Projeto: Indígenas Pela Terra e Pela Vida
Entrevista de Vandete Senna
Entrevistada por Amós Ferreira dos Santos e Nívea Maria Conceição
Entrevista concedida via Zoom (Santa Cruz Cabrália e Prado), 09/02/2023.
Realizada por Museu da Pessoa
Entrevista n.º: ARMIND_HV040
Transcrita por Mônica Alves
P/1 – Qual o seu nome?
R – Vandete Senna Brás.
P/1 – Qual o seu nome indígena?
R – Wturana.
P/1 – Você sabe como foi escolhido esses nomes?
R – Foi o meu pai e a minha mãe. Quando eu nasci, sendo a filha mais velha, eles escolheram esse nome. Wturana quer dizer dó. Aí eles acharam bonito e colocaram em mim, Wturana.
P/1 – Qual é o seu povo? Que povo você pertence?
R – Pataxó.
P/1 – Dona Vandete, qual a cidade que você nasceu?
R – Barra Velha. Nasci em Barra Velha e fiquei lá uns 10 anos. Aí a minha mãe ganhou sete filhos, comigo. Aí com os sete filhos que a minha mãe tinha, o meu pai morreu. Aí eu fiquei, sendo eu a mais velha, responsável por criar os meus irmãos. Daí para cá, assim, direto eu trabalhando, trabalhando para criar os meus irmãos, meus 6 irmãos, são 7 comigo. Aí eu fazia de tudo. Eu nasci lá em Barra velha, eu não tive infância, de brincar, porque meu pai morreu muito novo e a minha mãe ficou com sete filhos. Aí que ficou responsável para trabalhar, para dar tudo aos meus irmãos, foi eu. Por isso eu não estudei, não sei ler, através disso. Só trabalhava mesmo para criar os meus irmãos.
P/2 – Dona Vandete, contaram para senhora como foi o dia do seu nascimento?
R – Eu… ah, o dia que eu nasci?
P/2 – Isso. O dia como que foi?
R – A data que eu nasci foi em 27 de novembro de 61.
P/1 – Como é que foi esse momento? Sua mãe, ela conta para você como é que foi a sua chegada?
R – Eu nasci lá na...
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Entrevista de Vandete Senna
Entrevistada por Amós Ferreira dos Santos e Nívea Maria Conceição
Entrevista concedida via Zoom (Santa Cruz Cabrália e Prado), 09/02/2023.
Realizada por Museu da Pessoa
Entrevista n.º: ARMIND_HV040
Transcrita por Mônica Alves
P/1 – Qual o seu nome?
R – Vandete Senna Brás.
P/1 – Qual o seu nome indígena?
R – Wturana.
P/1 – Você sabe como foi escolhido esses nomes?
R – Foi o meu pai e a minha mãe. Quando eu nasci, sendo a filha mais velha, eles escolheram esse nome. Wturana quer dizer dó. Aí eles acharam bonito e colocaram em mim, Wturana.
P/1 – Qual é o seu povo? Que povo você pertence?
R – Pataxó.
P/1 – Dona Vandete, qual a cidade que você nasceu?
R – Barra Velha. Nasci em Barra Velha e fiquei lá uns 10 anos. Aí a minha mãe ganhou sete filhos, comigo. Aí com os sete filhos que a minha mãe tinha, o meu pai morreu. Aí eu fiquei, sendo eu a mais velha, responsável por criar os meus irmãos. Daí para cá, assim, direto eu trabalhando, trabalhando para criar os meus irmãos, meus 6 irmãos, são 7 comigo. Aí eu fazia de tudo. Eu nasci lá em Barra velha, eu não tive infância, de brincar, porque meu pai morreu muito novo e a minha mãe ficou com sete filhos. Aí que ficou responsável para trabalhar, para dar tudo aos meus irmãos, foi eu. Por isso eu não estudei, não sei ler, através disso. Só trabalhava mesmo para criar os meus irmãos.
P/2 – Dona Vandete, contaram para senhora como foi o dia do seu nascimento?
R – Eu… ah, o dia que eu nasci?
P/2 – Isso. O dia como que foi?
R – A data que eu nasci foi em 27 de novembro de 61.
P/1 – Como é que foi esse momento? Sua mãe, ela conta para você como é que foi a sua chegada?
R – Eu nasci lá na roça, lá em Barra Velha, lá como eu falei, no Campo do Boi. Era assim, de parteira, né. A minha mãe me ganhou, ela falou que o nome da minha avó que me pegou, porque naquele tempo chamava… aí meu Deus do céu, esqueci o nome da velhinha que me pegou. Acho que o irmão aí sabe, conhece. Era o pessoal de… ai Jesus! Saiu da minha lembrança agora. Mas eu nasci assim, lá naquele tempo de 61, lá em Barra Velha, imagina como era aquele tempo! Sabe, né? Só o índio conhece a situação da gente naquele tempo lá, em Barra Velha. A minha mãe conta para mim, que a minha banheira, irmã, foi uma candonga de patí, não tinha outra coisa. Cheguei assim, já usando as coisas originais, né. A candonga do patí, a minha banheira, você acredita? O nome da mulher que me pegou eu lembrei, é… esqueci de novo (risos). Depois eu falo o nome dela. É conhecida ela, acho que o irmão conhece o pessoal lá. Ela era de lá, muito conhecida lá, era a parteira de lá.
P/2 – Tá certo. É o nome do seu pai? Do pai da senhora?
R – Meu pai se chama, Bonifácio Brás Ferreira.
P/2 – É da família dos Ferreira e da família dos Brás.
R – Brás..
P/2 – Ah, tá. A senhora sabe como que o pai da senhora e a mãe da senhora se conheceram? Como eles se conheceram?
R – É uma história assim, de muito tempo, porque a minha mãe, ela… na verdade, esse Senna foi da… não é nosso, foi da época daquele massacre de 51. A minha avó, acho que até você conhece, Benicia, saiu correndo com a minha mãe e Maria Coruja que é a minha tia, aí quando ela correu, aí entregou a minha mãe e a minha tia para uma mulher branca lá criar. Morava no Prado. Essa mulher que criou a minha mãe, por isso que eu tenho esse Senna. Mas na verdade, eles pensaram que minha mãe… é que morreu tanta gente naquele tempo, pensaram que a minha mãe tinha morrido, a minha avó tinha morrido. Aí ela pegou e registrou a minha mãe com esse Senna, mas o Senna não é mesmo nosso. Aí como ela pensou que a minha mãe tinha morrido, ela registrou a minha mãe com o Senna. Aí passaram muitos dias… muito tempo, ela descobriu que a minha avó estava viva. Aí a minha mãe conheceu a minha avó. Aí veio para onde a minha mãe. Aí conheceu o meu pai em Barra Velha e casou.
P/2 – A senhora falou sobre o massacre de 51, que foi naquele tempo. Como foi isso, assim, a senhora nasceu em 1961, não foi isso que a senhora falou?
