Roda de Histórias Vidas em Cordel - Mc Kawex
Museu da Língua Portuguesa
Mediadores: Cecília Coimbra (P/1), Luiza Gallo e Ane Alves (P/3)
São Paulo, 30/08/2024
Código n.º: PCSH_RH002
Realização: Museu da Pessoa
Revisor: Nataniel Torres
P/1 - Então tá, acho que primeiro uma primeira rodada que vocês contem uma memória muito marcante com ele. Pensar em uma história, algo que aconteceu. E é isso. Pode contar a memória, alguém quer começar?
Vera - Eu sou Vera Lúcia do Nascimento, sou mãe do Kawex e a história maior da minha vida foi quando ele nasceu. Foi a coisa mais linda, meu primeiro filho. Aí cresceu uma criança muito inteligente, muito amada. Primeiro filho, depois veio os meus outros quatro. Amei tudo igual, mas ele foi emoção. Eu entrei, dei entrada no Hospital Pérola Negra às 11 horas, 11 e vinte ele tinha que ter nascido, por cesariana, senão morria eu e ele. Ele se foi e eu estou aqui, jovem, que eu passei o sete para trás, fiquei com 57, mas eu tenho 75, graças a Deus. Mas ele foi um filho maravilhoso, esperto... como se diz?... não parava nem para assistir televisão, vivia correndo para lá e para cá, mas uma criança maravilhosa. Inteligente, eles estudaram com as mesmas professoras. Essa era uma calma em pessoa. E a professora o deixava tocar ______ pra classe. Aí ele ia, ‘botava’ aquela classe em polvorosa. Quando a professora estava para chegar, sentava todo mundo. Então, a professora que eu não esqueço hoje, Dirce, dizia assim: “A Bárbara é maravilhosa, mas o Antônio Carlos eu ‘tiro o chapéu’”. Ele fazia de bonzinho, mas ele punha a classe em polvorosa. Aí eu cheguei e mandaram um recado para mim que ele não estava indo à aula. Aí eu falei: “Vou lá ver”, porque eu trabalhava no escritório, com o meu marido. Ele ia para a biblioteca desenhar avião do futuro. Estava tudo lá na parede, porque ele desenhava muito bem. Aí cheguei lá e ela falou: “Não, ele não sai daqui da biblioteca....
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Museu da Língua Portuguesa
Mediadores: Cecília Coimbra (P/1), Luiza Gallo e Ane Alves (P/3)
São Paulo, 30/08/2024
Código n.º: PCSH_RH002
Realização: Museu da Pessoa
Revisor: Nataniel Torres
P/1 - Então tá, acho que primeiro uma primeira rodada que vocês contem uma memória muito marcante com ele. Pensar em uma história, algo que aconteceu. E é isso. Pode contar a memória, alguém quer começar?
Vera - Eu sou Vera Lúcia do Nascimento, sou mãe do Kawex e a história maior da minha vida foi quando ele nasceu. Foi a coisa mais linda, meu primeiro filho. Aí cresceu uma criança muito inteligente, muito amada. Primeiro filho, depois veio os meus outros quatro. Amei tudo igual, mas ele foi emoção. Eu entrei, dei entrada no Hospital Pérola Negra às 11 horas, 11 e vinte ele tinha que ter nascido, por cesariana, senão morria eu e ele. Ele se foi e eu estou aqui, jovem, que eu passei o sete para trás, fiquei com 57, mas eu tenho 75, graças a Deus. Mas ele foi um filho maravilhoso, esperto... como se diz?... não parava nem para assistir televisão, vivia correndo para lá e para cá, mas uma criança maravilhosa. Inteligente, eles estudaram com as mesmas professoras. Essa era uma calma em pessoa. E a professora o deixava tocar ______ pra classe. Aí ele ia, ‘botava’ aquela classe em polvorosa. Quando a professora estava para chegar, sentava todo mundo. Então, a professora que eu não esqueço hoje, Dirce, dizia assim: “A Bárbara é maravilhosa, mas o Antônio Carlos eu ‘tiro o chapéu’”. Ele fazia de bonzinho, mas ele punha a classe em polvorosa. Aí eu cheguei e mandaram um recado para mim que ele não estava indo à aula. Aí eu falei: “Vou lá ver”, porque eu trabalhava no escritório, com o meu marido. Ele ia para a biblioteca desenhar avião do futuro. Estava tudo lá na parede, porque ele desenhava muito bem. Aí cheguei lá e ela falou: “Não, ele não sai daqui da biblioteca. Ele está desenhando os aviões do futuro”, que eram aqueles aviões modernos, que agora que estão saindo, ele já desenhava. Foi uma criança especial em tudo o que ele fez. Ele foi muito especial. Depois ele resolveu viver a vida dele e foi viver a vida dele. Gostava muito de música. Compunha, desenhava. Eu tenho várias músicas dele na minha casa, que ele me deu. Ele ganhou em Araraquara como segundo poeta. Ganhou com uma poesia que ele fez para mim. Segundo poeta, lá em Araraquara. Ele fez a poesia para mim e o pai dele. __________ Segundo poeta, tem até o diplominha em casa. E é assim. Não tenho nada... é um bom filho. Tinha cada um o seu jeito de vida. Foi o que ele queria viver e eu sou feliz. Me dá orgulho de ser mãe deles, todos. Todos, não tenho diferença. E agora ainda dos bisnetos. Dos netos e bisnetos.
Kátia – ‘Pegando um gancho’ da minha mãe, quando ela falou da biblioteca, eu lembro. Eu sou Kátia, Kátia Regina Nascimento, sou a irmã caçula e onde eles iam, ele e minha irmã, eu tinha que ir atrás, não tinha opção. Tinha que ir atrás. E lembrando disso, dele não se prender muito à escola tradicional, mas em compensação ele comandava uma biblioteca lá próximo da nossa escola. Da Vila Ema?
Bárbara - Não, Vila Prudente.
Kátia - Uma biblioteca lá. Ele planejava teatro, fazia máscara e movimentava muito a biblioteca, porque trazia outros alunos, fazia peça, música. Ele gostava, mas principalmente de teatro. Desenhos, porque ele era muito fã de gibi, então ele fazia gibis, que ele inventava as histórias. Desde cedo ele já despertava esse lado artístico dele, mesmo sem a gente entender o que estava acontecendo. O que para todo mundo, na época, era considerado errado, porque ele não estava seguindo uma educação tradicional, ele se recusava a seguir uma educação tradicional, até pela pouca idade, mas se você olhar hoje eu, com 49 anos, fala: “Caramba, ele já estava engajado em algo que realmente era totalmente diferente”. E nessas histórias a gente tem muitas. A gente saía da escola e vinha correndo, apostando corrida. Eu lembro que meu pai deu o primeiro relógio para nós, digital e aí todo mundo ganhou, punha o cronômetro e descia as ladeiras abaixo, correndo. Hoje, no meu apartamento, estavam tocando a campainha, falei assim: “Poxa, estou pagando”, porque apertei muita campainha. Estou pagando. E a gente fazia muito isso, éramos nós três e é muito engraçado, porque ele era o irmão mais velho e era direcionado para ele que ele tinha responsabilidade conosco, mas era tão natural estar os três juntos e se mover juntos, que hoje a gente não vê nas famílias, mas era uma coisa tão natural a gente frequentar os lugares juntos. Ele decidia: “Nós vamos para o teatro, nós vamos para o museu. Vamos escapar daqui” - minha mãe e meu pai mandavam para o cinema – “que nós vamos pra _____ ”. A gente ia atrás dele. Mas sempre coisas, olhando hoje, tudo voltado à cultura. Ele sempre foi, impressionante!
