IDENTIFICAÇÃO Meu nome é Simão Marcelino da Silva Tuma, nasci em Belém do Pará, sou engenheiro mecânico de formação. Formei-me em julho de 1978 pela UFPA [Universidade Federal do Pará] e entrei em janeiro de 1979 na Petrobras, no dia 25 de janeiro de 1979. É uma data para nós engraçada, porque é dia do contracheque. Quando cheguei, logo após ser admitido já fui perguntando: “Cadê meu contracheque?”. Aquele nó cego que entra sempre, de primeira. Estou este tempo todo na companhia servindo diversas partes do Brasil e no exterior também. Eu estou aqui para falar sobre essa vida toda. Para mim é o maior prazer falar sobre esse casamento que eu tenho com a Petrobras por 30 anos, andando para o trigésimo primeiro. Para mim é uma satisfação muito grande. FAMÍLIA Meu pai chamava Elias José Tuma, ele é falecido, faleceu em janeiro de 1999. A minha mãe chama Luci da Silva Tuma. Eles nasceram em Belém. Minha mãe ainda é viva, é uma criatura linda, é um amor de pessoa. Meu pai era filho de libaneses, migraram para cá, meu avô e minha avó eram originários do Vale do Beca, eram plantadores de uva, tâmara, damasco e outras frutas. A minha mãe era filha de um cearense com uma paraense. Meus pais se conheceram lá em Belém. O interessante é que eles namoraram e casaram numa casa e depois mudaram para outra casa um pouco maior, porque estava começando a ter filho. Eu sou o quarto filho de uma família de seis e depois que eu nasci nessa casa nova eu morei lá até os 22 anos, na mesma casa, até sair de Belém. A minha mãe mora ainda no bairro Cidade Velha, onde surgiu Belém. É onde os portugueses instalaram o forte chamado Forte do Castelo, em 1616, na época da fundação da cidade. É um lugar muito gostoso, muito interessante. Costumo ir todo ano lá, passar nem que sejam três dias, mas eu vou todo ano. Não vou aos Círios de Nazaré, como todo paraense vai, mas todo ano eu procuro...
Continuar leituraIDENTIFICAÇÃO Meu nome é Simão Marcelino da Silva Tuma, nasci em Belém do Pará, sou engenheiro mecânico de formação. Formei-me em julho de 1978 pela UFPA [Universidade Federal do Pará] e entrei em janeiro de 1979 na Petrobras, no dia 25 de janeiro de 1979. É uma data para nós engraçada, porque é dia do contracheque. Quando cheguei, logo após ser admitido já fui perguntando: “Cadê meu contracheque?”. Aquele nó cego que entra sempre, de primeira. Estou este tempo todo na companhia servindo diversas partes do Brasil e no exterior também. Eu estou aqui para falar sobre essa vida toda. Para mim é o maior prazer falar sobre esse casamento que eu tenho com a Petrobras por 30 anos, andando para o trigésimo primeiro. Para mim é uma satisfação muito grande. FAMÍLIA Meu pai chamava Elias José Tuma, ele é falecido, faleceu em janeiro de 1999. A minha mãe chama Luci da Silva Tuma. Eles nasceram em Belém. Minha mãe ainda é viva, é uma criatura linda, é um amor de pessoa. Meu pai era filho de libaneses, migraram para cá, meu avô e minha avó eram originários do Vale do Beca, eram plantadores de uva, tâmara, damasco e outras frutas. A minha mãe era filha de um cearense com uma paraense. Meus pais se conheceram lá em Belém. O interessante é que eles namoraram e casaram numa casa e depois mudaram para outra casa um pouco maior, porque estava começando a ter filho. Eu sou o quarto filho de uma família de seis e depois que eu nasci nessa casa nova eu morei lá até os 22 anos, na mesma casa, até sair de Belém. A minha mãe mora ainda no bairro Cidade Velha, onde surgiu Belém. É onde os portugueses instalaram o forte chamado Forte do Castelo, em 1616, na época da fundação da cidade. É um lugar muito gostoso, muito interessante. Costumo ir todo ano lá, passar nem que sejam três dias, mas eu vou todo ano. Não vou aos Círios de Nazaré, como todo paraense vai, mas todo ano eu procuro ir lá dar um abraço na minha mãe e rever aquelas raízes. Eu conheci os meus avós. O meu avô José Jorge, que é o nome do meu irmão, faleceu. Eu tenho poucas lembranças dele. Eu devia estar entre sete aos nove anos. Não me recordo exatamente, não parei para fazer essa conta ainda. A minha avó ela morreu quando eu já trabalhava na Petrobras. Eu convivi bastante com ela. O português dela era muito arrastado, muitas vezes não conseguíamos compreender. A família Tuma ela era uma família grande no Vale do Beca, eles vieram de lá por causa da invasão da Síria, que queria atingir o litoral do Líbano, que é onde está a capital do país, Beirute. Eles atravessaram o Vale do Beca, que era a região onde a minha família estava assentada. Eles resolveram vir para o Brasil. A gente não sabe muito bem, nunca houve um depoimento nesse sentido. Naquela época quando eles podiam dar este tipo de depoimento nós não interpretamos que houvesse tanta importância assim, não demos atenção específica para isso. Mas pelo que nós ainda conseguimos conversar, depois com os mais velhos, com os que não faleceram tão cedo, eles disseram que eles identificaram que o Brasil era uma oportunidade, pela tranqüilidade, por ter um clima bastante semelhante ao clima do Líbano, por ter oportunidades de trabalho no comércio, agricultura, semelhante ao que tinha lá, então foi mais ou menos isso. Busca de outras oportunidades em virtude das ameaças de guerra naquela região. A minha avó materna eu não cheguei a conhecer porque ela faleceu quando a minha mãe tinha, se eu não me engano, nove anos de idade. A avó Carolina. Ela era muito bonita. O meu avô eu conheci, convivi com ele. Faleceu em 1981. Eu já era da Petrobras, eu trabalhava em Salvador quando ele faleceu. Eu tenho boas lembranças dele. Ele me fez despertar, vamos dizer, um potencial que eu tinha, que era o desenho. Ele gostava de artes, tinha sido mestre de obras e, naquela época, a profissão tinha uma conotação diferente, não é o mestre de obras de hoje, que fica lá com o chicote... Não é. Lá era diferente, o mestre de obras era o cara que concebia e dava conotação artística. Ele trabalhou na recuperação do teto da Basílica Nossa Senhora de Nazaré, lá em Belém, é uma coisa muito bonita. Ele também trabalhou na construção de uma parte da prefeitura. Ele tinha esse dom. O nome dele era Marcelino, que é o meu segundo nome. O vovô Marcelino era um artista, porque ele gostava dessa coisa que os arquitetos fazem hoje, de bolar como que vai ser a decoração da casa em termos de parede, em termos de estrutura, aqueles desenhos tipo rococó. Ele tinha essa sensibilidade, ele era poeta. Gostava muito de poesia e JG de Araújo Jorge era o máximo para ele. Ele conhecia de cabeça aquilo ali. Interessante que quando nós levávamos uma namorada em casa ele não ligava muito para isso, mas ele sempre fazia questão de declarar um poema para elas, para cada uma era um poema diferente, uma coisa engraçada. Eu convivi bastante com ele. Ele lia bastante, gostava de mostrar para nós o seguinte: “Existem coisas na vida que são diferentes daquela que você vive aqui”. Ele costumava contar uma passagem que talvez tenha sido a única viagem internacional que ele tenha feito, ele foi à Suécia uma vez e contava que ele sentou num banco e alguém tinha encontrado um maço de notas naquele banco da praça e ninguém tocava naquilo ali porque não era dele, então ele dizia o seguinte: “Olha, existem comportamentos, existem pensamentos, existem modos de vidas que são diferentes do que a gente vive. Então é importante que vocês leiam, que vocês conversem, que vocês ouçam, que vocês procurem conhecer as coisas para conhecer aquilo que tem de diferente na vida, no mundo, novos modos de pensar.” E ele foi um grande de incentivador de leitura tanto quanto o meu pai foi. O meu pai tinha pouca instrução, talvez o segundo, terceiro ano primário só, mas ele lia muito porque ele era comerciante e na loja dele se utilizava para embrulhar os produtos que ele vendia, jornais e revistas, ele lia tudo isso. A loja era perto do porto, era o mercado Ver-o-Peso. Ele comprava aqueles jornais e revistas do exterior e enquanto estava no intervalo de uma venda ou outra ele ficava vendo aquilo lá, muitas vezes em línguas que ele não conhecia, como inglês, francês, alemão, sabe lá o que já passou na mão dele. Tinha muito jornal japonês, porque a colônia japonesa no Pará é muito grande, em Belém há muitos japoneses. Naquela época não tinha sacolinha de mão, não tinha papel de presente como hoje, quando muito mal e porcamente tinha era papel craft, esse papel marrom, coisa parecida. Isso já era um luxo. Tanto meu avô materno quanto meu pai foram pessoas que deram exemplos para nós: “Existem coisas que você deve procurar, principalmente através da leitura.” Interessante que o meu pai viajava através de fotografias, ele pegava revistas e ficava vendo aquelas fotografias, ele ficava horas vendo aquelas fotos de paisagens, de panoramas de