R – Foi. O meu pai que ___________.
P/2 – Aí foi bem depois, uns 10 anos depois do massacre. Como que foi, a senhora nascer, na infância da senhora esse momento aí depois desse massacre? Eu acredito que foi difícil, né? A senhora pode falar um pouco?
R – É, foi difícil. Como eu estou falando, todo mundo… quando chegou algum para aquele lugar, lá de cima, do Campo do Boi, aí o meu avô e a minha avó voltaram né, para aquele lugar. Mas eu não tive muita infância não. Como que estou falando. Aí eu fiquei de 10 anos, o meu pai morreu, aí minha infância foi assim, de trabalhar mesmo. Trabalhar na roça né, trabalhando de tudo.
P/1 – A senhora tem quantos irmãos?
R – Eu tenho sete irmãos. Sete não, seis, sete é comigo. Do meu pai. Mas todos os meus irmãos… a minha mãe casou depois, tenho onze comigo.
P/2 – E a senhora gostava de ouvir histórias no tempo de criança?
R – Gostava de história. Meu avô contava muita história para a gente. O meu avô, minha avó, o meu pai, contavam muita história para a gente.
P/2 – Assim, a senhora lembra de alguma dessas histórias que a senhora ouvia nesses tempos de criança? Se quiser contar uma…
R – Ah, meu avô contava cada história! Eu não sei se é verdade, né. (risos) Mas eu vou contar uma história para a gente. Ele contou que uma vez, lá, ele morava em um… história mesmo… contou que um… que o meu avô, meu bisavô chamava Manuel, aí ele brigando com uma onça, moço, quando começou assim, umas oito horas… sete horas, que ele foi ver os mundéus, tocou essa onça, brigou com essa onça. Quando foi umas 2 horas de briga, assim, quando foi assim, umas 10 horas mais ou menos, nem a onça venceu o meu avô, e nem o meu avô venceu a onça. Aí ele disse que correu para lá e pra cá. Você acredita que depois que acabou essa história dessa briga, meu avô olhou para trás, tinha 10 tarefas de mato roçado, que ele roçou brigando?! Olha que história bonita, né. Eu tenho na lembrança até hoje que o meu avô contava.
P/2 – (Risos) Bacana, bacana.
P/1 – Vó, quais são os conhecimentos que a sua família passou para você? A senhora aprendeu a fazer artesanato, o que eles conseguiram passar para você ao longo desse tempo?
R – Meu avô... meu pai morreu e meu avô ficou né. Meu avô ensinou a gente a trabalhar, meu avô ensinou a gente andar assim, direito, não andar… meu avô falava comigo: “Oh, minha filha. Você tem que andar direito, não responder os mais velhos, respeitar, nunca andar pegando as coisas dos outros”. Tudo isso minha avó me ensinava. Até hoje eu estou nisso, minha avó me ensinava. O respeito dos irmãos, todo mundo. Jamais vou desrespeitar minha avó. Minha mãe me ensinou tudo isso.
P/1 – Quais são as lembranças que a senhora tem do tempo de criança? Na sua infância, o que mais marcou a senhora, assim, que você mais lembra?
R – Que nem eu falei, que isso de brincar, assim, quase eu não tive, né. Mas a gente gostava muito de brincar de cantar roda. Eu achava bonito um bocado de gente, juntava assim, tem as pessoas mais velhas, assim, juntava, fazia uma fogueira no terreiro e cantava a roda. O que me marcou mesmo, era… até hoje eu tenho lembrança das meninas do meu tamanho. Até os mais velhos mesmo, a gente brincava à roda. E eu tenho lembrança hoje, não existe mais aquele tempo de tá brincando. A criança hoje não brinca mais de roda. Antigamente, eu brinquei muito de roda e me marca muito às brincadeiras.
P/2 – Dona Vandete, e assim, onde a senhora cresceu, a casa onde a senhora cresceu, como que era? A senhora lembra como era a casa?
R – Lembro. A minha casa era varada, sabe, né? Batida no barro de tirar cobertura de palha de ouricana. Minha casa era assim, barreada. De taipa, como falam.
P/2 – Era grande?
R- Grande! Meu avô sempre gostava de fazer umas casas grandes. Na verdade, eu morei em casa coberta de palha de ouricana, palmeira, sapé, marimbu. Até o meu avô fez uma casa para nós, um barraco para nós, coberto de patioba e ao redor assim, era de palmeira. Aquelas folhas de palmeira, folhas de naiá. Já morei em casa de tudo quanto é jeito, eu já morei. Naquele tempo lá em Barra Velha, nós morávamos em casas assim, a construção era essa.
P/3 – Dona Vandete, a senhora falou que brincava de roda, né? Faziam as rodas. A senhora lembra de alguma música dessa época para cantar?
R – Ah eu lembro, lembro!
P/3 – Canta uma.
R – A minha avó cantava assim: “Peneirou, peneira peneirou no mar. Peneirou, peneira peneirou, peneirou lá”. Minha avó cantava e os netos todos juntos, cantando. Aí nesse mês, a roda que cantava, jogava versos também. Minha avó e todo mundo, a gente no meio ali brincando. Era muito divertido aquele tempo que a gente morava lá na roça.
P/3 – A senhora lembra de algum verso?
R – Deixa eu ver… o verso que a minha avó contava, que eu me lembro… ela cantava, peneira, peneirou lá. Aí falava assim: "Peneirou, peneira peneirou no mar. Peneirou, peneira peneirou, peneirou lá”. Aí falava assim: “O pé de açucena vai pegar…”. Esqueci agora como é que é. Sei que ela dizia uns versos todinhos. Mas tem outros né, que ela cantava. Aí começava a cantar, “Peneirou, peneirou lá” e um jogava um verso, outro jogava outro.
P/2 – E sobre… a senhora falou que começou a trabalhar cedo, não foi?
R – Foi.
P/2 – Com uns 10 anos a senhora já trabalhava na roça. Aí os pais da senhora plantavam o que assim, lá na roça? Vocês faziam o quê?
R – Eles plantavam as mandíbulas, feijão, milho… eles plantavam era essas coisas, cana…
P/2 – A senhora pegava marisco no mar?
R – Pegava. Eu ia para as pedras, que nem eu falei que eu trabalhava e procurava o alimento para os meus irmãos. Pegava ouriço, polvo, pescava no mangue, pescava no rio, tudo eu fiz. Na idade de 10 até 14 anos eu fazia isso tudo.
P/3 – Nessa época vó, nessa época vocês viviam muito da troca? Como era isso?
R – A gente lá em Barra Velha pegava… fazia farinha e levava no Corumbau para trocar por peixe, peixe e as coisas que faltavam. Levava um animal para lá e trocava por peixe, tinha vez que trocava por caranguejo… o que tinha na roça, às vezes era aipim, limão, abacaxi, essas coisas. Levava tudo e trocava por peixe.
P/3 – Dona Vandete, a senhora disse que pegava marisco né, outros frutos do mar, a senhora lembra de alguma história marcante assim, que aconteceu? Alguma passagem que a senhora lembra até hoje?