Bárbara - Eu sou a Bárbara, eu sou irmã. Sou a terceira de uma família de cinco filhos. Eu era a consciente e ele era o inconsciente, porque eu tentava equilibrar e às vezes ficava brava, porque eu era mais velha e ele era mais ele, ele era mais solto, ele era mais vida. Eu seguia mais o padrão e para ele não tinha regras. Ele era o Cacaio. Eles chamam de Kawex, mas a gente chamava de Cacaio. Ele era o nosso Cacaio. E foi ele que inventou esse apelido para ele, quando ele era pequeno e falou para a minha mãe e para o meu pai, eu lembrei disso, chamando-o, ele falou: “Não, eu sou o Cacaio”. Acho que tinha cinco anos?
Vera - Cinco, seis.
Bárbara - Eu sou o Cacaio.
Vera – Não cortando a conversa dela, é que tinha uma família japonesa que era vizinha nosso e não sabia chamar Antônio Carlos. Aí falava Cacaio. Então ficou Cacaio.
Bárbara - E aí ele cresceu assim. E aí ele falava para o meu pai e para a minha mãe que ele era o Cacaio, não Antônio Carlos. E a gente aprontava muito. Na época tinha Mastiguinhas, que a minha mãe comprava, que era uma vitamina, que hoje tem, mas na época chamava Mastiguinhas e a minha mãe falava: “Uma por dia”. E aí o Cacaio falava: “Duas”. E no dia seguinte: “Vamos três”. E assim a gente ia e comia o pote inteiro. “Quem comeu toda as Mastiguinhas?” Aí todo mundo fazia aquela ‘cara de ué’, porque ninguém ia entregar ninguém ali, mas eram essas, era a gente pular da cama, do beliche para a cama. Então, naquela época, a gente dormia no quarto dos meus pais, que era um beliche, tinha cama e a gente pulava. Geralmente meus pais sempre ajudavam alguém, estavam sempre ajudando. Então, nosso quarto sempre estava ocupado com alguém, porque eles traziam para casa, era um parente que estava doente, era meu tio, era sempre alguém. Então, a gente ficava sem quarto e aí eles colocaram nosso beliche. Como tinha aquela cama enorme, a gente se jogava da cama, bum, né, do beliche, bum, em cima da cama deles. Era muito legal. E ela era a Curtinha, ela era caçula, né? Então, ela ia sempre imitando e um dia ela foi se jogar, mesmo ela esticando as pernas assim, na hora que o Cacaio fez: “Ih, deu ruim”, né? Não falou nessa fala, ‘deu ruim’, né? ‘Deu ruim’ é hoje, mas: “Ih, ela vai cair”, porque ela se esticou, ela era curta, pá, no chão. Ô, meu Deus, agora a mãe vai matar a gente. E os meus pais iam pro centro, eles chegavam tarde e a gente brincava muito, era muito mesmo, de brincar até tarde. Quando eles chegavam, já era quatro horas da manhã, porque eles iam lá para a religião deles e deixavam a gente dormindo, a gente fingia que estava dormindo e eles acreditavam e a gente brincava de cavalinho, brincava de tudo, se machucava, os vizinhos batiam na porta e falavam: “Pelo amor de Deus, vai dormir”. A gente fazia bolinho com farinha de mandioca, colocava olhinho neles de feijão preto e colocava em cima da casa. Num dia a gente fez, enquanto estava sol, estava tudo bem. Quando choveu, os bolinhos ficaram enormes, com aquele olhinho preto. E meu pai e minha mãe chegaram assim: “Minha Nossa Senhora, o que eles colocaram na nossa casa?”, porque os bolinhos ficaram todos assim, como são do centro espírita, achou que alguém tinha ido lá chama “queimar a casa” e não, a gente só estava brincando, só brincando.
Kátia - ‘Pegando o gancho’, como todas as crianças, a gente prestava atenção no que os pais faziam e como a gente vem de uma ancestralidade de religião africana, meus pais do candomblé tinham os rituais deles. O que era sério para eles se tornava brincadeira para nós, mas quando eles se depararam com aquilo, falaram: “Meu Deus do céu, a gente está cuidando e trabalhando e, de repente, acontece isso”. Minha mãe entrou em desespero e, para assumir isso, porque meu irmão não podia assumir, que mandavam era eu, a caçula. O Curtinha, obrigado por lembrar, eu continuo Curtinha, mas tudo bem. Então, eu, como era caçula, meus pais não iam brigar comigo, eu era pequena, eles não iam brigar. Então, na hora que tinha que assumir, eu tinha que ir lá: “Vai você, que eu te dou bala, vai você que eu faço as suas coisas” e aí eu ia e meus pais ficavam assim, que chegou uma época que meu pai não acreditava mais que eu poderia fazer tanta coisa assim e aí ele falava: “Não, tudo bem, coloca, pode sentar lá, não sei o quê”, aí chamava os dois: “Agora eu quero a verdade”. Teve uma época que não coube mais. A gente tem, assim, mega aventuras de criança. É muito engraçado como as nossas brincadeiras eram tão inofensivas, mas, em compensação, a gente conseguia enganar nossos pais direitinho. Meu irmão era o irmão responsável, que cuidava e passava esse ar de responsável. A minha irmã era a que não mentia, ia contar tudo, se saísse do errado e todo mundo era cúmplice. E aí teve N coisas que nós fizemos. Uma delas foi que minha mãe deixou dinheiro para comprar pão e meu irmão queria comprar doce, alguma coisa e era para ele comprar o nosso pão de café da manhã. Aí ele comprou alguma coisa que não era o nosso pão.
Bárbara - Não, não foi ele, fui eu.
Kátia - Olha a revelação aos 49 anos!
Bárbara - Você está aqui, nos vendo, deixa eu falar a verdade, depois a gente vai ter que sentar para conversar e não vai ser bonito, não é? Então, falo a verdade. Não, fui eu. Aí ele falou: “Vai lá e compra pão doce, compra alguma coisa”. Eu entrei na padaria, mas ele assumiu que foi ele, na hora do... ele assumiu. Entrei na padaria e estava lá um pão imenso, maravilhoso e tal e aí eu falei: “Eu quero esse pão aqui”. Estava com dinheiro para os pãezinhos e é lógico que o pão era muito mais caro, né? Aí o moço pegou umas bolinhas lá, que era um tal de _____ , que eram umas bolinhas de amendoim, levantou e me deu. E aí eu, com vergonha, falei: “Eu não vou falar para ele que não era isso que eu queria, que eu queria o pão”. Aí eu cheguei em casa, meu irmão falou: “O que é isso, Bárbara?” “_____”. Ele: “Você é louca? Agora o pai vai me matar. Como assim, você trouxe amendoim?” Eu falei: “Eu fiquei com vergonha, eu não consegui falar para o moço: ‘Não é isso que eu quero’”. Eu era muito tímida, assim, ao extremo. Eu falei: “Eu não consegui falar para o moço que não era isso”. Aí ele: “Ah, está bom, vai, está bom, eu assumo e fica por isso. Qualquer coisa fui eu que fiz a besteira”. E a gente passava por baixo da catraca do ônibus, para sobrar dinheiro para comprar doce. Quando ela fala do relógio, o relógio foi uma corrida que a gente apostou e aí ele foi com ela, que era menor, ele jurava que por um caminho era mais fácil e eu falei que era para o outro e quando eu virei a esquina, eu estava correndo tanto, assim, calculando os minutos no relógio, tinha um cesto, aquele cesto de lixo, bati a cabeça, caí para trás, bati duas vezes, bati pá e pá no chão. E quando ele chegou estava cheio de gente em volta, ele falou: “Ela morreu”.