cidades, essas coisas. Ele lia com atenção aquilo lá e isso despertou algumas coisas na gente. Eu conheço bastante da arte da marcenaria e da carpintaria, porque eu aprendi com meu avô Marcelino, ele era carpinteiro, ele trabalhava com isso e aprendi com ele. Aprendi também com ele a ser organizado, sou muito grato, eu sou extremamente organizado. Acho que em casa todos nós somos, mas particularmente eu me considero muito organizado. Eu aprendi isso com ele, porque ele tinha as ferramentinhas dele guardadas e ele sempre mostrava a importância daquela organização. Da minha avó materna eu não consigo ter lembrança porque não convivi com ela, quando ela faleceu minha mãe era criança. Somos seis irmãos. São duas moças, as mais velhas, sendo que uma é médica, a Graça, que mora aqui no Rio de Janeiro em torno de 35 anos, ela fez medicina em Belém, depois veio fazer residência e ficou por aqui. Tem minha segunda irmã que é a Ana Lúcia, que é química industrial, foi professora da faculdade de química lá em Belém. Ela tem mestrado em tecnologia dos alimentos. Depois tem o José Jorge, que herdou o nome do meu avô paterno, também é Petrobras, ele é da área internacional, é engenheiro civil. Depois tem eu, sou o quarto na fila e depois tem dois gêmeos que são um ano mais novos do que eu, estão com 52 anos de idade hoje. Ambos são engenheiros agrônomos. São gêmeos univitelinos, “cara dum, focinho do outro”, como se diz lá em Belém. Até uma determinada época era uma dificuldade diferenciá-los, em geral a gente batia nos dois, por via das dúvidas, para não esquecer de bater no que era merecido, aí os dois apanhavam. Era engraçado que até uma determinada idade, lá pelos dez anos de idade, até eu era parecido com eles, então a minha mãe quando queria chamar a atenção de um gritava: “Simão, Elias, Eduardo.” Porque não sabia quem era cada um dos três, então chamava assim. Só via o vulto passar, o moleque fazendo uma arte, uma danação, então ela chamava: “Simão, Elias, Eduardo.” INFÂNCIA Eu morava numa casa muito gostosa, com uma arquitetura tradicional da época, o frontispício dela, a frente dela, ainda é mantida como era originalmente, exceto alguns detalhes que pelo andar do tempo foram eliminados. Mas era aquela casa que tinha na frente uma sala, na lateral um corredor, atrás da sala uma alcova – como chamavam – e depois outra sala de jantar, quartos e cozinha. Nós brincávamos demais, a casa era grande para os padrões daquela época. Com o passar do tempo a casa foi reformada, até pela questão da deterioração dos materiais. Nós temos gratas recordações, brincávamos de pique-pega dentro de casa, a gente fazia aquela casa se transformar num negócio bem atrativo em termos de uso, de diversão. Andávamos de bicicleta e jogávamos bola dentro de casa de tão grande que ela era. Minha mãe ficava brava com a gente. Ela ia para o comércio com o meu pai, ajudá-lo, era uma vida difícil, quando eles migraram não tinham condições. Não migraram pela riqueza em busca de novos negócios. Migraram pela necessidade da guerra, da situação política do país. A minha mãe ajudava o meu pai, eles sempre foram muito trabalhadores. É uma herança que todos nós recebemos, de acordar com os passarinhos e dormir com as corujas. Hoje, para você ver como é a evolução da sociedade, eu seria considerado um caso absurdo, um abuso do pátrio poder. É uma questão de direitos humanos, mas eu era tão ativo que a minha mãe quando saía para trabalhar me amarrava com um lençol na perna da mesa. A minha tia ficava tomando conta da minha irmã, Ana Lúcia, eu e os dois menores, os gêmeos. E eu era um capeta, mas só que eu dava meu jeito de resolver as coisas. Eu me desamarrava, fazia a pirueta que tinha que fazer e me amarrava de novo. As minhas irmãs e a minha tia Nadir, que é irmã da minha mãe, contam até hoje essa história. Minha tia é um amor de pessoa, linda, espetacular, de um coração cheio de amor. Ela conta cada coisa que hoje a gente dá risada, naquela época talvez fosse só interessante para mim, para eles devia dar uma dor de cabeça danada. A gente brincava, quebrava lâmpada. Era um escarcéu danado. Naquela época usavam cristaleiras, então você já viu, era um negócio assim... Meus pais tinham um box no Ver-o-Peso, eles vendiam confecções. Isso era uma diversão, era um parque de diversões, o nosso Beto Carreiro. A gente ia para lá ajudar meu pai e minha mãe... O senso de organização meu avô transmitiu para o meu pai, ele também transmitiu para a gente, porque colocava a gente pequinininho para fazer dever de casa, conta, ensinava muito conta. Incentivava que a gente desse troco, que tivesse a capacidade de fazer de uma forma rápida conta de cabeça, depois que tinha habilidade de fazer conta manualmente fazer conta de cabeça, dar troco, trocar dinheiro, essas coisas. Nos ensinava a organizar também. Colocava aquelas caixinhas de camisa, pedia para gente organizar por cor, por tamanho, e depois por fabricante e por tipo. Isso nos ajudou a ter certo senso de levar a vida de uma forma diferente. ESCOLA Eu me lembro da escola que eu estudei. Todos nós começamos no mesmo lugar. Naquela época não tinha jardim de infância como tem nos dias de hoje, o conceito era diferente. Existiam escolas que davam os primeiro ensinamentos do maternal, o que consideramos hoje como jardim de infância. O que fazia a alfabetização da criança chamava externato. Externato porque eles não admitiam que a criança permanecesse lá. Eram só aulas, a criança ia, passava um determinado período e voltava para casa. Chamava-se Externato Santa Rita, era a professora Mirtes e a professora... esqueci o nome dela agora. Depois disso, já mais para o final do primário, quarto, quinto ano do primário, eu fui para um grupo escolar municipal, grupo Rui Barbosa. Há dois anos eu estive em Belém, eu fui com a minha atual esposa e fui mostrar para ela onde eu tinha estudado. É um negócio espetacular, sabe? Dói no coração você ver como as construções no país elas são abandonadas, são relegadas a segundo plano, são abandonadas mesmo. É um prédio de arquitetura muito bonita. Bom, nesse caso tem o sentimento de agradecimento, porque foi ali que eu aprendi coisas, foi ali que eu dei os meus primeiros passos em fazer alguns trabalhos de exposição desenhados. O pessoal gostava da minha facilidade com o desenho, eu tinha aprendido com o meu avô e fazia alguns trabalhos, o pessoal expunha lá e tal. Depois no ginásio científico, que é o primeiro e segundo grau, parte do primeiro grau e o segundo grau, nós ficamos em Colégio Salesiano. Naquela época quando você fazia o terceiro ano científico você também se preparava para fazer o vestibular. Ele tinha uma carga horária mais pesada, ou seja, era um preparatório já para o vestibular. Quase todos nós tivemos uma mesma carreira. As meninas não estudaram no Colégio Salesiano, porque ele era seletivo, somente masculino. Elas estudaram no Colégio Santa Rosa, que era feminino, era de umas freiras. HISTÓRIAS / CAUSOS / LEMBRANÇAS As minhas tias elas contam um negócio interessante, eu queria ser bombeiro, mas o meu pai dizia que eu era bombeiro da meia-noite, porque eu mijava na cama. Nós morávamos num bairro que não era militarizado, mas que tinha diversos quartéis. O quartel da marinha, a base naval, era lá perto de casa, tinha também o quartel do exército, lá no Forte do Castelo, tinha o corpo de bombeiros que era próximo a prefeitura, mais ou menos no caminho que íamos para a loja com o meu pai. Aquela região ali tinha essa movimentação. Eu acho que toda criança gosta também de aventura, gosta de super-poderes, ver aquela escada que sobe coisa e tal, quer subir ali, botar uma capa do Batman e pular. Eu acho que é inerente ao menino, ao moleque mesmo. E desde cedo eu comecei com essa história de querer ser bombeiro, mas depois quando eu fui começando a adquirir certa maturidade, eu comecei a pensar em engenharia, começava a montar e desmontar coisas dentro de casa, idealizar aviões e carros, como todo menino gosta de fazer. Minha mãe costurava muito para fazer confecções para o meu pai vender na loja e sobravam muitos detalhes assim de tubo de linha e com aquilo a criatividade voava alto. A gente fazia altas coisas. Mas eu tive depois certa orientação nesse sentido, eu comecei a ter curiosidade, as pessoas ao meu redor foram me incentivando e como meu irmão sempre quis ser engenheiro civil para construir casas, eu sempre quis ser engenheiro para consertar e fazer máquinas. Eu não dizia que eu queria ser engenheiro mecânico, eu queria ser engenheiro de máquinas. Meu irmão sempre quis construir casas e pontes. Ele era vidrado nisso. Ainda é até hoje. Nós somos. Em casa eu acho que todos nós temos uma via tecnológica muito forte, mas independente disso também temos uma veia voltada