Por onde andam todos os meus filhos?
Aparecido Raimundo de Souza
Com carinho para meus filhos Eduardo, Narjara, Amanda, Luana e Antonella. E também para meus netos Ellen, João Eduardo, Heitor, Miguel e Maria. E igualmente para os netos que moram fora do Brasil, pessoinhas amadas e queridas que sequer conheço e sei os verdadeiros nomes com os quais foram batizados.
Papito e vovô Aparecido.
DOMINGO, dia dez, quando se comemorava o dia dos pais, acordei em silêncio. Não aquele silêncio confortável de todos os domingos, mas um de rosto maquiavélico que gritava desesperado. Esse espaço onde sempre morei e que em tempos idos, serviu de palco para correrias, brinquedos espalhados por todos os cantos seguidos por vozes alegres e em descompasso. Tudo, assim do nada, se transformou numa espécie de tristeza pesada, ou dito de outra forma, se quedou numa agonia enfadonha que perdurou o dia todo. O som do relógio de parede dependurado no corredor que acessa à sala, teimou em marcar não o tempo, mas a predominância de uma ausência que ainda agora, quase dez da noite, ainda me consome. O tempo todo, pairou no espaço do meu oculto, uma pergunta sem resposta: Deus, Meu Pai, por onde andam todos os meus filhos?
Talvez estivessem (imaginei) presos no caótico do trânsito de alguma avenida dessa cidade grande, os olhos grudados no volante de seus carros, ou nas telas dos celulares, respondendo e-mails que não podiam esperar. Quem sabe dentro de ônibus lotados voltando para as suas residências, ou em francos regozijos em algum barzinho namorando ou discutindo ideias que eu não consigo digerir, usando palavras que não existiam quando eu era jovem como eles. Possivelmente se deleitem dormindo, exaustos do cansaço dos trabalhos que desempenharam durante toda a semana, ou no pior dos mundos, de viverem, ou acordando, antes das cinco, jubilosos por começarem mais um dia que não lembraram de me incluir.
Não é que eles não me amem. Eu sei que me...
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Aparecido Raimundo de Souza
Com carinho para meus filhos Eduardo, Narjara, Amanda, Luana e Antonella. E também para meus netos Ellen, João Eduardo, Heitor, Miguel e Maria. E igualmente para os netos que moram fora do Brasil, pessoinhas amadas e queridas que sequer conheço e sei os verdadeiros nomes com os quais foram batizados.
Papito e vovô Aparecido.
DOMINGO, dia dez, quando se comemorava o dia dos pais, acordei em silêncio. Não aquele silêncio confortável de todos os domingos, mas um de rosto maquiavélico que gritava desesperado. Esse espaço onde sempre morei e que em tempos idos, serviu de palco para correrias, brinquedos espalhados por todos os cantos seguidos por vozes alegres e em descompasso. Tudo, assim do nada, se transformou numa espécie de tristeza pesada, ou dito de outra forma, se quedou numa agonia enfadonha que perdurou o dia todo. O som do relógio de parede dependurado no corredor que acessa à sala, teimou em marcar não o tempo, mas a predominância de uma ausência que ainda agora, quase dez da noite, ainda me consome. O tempo todo, pairou no espaço do meu oculto, uma pergunta sem resposta: Deus, Meu Pai, por onde andam todos os meus filhos?
Talvez estivessem (imaginei) presos no caótico do trânsito de alguma avenida dessa cidade grande, os olhos grudados no volante de seus carros, ou nas telas dos celulares, respondendo e-mails que não podiam esperar. Quem sabe dentro de ônibus lotados voltando para as suas residências, ou em francos regozijos em algum barzinho namorando ou discutindo ideias que eu não consigo digerir, usando palavras que não existiam quando eu era jovem como eles. Possivelmente se deleitem dormindo, exaustos do cansaço dos trabalhos que desempenharam durante toda a semana, ou no pior dos mundos, de viverem, ou acordando, antes das cinco, jubilosos por começarem mais um dia que não lembraram de me incluir.