Kátia - É, você imagina, nós chegamos, na hora que a gente virou a esquina, aquele monte de senhoras em volta e ela caída no chão. Aí ele: “Ai, meu Deus, o pai vai me matar. Ela morreu”. E aí ela toda desmaiada e aquelas senhoras tentando abanar ela. “Como que você fez isso?” Ela virou e bateu com a cara na... é isso? Virou, assim, até os últimos momentos de vida que nós nos encontrávamos, essa gozação não caía e a gente passou isso para os filhos e para o neto, porque isso virou, ficou memória.
Vera - Mas esse (17:35), ela não terminou a história, porque aquela ali era pequena, aí estava o pão duro lá, ela falou: “Eu não quero esse pão, que ele está duro”. Aí ele foi lá e enfiou o pão embaixo da torneira, molhou e falou: “Agora está mole. Está mole”.
Kátia - Aí eu chorei que queria o pão duro.
Vera - Verdade.
Kátia - E, assim, ele foi um mega irmão, superprotetor. Eu não esqueço das vezes que tudo que ele comprava para ele, quando ele entrou na adolescência, ele lembrava de trazer para a gente. Era mega protetor. Eu lembro que chegou uma certa época que a minha irmã ficou mais velha, não queria brincar, então eu ia com ele brincar. Ninguém tocava, ninguém falava, ele era protetor. De entrar na briga um menino grandão e ele era magro e comprido. Era comprido e alto para mim, porque sou extremamente baixa e aí ele enfrentava. Ele era extremamente protetor. Essa questão de família e de cuidar um dos outros ficou bem enraizada na nossa educação.
Vera - Uma vez eu fui, Dia dos Pais, em uma adega buscar um refrigerante lá e encontrei um rapaz que mora lá perto de onde eu morava, Elisa Maria, e ele olhou para mim e disse: “A senhora é a mãe do Kawex?” Falei: “Sou”. Nessa época ele ainda era vivo, estava fora, mas era vivo. Ele falou assim: “A senhora não viu a apresentação dele lá na Rio Branco?” Eu falei: “Não” “Eu chorei. Eu chorei”. Ele falava comigo e chorava. Diz que ele fez uma apresentação falando das crianças de rua, de que o governo tinha que fazer, ajudar a fazer para essas crianças de rua. E ele fez essa história e eles saíram de carro, fazendo esse show e o rapaz falou: “Eu chorei, mas eu chorei mesmo. Ele é de uma sensibilidade que não tem tamanho. Pode ver que as músicas dele falam sobre tudo isso”. Até falaram uma vez que era apologia, mas ele falando a verdade, entendeu? E ele era assim mesmo, franco. O que ele tinha que falar ele não mandava recado. Podia ser polícia, podia ser quem fosse, ele falava. Mas para mim não respondia, não, porque se responder para mim, o ‘couro come’.
Kátia - Ninguém.
Vera - Ninguém. Nem meus netos. Não aceito. Sou carinhosa. Adoro todos eles. Adoro meus cinco filhos, meus cinco netos e meus quatro bisnetos. Quatro, não, cinco bisnetos, não é? Cinco bisnetos. Mas malcriação, de maneira alguma. Faço tudo o que posso, mas quem fala mais alto sou eu. Imagina! Acho assim, que nem eu falei para ele: “Educação a gente traz de casa. Na escola é o saber”. Eu não sou ‘poliglota’, não, que eu me formei no ensino médio em 2010, com 66 anos, mas os meus filhos, eu sempre ensinei o respeito e muito educado. Pode ver que o meu filho Kawex não falava na gíria. Ele podia ter todo defeito, mas na gíria ele não falava e eu achava muito bonito isso.
Vera - Eu sei, mas eu quero falar. Vocês não me trouxeram para falar?
P/1 – É isso mesmo.
Vera - É meu filho. Agora é meu filho. Desculpa. Eu me entusiasmo. Eu estou falando o que eu estou sentindo.
P/1 - E uma memória vai puxando a outra. Se apresenta e conta uma história também.
Escobar - Eu sou Raphael Escobar, todo mundo me chama de Escobar. Eu sou educador social e conheço o Kawex aqui do território da Luz. Não tenho muita certeza, acho que conheci o Kawex em 2016, a gente começou a fazer uma coisa aqui, que era trazer uma ‘galera’ do rap para cantar no fluxo e abria com Sapiência, Tati Botelho, uma ‘galera da hora’. Acho que foi em 2016, era o Rincon e um monte de ‘galera’ do rap que cantou e entre os ‘caras’ famosos, era um microfone aberto e acho que eu conheci o Kawex mais ou menos assim, nesse dia. Mas eu acho que a história mais forte que eu lembro que eu vivi com ele é a história da Rio Branco, na verdade. Em 2017 o prefeito era o João Dória, ele estava fazendo algumas operações aqui na Cracolândia, fechando... bom, primeiro jogando o fluxo cada hora para um lugar e estava fechando as moradias que tinha da ‘galera’ que morava aqui há muitos anos. Tem aquela cena bizarra do trator que caiu em cima da família. Então, por causa disso, a gente fez um ato. Foi um ato que saiu aqui da Craco e foi até a prefeitura. Quando a gente foi passar no fluxo - o ato acho que saiu da Praça Júlio Prestes, mas o fluxo, na época, estava na Princesa Isabel - a gente falou: “Vamos parar no fluxo e vamos chamar a geral”. A gente entrou para o fluxo: “É o ato contra o prefeito, por causa das coisas que estão acontecendo aqui”. O fluxo foi em massa para o ato e tinha um carro de som e um microfone e todo mundo tentando puxar alguma coisa ali e o Kawex pegou o microfone e ele começou a cantar São Paulo à Noite _____ : “Para quem não me conhece, o meu nome é Kawex”. Daí ele vai falar do menino que... ele vai contando essa história de um menino que usava um moletom verde e pediu um trocado para o Kawex, o Kawex deu um trocado para ele, que ganhou no bicho, sei lá, alguma coisa assim. Eu sei que ele sai feliz e apanha da polícia, até morrer na calçada. Essa é a história que o Kawex conta. E ele fala que essa é uma história típica de alguém da Cracolândia. Ele falava que era o hino da Cracolândia essa música. E ele começou a cantar essa música no microfone. Foi muito... eu já tinha ouvido antes, mas acho que no ato foi ‘muito doido’, porque no ato era isso, uma bateria. A ‘galera’ começou a bater no ritmo do rap. Tinha um baixo. Acho que era um baixo. Se não me engano, era o Kiko Dinucci que estava com o baixo, só para dar esse detalhe. Só para explicar o que estava acontecendo. E o Kawex rimando. Foi muito bonito. E aquilo ali depois foi pras redes e bombou. Quando a gente começou a olhar, estava saindo assim: o Sabotage da Cracolândia. Começou um negócio ‘massa’, ‘muito doido’. Aí primeiro a gente teve que pensar um pouco o que é essa ideia de ser o Sabotage da Cracolândia. Nem o Kawex gostava muito disso, na verdade. É uma mania da ‘galera’ pegar alguém daqui e querer comparar com alguém de fora. É o Sabotage