para a arte, para o sentimento, para a cultura de uma forma geral. Nunca meu pai chegou a dizer: “Você vai ser médico. Você vai ser advogado”. Não. Meu pai orientava que nós devíamos buscar uma carreira profissional, a gente devia ter a capacidade de se manter, de criar uma família, era nesse aspecto. Minha família nunca teve também aquela questão: “Não. Você precisa ter alguma coisa para ser rico”. Nunca aspiramos isso na família. CULTURA ÁRABE Eu acho que nós somos realmente uma família que tem o sangue árabe na veia, predominantemente, porque a grande diferença entre o árabe e os judeus, sem ofensa nenhuma, é que em geral o judeu gosta de acumular riquezas. O árabe não. O árabe ele gosta de ter riqueza para poder utilizar, para transformar a vida, para aproveitar a vida. A típica casa árabe é aquela que tem uma mesa grande, a cozinha é o maior local da casa, onde as pessoas se reúnem “n” vezes ao dia, é uma mesa que está sempre posta com frutas, verduras, pães e outras iguarias o dia todo. É uma casa que não se desfaz em termos de cozinha ao longo do dia. É uma atividade que começa ao amanhecer e termina ao fim da noite. É contínua, as pessoas gostam de sentar, falar e conversar. Essa é a grande diferença entre o árabe e o judeu na minha percepção, tirando a questão da ideologia política, religiosa, mas em termos de vivência, de viver. Até hoje todos nós adoramos comida árabe. A minha mãe aprendeu a fazer comida árabe. Ela cozinha como se fosse uma árabe de nascença. Três vezes na semana eu almoço em restaurante árabe. A gente sai no final de semana, volta e meia bate no restaurante árabe. Mas não foi só na culinária, nos projetos de vida, mas também na cultura. A influência do avô Marcelino foi na tendência de adquirir cultura. Agora que cultura adquirir? Aí veio da família. A cultura árabe. Tanto é que nós temos interesse, todos nós de uma forma geral falamos, conhecemos algumas palavras, a maior parte de sacanagem, mas a gente conhece. O meu irmão não. O meu irmão já conhece alguma coisa, sabe contar números, sabe algumas outras coisas mais, ele até talvez consiga manter um pequeno diálogo. Mas isso é de grande interesse. Eu, no mínimo duas vezes por semana, pela internet, dou uma visitada no Líbano, para ver as câmeras que tem ao vivo lá de Beirute. Dou uma passeada no Google. Eu fui lá pra ver o Vale do Beca, Beirute, o que estão construindo, se tem alguma fotografia atualizada de alguma coisa. Eu tenho uma prima, a Fátima, que mora aqui no Rio de Janeiro também, é médica, ela freqüenta, freqüentemente vai ao Líbano. Uma vez a cada dois, três anos. Talvez já tenha alguns anos que ela não vá, mas a família de uma forma geral adquiriu isso. Em casa eu tenho decoração árabe, tenho discos e CD’s de música árabe. Como eu viajo muito, toda vez que eu vou a algum país eu tenho costume de trazer um disco de música original daquele país e se eu encontrar música árabe eu trago também. Eu tenho música alemã, da malásia, francesa, italiana. Discos originais mesmo. E procuro não trazer só de cantores famosos. Eu trago para conhecer a cultura. É aquela questão do mercado árabe, talvez tentando identificar uma oportunidade de fazer um pequeno negociozinho, mas a gente tem até umas surpresas interessantes. FORMAÇÃO Eu fiz a Federal do Pará. Eu comecei em 1974. O meu número de matrícula era o número 7410020, eu lembro até hoje. Foram quatro anos e meio de faculdade. A faculdade funcionava pelo sistema de créditos, eu tinha vontade de terminar antes para começar a trabalhar, acabei forçando, fazendo mais disciplinas que podia, o que era permitido, e com isso eu terminei em quatro anos. Eu me formei no dia 20 de julho de 1978. Na faculdade eu fiz diversos estágios. Aliás, é algo que eu tenho procurado privilegiar ao longo da Petrobras, oferecer a oportunidade de estágio para as pessoas, porque os estágios eles foram muito importantes para minha formação, em todos os aspectos. Formação técnica, empresarial, organizacional, legal de você aprender o que você pode e o que não pode fazer, o que está dentro da legislação ou não. Isso é muito importante. Eu fiz muitos estágios. O meu primeiro estágio foi muito interessante. Você vê o seguinte, o árabe acima de tudo ele é moleque no aspecto de levar a vida numa boa. Não deixa a vida levar não. Você leva a vida e numa forma bastante aberta, engraçada. O meu primeiro estágio foi no INSS [Ministério da Previdência Social], eu fazia o segundo semestre da faculdade de engenharia, o primeiro semestre eu não tive a oportunidade de fazer estágio porque era a chegada na faculdade, eu queria ver, traçar planos como que ia fazer aquilo da melhor forma possível. Mas fui fazer o estágio no INSS, eu não me lembro agora exatamente em que lugar, mas em alguma coisa do “Patrimônio”. O que eu fazia lá? Nada mais, nada menos, cuidava da manutenção das diversas instalações e equipamentos do INSS. Era um prédio na Praça da República, um local muito bonito em Belém. Nós fazíamos manutenção de aparelho de ar condicionado e ventiladores. Aqueles ventiladores de pé que parece um avião, “vuuuuuuuuuu”, fazia aquele barulho de tremer. A gente fazia manutenção de elevador também. Eu era estagiário ali e fui aprender. Era uma festa para mim. Era uma zona porque eu era moleque, tinha 18 anos de idade, e estava começando, de bem com a vida, fazendo faculdade. Ganhava pelo estágio, ganhava um salário mínimo, não era pouco não. Naquela época o salário mínimo era considerável. Eu dava uma parte do salário para o meu pai. Ele me dava uma parte porque eu precisava para o transporte, para isso e aquilo, era uma alegria danada. Nesse local aconteceram coisas do arco da velha, sabe? A chefa da seção lá era a dona Fátima, uma senhora que até hoje eu tenho minhas dúvidas de como classificar, não sei se ela era rabugenta ou alegre. Eu acho que nos dias de hoje a gente poderia dizer que ela era bipolar. Mas era engraçado. Tinha o senhor Benedito, que era o coordenador da supervisão, um senhor moreno, tinha vindo de família muito pobre e foi crescendo, estudando coisa e tal. Ele fazia questão de mostrar aquilo para gente, de ensinar como é crescer na vida. Tinham situações engraçadas. Tinha a dona Marilda, que tem uma passagem que eu nunca vou esquecer na vida, eu já contei diversas vezes isso. Dona Marilda engravidou. Um dia ela chegou lá na frente de todo mundo, a gente trabalhando, quando ela perguntou: “Fátima, quem foi o médico que te receitou quando você estava grávida?”. “Ah, foi fulano de tal”. “E quem é o teu médico?”. “Também é ele”. Ficou aquela conversa. Teve uma hora que chegou a dona Marilda e perguntou: “Mas Fátima, você teve enjôo?”. “Tive”. “E qual foi o remédio que ele te passou?”. “Passou o remédio tal”. “E para você?”. “É o mesmo remédio”. Num determinado momento ela disse: “Interessante, para mim está dando um problema danado, ao invés de passar o enjôo aumenta cada vez mais o enjôo.” A gente ficou ouvindo aquilo ali para ver se tinha a oportunidade de aproveitar alguma coisa. E aí ela disse: “Poxa, mas eu também tomei o remédio tal. Qual é a dosagem?”. “A dosagem é a mesma, não sei o que...”. “Poxa, mas toda vez que eu tomo eu fico enjoada”. “Mas como é que você toma?”. “Eu jogo na boca e tomo água, coisa e tal’. “Menina, aquilo lá é efervescente”. Era um comprimido enorme, ela mostrou. Era um baita de um comprimido efervescente, ela jogava dentro da boca e tomava água e não queria que tivesse enjôo. Aí pronto, acabou esse negócio. Então para nós toda vez que esvaziava um tubinho daqueles de remédio dela, a gente passava, catava aquele negócio vazio e ia guardando numa caixa, e toda vez deixava na mesa dela mais dois ou três vazios, só pra encher o saco da dona Marilda. INGRESSO NA PETROBRAS Eu recebi o resultado do concurso da Petrobras na véspera de Natal. Meu irmão já era petroleiro. Ele tinha feito o concurso antes de mim, um ano e meio antes, dois anos antes, ele é mais velho um pouquinho, tinha formado antes e deu um toque: “Vai ter concurso”. Ele estava morando em Salvador nessa época, ele estava fazendo o curso da Petrobras lá em Salvador e me deu um toque: “Oh, vai ter um concurso aí e tal, procura saber...”