pediu que todos os gerentes que tivessem nível gerencial, cargo de gerente, se reunissem no auditório. São 500 no Brasil inteiro. Vieram todos. Aí ele foi lá e falou: “Eu quero conhecer um por um, preciso da ajuda de vocês e quero conhecer um por um, gostaria que todos se apresentassem”. Imagina um por um de 500 se levantar e falar quem era. E fizeram, no começo foi tudo assim estranho, eu sou fulano de tal, gerente de tal, seco. Aí, depois do vigésimo já estava um clima mais já com brincadeira. Um gritava apelido, o cara falava que era mineiro, outro cara falava: “Bem-feito!” Foi quebrando o gelo, acabou todo mundo se cumprimentando. E eles falaram depois: “Isso aqui nunca aconteceu na empresa”. Daquele dia em diante mudou o clima na empresa inteira, mudou o tratamento com as pessoas, mudou tudo, que era muito ruim. Era ruim mesmo. Outra coisa é que todo mundo, que tenha cargo de gerente ou diretor dentro da empresa é doutor. E as secretárias, por exemplo, chamam de doutor. Aí eu cheguei lá: “Doutor Santarosa”, “porque doutor Santarosa”, “o telefone do doutor Santarosa”. Eu falei: “Parem com isso, que coisa mais chata, que doutor?". “Não, porque o doutor Diego quer falar com o doutor Santarosa”. Falei: “Nem eu, nem ele, nenhum dos dois, que doutor o quê?”. Que coisa mais idiota isso, só porque tem o cargo o cara vira doutor? Não é doutor, não precisa chamar de doutor. Agora eles estão parando. Alguns ainda, tem alguns também que aproveitam: “agora eu sou doutor e gosto”, mas a maioria já cortou tudo, e já trata... Aí já o pessoal já me chama de Santa: “E aí Santa, tudo bom?” Eu falo, “a hierarquia não quebrou ainda, hein! Não exagera!”. Mas está muito gostoso de fazer, o pessoal está gostando, está muito bom.
Recolher