da Cracolândia e o Badaróss e o Basquiat da Cracolândia. Bom, mas superando isso, foi muito bom, porque a galera começou a ouvir a música, gostaram muito da música. O que ele está falando? Que nem tudo você consegue entender. Daí teve um desgramado que resolveu ouvir tudo e escrever, daí no comentário tinha a letra inteira. Viralizou muito aquela música. ‘Rolou’ o ato. Foi bonito. O vídeo estourou. O Kawex logo depois se internou. Ele foi ficar uns cinco, seis meses, mas o Kawex só some. Na hora que descobrir que ele se internou, ele sai. Ele só sumiu do mapa por cinco meses. Daí, nessa época, eu estava fazendo um trabalho - eu sou artista visual também - no Memorial da Resistência, que era uma jukebox com... eram várias partes, mas era uma jukebox que tinha uns podcasts de todos temas ligados aos direitos humanos, que foram gravados lá no Memorial da Resistência e tinham as músicas, todas elas gravadas no celular - na época, as coisas evoluíram bastante desde aquela época - de todos os artistas da Cracolândia e daí tinha a do Kawex. Naquela época eu estava num processo que eu estava ‘caçando’ o Kawex, para conseguir gravar a música dele no estúdio e daí ele não apareceu, ninguém achava o Kawex. Virou uma procissão a ‘galera’ caçando o Kawex. Meia-noite procurando o Kawex e ninguém achava o Kawex. Daí foi isso. Bom, a gente acabou gravando outras músicas, não conseguimos gravar as do Kawex, na época. Eu juro por Deus, gente, acho que foi uma semana depois que a gente terminou o projeto de gravação das músicas, eu juro por Deus, ele aparece. Eu queria matar o Kawex. “Pelo amor de Deus, ‘mano’. A gente acabou de gravar as músicas. Onde você estava?” “Não, eu fui internado. Estava precisando dar uma paz pra mim” “Porra, nós gravamos as músicas”. Daí eu o peguei e o levei pro Memorial da Resistência. Falei: “Pelo menos _____ ”. Ele chorou de emoção, ele ficou super feliz e eu falei pra ele: “Olha, acabou o projeto, mas a gente vai dar um jeito. Eu vou dar um jeito pra gente gravar tua música”. Então eu acho que esse é um... pra mim é um momento muito marcante da minha história com o Kawex, é esse, da música dele que ‘estourou’, né? Em algumas aspas, acho que tem um grupo específico que deu uma ‘estourada’ e até a hora da gente tentar gravar o Kawex e não conseguir. Daí foi outra história, né? Depois disso a gente continuou fazendo as coisas por aqui e tal. O Caio Castor é um repórter que fez uns trabalhos com a Agência Pública, ele me ligou falando assim: “Escobar, você já conseguiu gravar a música do Kawex?” Eu falei: “Não, não consegui gravar a música do Kawex, não teve muito como”. Daí ele: “Cara, eu ‘descolei’ um amigo que tem um estúdio, mas daí eu queria ver contigo o que você acha da ideia da gente gravar e já contar a história do Kawex inteira”. Eu falei: “Acho que tem que falar com o Kawex, não comigo, né? Mas ‘da hora’, vamos! Vamos ‘caçar’ o Kawex!” Nessa época estava muito difícil, por causa do negócio do Dória, a movimentação na Craco era muito intensa. Então, assim: a pessoa mais próxima do que o Kawex na época já era difícil de achar. Uma pessoa que você não era tão próximo assim porque, assim, o resto, sei lá, o Dentinho, na época, eu sabia onde ele morava. Eu batia na porta dele e achava. O Kawex não tinha uma moradia fixa, ele ia girando, então ficava mais difícil. E daí foi uma epopeia de novo pra achar o Kawex e daí começou um trabalho meu. Eu falei: “ ‘Cara’, eu não vou dar conta. Eu não consigo ‘caçar’ o Kawex e o meu trampo está ‘apertando’. Você vai ter que ligar pro Palhaço”. Infelizmente não conseguiu ‘colar’ hoje, mas era uma pessoa importante pra essa história, assim. Daí eu passei o telefone pro Palhaço e o Palhaço que fez a busca ativa pela terceira vez ______ e eu lembro que o Caio estava começando a ficar doido, porque ele tinha uma... a pauta tinha um tempo específico pra sair e já estava estourando e não conseguia, daí começou a me ligar: “Não, você tem que procurar” “Eu não consigo. Eu tô trabalhando”. Comecei a trabalhar fora da Craco, mas daí o Palhaço achou e falou assim: “Mano”, eu acho que ia ser uma sexta-feira, eu sei que a gravação foi numa quarta-feira, que eu ‘trampava’ nesse dia. Aí chegou uma sexta-feira, ele me ligou: “Escobar, é quarta-feira em tal lugar, Rua Aimberê”. Eu sei que hoje em dia eu moro nessa rua, mas é engraçado que eu não conhecia nada na zona oeste, na época. Falei: “Está bom. Passa o endereço, que eu dou um jeito lá”. Eu saí do ‘trampo’ e corri para lá, para acompanhar a gravação. E daí o estúdio era numa casa amarela que tinha nessa Rua Aimberê, que o pessoal, quando eu cheguei lá, me contou que apelidaram carinhosamente essa casa de Sesc Aimberê, porque parecia que ‘rolavam’ muitas atividades culturais lá. Acho que eles foram expulsos, provavelmente. Então eu entro lá, está o Kawex já se preparando para gravar, na paz. Tranquilão, assim. Já tinha levado outras pessoas da Craco para gravar. Independente se da Craco ou não, levei outra molecada, assim. A primeira experiência de estúdio é meio traumática. Tem um clack tec tec tec tec que fica no teu ouvido e é desesperador, até para bater. O Kawex estava calmo, tranquilo, de boa. Daí ele fez a primeira, a primeira vez que ele gravou, ele gravou daquele jeito calmo. Daí eu ouvi, olhei para o Caio, olhei para o Palhaço: “Kawex, aquele jeito que você cantou lá na manifestação você estava gritando, estava empolgado de um jeito acho que mais legal”. Ele estava muito calmo. Ele cantou umas três vezes calmo. Daí a ‘galera’ falou: “Pelo amor de Deus, ‘cara’, você precisa gritar. Vamos lá de novo”. Daí ele começou, aí ele pegou, ele estava calmo, mas aí ele pegou um pouco a empolgação, que é isso: tem um negócio de um lugar controlado para cantar, que eu acho que não passa pela empolgação da rua. Foi isso. O ‘cara’ que estava produzindo a música falou assim: “Ele vai ter que pegar a empolgação que ele tinha da rua para trazer para cá, porque na rua é outra coisa, você se empolga mais fácil. Aqui é diferente”. Daí foi se empolgando e a música foi indo, mas foi um tipo de (34:19) super bonito. Naquele dia tinha uma cantora amiga do pessoal que se chama Luiza Lian. Ela estava no estúdio nesse dia. Daí os ‘caras’ viraram para ela e falaram assim: “Você não quer gravar uma parte da música?” Porque tem uma parte da música...
P/2 - Canta aí.
Canta em voz alta.