R – Lembro.
P/3 – Conta pra gente uma que foi marcante.
R – Marcante é que a gente ia nas pedras, pegava os mariscos. Chegava em casa, a minha mãe estava lá né, com o caldeirãozinho dela assim, no fogo, no ganchinho de lá, e colocava no bloco e fazia… e colocava lenha. Aí quando eu vinha de lá, que marcava mais, que até hoje eu me lembro, é quando eu chegava com esses mariscos. minha mãe já estava lá esperando com os meus irmãos todos pequenos, olha, sete filhos que o meu pai deixou. Eu sendo a mais velha, com 10 anos para 11 anos, que cuidava dos outros. Minha mãe era, era não, ela é viva até hoje, ela é uma índia daquelas que ela não sabia pegar um marisco. Ela só cuidava mesmo dos pitocos dela. Aí quando eu saía para procurar, quando eu voltava, que até hoje eu me lembro, é que minha mãe já estava esperando com o caldeirãozinho dela no fogo, esperando já com as coisas para aprontar para a gente comer.
P/3 – E teve alguma vez, a senhora ali pegando marisco, que aconteceu alguma coisa assim, que foi ou difícil, uma aventura, uma coisa engraçada? Aconteceu?
R – De eu ir pegar o peixe? Uma vez a gente foi pescar no rio, né. Aí na hora que a gente estava pescando em uma canoa, era eu e uma tia minha, a gente pescando, difícil. Aí na hora que a gente foi pescar, uma aventura mesmo que a gente foi, lá a gente estava com uns peixes, quando a gente vem de lá para cá, eu era criança, a gente brincando, a canoa virou, aí nós perdemos nossos peixes todos e voltamos para casa de mãos abanando, perdemos o peixe. Nesse dia nós não almoçamos, pois perdemos (risos).
P/1 – E quais foram as regiões que vocês já passaram, moraram, que marcaram a vida de vocês?
R – Nós, depois que o meu pai morreu, a minha mãe com esse tanto de filhos, a gente morava na casa de parentes, morava na casa de outro, né. Aí tem muito a… os meus tios, os irmãos de mãe, tem a minha tia Maria Coruja que arrumou a casa para nós morarmos. Tia Jabel também, que é irmã da minha mãe. A gente andou assim né, sem pai, só. A mais velha era eu, e minha mãe. Vivíamos morando em um canto, morava na casa de um irmão, de mãe, morava na casa de outro. Então foi mesmo pelo milagre do senhor que nós chegamos até aqui. Para eu chegar até aqui e falar com vocês é um milagre de Deus, né.
P/1 – A senhora morou em Barra Velha?
R – Morei em Barra Velha, morei no Trevo do Parque, lá onde minha mãe mora. E passei uns tempos na Imbiriba, na aldeia da Imbiriba e daí nós fomos andando assim, né.
P/1 – Aí a senhora casou?
R – Aí eu conheci o meu esposo. E nesse tempo eu casei muito nova, casei com 15 anos, graças a Deus estou até hoje. Casei com 15 anos, tenho nove filhos. Sou bastante, um pouquinho velha. Tenho nove filhos e 22 netos. Inclusive a Nívea Maria é a mais velha, e cinco bisneto eu já tenho, graças a Deus.
P/2 – Dona Vandete, a senhora já foi liderança, ou é liderança, assim, na comunidade?
R – Não. Nunca fui não, liderança não. Nunca.
P/2 – Não? Ah, tá. Eu queria perguntar sobre o tempo de criança da senhora ainda, né? Se naquele tempo a senhora tinha contato assim, com algum, tipo assim, com televisão, com música, rádio, essas coisas? Se a senhora tinha contato ou se era mais… tinha energia lá onde a senhora morava, energia elétrica? Ou ainda não tinha?
R – No tempo de criança não tinha.
P/2 – Nas proximidades? Era mesmo, né.
R – Não tinha televisão, não tinha rádio, não tinha energia. Era o candeeiro, a energia era o candieiro.
P/2 – O pai da senhora, ele caçava, assim, nas matas?
R – Caçava. Caçava e pescava. Por isso que eu aprendi com ele, né. Pescar, caçar que eu caçava, mas pescar eu pescava.
P/2 – E sobre… assim, se tinha alguma comida, né. Porque eu sei que com certeza, sempre tem uma comida assim na infância, que a gente sempre gosta e lembra. Queria saber da senhora, se a senhora lembra de alguma comida especial que marcou a infância da senhora?
R – Tem. Até hoje eu faço isso e como na minha casa. É o peixe na patioba. Até hoje eu como e gosto.
P/2 – Ah, é bom demais.
P/3 – E como é que faz esse peixe? Como ele é feito? Conta um pouquinho?
R – Na patioba, é tratar o peixe, passa o sal, não tem tempero nenhum, só o sal mesmo e passar a patioba assim, no fogo, aí joga o peixinho dentro, amarra e bota no fogo que assa. Nem precisa tempero nenhum, fica gostoso mesmo. Com uma farinhazinha de puba, eita! Por isso que eu sou assim oh, fortinha (risos).
P/1 – Vó, você falou que teve nove filhos. Quais são os nomes dos seus filhos? Qual o significado? Se tem uma história por trás desses nomes, conta pra nós?
R – Eu tenho nove filhos. O meu filho mais velho, é o pai dela, né. O Railson. Mas da vez que ele se formou, o diretor da escola falou que, Railson Brás quer dizer… a história assim, que ele falou, que é sabedoria, né. Sabedoria, mas até aí eu não sabia, foi o professor que falou.
P/1 – E os outros filhos?
R – Os nomes, são encostados a Rilson, Irailde, Irene, Tiaguraí, Iraí, Jinaiá, Graciele, José Junior e Daniele. Nove, tudo criado com peixe na patioba.
P/1 – E a maternidade foi como? Foi parto de parteira, foi no hospital? Como é que foi?
R – Não. Foi de parteira mesmo. A minha sogra, a minha sogra que pegava os meus filhos,
P/1 – E hoje, como é que está a família? Quais são os momentos de lazer dentro da comunidade? Como é que tá hoje todo mundo?
R – Hoje graças a Deus é diferente, né. Lá no meu tempo de criança em Barra Velha. __________ saiu andando sim. Que nem eu te falei, casei, aí os meus irmãos cresceram todos também. Aí eu saí, casei e saí. Aí nós moramos tanto aqui em Barra Velha. Nós fomos morar em Barra Velha, como eu estou te falando, quando eu casei, ficamos em Barra Velha morando. Daí de Barra Velha eu vim para cá, para Coroa Vermelha, em 79 eu cheguei em Coroa Vermelha. Só tinha um filho, que é o pai dela, que eu tive ele lá em Barra Velha e aqui eu ganhei os outros.
P/1 – Tinha quantas famílias aqui no território de Coroa Vermelha, quando você chegou?
