PROJETO: “Memória Local”

Somos da E.M.E.F. Presidente Epitácio Pessoa, localizada no Parque Cruzeiro do Sul em São Miguel, na cidade de São Paulo.

Era vinte e oito de julho de dois mil e seis e nossa turma, o 4o ano D, estava muito ansiosa com a visita de um antigo morador do bairro, que falaria de sua história, da história do bairro e da fundação de nossa escola.

Izidoro Basques Ramires, filho de imigrantes espanhóis, nasceu aos vinte e um de agosto de mil novecentos e treze na cidade de Mogi Mirim e foi criado em Capivari, ambas localizadas no interior de São Paulo.

Teve cinco irmãos, sendo ele o terceiro filho do casal e o primeiro a nascer no Brasil. Viveu sua infância em uma fazenda, onde fazia muitas peraltices: tomava banho de rio, açude e lagoa.

Aos seis anos perdeu o pai. Como pertencia a uma família de colonos da fazenda, desde cedo sua mãe colocou-o para trabalhar na roça. Ganhava um *tostão por dia e dava esse dinheiro a sua mãe.

Falando sobre sua infância, disse-nos que não havia brinquedos como hoje. Usava sua imaginação e criava seus próprios brinquedos: carroças, carrinhos feitos de madeira, estilingue para caçar e outros.

*Tostão : moeda brasileira antiga, de níquel, que valia cem réis.

Adorava brincar como motorista e essa paixão tornou-se sua diversão favorita e, posteriormente, sua profissão.

Ele nunca freqüentou uma escola; aprendeu a ler, escrever, fazer as quatro operações e se comunicar melhor quando já estava adulto, na cidade de São Paulo, e contou com a ajuda de sua esposa, que estudara até o quarto ano do *curso primário . À noite, sob a luz do lampião de querosene, tinha duas horas de aula. Quando terminava, suas narinas estavam pretas da fumaça do lampião.

O Sr. Izidoro disse-nos: “...Estive em São Paulo pela primeira vez, com minha mãe em mil novecentos e trinta e seis, quando tinha vinte e dois anos de idade”.

Ao chegar em São Paulo resolveu visitar alguns parentes que moravam em São Miguel. Nessa época conheceu a capela, que está localizada na praça Padre Aleixo Mafra, conhecida atualmente como “Praça do Forró”, local onde acontecem vários eventos e que é referência para quem chega ao bairro.

Ainda vivendo na fazenda, conheceu a jovem Joaquina Castilho por quem se apaixonou , casou-se em mil nove centos e trinta e oito.

Depois de casado veio definitivamente para São Paulo acompanhado por sua esposa. Foram morar em um *cortiço no bairro do Brás. Um ano depois nasceu seu único filho, João Basques Ramires. “Meu filho nasceu em casa... era meia noite, fui buscar a parteira, quando cheguei minha mãe já estava com o bebê no colo.”

*Curso primário: período das primeiras quatro séries iniciais; hoje corresponde ao ensino fundamental I.

*Cortiço: habitação coletiva de pessoas pobres

À procura de emprego, percorreu as ruas do Brás e deparou-se com a indústria Vigor onde conseguiu uma vaga, apesar de sua simplicidade, pois sua única experiência era como “carroceiro,” seu trabalho era vender leite de porta em porta. O leite era transportado em um tanque com torneira colocado numa carroça puxada a burro, e cada litro era vendido por quatrocentos réis*

O bairro antes

Em mil novecentos e sessenta, depois de muito trabalho e economia, conseguiu comprar uma casa no Parque Cruzeiro onde mora até hoje. Sobre o Parque Cruzeiro falou-nos que conheceu este local antes do *loteamento quando havia apenas sítios e chácaras, sendo difícil o acesso para outros bairros ou para Guarulhos, a cidade mais próxima. Os caminhos eram bastante estreitos, já que não haviam estradas nem automóveis. As pessoas se locomoviam a cavalo, ou através de carroça puxada por burro ou a pé.

Com saudosismo falou sobre a Lutfala que foi a primeira indústria do bairro. “...Era uma grande *tecelagem que deu emprego a muitos moradores daqui, mas eu não trabalhei nela, e para a construção dessa fábrica foi preciso mudar o curso do pequeno rio Jacuí.”

Tempos depois instalou-se no bairro uma indústria de produtos químicos chamada DRHU, que depois de alguns anos passou a ser chamada de Aquatec.

*Loteamento: terras divididas em lotes

*Réis: antiga unidade(moeda) de sistema monetário de Portugal e do Brasil

*Tecelagem: trabalho ou indústria de tecelão (indivíduo que trabalha em tecelagem).

O comércio local era pouco desenvolvido, consistia em pequenas mercearias que vendiam de tudo um pouco: arroz, feijão, produtos de limpeza, querosene, entre outras coisas, esses produtos eram vendidos por quilo, unidade, litros. Normalmente os moradores compravam fiado, suas compras eram marcadas na caderneta e pagas no final do mês. O querosene era um produto muito importante porque nem todas as casas tinham energia elétrica.

As mercadorias vinham do interior pela estrada de ferro até o bairro do Pari, de lá os carroceiros retiravam as mercadorias e entregavam nos estabelecimentos comerciais.

Naquele tempo as mulheres tinham seus filhos em casa, com ajuda das *parteiras. Quando as pessoas ficavam doentes, primeiro recorriam aos remédios caseiros à base de ervas. Somente em casos graves procuravam um médico.