Escobar – Eu vou cantar uma história que ninguém quer ver
O mundo que não se distingue o amor da maldade
“Veja aquele pivete procurando alguma coisa no chão
Está na ‘noia’ do crack, ‘curtindo’ a sua emoção
O calibre total
Onde você ____ para o bem, para o mal
Mais que ninguém para lugar nenhum
Você vai se quiser, cada um sabe o que faz
_____ paz
Do seu espírito para o seu coração
Mente alucinada e um turbilhão de decepção”
Daí tem uma parte que ele fala da morte, que ele pega de uma música de alguém. Eu estou tentando lembrar, gente, mas é uma partezinha que ele pega de uma música e ele mesmo canta e daí ele fala assim para a Luiza Lian cantar essa parte. Daí ela cantou, mas no final acabou que ficou essa parte. Mas eu falei: “Caralho, que ‘louco’, né? Vai ter até participação especial na primeira música do Kawex!” E foi isso. Acho que é uma história muito emocionante, dessa época.
Bárbara - É interessante quando o Escobar fala que ele volta, aí fala: “Sumi, fui me internar”. Ele não se internava, ele ia atrás da minha mãe. Ele precisava, em alguns momentos, estar perto da gente. Ele falava até da música. Ele falava para a gente: “Precisa registrar a minha música, precisa registrar”. O tempo todo ele ficava falando: “Precisa registrar, precisa registrar a minha música”. Mas esse tempo que ele sumia, ele sumia de lá, porque ele precisava da presença dela. Ele precisava daquela coisa de família, de estar junto, sabe? Aí ele vinha: “Vamos fazer um churrasco no Dia das Mães, vamos fazer isso”, sabe? Aquelas invenções que só ele mesmo tinha.
Kátia - E a necessidade de estar em contato com a família, de conhecer os sobrinhos, de conhecer... não perder esse laço. Tanto que os nossos filhos era o tio Cacaio, novo Cacaio. Era o tio Cacaio. Ele cantava rap com eles. Ele vinha, sabe? E aí, de repente, ele falava: “Vou embora. Já deu meu tempo, vou embora”. E ia. A gente costuma falar que ele era um espírito livre, mesmo. Ele não ficava em um lugar fixo. Ele não ficava. Mas quando ele estava, ele se fazia presente. Ele era o tio, ele era o irmão, ele era o filho. E quando eu acho que dava aquele momento dele ‘não é isso’, ele falava: “Estou indo embora” e ninguém segurava. ‘Estou indo embora’ e pronto. E aí a gente não sabia nem aonde ele estava.
Vera - E tem mais uma coisa: eu sou uma mãe muito carinhosa, mas eu sou enérgica. Se vai sair na rua, saia bem arrumado, bem-vestido, bem penteado. Arrumei dentista para ele, arrumei médico no posto, o coloquei no meu cartão, aí ele levantou: “Eu vou lá no posto”. Falei: “Desse jeito não. Vai tomar banho lá, a tua roupa está passada, limpa, ali, vai se vestir, porque todo mundo me conhece. Então você não vai fazer feio, não”. Ele foi, passou no médico, veio e aí eu falei para ele: “Tem uma coisa: na minha casa...”. E tem mais uma coisa: o Kawex não sabia beber. Se ele bebesse uma latinha de cerveja, ele ficava doidão, ele não bebia, entendeu? Aí ainda o levei num pagodinho, eu e minha amiga, ele tocou, os negros velhos ficaram todos apaixonados por ele, lá. Ele falou: “Eu vou ali e já volto já”.
Bárbara - Até porque ele ia muito, ‘curtia’ muito Rosas de Ouro, no Camisa. Meu pai levava a gente para a Rua do Samba. Meu irmão gostava muito quando meu pai levava a gente para a Rua do Samba. Ele ‘curtia’ muito. Meu pai gostava muito dessa questão cultural.
Kátia - Sim. Fora que a musicalidade também está ligada à nossa ancestralidade, até pelo caso da nossa religião. Meu irmão era ogã, ele tocava atabaque. Então, a gente também tinha uma educação religiosa que fazia com que, no candomblé, família é o centro de tudo. Você pode ter só as coisas lá fora, mas o centro da sua vida é a família. Eu acho que é isso que fazia com que ele voltasse e isso também ajudou nessa questão da musicalidade dele. E ele era agitado, ele sempre estava com um papel, escrevendo. Às vezes ele ia para casa. Primeiro lugar, quando ele voltava, ele passava na minha casa. E lendo muitos, muitos livros. Ele começou a infância dele com os gibis. Então, imagine se eu sou fã da Marvel é de tanto ler gibi com ele, almanaque todos, sempre. E aí, na fase da pré-adolescência dele, ele começou a ler livros mais políticos, até porque meu pai gostava. E assim sempre foi. Você não conseguia ver ele em um lugar que não tivesse livro. Eu não sei como era com vocês, lá, mas sempre quando ele levantava, você sabia que ele ia embora, você sabia que ele esteve lá, porque ele deixava alguns livros.
Vera - E outra coisa que ele tinha também era muito respeito pela casa dele, pela minha casa. Ele podia fazer o que fosse lá fora, mas dentro da minha casa nunca vi meu filho ‘botar’ um nada errado na boca. Ele fazia lá na rua. Mas dentro de casa, até me arrepiei em falar, ele chegava intacto e não respondia. Se eu falasse qualquer coisa, ele abaixava a cabeça: “Sim, senhora. Está bom”. Eu falei: “Não está bom, não. Se estivesse bom, eu não estava falando”.
Kátia - Quem responderia? A nossa família é uma família tradicional mesmo, mesmo de domingo, nós menores, café a semana inteira, corrido, meus pais trabalhavam, mas final de semana o café, todo mundo tinha que estar na mesa para tomar o café, o almoço de domingo, as filhas ajudavam a mãe a cozinhar, então não tinha como não responder, né? Mas, assim, hoje, eu conversando com o meu companheiro, às vezes a gente conversa sobre famílias, eu falo: “Eu não tenho trauma de infância, eu tive uma família normal, com pai e mãe, com regras, sentar na mesa, né? Mesmo cada um tomando um caminho, um destino, e o meu irmão é muito esse símbolo para nós e acabou a gente passando isso para os nossos filhos. O irmão mais sério direciona os outros irmãos, mesmo que inconsciente, porque às vezes a gente olha assim e está cobrando do filho: “Mas você foi você foi lá ver o seu irmão?” Mas é algo que o meu irmão manteve e a gente passou para os filhos.
Escobar - E ele era muito politizado. Você falou nos livros, tem uma coisa: não sei se vocês repararam assim, lá com a gente, pelo menos, as fotos que ele tirava, ele sempre tirava foto com os quatro dedos assim. Você pergunta: “Por quê?” Poder para o povo preto. Ele falava isso. Era toda vez assim. E a última foto que a gente tem dele é ele cantando, na verdade, mas tem uma versão com quatro dedos, mas é ele cantando com a camiseta do Malcolm X. A última foto que foi tirada, dele. Ele estava de jaqueta marrom, escrito Malcolm X e estava de boina. E teve um lance em 2016 ou 2017, quando o fluxo era na Helvetia com a Dino, o hotel de esquina era o do Osvaldo, Oscar, alguma coisa assim e a polícia foi querer entrar para fechar o hotel, aquela ‘onda’ que estava ‘rolando’, na época. O Kawex não deixou. É uma história clássica. O Kawex foi preso por defender os dele. É uma história muito famosa. Na Cracolândia, é uma história muito famosa. Então, o Kawex foi um... a gente fala que ele é um grande defensor dos direitos humanos. Naquele caso foi porque, independente de qualquer coisa, ele deu uma segurada, ele que acabou tomando as dores da história toda. Foi em 2016 ou 2017 essa história, não lembro, mas por aí. E era isso, ele tinha um pouco essa coisa de militante.