R – Rapaz, eu não tenho nem lembrança não. Mas as famílias mesmo que eu encontrei aqui, que já estavam morando aqui, é a família de Itambé, família de Chico índio, que a esposa de Chico índio é minha prima. Tinha mais, né. Muitos desses voltaram para Barra Velha de novo. Aí eu tô aqui até hoje. Eu e os meus outros filhos aqui, estamos aqui. Meus filhos cresceram aqui, graças a Deus.
P/2 – Dona Vandete, a senhora estudou, frequentou alguma escola?
R – Não, não estudei. Não estudei não. Você acredita que agora que eu quero estudar?
P/2 – Bacana.
R – Eu não estudei não. Naquele tempo que eu estou falando era difícil, né. Aí eu não estudei. E depois casei, veio os filhos, esse tanto de filho, como é que eu ia estudar, filho de Deus? Tomar conta desses filhos todos. Não estudei.
P/3 – Posso perguntar? Dona Vandete, lá em Barra Velha, era uma comunidade quando a senhora chegou lá, ou foi se formando? Ou já tinha bastante gente morando?
R – Quando eu nasci, lá já tinha bastante gente morando. Meu avô falava para mim que Barra Velha foi essas primeiras famílias; eram Brás, Ferreira, parece… Conceição e Nascimento, parece, que eu me lembro. O meu avô falava para mim das primeiras famílias de Barra Velha. Então na que eu tô falando que é Brás e Ferreira, na verdade eu sou uma de lá, né. Das primeiras.
P/3 – O que ele contava, dona Vandete? Desse começo, assim, dessas famílias lá? Como elas chegaram, ele contava sobre isso?
R – Ele não chegou a contar para mim, não. Mas eles são de lá mesmo, meu avô e minha avó. Falou como eles chegaram lá, né?
P/3 – E quando a senhora ficou lá, até o tempo que a senhora ficou lá, tinha além das rodas que vocês faziam, tinham outros costumes da cultura?
R – Tinha.
P/3 – Conta pra gente um pouco.
R – Tem até hoje. O que eles fazem ainda, são as festas do Divino, a festa da Nossa Senhora da Conceição, o São Benedito, que eles cantam a marujada. Até hoje tem lá. No dia de São Benedito, né. São Sebastião que é no dia 20 de janeiro e no dia 06 de janeiro tem a brincadeira das caretas, aquele negócio que eles fazem ainda. Até hoje tem.
P/1 – Oh, vó. Você me falou outro dia, que em Barra Velha eles não faziam artesanato, né? Como que era isso? Como foi que aconteceu, a partir de que momento eles começaram a fazer artesanato?
R – Eu me lembro que nós só vivíamos de… meu pai mais o meu avô viviam só de caça e pesca e a roça. Eu me lembro assim um pouco que, da vez que tinha um chefe da FUNAI, naquele tempo pra lá, parece que chamava Tatutim, que chegou pra lá e ensinou os índios a fazerem artesanato. Foi daí que teve esses artesanatos. Faziam um colar, faziam um negocinho. O meu pai antes, já sabia fazer uma flecha, meu pai sabia fazer. Agora esses outros artesanatos de hoje, aí eles foram aprendendo.
P/2 – E a senhora falou que também sabe fazer algumas coisas. A senhora aprendeu com quem?
R – Eu já aprendi com minha mãe, com o meu pai. Desses cocares aqui eu não sei não, mas não tem aquelas coroinhas, aquelas de peninhas? Eu faço. Eu faço ________, o colar, a __________, não sei muita coisa. Só não sei fazer mesmo é a feiticeira, que é ___________.
P/3 – A senhora falou, dona Vandete, que foi o pessoal da FUNAI que acabou ensinando novamente o artesanato. Mas eles eram indígenas?
R – Não era não. É que eles já sabiam de fora, eles trabalhavam em outras aldeias pra lá, aí eles vieram. Aí os índios não sabiam fazer esse tipo de artesanato, aí eles já ensinaram os índios daí, aí da Barra Velha.
P/3 – A senhora também disse, dona Vandete, que tem as festas do Divino e essas outras festas. Como é que eles aprenderam, como é que eles começaram a realizar essas festas, porque também não são indígenas, né?
P/2 – Dona Vandete, a gente estava falando sobre a infância da senhora, sobre lá em Barra velha, como era, né? E aí a senhora falou sobre as festas que aconteciam, né? Padroeiro e tudo. A senhora lembra, pode contar para a gente sobre os festejos culturais, assim, o ________, como era?
R – É, o índio dançava o toré, o _________, todo mundo dançava, né. Neste meio das festas aí que eu te falei, da festa do __________ e tudo, os índios brincavam do toré também…
P/2 – Era misturado?
R – Todo dia 20, dia 08 de dezembro era tudo festa. No dia de domingo mesmo, todo mundo ia para as festas. Faz ali um cauim, a gente tomar um cauim, o beiju, na festa do índio, lá.
P/2 – Todo mundo vestia os adereços, os trajes?
R – É. Vestia os adereços, os trajes, cocar e todo mundo amanhecia o dia. Os índios amanheciam o dia no pé da fogueira, tomando cauim e dançando toré. Até hoje tem ainda, lá. Até hoje.
P/2 – Bacana.
P/3 – Dona Vandete, a senhora observa a diferença do que os participantes indígenas gostam mais do que festa? A senhora percebe alguma diferença, assim, do envolvimento deles no tipo de festa?
R – Hoje a diferença?
P/3 – É. A senhora falou do Divino, a senhora falou de Reis, a senhora falou dessas festas e falou também de origem, as festas de origem indígenas. A senhora acha que as pessoas participam igual ou gostam mais de uma ou de outra?
R – Eles participam igual… eles gostam mesmo, mais é da festa do índio mesmo, da nossa festa, do toré mesmo.
P/1 – E o que acontece na festa, no dia cultural? O que acontece? Fala pra gente.
R – No dia cultural a gente faz… até hoje tem, né. [áudio falhou]. Mas cada um faz, que nem eu estava falando, faz o cauim, uma moqueca de peixe, outro leva um caranguejo, um aipim, um beiju. Tudo leva para comer lá. Todo mundo dançando lá e…
P/1 – E tem brincadeiras?
R – Tem brincadeiras.
P/1 – Quais são as brincadeiras tradicionais?
R – As brincadeiras da noite cultural são… o pessoal canta o toré e ainda tem eles dançando… o mesmo toré com os outros, assim, essas brincadeiras de dançar mesmo. Até hoje tem. É corrida de maracá, bate ou não cai, luta corporal, assim, todo mundo brinca hoje.
P/3 – E se todos gostam mais dessa festa, a senhora acha que não têm mais vezes, por que? Só no dia cultural?
R – Tem umas aldeias, uns parentes aqui de perto que todo sábado faz. Todo sábado tem. E vai até de madrugada eles cantando e dançando. É muito divertido. Eu vou lá mesmo só para comer, porque o meu joelho é doído (risos). Não posso dançar, eu vou lá mesmo é para comer as coisas, beber cauim.