. Foram uns caras da Petrobras na universidade, dizer que ia ter concurso coisa e tal. E foi assim que eu fiquei sabendo. Eu fiz o concurso em dezembro de 1978 e fui admitido em janeiro de 1979 aqui no Rio de Janeiro. O resultado saiu no jornal. Eles não mandavam telegrama. Na realidade foi assim, eu conheci um senhor que era vizinho que trabalhava na Petrobras e aí um dia eu fiquei pensando e disse assim mesmo: “Poxa, se o resultado do concurso vai sair no jornal do domingo alguém mandou para o jornal antes. Não mandou no domingo, nem no sábado, mandou na sexta. E se alguém mandou na sexta deve ter recebido isso na quinta.” Aí na quinta-feira eu fui lá na Petrobras: “Eu queria saber o resultado.” “Folgado o cara, que é isso? Quer saber o quê? Isso aí é para o jornal domingo.” Eu disse: “Não é possível. Eu sei que vocês sabem”. Ele disse: “A única coisa que a gente pode dizer é que só passou um cara. Pronto. Se você foi bem na prova você sabe que pode ter sido você, se você foi mal na prova você já sabe que não foi você, porque foi só um”. Enfiei o rabo entre as pernas e fui embora. Longe pra caramba, era lá no Tapanã, fui de ônibus. A Petrobras tinha uma base lá. A Petrobras tinha atividades de exploração na região amazônica de uma forma geral e a base da região era Tapanã, que era lá em Belém. Hoje não existe mais a base, a Petrobras saiu de lá, não tem grandes coisas, a província promissora, que era Urucu, era muito mais próximo de Manaus. Mas continuando eu enfiei o rabo entre as pernas e disse: “Esse cara que passou fui eu, com certeza fui eu”. Cheguei em casa dizendo isso para o meu pai. TRAJETÓRIA PROFISSIONAL Eu acho que eu tenho uns três parafusos soltos na cabeça. Eu trabalhava no Banco da Amazônia, eu era o que nós poderíamos dizer hoje, o gerente. Eu era responsável pela operação noturna do processamento de dados do Banco da Amazônia. Eu entrei em novembro de 1976, fiz concurso coisa e tal. E como eu fazia faculdade o único horário que me restava para trabalhar, porque eu queria fazer estágio durante o dia, era de dez da noite às seis da manhã. Eu ia para faculdade, que começava às seis horas da tarde e saía às dez, onze da noite. Pegava um ônibus do campus universitário e ia para o Banco da Amazônia lá na Praça da República. Descia lá, tomava uma cuia de tacacá, porque o tucupi é um detonante. Esse negócio de Red Bull é conversa fiada, o bom mesmo para bombar é você tomar uma cuia de tucupi. Tucupi quente assim rapaz, olha, é nitro. É nitro. É alguma coisa assim. Então eu tomava aquele tacacá ali, algumas vezes comia um arroz colorido no japonês, que era bem baratinho, e trabalhava de dez da noite às seis da manhã. Ia para casa, dormia, acordava lá pelas 11 horas, tomava um banho, almoçava e ia para o estágio. Aí já não era mais estágio no INSS, o estágio no INSS já tinha acabado. Eu já tinha passado por um estaleiro, depois numa pequena siderúrgica que tem em Belém, chamava Copala, faz só ferro gambiarra, aço pra construção bem vagabundo mesmo, não tem qualidade nenhuma. Hoje eu até nem sei como é que está, não posso nem afirmar isso, mas naquela época era assim. E do estágio eu ia para faculdade. Era assim a minha vida, era esse negócio todo. É um pouco cansativo, mas era bom porque nem todo dia tinha serviço para você fazer até as seis da manhã. Então se desse meia-noite e eu tivesse acabado, eu ia embora para casa. Sexta-feira, por exemplo, como os caixas eram doidos para ir cedo pra casa, porque sexta-feira era dia da cerveja deles, o banco fechava quatro horas. Eles já deixavam tudo preparadinho bem rápido, porque eles sabiam o seguinte, que se tivesse problema iam ser chamados no final de semana. O cara não queria perder o final de semana. Então o trabalho dele da sexta-feira era rigorosamente correto, facilitando o nosso. A gente chegava dez horas às vezes e ia embora para casa meia-noite. Quando eu me formei em julho de 1978 eu disse: “Poxa, eu fiz faculdade para ser engenheiro.” Tinham me prometido ser o gerente da divisão de processamento de dados. Era um negócio legal, eu ia ganhar uma grana boa pra caramba, mas eu ficava pensando: “Poxa, eu sempre quis ser engenheiro, eu vou ser esse negócio aqui? Informática para mim tem que ser uma ferramenta”. Foi bom esse negócio porque nas minhas disciplinas, que tem cálculo pra caramba, eu me apoiava todo na atividade do computador do banco para fazer os meus trabalhos. Então tudo pra mim era computadorizado. Coisa que a gente tem hoje, que todo mundo faz automaticamente, Excel, não sei o que, eu já fazia naquela época para mim. Só que de forma diferente. Aquilo tinha sido bom pra caramba. Aí eu disse: “Sabe de uma coisa? Vou sair desse negócio porque se eu não sair do banco eu não vou procurar área de engenharia”. Aí dia primeiro de novembro de 1978 eu pedi demissão. Meu pai tremeu nas bases. Para você ter uma idéia eu entrei na Petrobras ganhando cinco por cento a menos na carteira do que eu ganhava no banco. Mas eu disse: “Eu vou sair, eu vou fazer esse concurso, eu tenho que passar nesse negócio aí para ser engenheiro”. Belém não tem indústria, pensava: “Vou ser engenheiro mecânico aqui de quê? Engenheiro mecânico de árvore.” “Eu vou estudar e vou passar.” Fui o único que passou. INGRESSO NA PETROBRAS Eu soube do resultado no dia 23, 24 de dezembro mais ou menos. No dia 24 de janeiro, lá pelo dia 20 de janeiro, mandaram me chamar lá na Tapanã: “Aqui tem uma passagem para você”. Quem era o cara? Era o mesmo cara que tinha me mandado embora. “É, está vendo? Não falei que se o senhor tinha feito boa prova era você, não sei o quê...” Era uma passagem, uma diária de hotel e uma grana adiantada. A Petrobras é séria pra caramba em relação a isso, além de todos outros pontos positivos que a companhia tem, eu destaco a seriedade com que ela trabalha para as pessoas que trabalham para ela. Os seus empregados são muito bem tratados. Não é que tenham mordomias, mas são tratados de forma profissional. São respeitados, são privilegiados em termos de incentivar a aprender cada vez mais, a desenvolver coisas novas, a ter criatividade, etc. Eu vim dia 24 de janeiro par o Rio. No dia 25 eu me apresentei na sede do Rio e fui assinar o contrato no dia 25 de janeiro, dia do contracheque. Quase que botaram a gente para fora porque estávamos pedindo contracheque já. Nós éramos 44 para fazer o curso de formação da Petrobras. O curso foi aqui mesmo no Rio no Edifício Serrador, na Praça Mahatma Ghandi. Tinha sido um hotel, depois a Petrobras arrendou aquele negócio, alugou, transformou em salas de aula e tinham diversos cursos lá. Nós ralamos pra caramba. Tinha que estudar todo dia. O curso de formação era de nove meses divido em três períodos de três meses. A cada três meses a gente tinha uma bateria de nove, dez disciplinas. Para arrancar o couro. Se não tivesse nota entre sete, oito, no final do curso era desligado, fazia parte do contrato. Havia um professor da gente que era cruel. Toda segunda-feira tinha prova. Conclusão? Final de semana ficávamos com o rabo preso em casa para estudar, porque era de arrancar o coro a prova. Mas foi bom, não tenho queixa nenhuma. No dia primeiro de novembro de 1978 eu pedi demissão do banco. Eu logo em seguida entrei na Petrobras. Eu era professor da universidade, tinha feito concurso, quando eu acabei em julho, eu fiz concurso para ser professor, fui ensinar projeto de máquinas. Eu estava lá dando aula para os alunos e fazia experiência com os caras, não sei o que, mas era um bando de vagabundo, não queriam nada, era uma molecada filhinho de papai. Aí eu disse: “Eu vou perder tempo com essa cambada de vagabundos? Vou não. Vou largar esse negócio aqui também”. Pedi demissão da universidade também e entrei na Petrobras. Não faria diferente. Não me arrependo nem um pouco do que eu fiz. Nem um pouco. É um casamento que deu certo até hoje. Talvez a viúva esteja até querendo pedir divórcio de mim, não sei. Mas eu não quero pedir divórcio dela. Pelo menos ainda não. Talvez essa tenha sido a única mágoa que o meu pai poderia ter tido de mim, porque no dia que eu embarquei para o Rio de Janeiro eu falei para ele, ele me desejou boa sorte, me abraçou. Muito carinhoso. Tão carinhoso quanto a minha mãe, ele tinha um jeito às vezes até meio grosso de ser, mas ele era extremamente carinhoso, amoroso. E desejando boa sorte, coisa e tal, que Deus abençoasse, eu disse que talvez eu nunca mais voltasse naquela terra para trabalhar. Para visitar com certeza eu ia voltar, mas para trabalhar não. Porque eu não via futuro nas coisas que eu queria fazer. Para mim estava abrindo uma baita de uma porta, tecnologia para o mundo todo. Eu também não imaginava que eu fosse fazer carreira até o final da vida na Petrobras, mas eu sabia que seria um bom período, um período longo em que eu teria oportunidade de crescer, aprender muita coisa e contribuir com a companhia. Mas eu nunca tive a pretensão de voltar, tanto é que meu irmão, que é oriundo da área de perfuração, ele voltou para Belém, ele foi gerente de operações lá na região amazônica, na época chamava superintendente de apoio a operações. Ele fez certa carreira e depois acabou saindo de lá porque não tinha muito o que fazer, aquela região não era promissora naquela ocasião. Mas eu já saí de lá sabendo que eu não voltaria. Eu saí já para realmente fazer carreira fora. TRAJETÓRIA