Bárbara - Sempre foi. Depois ele ______ , naquela vez que vocês foram pra gravar e aí ele ainda respondeu por essa ação dele. E aí acabou sendo aquele momento lá que, depois, naquela gravação que vocês ligaram, que ele ia gravar. Eu não sei se foi esse o momento que ele gravou a música. Não, ele não chegou a gravar. Ele foi para lá para gravar. Eu lembro que eu estava trabalhando e ainda falei para minha filha: “Por que vocês não me ligaram para ir com ele?” Porque ele ligou pedindo para alguém ir com ele. E os policiais alegaram isso, que foi por desacato. E aí ele estava na defesa. Tem até um rapaz no YouTube falando sobre isso, que ele estava defendendo o pessoal e os policiais disseram que foi por desacato. Acho que o Escobar vai saber falar mais desse momento, porque eles estavam lá. Depois eles só me ligaram, porque eu ligava todo o tempo. Como ele sumia, chegou um tempo que eu já sabia. Eles me deram o telefone, eu não sei se foi do Escobar e tinha mais alguém.
Escobar - Acho que tinha o meu e do Palhaço, que eram as pessoas mais... Flávio.
Bárbara - É, Flávio, que aí ele me falava onde ele estava e como ele estava. Eu ligava e falava: “Você sabe do meu irmão? Como o meu irmão está” e tal e aí eles me traziam a notícia. Foi quando eles entraram em contato comigo, pedindo a documentação dele e tudo, porque ele estava passando por essa situação e depois informando que já tinham resolvido, mas isso acabou repercutindo. Até na hora em que ele vai fazer algo muito legal, que era uma apresentação.
Escobar - No fundo essa história aí quem a viveu mais a fundo foi o Flávio.
Bárbara - Sim.
Escobar - Mas era um pouco esse panorama que eu peguei, que era o fechamento do hotel, era um hotel de esquina, azul. Mas era um fechamento e ele que barrou. Mas o Kawex é isso, adorava uma manifestação. Adorava. Nos últimos anos, a pandemia trouxe uma coisa muito doida para cá. Quando chegou a pandemia, todo mundo foi para casa, todo mundo ficou quietinho. A gente não ficou. Um grupo... a gente teve um grupo de pessoas que resolveu não ficar em casa. Falaram: “Vamos para a Craco”, porque fecharam todos os lugares de alimentação da Craco. Não dá. Era eu, a Carmen, o Gigante, o Paulo, o Átila. A gente falou: “Vamos fazer marmita, nós”. Acho que foi a coisa mais burra que a gente já se propôs a fazer, isso, mas tudo bem. E a Pastora Nildes. Daí a gente foi lá na Pastora Nildes, cozinhar. A gente chegou, acho que era oito horas da manhã para fazer os negócios para seis horas da tarde, ficou pronto às nove da noite. Falamos: “Não vai funcionar fazer marmita. Não tem como. Desiste. Vamos fazer pão com presunto, que seja”. Mas daí os ‘caras’ Mungunzá arranjaram uma via que as marmitas vinham para Mungunzá e a gente só tinha que distribuir e o Kawex distribuía com a gente. A gente fazia um revezamento lá. Então, nos dias que eu ia, eram os dias que o Kawex ia também, distribuir marmita e acho que isso era muito forte. Era isso. É mais uma vez a lógica da ajuda dos seus. Sei lá, bem marcante essa fase. Essa fase, para mim, da pandemia, marcou muito quem estava muito comprometido aqui, com o território. E era isso. O Kawex era um deles, o Dentinho era um deles, o Fábio Poeta era um deles. Eram pessoas que eram do território e falaram: “Não, a gente vai distribuir marmita junto. Vamos lá, vamos fazer o ‘corre’ junto”. Então, acho que é bem marcante isso, para mim.
Vera - Desde pequeno ele nunca foi na escola para aprender música. Ele é ‘didata’. Ele aprendeu na vida. Ele começava a rimar as coisas. Primeiro ele cantava samba com meu marido, aí depois ele entrou nessa de rap, né? Aí ele começou a rimar. Ele começava a falar alguma coisa, ele rimava e já saía e aí ele já ia escrevendo. Lá na minha casa tem um monte de papel. Escrever e desenhar, isso daí desde a escola que ele faz essas apresentações, essas coisas.
Bárbara - É que o meu pai e a minha mãe sempre gostaram de música. Então, nós fomos criados escutando música. Então, por exemplo: eu, às vezes, saio cantando músicas muito antigas, muito antes da minha idade, do meu tempo, porque a minha mãe cantava o tempo todo, na cozinha, lavando roupa, cozinhando, ela estava sempre cantando. No final de semana ela colocava - e o meu pai também, domingo - Ray Charles, com aquelas músicas todas deles e era o nosso domingo. E meu irmão foi criado assim também, como a gente. E aí ele tinha uma facilidade muito grande, musical. Ele já nasceu com isso. Eu começo a dizer que é de outras vidas. Ele já tinha isso nele, essa arte dentro dele e aí ele cantava inglês. Eu lembro que eu era pequena e ele cantava inglês. Eu falava: “Como que esse ‘cara’ aprendeu inglês, meu Deus do céu?” E eu tentava prestar atenção e eu não conseguia, mas falava: “Não, não, ele está me enganando. Ele está de palhaçada”. E aí eu ficava prestando atenção, não é que ele estava cantando direitinho mesmo? Ele é dois anos mais velho que eu e nós éramos como se fossem gêmeos, porque a gente foi crescendo junto. Aí depois eu dei uma parada e ele continuou, mas a gente foi crescendo, as pessoas olhavam e falavam: “São gêmeos?” E aí eu falava: “Não, não é possível. Como que ele aprende?” E aí ele ia cantando uma música, cantando outra, escrevendo, cantando, lendo muito, ele sempre gostou muito. Quando a minha mãe fala que ele não ia para a escola, ele não ia para a escola de música. Ele ia para a escola, ele adorava a escola, lógico, porque ele ia para a biblioteca e não fazia nada demais. Tanto é que meu pai falava: “Você é responsável pelas suas irmãs. Quando eu não estou, você é responsável” e ele se responsabilizava mesmo. Se ele ia fazer uma arte ou ia para a biblioteca, ele ia arrastando a gente. Ou ele deixava a gente na escola e ele ia para a biblioteca. Depois, na hora da saída, ele estava lá.
Kátia - A gente nem sabia.
Bárbara - Como se nada tivesse acontecido. Mas ele ia para a biblioteca, ele ia fazer as coisas dele, mas nada fora do comum.
Kátia - ‘Puxando o gancho’ dela, quando você perguntou: “Quando ele começou a compor música?” Eu lembro até hoje, é uma música que eu até levei para a minha Casa de Axé, que a primeira música que eu lembro que o meu irmão compôs foi uma música para o Orixá da minha mãe, o Marinheiro dela. Lembro. E assim, do nada, minha mãe estava trabalhando com os Orixás. Você lembra dessa música? Não? Eu posso cantar um pedacinho? Tá. Ele cantava assim:
“Ai, se eu tivesse um grande amor
Mas se eu tivesse um grande amor
Eu deixaria de beber
Eu deixaria de beber
Como eu não tenho um grande amor
Mas eu não tenho um grande amor
Eu vou beber até morrer”
Que é para o Marujo da minha mãe e eu acho que eu tinha uns seis anos. Para você ver, ele é sete anos mais velho que eu. Então foi a primeira música que eu vi, ele cantou assim, na casa de axé, para todo mundo e todos os ogãs acompanharam e cantaram. E depois, quando a gente ia nas casas, todo mundo estava cantando.