P/1 – Vó, qual foi a situação que mais marcou a sua vida enquanto indígena, morando aqui nesse território que mais mata? O que mais marcou a sua vida, assim, que você pode contar pra gente?
R – Assim, de tudo? De dificuldade e de tudo?
P/1 – É.
R – Quando a gente chegou em Coroa Vermelha, que eu falei, tinha mais gente, eu não me lembro o tanto, mas tinham esses moradores que eu falei que moravam aqui. Aqui não tinha mercado, aqui não tinha uma venda, não tinha onde vender as coisas. A gente ia… com o meu esposo, com os netos (35:39), ia lá na Cabrália comprar as coisas. O único lugar que tinha onde comprar era lá. Todas as coisas que tinha que comprar era lá. Aí ninguém tinha barco, ninguém tinha canoa. Quando a gente veio, o meu esposo tinha uma canoa lá em Barra Velha, que ele pescava e trouxe. E quando ele chegou aqui, ele pescava, chegava com peixe e eu dividia com todo mundo. Os peixes que pegava e dividia para todo mundo, porque os irmãos não tinham. Depois, quando foi crescendo, a comunidade foi crescendo e aí que os irmãos conseguiram um barco de pesca. Mas antigamente não tinha. E aqui carro, que vinha aqui, acho que vocês se lembram, tinha um ônibus que se chamava Suba, só tinha duas vezes por dia, tinha 7 horas da manhã e 4 horas da tarde. Daí para cá não tinha mais carro nenhum, nenhum, nenhum. Vocês podiam ir a pé, ou andando de cavalo, porque não passava um carro. O pessoal ia ou de bicicleta ou andando comprar as coisas no Cabrália. Não tinha nada de vender, nada, nada. Hoje chega aqui em Coroa, está na cidade, muito diferente daquele tempo, daquela Coroa Vermelha que a gente chegou. Hoje graças a Deus tem tudo, mas quando a gente chegou aqui em Coroa Vermelha era desse jeito.
P/1 – E os seus filhos trabalham com artesanato na praia? Como é?
R – Trabalharam. Eu fazia os meus artesanatos e eu ia para a praia com os meus filhos, levava para praia. Aí os que estudavam de manhã vinham para o colégio, e os que estudavam à tarde iam vender os artesanatos aí na Coroa. Logo quando começou a ficar melhor. Porque antigamente, isso que eu tô falando, não vendia nada não. Os turistas chegavam lá… quem vendia era eu, né. Quando começou a chegar os meus filhos, que eu ficava em casa. Uns estudavam de manhã, os outros iam vender as coisas. Aí na hora que chegava, meio dia os que chegavam da praia, aí tomavam banho, almoçavam e iam para o colégio. Os que chegavam do colégio iam trabalhar. Graças a Deus cresceu todo mundo, grande aí. Todo mundo é casado com família. Mas graças a Deus todo mundo… o que não tem um emprego fixo, nós fazemos artesanato, graças a Deus! Criei os meus filhos todos assim. O pai pescava, né. Tirava coco, pescava e artesanato. Nós vivemos até hoje assim, na base do artesanato. Só hoje que o meu esposo não pesca mais, porque já está de idade e não tem como pescar.
P/2 – Dona Vandete, agora eu vou perguntar um pouco sobre, assim, a adolescência da senhora, o momento da adolescência, como que foi assim, na adolescência? Porque a gente falou de quando era criança, né? Agora, depois quando a senhora ficou entre uns 10 há 15 anos, mais ou menos, assim, a senhora… quando a senhora se entendeu por adulta? Assim, que a senhora falou: “Agora eu sou adulta!”. Quando foi isso?
R – Quando eu me entendi como adulta, foi quando eu estava com uns 13 para 14 anos, que eu falei: “Agora eu sou adulta!”. Eu me casei logo (risos). Casei logo. Porque eu assim, eu ia fazer 15 anos em novembro, eu me casei em setembro, lá em Barra Velha na FUNAI ainda. A FUNAI que fez o casamento da gente.
P/2 – Os pais da senhora deixavam a senhora sair? A senhora podia sair ou só saia com a mãe ou com alguém?
R – Não, a minha mãe não me deixava sair. De 14 anos para baixo, a minha mãe não me deixava sair não. Trabalhava e quando chegava à noite estava cansada e ia dormir na carimba. Sabe o que é carimba, né?
P/2 – Sim, sim.
R – Sabe. Pois não tinha lá em Barra Velha, era esteira a carimba, cama de forquilha que nós dormíamos em cima.
P/2 – Mas assim, quando a senhora saia para algum canto, a senhora saía para onde? Assim, nas oportunidades que tinha.
R – A oportunidade que eu tinha era de eu olhar o pessoal dançar no… que eu estou falando, nas festinhas lá em Barra Velha. De dia, de noite minha mãe não deixava não.
P/2 – A senhora dançava também?
R – Olha, até hoje eu danço, moço. Quando faz frio eu danço (risos). Eu dançava, mas hoje eu não sei mais dançar. Naquele tempo as músicas eram diferentes, não era? Hoje eu não sei dançar esses negócios não. Não danço, hoje eu sou evangélica. Não danço não. Mas antes eu dançava.
P/2 – Naquele tempo a senhora fazia o que, assim tanto, para se divertir?
R – Para brincar? A gente fazia boneca de folha de brava. Não tinha dinheiro para comprar boneca, não tinha dinheiro para comprar nada. Meus irmãos faziam uns carrinhos de pau, aqueles pedaços de paus, assim, cortavam e faziam tipo um caminhãozinho para brincar. Porque nós não tínhamos dinheiro para comprar brinquedo. Fazíamos as bonequinhas das folhas da brava e enrolava assim e amarrava no meio. Aí nós brincávamos com os meus irmãos. Mas nós não tínhamos dinheiro para comprar brinquedo.
P/2 – E a senhora brincou de boneca até com quantos anos mais ou menos?
R – Até uns 12 anos.
P/2 – Aí depois parou?
R – Parei. Eu e meus irmãos brincávamos.
P/2 – Brincava de casinha, de…
R – De esconde-esconde, pega-pega, íamos para o rio tomar banho, de tudo nós brincávamos.
P/2 – A senhora tinha amigos? Ou brincava só com os irmãos? A senhora tinha amizade assim, com gente de fora, não?
R – Não, tinha não. Só com os irmãos mesmo.
P/2 – E a senhora morava longe de outras pessoas? Ou tinha vizinhos por perto? A senhora lembra?
R – Morava longe. Não tinha vizinho perto assim não. Já bem mais longe não tinha.
P/3 – Como a senhora começou a conhecer e começou a ficar, assim, com o seu marido? Como é que foi essa parte até casar?