PROFISSIONAL Em função da sua colocação no curso, você escolhe pra onde você vai em função das vagas. Eu fui para Salvador. Foi engraçado, eu fui trabalhar com um sujeito chamado Antônio Silveira, um cara espetacular, ele era mais pai do que gerente. Eu botei carinhosamente o apelido nele de Mandrake, porque ele era a cara daquele personagem de história em quadrinho, o Mandrake. Aquele cabelo, duas entradas, cabelo liso engomado para trás, bigode fininho e sempre bem vestido. Era uma pessoa madura, tinha uns 40 e tantos anos, mas um corpo bem feito, bem conservado. Espetacular. Por sinal, 15 dias atrás, através de outro colega daquela época, fiquei sabendo que o Antônio Silveira faleceu há uns três anos, estava com Parkinson. Esses amigos alemães que a gente vai arrumando pela vida. Ele estava com Parkinson, Alzheimer, essas coisas aí. Aí eu fui trabalhar lá. Eu fui para uma obra que aqui no Rio de Janeiro disseram: “Oh, você vai para lá acompanhar a conclusão de uma obra de um duto.” “Ah, está bom.” Eu cheguei lá e me apresentei e o Antônio Silveira deu uma risada, eu não entendi bem porque, mas quando eu vi a figura assim disse: “Deve ser o Mandrake.” Aí ele disse: “Vamos lá para você conhecer a sua obra”. Entramos no carro, fomos lá em Catu no interior da Bahia. Na Bahia o pessoal da Petrobras dizia, naquela época, o seguinte, que Catu era tão bom que começava com C e terminava com U. Então era isso, Catu. Era desse tamanhinho, você comia comida no capacete, tirava a jugular, comia dentro do capacete, o cara comia com a mão, era uma confusão danada. Nós fomos lá ver o tal do duto. Estava entrando em operação o duto, não tinha nada pra eu fazer lá, aí ele disse: “Mas não te preocupa não que você não vai ficar a ver navios, eu tenho um negócio bom pra você”. Eu vi o que tinha que ver lá, eu estava como visitante, aí comecei a bater fotos, com uma camerazinha daquelas, como era o nome? Depois eu lembro. Era uma que era famosa pra caramba, era super barata e você não errava nunca a foto. Não tinha ajuste nenhum, era só clique, clique, clique. Voltamos para o escritório e ele pegou e me deu um book assim, não era xerox não, naquela época não tinha xerox, era cópia de datilografia, quando datilografavam, datilografavam em cinco vias. Era uma cópia do contrato desse tamanho assim e uma pasta, essas pastas de papelão, não tinha essas espirais não, quer dizer, não existia. Ele falou o seguinte “Oh, faz o seguinte, vai para casa, leva esse negócio, fica dez dias em casa, na outra semana depois dos dez dias úteis você volta para gente conversar, mas leia esse negócio aí”. “No mínimo tem uma mutreta aqui por trás disso. O cara mandou eu ir para casa”. Eu fui, morava bem para caramba lá na Pituba, um apartamentinho gostoso, bacana, bem humilde, mas muito bem conservado, na Rua Maranhão, 138. Eu fui lá, fui ler aquele negócio. Era um contrato para construir uma plataforma. Foi o primeiro trabalho na Petrobras, foi uma delícia aquele negócio. Eu vivia preocupado, arrancando o cabelo. Trabalhava sábado, domingo, feriado, mas era a vontade de aprender, a vontade de aproveitar aquela oportunidade, a vontade de retribuir para a companhia toda aquela oportunidade que ela estava me dando. Bom salário, morar em outro lugar e oportunidade de ter treinamento, de conhecer técnicas, tecnologias, coisas diferentes que a gente tinha visto no curso mas não tinha visto na faculdade. Você via um mundo tecnológico se abrindo ali. Era uma plataforma para construir. Foi meu primeiro trabalho. Eu teria que fiscalizar o contrato que era para construção da plataforma. Chamava-se BAS 37, Bahia Sul 37. Era uma plataforma com um único poço. O nome do poço era o nome da plataforma. Bahia Sul, Bahia Submarino, porque os campos no mar eles chamavam de submarino. Então era Bahia Submarino, mas como ele era no sul da Bahia em frente a Ilhéus, chamava de Bahia Sul também. O campo de Bahia Sul, não tinha nome o campo porque era um poço só, não estava caracterizado como um campo. Tinha um cara lá que trabalhava que se chamava Gesner. Eu não sei se Gesner é vivo até hoje, aposentado com certeza, porque naquela época ele já estava perto de aposentar. O Gesner era o tipo do baiano estrangeiro. Era como se fosse um norueguês, um sueco que tivesse caído na Bahia. Ele era paulista, ele se transformou em baiano quando ele chegou lá. Esse cara era engraçado demais. Ele conhecia toda a vida política da Bahia. Quando ele queria ensinar alguma coisa para gente dentro da Petrobras ele fazia uma metáfora com a política baiana: “Aquele cara que é ministro e não sei o que, não sei o que? Pois é, esse cara aqui é o chefe da divisão, esse aqui é o chefe da seção. Você sabe aquele cara que é secretário não sei o quê? Esse cara aqui...”. TRAJETÓRIA PROFISSIONAL Atualmente, eu sou gerente da implementação de empreendimento do Steam Cracker. Quando nós estudamos química, o professor mostrava lá: “Você pega dois componentes A e B, mistura esses dois componentes, aquece a mistura e aí você obtém dois outros componentes. A mais B, um aquecimento, você tem C mais D. STEAM CRACKER É a mesma coisa você pegar a panela de pressão, botar arroz e água e aquecer. Depois a água desaparece e fica o arroz. Pronto. Nessa reação esse aquecimento nós chamamos de pirólise. Através do aquecimento você quebra as moléculas de um componente e transforma em outro. Então pirólise, piro que é igual a aquecimento e lise que é igual a quebra. O Steam Cracker é exatamente essa pirólise. Quem é que faz o aquecimento? É o vapor. E ele faz o aquecimento pra quê? Para quebrar a cadeia. O Steam Cracker é isso, quebra pelo vapor, craker é igual partição, quebra e o Steam é igual vapor. Você pega os produtos que você vai receber, produtos leves, passa em um forno, esquenta pra caramba em torno de 800 graus e quando você aquece aquela molécula de carbono que tem sete, oito moléculas de carbono ela se quebra em moléculas que têm dois, três e quatro carbonos. Se você não parar essa reação transforma tudo em carbono, tudo em que a gente chama de coque, o carvão do Petróleo a gente chama de coque. Se você não parar essa reação se transforma em coque. O Steam Cracker é isso, você pega a corrente de produtos com “n” moléculas de carbono, aquece com vapor 800 graus, sai quebrando em moléculas de dois, três e quatro átomos de carbono e você com o próprio vapor em outra temperatura, você resfria essa reação de tal forma que ela pare de se transformar e pare de se quebrar. Quais são os produtos que eu estou procurando? São produtos que têm dois, três e quatro átomos de carbono na molécula, que são compostos de etano, propano e butano. Aí depois disso aí eu pego essas misturas dois, três e quatro e deles eu separo o que são os produtos que têm valor petroquímico, que são o eteno, o propeno e o butadieno. São moléculas grandes que entram, não é um petróleo bruto, é um petróleo pré-tratado, ele já passou em outra unidade antes, porque o petróleo bruto ele tem moléculas de 17 átomos de carbono, isso aí é graxa, é um negócio muito pesado, eu não ia conseguir quebrar dentro do forno. Ele já é pré-tratado em outra unidade que não é minha, é de outro colega meu. Esse processo ele já existe há muitos anos, ele é muito conhecido, mas só que para você fazer essa quebra algumas empresas do mundo criaram tecnologias que fazem isso com eficiência. O que é fazer isso com eficiência? É evitar que ao final da reação ainda existam moléculas pesadas que não foram quebradas ou evitar que ao final da reação existam moléculas com um único átomo de carbono que seria quase carvão. Nós não queremos isso. Existe conhecimento tecnológico para você fazer com que tenha eficiência essa reação e no mundo todo existem cinco tecnologias patenteadas para isso. A Petrobras não tem essa tecnologia. A tecnologia que vai ser usada no Comperj foi comprada de uma empresa americana chamada Shaw Stone & Webster. É deles, eles têm unidades dessa pelo mundo todo, têm cerca de 50 unidades dessas instaladas pelo mundo em diversos países e nós estamos comprando tecnologia deles. Aqui no Brasil eles têm uma unidade com essa tecnologia que é na Copesul, lá no Rio Grande do Sul. Eu sou responsável por coordenar, supervisionar, gerenciar a equipe que vai fazer a construção dessa unidade. Essa unidade é muito grande, sabe aquele menino que come pra caramba e que além disso ainda toma calcigenol e come, não pode ver comida na frente que come e fica gordinho assim? Ela é assim a unidade. Ela é avantajada. É uma unidade complexa pela tecnologia e grande pelo tamanho, por causa da capacidade de produção dela. Vai produzir um milhão e trezentas mil tonelada por ano de produtos. Ela é uma unidade bastante grande. Não tem unidade semelhante a essa no Brasil. A Copesul é um terço disso. Ela é uma das maiores unidades que vai ter no mundo, é uma mega unidade, é conhecida como mega unidade e o projeto básico já foi concluído pela Stone e Webster, já foi entregue para Petrobras e hoje nós estamos fazendo o que nós chamamos de pré-detalhamento. O pré-detalhamento é você pegar o projeto básico e detalhá-lo de tal forma que você possa obter informações para poder contratar a construção da unidade. Porque olha só, se eu pegar simplesmente o projeto básico e for ao mercado e dizer assim: “Olha, eu quero construir essa unidade aqui.” Como é uma unidade muito complexa, muito grande as empresas para poderem apresentar propostas de preço, para poder construir a unidade vão levar nove meses, um ano estudando aquilo lá para saber quanto aquilo vai custar. Ao invés de fazer isso o que nós fazemos? Nós pegamos o projeto básico, fazemos um estudo de pré-detalhamento e obtemos algumas características sobre aquela unidade. Obtemos, por exemplo: “Olha, essa unidade vai ter 28 mil toneladas de tubulação. Essa unidade vai ter 300 mil metros cúbicos de concreto. Essa unidade vai ter 30 bombas, vai ter dez compressores...”