P/1 - Uma outra coisa: o que vocês diriam que seria um grande aprendizado que ele deixou, um legado?
Vera - A humildade com tudo, ele era humilde. Ele sempre tirava a roupa do corpo e dava para outra pessoa vestir. Ele podia ser arteiro, mas o coração dele era grande. E depois ele tinha toda essa saída dele no mundo, mas ele amava muito a família.
Essas irmãs dele aqui, meu Deus do céu, ninguém podia chegar perto delas e a sobrinhada. Ele teve a passagem dele, ele viveu a vida dele, mas ele morreu sem fazer mal para ninguém, porque o Antônio Carlos não era de vender droga, ele poderia até usar, mas vender para outra pessoa ele não vendia. Então, no dia do enterro dele tinha um rapaz que me chamou de vó. Eu falei: “Vó?” “É, porque eu estava aqui. O Kawex me tirou das ruas, eu sou repórter”. Ele estava lá na ONG, aí ele veio falar comigo. Eu falei: “Nossa, então meu filho fez coisas boas”. É que nem eu digo: “Eu não sinto remorso, eu sinto saudades, muitas saudades”. A qualquer momento ele vai chegar me chamando: “Verusca”. Mas ele viveu o tempo dele, eu vivi o meu, tumultuado com falta dele, porque não é brincadeira para uma mãe deitar sua cabeça no travesseiro e não ver teu filho do lado, mas eu sempre entreguei na mão de Deus.
Kátia - Eu acho que uma coisa que ele deixou bem marcante, pegando o que minha mãe falou, não foi só para nós, ou para a nossa família, nossos filhos, mas para pessoas que tiveram contato com ele, é perseguir seu sonho, mesmo que ninguém acredita. Ele nunca abriu mão de conseguir fazer a música dele, de mostrar a música dele, mesmo que ninguém acreditasse. Ele era o primeiro fã dele.
Bárbara - Ele deixou a beleza da vida, a beleza das escolhas. Escolher _______ e também ajudar o próximo. Eu honro isso em meu irmão. Eu continuo vendo-o o tempo todo grande, por ser mais velho, o meu irmão e eu sou pequena.
Vera - E eu ainda digo mais: meu filho não morreu, ele se encantou, porque ele não era desse mundo. O tempo que eu... o tempo que ele pôde viver comigo, ele viveu, mas ele viveu mais com o mundo, porque o menor tempo que ele passou foi no convívio da família. Quando ele ‘botou’ idade, ele foi cuidar lá fora. Então, ele é um colhedor e um plantador. Então, ele não morreu. Ele se encantou. Demora, demora. Ele vai ter que passar pela mão de Deus e Deus encaminhá-lo. Mas eu, que tenho fé e faço muita oração, porque ele foi meu primeiro filho, né? E ele, com todos os defeitos dele, mãe não vê defeito. Mãe é padecer no paraíso. Se descer na Vila Mariana, está danada. Porque a gente, é que nem eu digo: eu só gostaria que ele estivesse assim, aqui, porque na hora que ele começou a caminhar pra gravar as coisas, mas isso é coisa de Deus, sabe? Ele tinha que chegar até ali. Ele começou a caminhar, fazer o show, o CD dele e tal, ele se foi, mas ele deixou o legado dele aqui, porque em todo lugar que o Antônio Carlos passou, não tem uma pessoa que fala que ele é ruim. Todo mundo gosta dele. Só quem não gosta dele é a polícia, porque quando ele tem que falar a verdade pra polícia, ele fala mesmo. Pode ver que até o rap dele é político.
Escobar - Sabe que antes dele falecer ele estava escrevendo. Ele virou pra mim e falou: “Escobar, eu tô escrevendo um rap novo, mas ele fala muito mal da polícia. Eu acho que vai pegar mal”. Aí ele estava com o caderno assim, na mão, daí ele leu. Eu não lembro da letra, mas eu sei que era tipo focado na PM, falando mesmo. Aí eu falei: “É meio difícil, mas acho que tem que terminar, ‘mano’, vai embora”. O que eu acho do Kawex, o que ele deixa aqui, é que eu sinto que a gente vive em várias ‘bolhas’, a gente tem um universo de ‘bolhas’ e a Cracolândia é só uma das ‘bolhas’ do universo que a gente vive. E é tão, mas tão difícil ‘furar a bolha’, é quase improvável. O Kawex furou. Isso é muito importante. É uma das primeiras vozes do fluxo que ‘fura a bolha’ e as pessoas escutam não é com dó, não é com raiva, é com admiração e isso é bem maravilhoso. As pessoas falam: “Caralho, aquele ‘cara’ é da Craco, faz rap”. Bom, é isso. Acho que isso é muito importante, muito importante. E eu acho que seja o primeiro de muitos. Quanto mais as pessoas entenderem que o que tem aqui são só pessoas, nada mais que isso, acho que as coisas ficam muito mais simples. E acho que o Kawex conseguiu mostrar que ele é uma pessoa. Isso é muita coisa.
Vera - E o engraçado é que ele, com tudo, não perdeu o conteúdo da educação, do que a gente ensinou a ele a tratar, porque eu, elas e o meu marido somos assim: acho que a educação está em primeiro lugar. E ele sempre foi querido, com tudo, com tudo, as artimanhas dele, ele foi uma pessoa muito educada, todo mundo gostava dele. Todo mundo gostava dele, porque ele sabia tratar a pessoa educadamente, como eu disse não falava na gíria. Ele não gostava da gíria. Ele dizia que era conversa de medíocre. Ele não gostava de falar na gíria.
Kátia - Pelo menos em casa.
Vera - É.
Kátia - Pelo menos em casa.
Vera – Em casa. Hoje eu acho que o correto, o que você é lá fora interessa só a você, mas dentro da sua casa, com o seu pai, com a sua mãe, você tem que respeitar, porque o respeito tem que vir de dentro de casa. Lá fora, se extrapola um pouquinho, tudo bem. Mas eu acho que ele, dentro, que uma também que eu não aceito gíria, não gosto e nem que ‘assassine o português’. Então, procura pensar no que vai falar. De vez em quando a gente o ‘enforca’, mas procura pensar o que vai falar. Então é isso que eu luto com os meus netos, com os meus filhos, sempre lutei, o pouco que eu sei, naquela época eu sabia menos ainda, não sabia nada. Eu só vim me formar do ensino médio com 66 anos. É que na minha época era ‘decoreba’. Eu aprendi aqui. Não tinha caderninho assim, para estar... então, o que eu aprendi eu ensinei para elas, depois elas seguiram o círculo delas, novo. Mas elas entraram, todo mundo, tanto ele, quanto elas. Ele entrou na escola com sete anos. Aí tinha uns quatro, cinco meses que ele estava na primeira série e o professor perguntou: “Quem é repetente?” Ele levantou a mão. Aí o professor o mandou para a segunda série. Aí eu estou vendo que era uma lição bem difícil, não é? Aí eu fui lá e ele falou: “O seu menino é repetente?” Eu falei: “Como, professor, se ele está com sete anos?” Aí ele falou: “Ah! Mas ele já sabe ler, sabe escrever”. Falei: “Eu ensino em casa, lá em casa tem horário para brincar e horário para estudar, mesmo não estando na escola”. Então, quando entrava, todos eles já entravam lendo placa, lendo o nome de ônibus, o nome de rua, sabe? E isso a gente tenta passar agora, para os netos também. Eles: “Vamos que vamos”. Que nem eu digo: ele desenhava com canetinha esferográfica. Fazia cada rosa, cada desenho! Eu tenho lá um papel que ele fez a mão de Jesus. Você olha a mão dele, as unhas, você pensa que é natural e ele fez na canetinha e nunca foi em escola de nada. É aqui, da cabeça dele, entendeu? Ele tinha que passar por tudo que ele passou, mas tudo que ele aprendeu foi sozinho: cantar, tocar, cantar, desenhar, compor. Sozinho. Nunca foi em escola de arte, nada, nem de música, nada. Estudou sim escola particular, que ele era ‘levado da breca’. O pai dele o pôs na escola particular. Estudou, mas ele trabalhava na oficina, com o pai dele. Era um excelente pintor de automóvel. Pintava pintura de estufa, porque nós tínhamos oficina era de estufa e ele desde pequeno trabalhava com o pai. E está aí. Agora é a saudades e pedir a Deus que encaminhe o espírito dele pra onde ele achar que deva levar, porque quem sou eu pra falar: “Deus te dê tudo”?
