Professorando I
Quando ouvi as palmas e o latido intrigante do cachorro, sai correndo em direção ao portão de ripas, que a tempo, reclamava por manutenção. Como dizia minha mãe, em casa de pobre, crianças e cachorros são os primeiros a aparecer, quando chega visita...
Minhas pernas começaram a tremer, minhas mãos gelaram, e meus olhos se fecharam para não assistir a cena que inundava aquele cair de tarde, no portão de ripas.
Era quase verão e os pássaros faziam dos galhos das árvores, o seu palco, para com suas melodias, encantar a chegada da noite que aproximava-se lentamente, para não aborrecer o dia que precisava dormir, apesar de preferir ficar, para embriagar-se com aquelas melodias, que doces lembranças traziam.
O céu usava um manto azul turquesa, e os raios sonolentos do sol, abriram os braços num esforço imenso, tentando adiar a partida, podendo assim, assistir a cena do portão.
Olhei para o terreiro que acabara de ser varrido com uma vassoura confeccionada por galhos verdes, extraído do vassoural que vestia os campos, em torno da pequena casa de madeira.
Minha alma viajou, e me vi no meu primeiro dia de aula, na nova escola. Entrei pelo portão estreito e olhei ao meu redor ... nossa! Quanta “gente” diferente! Meus olhos encheram-se de lágrimas e um sabor salgado visitou meus lábios. O sinal tocou. Saiu de um pequeno sino, igual ao que as vacas carregavam no pescoço, na cidadezinha da minha primeira infância.
Sentia-me como se estivesse perdida em um deserto nu de areia, que assim se fazia, para dar lugar a muitas vozes perdidas nas asas do ar. Quando minhas forças me abandonaram e percebi que seria o caos, senti um perfume leve e um calor doce me tocando.” Você é a nova aluna? Estava ansiosa para conhecê-la’’.
Ansiosa para me conhecer? Como assim? Eu era pobre, feia, morava em uma casa sem pintura e meu pai era bêbado. Como alguém poderia querer me conhecer?
Deixei-me levar até a...
Continuar leitura
Professorando I
Quando ouvi as palmas e o latido intrigante do cachorro, sai correndo em direção ao portão de ripas, que a tempo, reclamava por manutenção. Como dizia minha mãe, em casa de pobre, crianças e cachorros são os primeiros a aparecer, quando chega visita...
Minhas pernas começaram a tremer, minhas mãos gelaram, e meus olhos se fecharam para não assistir a cena que inundava aquele cair de tarde, no portão de ripas.
Era quase verão e os pássaros faziam dos galhos das árvores, o seu palco, para com suas melodias, encantar a chegada da noite que aproximava-se lentamente, para não aborrecer o dia que precisava dormir, apesar de preferir ficar, para embriagar-se com aquelas melodias, que doces lembranças traziam.
O céu usava um manto azul turquesa, e os raios sonolentos do sol, abriram os braços num esforço imenso, tentando adiar a partida, podendo assim, assistir a cena do portão.
Olhei para o terreiro que acabara de ser varrido com uma vassoura confeccionada por galhos verdes, extraído do vassoural que vestia os campos, em torno da pequena casa de madeira.
Minha alma viajou, e me vi no meu primeiro dia de aula, na nova escola. Entrei pelo portão estreito e olhei ao meu redor ... nossa! Quanta “gente” diferente! Meus olhos encheram-se de lágrimas e um sabor salgado visitou meus lábios. O sinal tocou. Saiu de um pequeno sino, igual ao que as vacas carregavam no pescoço, na cidadezinha da minha primeira infância.
Sentia-me como se estivesse perdida em um deserto nu de areia, que assim se fazia, para dar lugar a muitas vozes perdidas nas asas do ar. Quando minhas forças me abandonaram e percebi que seria o caos, senti um perfume leve e um calor doce me tocando.” Você é a nova aluna? Estava ansiosa para conhecê-la’’.
Ansiosa para me conhecer? Como assim? Eu era pobre, feia, morava em uma casa sem pintura e meu pai era bêbado. Como alguém poderia querer me conhecer?
Deixei-me levar até a sala de aula pelas mãos doces. Não falei nada, pois não ousei levantar os olhos para o “socorro”, mesmo assim percebi que era bonita.