R – Olha, a gente… eu conheci mesmo ele lá em Barra Velha, né. Somos de lá, de Barra Velha. Eu trabalhava, já com uns 14 anos trabalhava para poder dar às coisas aos meus irmãos, aí eu conheci ele. Aí ele falou com a minha mãe, aí minha mãe ficou um pouco com medo de perder eu, né. Porque era eu que trabalhava. Ficou meio assim de não prestar __________, “Quem vai trabalhar para me dar agora? Os outros são menores”. E aí ela __________. A gente casou, foi ____________. O meu esposo que foi o mais velho que entrou na família da minha mãe. Ele que foi trabalhar agora para ajudar a criar os meus irmãos.
P/3 – A senhora pode falar de novo, dona Vandete? A senhora disse que a senhora conheceu o seu marido, aí conta de novo como foi? Porque cortou um pouco. Ele foi falar com a sua mãe?
R – Foi falar com a minha mãe. Aí a minha mãe ficou um pouco assim né, de não deixar, porque eu que trabalhava para dar comida aos meus irmãos, né. Quem sustentava a casa era eu. Eu andava por aí, pelo pé do monte vendendo os artesanatos para trazer dinheiro para minha mãe. Minha mãe comprava as coisas fiado, já na esperança de eu mandar dinheiro para ela, para pagar o que ela comprava. Aí eu andava com o meu tio vendendo os meus artesanatos, com as minhas tias. Aí vendia, comprava roupa. Comprava as roupas para passar as festas do dia 20, que em Barra Velha eu estou falando. Comprava roupa para todo mundo. Chinelo para ir para as festas dançar. Trabalhar o mês todo e não dançar? E aí quando eu casei com o meu esposo em Barra Velha, aí ele que foi trabalhar para acabar de criar os meus irmãos. E foi graças a Deus que o meu companheiro, que até hoje é o meu companheiro, que ajudou a criar os meus irmãos. Hoje os meus irmãos estão todos criados, graças a Deus, todo mundo casado, mas ele tem uma contribuição nessa deles estarem desse tamanho.
P/3 – Como ele se chama, Dona Vandete? E como foi o dia que a senhora casou?
R – Ah, no dia que eu casei teve… a bebida foi cauim mesmo (risos). Foi cauim. Foi lá na roça, foi cauim mesmo que a gente tomou na festa.
P/1 – E quem fazia os casamentos nessa época?
R – O cacique.
P/1 – Era por fora?
R – Não. Era lá mesmo na sede. Dava o nome lá e casava. Cacique Tururi que fez o casamento.
P/2 – E depois que a senhora casou, passou assim, onde? Longe da família?
R – Não. Moramos sempre perto.
P/2 – Ah, tá.
P/1 – Vó, hoje sua mãe, ela mora em uma comunidade chamada Trevo do Parque, né?
R – É.
P/1 – E você mora em outra comunidade?
R – Aqui na Coroa Vermelha.
P/1 – Mas vocês foram as primeiras pessoas lá do Trevo do Parque?
R – Sim. Fomos as primeiras pessoas.
P/1 – Como é que foi?
R – Nós estávamos aqui na Coroa, aí nesse tempo eu fiquei doente, aí falaram que lá era melhor para procurar um meio de tratamento. Aí nós fomos para lá. Eu fui para lá, fiquei uns tempos lá e depois eu voltei para cá de novo. Porque a gente morava aqui, já tinha casa aqui. Quem deu a casa para nós morarmos aqui foi o pai de Itambé, o finado Antenor. Nós moramos muito tempo aqui na casa de Itambé. Nós passamos um tempo lá. Nós fomos os primeiros que fomos para lá, que pegamos o barco. Depois nós ficamos um tempo lá, nós viemos. Aí a minha mãe, os meus irmãos, não tem nenhum lá. Voltaram a morar lá e eu fui para Coroa de volta.
P/2 – E dona Vandete, a senhora sente saudade de lá de onde a senhora viveu quando criança? De Barra Velha?
R – Não sinto. Eu tenho vontade de ir lá, mas saudade assim eu não tenho muita não. Porque a gente ficou um bocado de tempo lá, e daquele jeito que eu estou falando e aí… eu tenho vontade de ir um tempo lá. Maria Coruja mora lá, meus parentes moram lá, tenho vontade de ir lá.
P/2 – Quando a senhora saiu de lá, que a senhora foi para Coroa, a senhora falou que se mudou, né? Como é que foi a viagem? Era ruim demais viajar?
R – Para vir para cá? A gente veio de barco, veio de barco.
P/2 – Ah, tá.
R – O barco da FUNAI que carregava os índios. Aí a gente veio de barco de lá até em Porto, daí de porto para cá, nós viemos no carro.
P/2 – Ah, tá. E quando chegou aí, como é que foi logo a primeira impressão? A senhora achou bom?
R – Nós viemos para cá vender artesanato. Aí como eu estou falando, vender artesanato. Aí o pai de Itambé, o Antenor, deu a casa dele pra a gente morar o tempo que a gente quisesse. E a gente morou mesmo, ficamos muito tempo.
P/2 – Mas a senhora gostou ou ficava querendo voltar?
R – Não, eu gostei. Porque aqui tinham as pedras pertinho, né. A gente ia nas pedras pegar mariscos, redar, pescar, porque o meu esposo trouxe a canoa. E foi aí que nós vivemos, como eu falei, que não tinha carro, não tinha nada. Era pescar e comer mesmo.
P/2 – Mais uma pergunta. A senhora falou sobre o casamento, não foi? Sobre que foi a FUNAI, foi o Tururim, a FUNAI… esse casamento, ele foi aquele casamento cultural que a gente costuma fazer?
R – É, foi isso. Foi cultural.
P/2 – A senhora estava toda arrumada, casquete? Como é que foi?
R – Desse jeito. Com cocar.
P/2 – A, tá. (risos).
P/3 – Dona Vandete, conta para a gente como é esse casamento que o Amós falou, cultural, como é? Se a senhora puder contar como começa, o que acontece no casamento até terminar?
R – O casamento hoje… o índio... o rapaz conhece a moça, né. Aí se… depende da cultura da moça, se o rapaz aguentar carregar uma tora, ele garante casar com a moça, ele garante sustentar. Agora se ele não aguentar correr com a tora, ele não vai garantir a Geocon, não vai. Hoje é assim, se correr com a tora nas costas, se correr até o fim, ele garante a esposa dele, se não, aí não vai garantir, né. Já que não garantiu a tora, não vai garantir a esposa.
P/3 – O seu foi assim?
R – O meu não chegou a ser assim não. Mas eu era, eu sou pequenininha, ele não aguentava correr com uma tora (risos).
P/3 – A senhora diz que a tora é do tamanho da pessoa?
R – Não é não. Já pensou se a mulher for grandona? Imagina a tora de vocês como vai ser?
P/1 – Nessa época, vó, de dificuldade e tudo que a senhora passou, qual era o seu maior sonho?
R – Quando eu era nova? Jovem ou quando já era mesmo aqui em Coroa?
P/1 – Pode ser depois do os seus filhos, com as dificuldades.