Escobar - Mas ele me cobrava de gravar o clipe dele. Porque é isso, nessa loucura toda, eu fui por fases: primeiro conseguir gravar todo mundo. Daí a ideia era gravar os clipes e daí ele virava pra mim: “Escobar, o meu clipe eu quero gravar na cadeia”. Eu falei: “Kawex, onde eu vou arranjar uma cadeia pra você entrar e gravar?” “Você vai falar com o pessoal do Memorial da Resistência, tem lá as celinhas, eu gravo lá” “Está bom”. Aí eu fui falar com a Marília. Na época a Marília era diretora : “Marília, deixa eu te falar, você acha que é possível?” Ela falou: “Sem chance, não tem ideia, você não vai conseguir fazer isso aqui”, porque tem alguma coisa de tombamento, sei lá o que, que não pode. Eu sei que não ‘rolava’. Eu falei pro Kawex: “Não ‘rola’” “Mas tudo bem, a gente pega uma câmera e entra lá”. Falei: “Kawex, não é assim. Não vai dar bom”. Mas é só um pensamento. Sempre fiquei com esse lance.
P/1 - Não ‘rolou’ gravar na cadeia?
Escobar - Não. Um tempo atrás eu estava com um orçamento pra fazer os clipes das músicas, mas acabei não fazendo do Kawex, porque eu não sabia como resolver. Do Kawex ainda não tem clipe, um dia eu vou fazer. Pegar algum menino, uns 16, 18 anos, pra ser o moleque que o Kawex canta e ver se eu arranjo alguma unidade de Fundação Casa desativada, alguma coisa assim, mas essa é a parte que ainda falta resolver dessa história toda. Mas ele falava: “Quero o clipe na cadeia. Vai lá, está aqui. A gente pega a câmera e entra lá”.
P/1 - Não gostou que ele foi preso, isso?
Escobar - Foi. Isso já era. Deve ser 2019. Deve ser 2018, 2019. Talvez mais pra frente, não sei, mas é por aí. Ele começou esse ‘papo’ que ele queria fazer esse clipe na cadeia, tinha que ser. Na minha cabeça - é que assim, não sei como ele imaginava - era uma coisa meio 509-E. Entrando na cela, saindo andando e tal. Isso que eu desenhei na minha cabeça, não sei como ele tinha desenhado.
Kátia - É que ele tinha muito essa questão de mostrar a realidade, porque a nossa Justiça não faz uma correção, acaba sendo um depósito de torturas e ele falava muito disso. Às vezes a gente estava conversando e aí estavam os meus filhos e tudo, ele: “Calma, diminui um pouco, porque a ‘galerinha’ está crescendo, já vai com essa ideia pra rua”. Mas ele tinha muito isso: as pessoas precisam entender que eles não estão corrigindo ninguém, que eles estão excluindo. Ele deixava muito claro. Eles estão excluindo, marginalizando. Se está pior por causa dessa política. Ele queria escancarar, ‘rasgar os véus’, para que todo mundo enxergasse o que acontecia.
P/1 - Mais alguma coisa? Alguma memória? Tem uma coisa também: a gente tem os contatos. Se vocês pensarem em alguma outra história, alguma coisa, manda por áudio, manda se tiver, inclusive é no papel que ele escrevia as músicas, né? Vocês têm esses papéis ainda? Esses cadernos em que ele escrevia, desenhava? Os desenhos dele?
Vera - Eu vou separar tudo direitinho e mando para vocês.
P/1 - Porque você fica à vontade, não é imposto.
P/1 – Porque é um tesouro.
P/1 – Se você achar que faz parte da sua narrativa, se você achar que a gente merece ver, você mostra.
Vera - Não tem segredo lá. Tudo aquilo lá eu conheço ‘de cor e salteado’. Qualquer coisa, eu tiro a xerox pra mim.
P/1 - Só quero uma foto. Não quero o original, não.
P/2 - Acho que só agradecer. É um espaço muito importante, hoje não é qualquer coisa a gente poder compartilhar e partilhar com a gente essas lembranças.
Vera – Muito obrigada!
P/2 - Isso aqui é um grande legado, um patrimônio essa história de vocês. A gente agradece muito vocês estarem com a gente, confiando na gente. De coração, muito obrigada!
Bárbara - Estamos confiando em vocês.
Vera - E agora, lembrando uma coisa, ele puxou o pai dele, porque o pai dele cantava que nem o Lúcio Alves, sem nunca ter ido à escola. Cantou até no Bolinha, no Sílvio Santos. Depois eu entrei na vida dele e ele largou tudo para casar comigo.
Kátia - A gente também agradece. É muito importante. Dada a nossa história, dada as nossas origens, dado ainda esse mundo tão desigual que a gente vive, que as pessoas ainda fingem que não acontece essas discriminações. E pensar que essa história vai ficar para os nossos tataranetos. Em algum momento, eles vão entrar e vão: “Gente, mas ali a família Nascimento, é legado do Kawex”. É um orgulho muito grande dessa caminhada do meu irmão e de onde ele chegou. Mesmo não estando presente no corpo físico, mas todo esse trabalho dele, essas pessoas que ele movimentou, essas pessoas que ele uniu, inspirou também, que eu acho, pelo que minha mãe falou e o que a gente viu, teve essa inspiração e continua inspirando. Nós só temos que agradecer, a nossa família só tem que agradecer essa oportunidade e a oportunidade de conhecer o Escobar.
Vera - Eu ainda tenho uma coisa para dizer: ele não me deixou dinheiro, não me deixou fortuna, mas ele me deixou o bem mais precioso, que foi a voz dele, o coração dele e as dezenas de coisas que ele produziu. Eu não preciso de dinheiro. Eu precisava da presença dele, mas a presença dele está aqui no meu cérebro e aqui no coração. Que Deus a tenha. E agradeço a vocês também por estar dando esse nome ao legado que ele deixou, para que a nossa justiça veja que nem todo mundo é ruim, nem todo mundo é perverso. Às vezes precisa de um apoio, de uma palavra, de um carinho, mesmo de um estranho. E olha aí, ele foi feliz do jeito dele. Obrigada a todos vocês. E eu vou mandar, será um prazer mandar os desenhos dele. Tudo feito com isso aqui. Não foi lápis de cor, nem coisa boa, não. Tudo feito na canetinha e tudo com dedicatória a mim.
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