. A gente tem uma estimativa de quais são os componentes daquela unidade. Com isso fazemos a licitação e nós não vamos simplesmente entregar o projeto básico. Vamos entregar o projeto básico e vamos dizer para as empresas: “Nós já fizemos um estudo e essa unidade tem 28 mil toneladas de tubulação, tem 300 mil metros cúbicos de concreto...”. Com isso as empresas podem oferecer uma proposta baseada em números e também quando passamos essa informação igual para todas elas, elas apresentam propostas de preços baseadas em valores de referências iguais. Se não uma vai achar: “Não, eu encontrei 300 mil metros cúbicos de concreto”. A outra: “Encontrei 450.” Nós já fazemos uma simplificação do processo, faz uma objetividade do processo, para poder obter o melhor resultado financeiro e comercial para a companhia e para o país. COMPERJ / STEAM CRACKER / PROJETO Hoje nós estamos fazendo esse pré-detalhamento. Pegamos esse projeto básico e estamos fazendo o pré-detalhamento com uma empresa do grupo Siemens e, em breve, estaremos indo ao mercado chamando as construtoras nacionais para entregar o projeto básico. Essas características nós estamos levantando durante o pré-detalhamento, para eles poderem elaborar a proposta de preço deles. Esse projeto de detalhamento nós chamamos no linguajar nosso do dia-a-dia de FEED, que é Front End Engineering and Design, ou seja, um projeto avançado de engenharia. Por quê? É um detalhamento que você faz antecipado de algumas coisas para você conhecer melhor a unidade. Trabalhar com essa outra empresa foi tranqüilo. Eu estive lá fazendo algumas visitas de uma semana, mas nós colocamos pessoas nossas, da nossa equipe, residentes, para acompanhar o desenvolvimento do projeto básico. Não existe nada que não tenha problema, a vida é feita de problemas, mas tudo são problemas contornáveis, que se resolvem no dia-a-dia, problemas naturais de um desenvolvimento de um projeto típico. Nada de mais, temos aí um excelente resultado, um projeto básico muito bem feito, e a Petrobras está satisfeita. Estamos caminhando, estamos no cronograma. A previsão é que essa unidade tenha a operação dela concluída no máximo em novembro de 2013, entre maio e novembro de 2013. Por que nós dizemos entre maio e novembro de 2013? Porque daqui até lá com certeza, assim como Deus existe, a gente sabe que vai chover, mas também com certeza nós não sabemos quantos dias vai chover. Então se chover zero dias nós vamos partir em maio, se chover algum determinado número de meses nós vamos partir entre maio e novembro. Se chover muito, aí é problema meu, eu vou ter que correr atrás porque eu vou ter que partir em novembro. Eu tenho essa folgazinha entre maio e novembro, que é perfeitamente aceitável. COMPERJ / STEAM CRACKER / TECNOLOGIA Nós não vamos ter conhecimento suficiente para ter tecnologia própria, mas nós já vamos conhecer bem dessa tecnologia. Já estamos conhecendo, são dois contratos que foram assinados pela Petrobras. Um contrato é para Stone e Webster fazer o projeto básico da unidade e o outro contrato é para ela licenciar o uso da tecnologia. Para a gente poder usar a tecnologia, temos que aprender alguma coisa. Então se nós formos construir uma próxima unidade, com certeza nós vamos comprar de novo da Stone e Webster a licença de uso. Talvez na próxima não precise mais comprar o projeto básico de novo dela, mas está havendo essa transferência de tecnologia, um aporte de conhecimento, é uma coisa nova, é muito interessante, tem muita coisa diferente de tudo que nós já fizemos anteriormente. Um projeto muito bom. COTIDIANO DE TRABALHO Eu tenho uma equipe que trabalha comigo. Eu fiquei quatro meses sozinho, aí depois fui chamando um colega, outro, fui formando gerentes setoriais e depois cada um foi chamando outros colegas para trabalhar, terceirizados também, porque não existe disponibilidade na companhia de um número suficiente de pessoas para formar essa equipe toda. A gente precisa trazer pessoas através de contratos de apoio técnico em que nós contratamos a execução de alguns serviços de fiscalização, serviços de desenvolvimento de documentos, de análises de projeto. Hoje nós somos 41, dessa equipe nós somos em torno de 15 pessoas da Petrobras e 26 que prestam serviços através dos contratos de apoio técnico. Através de uma empresa chamada ATP Engenharia. Devemos no futuro alcançar um número aproximadamente de 180 pessoas. Ainda tem um crescimento e esse vai se dar quando nós formos para Itaboraí, quando começarmos a construção da unidade, quando iremos precisar de mais pessoas para acompanhar a execução do projeto, fazer a fiscalização do contrato, essas coisas todas. Não foi necessário eu desenvolver uma competência especial. Convidei pessoas, alguns com alguma experiência na companhia e outros novos, porque eu gosto de privilegiar esse mix do amadurecimento profissional, para que a gente possa oxigenar, vamos dizer, o gerenciamento, a execução das atividades, através de dois processos. Um processo é você aportando idéias novas de novatos que às vezes pensam de uma forma diferente daquela tradicional que você já está acostumado a fazer. Tem também a oxigenação, vamos dizer, secundária, que vai alimentando os novos com informações que você já conhece da companhia, fazendo com que eles adquiram outra carga de experiência, baseada no conhecimento existente. Nós temos seis gerentes setoriais, desses seis gerentes setoriais nós temos dois com 23, 25 anos de companhia e os outros quatro com uma experiência variando de 4 a 7 anos de companhia. O interessante é que desses gerentes setoriais nenhum tinha sido gerente setorial ainda. Todos são novos porque nós precisamos formar um corpo de gerentes, até porque com 30 anos de companhia eu não posso esperar que eu tenha mais do que cinco, seis, sete anos de contribuição para companhia. Nós vamos ter um processo de renovação, a gente precisa formar essas pessoas. COMPERJ O Comperj é complexo porque ele contempla diversas fases do trato do produto, desde o poço até a obtenção do produto petroquímico, que é o que nós queremos. Por isso é complexo, porque ele realmente passa por todas as etapas. Nós temos uma unidade chamada de primeira geração ou unidade de produtos básicos, que é formada em torno de 30 unidades de processos. Ali você tem unidades que pegam o produto que vem do poço, que é do Campo de Marlim, que é um produto pesado e faz um pré-tratamento nele de tal forma que você obtenha correntes tratadas que servem de alimentação para as unidades como o Steam Cracker e como unidade de FCC, que vão produzir os produtos petroquímicos que são eteno, propeno e butadieno. Além de benzeno, xileno, tolueno, paraxileno, algumas coisas assim. Bom, essa é a unidade de produtos básicos. Esses produtos vão alimentar as unidades que nós chamamos de segunda geração. Isso tudo faz parte do Comperj como um todo: primeira e segunda geração. Essas unidades de segunda geração vão utilizar esses produtos como eteno, propeno, butadieno, para gerar produtos que são da cadeia de transformação petroquímica. Que produtos são esses? Polietileno, polipropileno, PET, PTA e outros mais. O PET é a garrafa plástica de refrigerante, o PTA é aquele produto que você usa em filmes. Polietileno, polipropileno você utiliza para fazer caixinhas de cozinha, aquele filme de PVC que você protege alimentos, fazer painel de veículos, aquelas partes plásticas dos veículos automotores. Isso vai ser o resultado da segunda geração, vai obter esses produtos em pelotas, em grãos. Saindo da fronteira da Petrobras esses produtos em grãos são vendidos em sacas, nós chamamos de Big