R – Pois era ter uma casa. Que nem hoje né, as casas… hoje eu tenho uma casa aqui, que foi daquele projeto Minha Casa Minha Vida, hoje eu tenho, tenho uma casa daquela. Graças a Deus meus filhos tem também a casa, mas não do projeto, né. Só um neto que tem, agora os outros têm as casas que eles fizeram trabalhando com esse tipo de ter. Mas quando eu morava na casa de barro, coberta de patioba, ouricana, sapê, marimbu, eu tinha um sonho de um dia eu morar em uma casa bonita. Mas graças a Deus eu tive a casa. Depois que os meus filhos estavam grandes, agora que eu recebi uma carta da Minha Casa Minha Vida. Mas antes foi sofrido, para chegar até aqui a gente sofreu mesmo. Eu acho que daquele tempo, qual o índio que não sofreu, né? Dificuldade. Qual foi o índio que não sofreu dificuldade que passou na vida para chegar até aqui? Hoje não, graças a Deus os índios estão bem. Graças a Deus!
P/1 – E os seus filhos hoje, conseguiram estudar? Conseguiram se formar?
R – Conseguiram. Uns conseguiram terminar os estudos. O pai de Nívea terminou, está fazendo faculdade ainda. Quem terminou foi o Railson, a Graciele,. Jaburaií, a Jinaiá, esses terminaram graças a Deus. Mas tem mais ainda que estão pelejando para terminar. Só eu mesmo e o meu esposo que não estudamos.
P/3 – Dona Vandete, a senhora falou que hoje está melhor, mas os índios já sofreram bastante. A senhora pode falar um pouco o que mais era difícil? Contar um pouco como era, em que melhorou?
R – Olha, difícil era quando a gente morava em Barra velha, que nós não tínhamos como trabalhar para ganhar o dinheiro, né. O ruim de transporte, quando a mulher adoecia, quando um adoecia para sair… teve gente que eu lembro, que eu vi sair na rede. Amarrava um pano em um pau, e duas pessoas seguravam, para ir para Corumbau pegar o carro e alguém vir buscar para poder sair. Hoje não, hoje graças a Deus está bom. Daqui onde a gente mora tem transporte, mas antigamente era difícil, difícil mesmo. Onde a gente morava era difícil de tudo. Só não era difícil com o negócio da comida, que assim, pescava, caçava e ia para o mangue. Mas com outras coisas, até o pisar da gente era difícil. As coisas que tinham antigamente, o café, o açúcar da gente era o caldo da cana, diluía no sobaco. Não é o sobaco da gente aqui não, é o pau, que não é sovaco (risos). Tem gente que não sabe o que é o sobaco, não sabe o que é o sobaco, né. A gente fazia o cafezinho com o bagre do moído da cana no sobaco mesmo.
P/2 – Então dona Vandete, a senhora estava falando sobre a dificuldade depois do casamento. Qual foi o momento que marcou na vida da senhora depois de casada, um momento difícil que a senhora lembra que foi complicado?
R – Como eu falei, que a gente veio aqui para Coroa Vermelha…. em Barra Velha, é porque não tinha… a gente fazia os artesanatos e não tinha onde vender. Aí tudo era difícil na época. Não tinha onde vender, não tinha para onde sair para vender, não tinha transporte para vender e aí o negócio ficava difícil. A gente fazia uma farinha para vender, não vendia com dinheiro, para comprar a roupa e as outras coisas que precisava, só trocava, que nem eu falei lá no Corumbau. Aí ficou um pouco difícil. Chegou um filho, aí ficou difícil sustentar o filho, né. Aí foi quando a gente decidiu vir para cá. Os momentos mais difíceis foram esses. De dificuldades que eu tive. Porque enquanto era eu e ele, estava tudo bem, né. Aí quando chegou o pai da Nívea, aí o negócio mudou. Para sustentar a criança foi que nós decidimos vir para Coroa. E aqui a gente pode vender as coisas que a gente tinha para vender. Conseguíamos vender e arrumar o dinheiro. Foi difícil lá.
P/1 – Oh, vó. E hoje qual é o seu maior sonho? O que a senhora gostaria de deixar como legado?
R – Meu maior sonho que eu queria ou que eu quero?
P/2 -Que você quer.
R – O que eu quero deixar e eu quis, é que meu melhor sonho era deixar os meus filhos criados, né. Criados, todos nas casas deles. Eu acho que o desejo de um pai e uma mãe é criar os filhos. Graças a Deus criei os meus filhos e netos. Todo mundo tem o seu… suas casas. Não é que nem a minha, que casou e foi morar na casa, assim que eu falei, né. Enfaixado de palha e coberta de ouricana. Hoje as casas deles são assim. E o meu sonho mesmo era, de eu criar os meus filhos e deixar todos criados. Graças a Deus! E meu sonho é eu ver os meus filhos, todos mundo terminar os estudos e um emprego bom para os meus filhos.
P/2 – Só mais uma… eu quero fazer mais uma pergunta aqui. Se a senhora tivesse alguma história, ou algum aprendizado, alguma história de vida da senhora, que a senhora aprendeu, teve um ensinamento com essa história, a senhora pudesse contar para a gente? Um ensinamento?
R – Um ensinamento de vida que eu aprendi?
P/2 – Isso.
R – O que eu vou deixar mesmo para os meus filhos, que eu aprendi, um legado mesmo que eu aprendi com os meus pais, é saber viver com todo mundo, né. Ser amigo de todos. O meu sonho, o meu legado que eu tenho que deixar para os meus filhos e para os meus netos é eles saberem viver com todo mundo, respeitar os outros, né. Saber viver com os outros. Trabalhando para ganhar o dinheiro deles dignos, se não ganhar muito, mas ganhar pouco é um dinheiro digno, né. Porque não adianta ganhar muito e não ser digno né, o dinheiro. Como a palavra diz: “O muito sem Deus é nada, e o pouco com Deus é muito”. Não é verdade? Eu aprendi a ensinar a palavra para os meus filhos. Porque a gente é assim, se eu por exemplo: eu não vou falar que eu sou boa, quem vai falar é os outros, não é? Eu vou falar que eu sou boa e os outros, "Não. Ela é gente ruim!”. Por isso a gente diz isso aí. Quem vai falar é os vizinhos, né. Por exemplo assim: a gente andar direito em um canto, e se a gente andar ruim falando assim: “Fulano, você conhece?”. Por exemplo: se eu fizer coisa ruim, “Você conhece dona Vandete?”. Falam: “Ah, eu não quero nem saber daquela mulher, que ela é gente ruim, passou por aqui e não deixou saudade”. E se ela faz coisas boas e alguém perguntar: “A senhora conhece dona Vandete? “Ah, conheço. Dona Vandete é assim, gente boa, gosta de brincar com todo mundo”. Assim, né? Aí é uma coisa, não é verdade? Se eu for sair para um canto e os outros andar falando: “Eu não quero nem saber de dona Vandete aqui!”. Não é? E se a gente anda direito, cumprimentando todo mundo, todo mundo vai gostar da gente, né?