Entreguei a ela meus cadernos, com receio de que os achasse feios, pois minha mãe havia feito os mesmos, com folhas sem uso, que ganhara da vizinha. “Amanhã te devolvo, vou dar uma olhada”.
Meu Deus! Como demorou chegar o amanhã.
Passei pelo portão estreito, na manhã seguinte, quando tudo ainda era deserto. Sentei-me em um banco e permaneci ouvindo meu coração... sua melodia ecoava pelo ar, entoando uma melodia dolorida, porém, agasalhada de uma alegria jamais vivenciada.
De repente, ouvi passos apresados e voltei para a realidade. O sinal havia tocado. Aconcheguei-me em minha carteira e olhei para ela, que estava a um palmo da minha pessoa. “Lindos seus cadernos, sua mãe é muito caprichosa. Parabéns”.
Tive vontade de abraçá-los e beijá-los, mas limitei-me a acariciá-los. Foi nesse instante que percebi que os mesmos tinham” figuras” de gibi colada na capa, e em cada capa, uma frase diferente. Na primeira capa li: “você vai longe”.
Meus olhos foram ao encontro dos olhos dela, e o sorriso foi mútuo. Com o passar do tempo descobri que os cadernos dos colegas também tinham “figuras de gibi’ coladas e frases bonitas. Foi encantadora aquela descoberta. Grandiosa surpresa foi no dia em que antecedia o exame final. A diretora adentrou a sala. Levantamos todos juntos e com uma bonita entoada a saudamos: “Bom dia, senhora diretora”.
Depois do aceno de mão da diretora, nos sentamos sem entoar barulho algum, pois iriámos ouvir as orientações para o dia seguinte. Explicou-nos que a partir daquele ano, 1973, não haveria mais o exame de admissão, mas em compensação, o exame final seria mais rígido, e aplicado por uma professora que ela iria escolher.
Disse-nos que deveríamos estudar bem o dicionário, porque haveria no ditado, uma palavra dificílima.
Eu estava perdida... não tinha dicionário para estudar... Passei a manhã pensando na tal palavra.
Quase na hora do pequeno sino entoar a melodia da despedida, com voz firme, não deixando de ser doce e gostosa, a professora desejou boa sorte, e no meio de um sorriso, disse que achava difícil estudar o dicionário todo, e que se ela fosse um de nós, treinaria a escrita da palavra CRUCIFIXO.
Nunca mais esqueci como se escreve CRUCIFIXO.
O exame aconteceu, fui aprovada. Mas ao contrário dos colegas, não comentei sobre viagens ou passeios durante as férias; e muito menos onde iria estudar no próximo ano, já que o quinto ano não tinha ali...
Quando minha alma voltou da viagem, tudo estava como na hora da partida, afinal alma é como pensamento, tem a velocidade da luz. Minha professora estava em frente ao portão da minha casa, que nem sala para visitas, tinha.
Minha mãe estava ao meu lado e tinha no rosto a admiração, acompanhada de um acanhamento sombrio e interrogativo. ‘’ Entre professora... só não repare a pobreza...”
Surpreendentemente minha professora deu um abraço em minha mãe, e entrou na humilde cozinha, segurando minha mão...igualzinho como no primeiro dia. “Vim saber onde minha aluna vai estudar, no próximo ano”.
Minha mãe olhou para mim, abaixou a cabeça, e com os olhos tomados pelas lágrimas, explicou que eu não iria estudar, por falta de condições para pagar a condução.
A professora me abraçou e entregou-me um embrulho dizendo: “Não esqueça que você vai longe”. Agradeci o presente e ao abri-lo fiquei encantada. Era um pequeno lampião com perfume dentro. Abracei, beijei, coloquei novamente na caixa e tirei da caixa, tantas vezes, que ao amanhecer, ele estava quebrado.
Foram quatro anos andando a pé 5 Km para ir e 5 km para voltar, todos os dias, até concluir a oitava série...
Quando entrei em sala de aula, lembrei-me da professora que me fez chegar até ali. Recortei e colei “figuras de gibi” em infinitos cadernos, visitei inúmeras casas, (algumas ricas, outras que nem cozinha tinham), ensinei escrever palavras difíceis e a ler dicionários...
Obrigada professora...
Recolher