Bags, as “grandes sacas”, eles são entregues para as indústrias de transformação que são chamadas terceira geração ou de produtos finais. Essas empresas vão ser externas ao Comperj, não são mais um negócio da Petrobras, aí já é a Sanremo, a Plasútil, essas empresas que trabalham com plástico de uma forma geral, que vão pegar esses sacões de Big Bags, com esses produtos em grãos, colocá-los nas máquinas deles e vão fazer garrafa plástica, potinho, filme, painel de carro etc. COMPERJ / TECNOLOGIA De quem é a tecnologia disso tudo? Na primeira geração algumas unidades a tecnologia é do Cenpes, em outras, a tecnologia é da Stone & Webster, outras unidades são de empresas francesas e a alemãs. Tem tecnologia específica para pequenas unidades. Na segunda geração de quem é a tecnologia para poder gerar o polietileno, o polipropileno? Não tem ainda. A Petrobras está buscando no mercado parceiros para investimento e tecnologia, para compor essa segunda geração. E de quem é a tecnologia da terceira geração? Ninguém tem idéia. Cada um dos fabricantes de produtos adquirem tecnologia de alguém. Em geral eles adquirem a máquina de extrusão do produto, quando ele compra a máquina de extrusão ele na realidade está comprando a tecnologia transformada em equipamento. Ele pega aquele Big Bag lá, como os grãos dos produtos, joga na maquininha dele, igual porquinho entrando na máquina, e ao invés de sair lingüiça do outro lado, sai uma garrafinha plástica. Entendeu? Ele já compra a máquina, mas de quem é a tecnologia disso aí? Tem 300 tecnologias no mundo todo. Cada um que é o dono da sua empresa que escolhe em função do investimento que tem capacidade de realizar. COMPERJ / PROCESSOS QUÍMICOS O mundo todo se acostumou a cheirar produtos petroquímicos a partir da nafta. Por quê? Por que chama polietileno? Por que chama polipropileno? O polietileno é formado por moléculas de eteno casada com outra. Ele pega moléculas de eteno, que também é chamada de etileno, e cola uma na outra formando o poli. Ele faz um composto polimérico que é formado por eteno. Então isso é o polietileno. Ué, mas como é que eu faço polietileno? Tendo moléculas de eteno. Então eu tenho que ter moléculas de eteno que são dois átomos de carbono, certo? O que é o polipropileno? São moléculas de propeno, que também é chamado de propileno, que são coladas uma na outra, através do fenômeno da polimerização, de tal forma que você tem um plástico. Então aquilo são moléculas de propeno uma do lado da outra. E o que é o propeno? Moléculas com três átomos de carbono. Eu preciso, para fazer o plástico, de moléculas de dois, três e quatro átomos de carbono, no caso do butadieno, que é usado para outros produtos. E como que eu obtenho moléculas com dois, três e quatro átomos de carbono? Utilizando produtos que me permitam obter dois, três e quatro. Qual é o melhor produto? A nafta, porque ela é uma mistura de produtos leves. Quais são os produtos leves? C dois, C três, C quatro, C cinco, C seis e C sete, não chega ao C oito da gasolina, certo? A nafta ela é o melhor produto porque é facílimo quebrar essa mistura em moléculas de C dois e C três, porque estão muito próximas. Se eu pego uma molécula de C sete e faço duas quebras eu tenho uma molécula de C dois, outra molécula de C dois, outra molécula de C três. Então eu tenho uma de propeno e duas de eteno. É facílimo. Isso no mundo todo é assim, por quê? O cara compra a nafta, ele quer ter um processo simplificado. Mas no Brasil eu não tenho um produto leve porque o meu petróleo é pesado. Eu tenho petróleo com moléculas de C 17, C 18, C 15. Eu tenho que pegar aquela molécula e sair feito Edward Mãos de Tesoura, quebrando aquela molécula em moléculas menores. Aí é que entra a tecnologia do Cenpes. Ele pega esse petróleo pesado de Marlim, enche de tapa essa molécula e quebra em moléculas menores, C cinco, C seis, C sete, e esse C cinco, C seis, C sete ele substitui a nafta entrando no Steam Cracker. Esse produto já entra pré-quebrado no Steam Cracker e aí de lá nós produzimos C dois, C três e C quatro. A partir daí já é uma tecnologia que não é do Cenpes, essa quebra do C dois, C três e C quatro. Sem a tecnologia do Cenpes, lá no início a gente não ia fazer isso tudo, porque lá fora ninguém tem experiência. Aliás, não vou dizer ninguém. Mas é muito pequena a tecnologia para quebra de produtos pesados visando obter produtos leves que se prestem a formação de produtos petroquímicos. Então o mérito do Cenpes é extraordinário. COMPERJ / PARCEIROS INTERNOS O Abastecimento é o nosso cliente. Ele não é aquele cliente típico em que nós estamos acostumados a vislumbrar, de uma pessoa que entra numa loja para comprar uma camisa e sair. Mas ele é um cliente interno nosso, depende do nosso serviço para ter uma unidade que ele vai operar pelos próximos 40, 50 anos. Nós vamos executar o serviço de montar. Ele não tem uma equipe que faça essa montagem, porque não é o negócio dele. O negócio dele é transformar produtos, refinar produtos e gerar produtos petroquímicos. E o nosso negócio na engenharia é justamente tirar do papel e transformar aqueles desenhos que estão no papel em concreto e aço para alguém operar. Assim como a E&P [Exploração e Produção] também é a dona das plataformas, também fazemos isso para eles. O relacionamento com o Abastecimento é muito interessante, muito fácil. Tem algumas oportunidades acontecendo, algumas dificuldades? É explicável. Assim como você entra numa loja e existe certa dificuldade no teu relacionamento com o vendedor... Porque o dono da loja ele precisa retirar o capital que ele empregou, ele precisa ter o lucro dele para poder sobreviver, ele precisa ter a venda, ele tem um preço mínimo pelo qual ele pode vender, ele tem custos que ele tem que pagar para poder honrar os compromissos dele... Ele tem uma expectativa natural. O comprador também. Ele tem a expectativa dele. Ele está entrando ali, ele quer atender aquele desejo de consumo que ele tem, uma camisa, uma calça, um sei lá o que, e tem um determinado capital máximo para empregar naquilo. Você tem estresse de um lado, estresse do outro, e do entendimento de ambos esse estresse vai se transformar em um comércio, um negócio concluído, bom para um e bom para outro. Se não for bom para os dois o cliente não vai mais voltar ou então a loja vai fechar. Então tem que ser bom para os dois. A mesma coisa acontece entre nós e o abastecimento. Ele tem um estresse natural dele lá, ele precisar ter a unidade pronta pra operar, para poder transformar aquilo num negócio para a Petrobras. Tem o estresse natural nosso, nós temos um orçamento, temos prazo a cumprir e nós temos a nossa metodologia de construção. Nesse entendimento dessas diferenças nasce uns estresses que precisam ser resolvidos no dia-a-dia, ao longo do dia e para resolver isso nada melhor do que conversar, procurar o entendimento. Assim como tem o entendimento entre o cara que quer comprar a camisa e o vendedor, tem que ter o entendimento entre nós engenharia e o abastecimento. Essas ocasiões são oportunidades de crescimento para nós e para eles. É muito interessante esse tipo de trabalho, a gente se sente no dever de entender a expectativa dele e buscamos meios de atendê-lo, observando as limitações que nós temos naturalmente, porque também fazemos parte da companhia, temos um diretor que tem as diretrizes da companhia. COMPERJ / HISTÓRICO O Comperj começou pelo abastecimento, em 2004, alguma coisa assim, estudos preliminares etc. Eu vim para engenharia para fazer a obra. A equipe dentro da engenharia que constrói o Comperj, nós chamamos de Iecomperj. TRAJETÓRIA PROFISSIONAL Eu cheguei lá em abril de 2008. Eu tenho um ano e alguns meses. Eu cheguei no início da unidade Steam Cracker, tanto é que quando eu cheguei estava sendo assinado o contrato do projeto básico lá no Estados Unidos, então eu peguei desde o início. COTIDIANO DE TRABALHO Aprendi durante todo o processo boas lições, que vamos repetir, melhorar, se tiver a oportunidade, e temos lições aprendidas que não são boas, que precisamos fazer de outra forma ou melhorar muito obrigatoriamente, não só se tiver a oportunidade. Temos que melhorar. Das boas lições eu destaco a integração. Eu vejo o seguinte, teve um momento que a nossa integração com obras também não era tão boa, havia um estresse de um lado e de outro, não rolava muito fácil, não havia uma aceitação tão boa. Mas com a adoção de alguns procedimentos dos nossos gerentes gerais, no caso o Orlando e depois o Jansen, essa aproximação melhorou muito. Esse entendimento passou a existir. Eu acho que isso é uma ótima lição aprendida. Se você tem bom relacionamento a tendência é o projeto andar bem. Nós podemos aproveitar lições aprendidas do bom relacionamento que existe entre a