Sobre os meios de transportes na época da formação do bairro, o Sr. Izidoro disse-nos que não havia ônibus como hoje, usavam carroças puxadas à burro.

Quando surgiram os primeiros ônibus, a única linha tinha uma *frota com seis ônibus e o *itinerário era de São Miguel (Praça Padre Aleixo Mafra, conhecida como “Praça do Forró,” ) até a rua Padre João no bairro da Penha. Não haviam pontos definidos de parada, bastava dar sinal que eles paravam. As ruas eram de terra e a velocidade dos carros era pequena.

* Parteira: mulher que assiste ou socorre as parturientes.

*Frota: conjunto de veículos pertencentes ao mesmo indivíduo

*Itinerário: trajeto em que o transporte deve seguir

A escola

A primeira escola do bairro surgiu em mil novecentos e cinqüenta e sete, funcionava em um galpão e tinha o nome de “Escola Municipal de Vila Constância,” possuindo quatro salas, atendendo crianças do primeiro ao terceiro ano em dois períodos: manhã e tarde.

Através de pesquisas nos documentos da escola descobrimos os diversos nomes que ela teve antes da construção do prédio de alvenaria. Inicialmente chamava-se “Terceira Escola Mista da Estrada de São Miguel” depois passou a ser “Escolas Reunidas do Parque Cruzeiro do Sul.”

Antes da escola galpão, as crianças estudavam na escola estadual Máximo de Moura Santos, localizada nas imediações na vila Jacuí ou na escola estadual Carlos Gomes em São Miguel.

O depoente lembrou também que antes da escola galpão, as crianças menores começavam a aprender as primeiras letras em casa ou com os vizinhos que as agrupavam para esse fim.

O bairro foi crescendo e sua população também, tornou-se necessário a construção de uma escola maior. O terreno onde foi construído o prédio era um pântano, um brejo com árvores e mato, o que dificultou a obra. Antes da construção foi necessário fazer aterro. O prédio de alvenaria foi inaugurado no dia vinte e quatro de março de mil novecentos e sessenta e oito com o nome de E.M.P.G. Presidente Epitácio Pessoa. Era formado por doze salas e um anexo com quatro salas complementares. Atendia também a pré-escola.

Com decorrer do tempo esse prédio passou por várias reformas que possibilitaram a ampliação do número de salas e o surgimento de outros recursos pedagógicos: salas de vídeos, de informática, sala de leitura visando melhor atender as crianças, jovens e adultos desse local.

O bairro hoje

Com o passar dos anos o bairro foi crescendo, desenvolvendo-se perdendo aos poucos suas áreas verdes, dando espaço as casas grandes e bem construídas. Atualmente dispõe de melhor infra-estrutura, possuindo saneamento básico, comércio diversificado com pequenas lojas, farmácias, mercados, padarias, escolas públicas e particulares, creches e outros.

No local das antigas indústrias atualmente há grandes lojas: hipermercado Carrefour e uma grande loja de material de construção. Entretanto, observamos que o bairro continua carente de área de laser.

Trajetória de vida

“...Sou mecânico e tenho sessenta e cinco anos de experiência como motorista profissional, dirijo até hoje. No ano de mil novecentos e quarenta e um, trabalhei como motorista de ônibus. Nesse mesmo período comprei um táxi e o ponto era na rua Xavier de Toledo centro de São Paulo, transportei muitas professoras.”

Ficamos sabendo também que na época em que o presidente Getúlio Vargas governava o Brasil, aconteceu um racionamento de combustível e ele adaptou seu táxi à gasolina para carvão.

Fazia viagens para o Rio de Janeiro e o trajeto era pela Avenida São Miguel e estrada São Paulo- Rio que atualmente é conhecida como Marechal Tito.

Seu maior sonho era fazer um motor à explosão e pôr para funcionar. Tem ferramentas para isso, porém sua família não permite, por causa de sua idade.

Contou-nos que naquela época, as roupas usadas eram feitas em casa e o tecido mais usado era o brim.

Na sua juventude não havia rádio, as músicas eram ao vivo, os instrumentos eram feitos artesanalmente, alguns feitos por ele mesmo. Durante seis anos tocou aos finais de semana em festas.

Tem saudade de sua mãe e esposa.. Falou de sua mãe de maneira carinhosa e emocionada: “Minha mãe foi uma mulher muito trabalhadora, de muita garra, criou seis filhos sozinha trabalhando na roça, era carinhosa, contava histórias, não demonstrava tristeza. Naquela época mulher não usava calça comprida, mas ela usava para trabalhar; ela faleceu aos oitenta e quatro anos.”

Ao falar de sua mulher parou e, com o olhar distante comentou: “Tenho muita saudade dela, à vezes estou no meu canto sozinho e vejo ela olhando para mim, ela faleceu há quatorze anos.”

Considerações finais

Ao terminar essa entrevista na qual os alunos estabeleceram uma boa conversa com o depoente, pude notar em cada criança um olhar de encantamento ao ouvir uma história contada com detalhes pelo próprio personagem.

Aqueles olhares não poderiam imaginar que estivessem vivendo uma aventura fora dos livros de história. O que lhes causava encantamento era a vida tão simplória do entrevistado (se contrapondo à que se vive atualmente na cidade). As crianças com atenção presa a essa aventura real sentiram o prazer da magia misturada à vida diária.

Trabalho realizado com alunos do quarto ano D no período de 14/03/2006 e 10/10/2006; com orientação da professora: Maria Galdilene Farias Tomaz e Coordenação Ana Pierri.