P/2 – É verdade.
P/3 – Dona Vandete, a senhora falou que a senhora é evangélica agora, né?
R – Sou sim.
P/3 – Como foi… só mais essa pergunta que eu queria entender. Como foi que a senhora foi para a igreja evangélica? O que fez a senhora ir para a igreja?
R – Oh, tem muito tempo. Assim, eu adoeci, como eu falei, eu fiquei ruim. Nesse tempo que eu adoeci, eu tinha três filhos e aí eu fiquei internada dois meses e quatro dias. E os meus filhos todos pequenos, ficaram com o pai e a avó, as duas avós, a minha mãe e a mãe do meu esposo cuidando dos meus filhos. Nesses dois meses que eu fiquei lá, eu falei: “É senhor, se eu voltar para criar os meus filhos, eu vou… eu tenho certeza que eu vou fazer um compromisso com o senhor para eu voltar e criar os meus filhos”. E foi nesse tempo, que eu votei, né. Quando eu fiquei doente, que eu fui para lá me tratar, os meus parentes já me esperavam em um caixão, de tão ruim que eu fui. Aí quando eu voltei, o meu filho, pai da Nívea, estava… não foi logo para a igreja, depois o pai dela foi para a igreja, né. Aconteceu umas dificuldades na vida da gente, que eu já tinha falado e não cumpri, aí as consequências vêm, né. Aí quando eu lembrei que eu tinha falado, aí eu voltei e fui para a igreja. Graças a Deus até hoje. estão eu, os meus filhos, a Nívea Maria que vocês já conhecem, né. Através deles que… mas antes eu prometi e não voltei. Aí depois vieram as consequências e eu falei: “É isso que eu falei. A gente fala umas coisas e não cumpre, a gente vai pagar, né.” Então foi isso. Eu estou indo para a igreja graças a Deus. Eu, meus filhos e meu esposo. Tem muitos, são nove, mas tem seis, estão faltando três para vir. E todo dia eu peço para Jesus para que venham.
P/1 – Muito bom. Vó, para fechar mesmo aqui tudo, conta aqui para eles; a senhora teve um sonho, um desejo, que você sempre mirou na comunidade e nunca pensou em sair daqui, e recentemente você realizou um sonho, né? De sair, ir para outra cidade, passear?
R – Ah, sim! O meu sonho… o meu esposo tem medo, mas eu não tenho medo não. Eu sou assim, gosto de umas aventuras, né. Sou uma velha, mas sou uma velha que gosta de umas aventuras. Aí agora recente, eu tinha falado assim: “Um dia eu quero andar de avião”. Aí eu falei: “Bora?” Que o meu esposo se chama… o nome dele é José, chamo ele de Dos Reis, “Bora Dos Reis, viajar de avião? Ele: “Deus me livre! Não vou de jeito nenhum”. Aí agora nessas eleições que o governador ganhou, aí ele convidou a minha neta, a Nívea Maria para cantar o Hino Nacional na posse. Aí eles mandaram chamar ela para cantar, com a passagem de avião. Aí ela falou assim: “Vó, a senhora quer andar de avião? A senhora quer realizar o sonho da senhora? A senhora quer ir?”. Eu falei: “Oh, vou!”. Topei, fui. Aí realizei o meu sonho de andar de avião. O pessoal quando diz: “Ah, vai fazer isso! Quando sai ele balança”. Eu não vi nada disso, mulher. Eu ainda quero ir mais longe ainda. Eu quero ir onde está o esposo dela, que está trabalhando. Para lá parece que é quatro horas né, de avião? Eu quero ir lá para viajar quatro horas de avião. Realizei o meu sonho de andar de avião e fui com ela. Fomos lá no dia 29 e viemos no dia 02. Voltamos de avião de novo.
P/3 – E quando a senhora viu a sua neta cantando, como é que a senhora se sentiu?
R1 – Ah, mulher. Eu senti… para mim eu estava maior do que aquele povo todo de lá. Senti maior altura. Eu fiquei feliz mesmo que ela foi chamada para ir cantar lá. Que nunca, ninguém, governador nenhum chamou a gente, um índio para ir cantar na posse do governador. E dessa vez nós fomos e tiramos foto com ele, abraçadas com ele. Foi, realizei o meu sonho de andar de avião. Conhecemos lá… como é? Como é o nome da mulher? Regina Casé. Nós fomos na casa dela em Salvador, fomos lá na casa dela. Aí eu abracei ela, eu fui beliscando ela, “É verdade mesmo que é você?” (risos). Ela falou: “Ela tá me beliscando”. Eu falei: “É verdade mesmo Regina Casé”. Nós fomos na casa dela. O esposo dela, eu esqueci até o nome do esposo dela. Mas nós fomos lá na casa dela. Andei por lá tudo, a minha neta me levou para conhecer por lá. Nós andamos por lá tudo e conhecemos. Aí eu falei com o meu esposo que eu realizei o meu sonho e quero andar mais longe, mas ele teve medo, ele preferia ter ido de barco, mas de avião ele não vai. De barco ele tem muita coragem, agora de avião ele não vai. Mas eu fui. Quantas viagens tiver para eu andar assim, eu vou. Se ela me chamar, né. (risos)
P/1 – Muito obrigada, vó! Pela sua participação. Nós agradecemos muito!
R – Ah, mulher. Eu lembrei da roda! Da “Peneirou no mar, peneira peneirou”. Minha vó falava assim: “O pé de açucena quando nasce, ela esparrama na ponta do jardim”. Assim: “Peneirou, peneira peneirou no mar. Peneirou, peneira peneirou, peneirou lá. Açucena quando nasce, toma conta do jardim, eu também tô procurando quem toma conta de mim”. Viu? Eu achei! Eu achei o meu esposo. Procurei e achei, (risos).
P/1 – Acabou.
R – Muito obrigada! Muito obrigada por conhecer vocês, meus irmãos. Vocês aí, né. Que Jesus abençoe vocês no trabalho. E eu não fui muito chata não, né? (risos)
P/3 – Como a senhora se sentiu contando a sua história? O que a senhora achou?
R – Eu achei que eu realizei um sonho também. Que nunca eu tinha falado, assim né, onde eu morei, o que eu vivi. Nunca tinha falado para ninguém. Só Deus e eu sabíamos o que eu passei né, o que eu vivi esse tempo e cheguei até aqui. Hoje eu graças a Deus estou falando com vocês e me aliviei. Porque muitas vezes a gente tem, assim, para falar e não consegue né, não tem a oportunidade de falar. E hoje vocês me deram a oportunidade de falar o que eu vivi e o que eu passei na minha vida, né. E a minha neta tá aqui fazendo perguntas e eu tô falando pra ela. Ela vai saber como foi a história de como chegamos até aqui. Pois é, ela é a minha neta mais velha, nascida aqui nessa Coroa Vermelha. Auê!
[Fim da Entrevista]
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