Iecomperj e o Comperj como uma lição a ser utilizada em outros projetos no futuro. Essa facilidade de entendimento, de conversar, de resolver as coisas. É claro que tem momentos de crise, isso vai haver sempre. Tem crise entre você e o teu filho, tem crise entre você e a tua namorada, tem crise entre você e o vizinho, tem crise você com você mesmo... Mas eu acho que quando os momentos de crise são muitos, alguma coisa está errada. No caso como o Comperj eu digo que hoje os momentos de crise são mais raros e mais fáceis de resolver. É um modelo de entendimento que deve ser levado para outros projetos, é um negócio interessante. Existem lições aprendidas que não são boas, que continuam não sendo boas e que nós vamos precisar sim para outros projetos buscar soluções antecipadas. Por exemplo, a questão da infra-estrutura do Comperj. Como eu não conheço o início do empreendimento, através de entrevistas e conversas, vamos buscando o histórico, mas a toda essa parte localização do Comperj, de entendimento com as prefeituras dos municípios, os acessos através de rio, a facilidade de você chegar lá com grandes equipamentos, a dificuldade de obtenção de energia, de água, de licenciamento ambiental, são coisas que em outros projetos deverão ter uma atenção mais firme da Petrobras. Eu não quero dizer com isso que não foi dada a devida atenção. O que eu estou dizendo o seguinte, para aquele momento talvez tenha sido dada a máxima atenção, mas o que nós estamos constatando hoje é que foi pouco. Teria que ter havido o gasto de mais energia nessa questão da infra-estrutura, porque isso aumenta muito o custo de implementação do projeto, aumenta bastante. Houve motivos para essas decisões? Houve. Não me cabe mais questionar, não quero ser engenheiro de obra pronta. Não me cabe questionar a decisão que foi tomada lá atrás, mas o que me cabe é fazer uma análise crítica nesse momento e dizer: “Olha, para outro projeto vamos investir mais na solução desses problemas, porque isso vai te facilitar e você vai com certeza ter um projeto com melhores resultados”. COMPERJ / DIFICULDADES Eu já ouvi algumas críticas em relação a antecipação que eu fiz na mobilização da minha equipe. Algumas pessoas dizem: “Mas o teu contrato só vai começar ano que vem e você já está com 41 pessoas...”. Olha, eu insisto nisso porque está dando certo. Por quê? Eu estou com a oportunidade desse momento de antecipar problemas que vão acontecer lá na frente. A equipe que está comigo hoje, que vai acompanhar até o final do projeto, já está vislumbrando hoje soluções para problemas lá no futuro. Uma recomendação, uma lição aprendida é: mobilize o máximo da tua equipe o mais cedo que você puder, para as pessoas poderem conhecer antecipadamente os problemas que vão acontecer no futuro, podendo buscar agora as soluções. Porque aí você começa a ter uma oportunidade de escolher dentre uma gama de soluções a mais barata, a melhor. Se você deixa para dar a solução no final, às vezes vai cair na escolha da solução que é mais oportuna, que é a única. Tem “n” coisas que vão acontecer lá na frente que hoje nós já sabemos exatamente como vamos tratar aquilo. Mas por quê? Eu tive a oportunidade de mobilizar uma equipe antecipadamente, uma equipe experiente. Uma equipe que participou de outros projetos e quem tem no sangue a questão de como é um projeto desse porte ou similar e que pode, portanto, buscar, identificar nesse momento problemas que vão acontecer, antecipando soluções. Você consegue com isso um custo de projeto melhor. A gente deve começar o contrato em junho do ano que vem, para terminar em maio de 2013. São 36 meses. O tempo já é curto. Porque esse tipo de unidade tem sido construído lá fora em 42 meses. Nós já estamos partindo do prejuízo. O trabalho que nós estamos fazendo é justamente identificar quais são as rotas tecnológicas que temos que determinar no contrato. As contratadas vão ter que adotar para que nós tenhamos maior produtividade, maior eficiência, menor perda, inclusive em relação a variáveis que nós não dominamos, que é chuva e raio. Eu não consigo desligar e ligar o interruptor da vontade de São Pedro. Eu tenho que pensar como é que eu vou fazer. Eu tenho que antecipar serviços que são impactados fortemente por chuvas. Tudo aquilo que for relacionado com solo, escavação, eu tenho que planejar para fazer numa época que não tenha chuva. Eu tenho que antecipar isso. É preciso fazer o projeto de construção de tal forma que se possa construir parte das unidades dentro de galpões, dentro de fábricas, de oficinas, de tal forma que pode estar chovendo canivete lá fora eu estou trabalhando aqui dentro, eu não estou perdendo tempo. E eu levo essas partes em módulos lá para fora e perco menos tempo montando. São técnicas que nós estamos estudando. Aí passa técnica de modularização, esquides, padronização de tubulações, de equipamentos, de sistemas, simplificação de processos etc. Hoje, nós estamos estudando e desenvolvendo para obter o resultado final que o abastecimento espera. Nós entendemos o seguinte, que devemos buscar o que eles esperam, atender as expectativas deles, porque são eles que vão transformar essa unidade em negócio, que vai gerar resultado para a companhia, que é para quem nós trabalhamos ao final. Sou empregado da companhia, tenho meu crachazinho verde, eu devo fidelidade, vou buscar esses resultados. MEMÓRIA PETROBRAS Achei excelente o programa. Excelente. Outro dia, já faz seis meses, o Alexandre esteve lá comigo no escritório e eu comentei com ele que eu tenho um projeto que eu não desisti ainda, apesar da dificuldade, que é fazer o registro da construção pelo Discovery ou pelo History Channel. Mas fazer um registro voltado para o aspecto tecnológico, não o aspecto empresarial. Qual foi a dificuldade que houve pra colocar essa torre no lugar, qual foi a dificuldade que houve para trazer através da Baía de Guanabara os equipamentos para cá, qual foi a dificuldade que eu tive pra içar essa torre aqui, uma torre gigante que pesa duas mil toneladas, isto é, um documentário sobre a tecnologia empregada. Eu tenho esse projeto, nós conversamos bastante sobre isso. Eu sou extremamente favorável porque o registro ajuda no processo de transferência do conhecimento. Hoje eu tenho ações da companhia, mas eu não posso me colocar na seguinte situação: “Eu tenho ações porque eu estou na companhia, eu busco resultados para companhia e estou tendo resultados, minha ação está valorizando”. Amanhã quando eu sair pode ficar um bocado de pessoas que não vão ter tanta competência e eu vou ver as minhas ações caírem. Não é isso que eu quero. Eu quero ter ações pelo resto da minha vida e quero que cada vez mais ela se valorize. E ela se valorizar passa por ter melhores resultados. Ter melhores resultados passa por você desempenhar a tua atividade profissional de forma melhor. Para você fazer isso tem que adquirir conhecimento, porque se eu adquiri conhecimento ao longo desses 30 anos de casamento com a Petrobras, por que eu não posso transferir isso para os outros? Eu sou fã disso. Talvez até por uma veia de educador que eu tenha lá do início da minha vida. Por exemplo, eu registro todas as minhas obras. Tudo que eu fiz na Petrobras até hoje eu tenho fotos. Tenho fotos de tudo. Tenho um acervo grande, eu estou estimando, não consigo contabilizar, eu precisaria fazer um trabalhinho para contabilizar, mas deve estar entre seis e sete mil fotos. Inclusive as de mídia fotográfica de papel em que eu fui escaneando ao longo do tempo. Mantive a fotografia porque elas ainda estão viáveis, mas eu escaneei para ter tanto em meio digital como também uma forma de perpetuá-las por um tempo mais longo. Mas eu acho que é importante, porque é a partir disso que às vezes você vai lá no passado, pega uma foto e diz: “Putz, olha, eu fiz dessa forma aqui, foi bom pra caramba”. Por que eu não posso fazer alguma coisa análoga a essa aqui? Por que eu não posso tentar ter um procedimento similar? Isso me deu um bom resultado. Quem sabe eu tenha até um resultado melhor agora se eu até otimizar o que eu fiz. “Isso aqui não deu certo. Nisso aqui a estrutura falhou, nisso aqui deu defeito, deu errado, gastei dinheiro pra caramba desnecessariamente. Vamos pegar isso aqui e buscar outra alternativa? Entendeu? Então esse projeto é importante demais. Até porque a Petrobras está vindo aí com projetos semelhantes ao Comperj, Premium 1, Premium 2. E vão ter outros aí. Não vai ter Premium três, não sei, mas vai ter refinaria quatro, cinco, seis... plataforma isso, plataforma aquilo. Eu quero que chegue na semi sub, na P80, P90, P220. Tem que pegar esse negócio e ir passando para os outros. Eu acho que é importante, eu apóio totalmente.
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