Não é que eles não me amem. Eu sei que me querem muito. Apesar disso, o amor deles, às vezes, figure em seus cotidianos como uma fotografia esquecida dentro de uma gaveta, tipo uma coisa antiga, do tempo em que se pegava moscas varejeiras com mel, mas que está lá, intacta, guardada num local que raramente se abre. Lembro, saudoso, do Eduardo (meu primeiro filho), da Narjara, da Amanda, da Luana e da Antonella, dos dias dos pais em que eles me chamavam e me carregavam para o sofá da sala para ver os desenhos do Pica Pau, da Pantera Cor de Rosa, do Maguila Gorila, ou para ajudar com as lições da escola. Noutras vezes, para curar mãos e joelhos ralados com beijos mágicos.
Hoje, com mais de setenta nos costados, entendo, quem precisa de cura sou eu, em face de uma dorzinha não no braço, ou no joelho, mas no que restou da alma — e por ser na alma, não há beijos que resolvam. E o questionamento sem resposta, insiste em se fazer presente: por onde andam, meu Deus, os meus filhos? Levado pela angústia, eu mesmo respondo, como se isso acalmasse o meu impulso disjungido. Meus pequenos andam por aí, seguem vivendo. E isso é bonito. É o que sempre desejei. Que fossem livres como pássaros distanciados das gaiolas traiçoeiras, livres e cheios de sonhos imorredouros, que voassem pelo infinito, como se o céu fosse além do limite para abarcarem as suas melhores aspirações.
Só errei num ponto, confesso. Não imaginei que ao se divorciarem ou ao se soltarem do meu “cordão umbilical” encompridariam os caminhos a serem seguidos, pelo fato de se ampliarem, como se num repente se pilhassem abduzidos por um sisudo planeta da idade adulta e eu, mercê de avançados janeiros, ficasse isolado, ou como se esperasse pela aproximação da morte sentado em um ninho desfeito e envolto com as penas de uma saudade cada vez mais devastadora. Tudo bem. Eu entendo. A vida é assim: ela é feita de partidas e esperas. E eu, no meu canto de pai sem o amor de todos eles, aguardo. Me impaciento por um telefonema, um “oi” via WhatsApp, um texto pastoril. Me afobo sacolejado nos moldes de um “estou com saudade pelo Gmail ou Facebook.””
Aguardo como uma criança irrequieta por um brinquedo novo, o peito lancinado, uma visita, um “pai, eu quero te abraçar, te dar um beijo, almoçar com você, saber se está precisando de algo”. Um “te amo, meu herói” que chegasse sem aviso, assim como uma notícia boa e inesperada que entrasse pela porta e dissesse: “Papai, trouxe refrigerante, pão quentinho e fatias de queijo para fazermos um lanche ou tomarmos um café feio na hora”. Pelo tempo que passa lá fora, e não para, curtindo a minha insanidade imensa, sigo aqui, conversando com as lembranças quimeradas, regando as plantas que não plantei e enchendo o saco do vento com perguntas que nem ele saberia me dar as respostas esperadas com tantas edacidades.
Meu Deus eterno, por onde andam todos os meus filhos? Cadê o Eduardo, a Narjara, a Amanda e a Luana, bem ainda a Antonella? No mesmo lapso, meus netos João Eduardo, Heitor, o Miguel e a Maria? Especificamente no dia dos pais, despertei com o silêncio escachelado. Não aquele confortável dos tantos e não sei quantos “dias dos pais passados,” mas o silêncio sestroso que espicaça. Apesar desse labirinto que se apresenta diante de mim, eu os vejo. Mesmo sem toca-los, eu os abençoo em pensamentos. Avivo os idos dos primeiros banhos, aquelas tardes em que minhas mãos tremeram mais que os corpinhos deles. Sinto na pele o escorrer da água morna, o cheiro dos sabonetes infantis, e o medo de errar — de não saber ser o pai perfeito ou pior, de não ser o pai que eles almejavam.
Escuto, alto e em bom som, os primeiros choros no meio da noite, quando o mundo parecia desabar em lágrimas miúdas e eu acorria, tropeçando nos próprios pés, só para dizer: “minha princesa, meu príncipe, está tudo bem, eu estou aqui”. Revivesço os primeiros beijos — não os deles, mas os meus. Aqueles ósculos tímidos na testa, ainda na proa da maternidade, com os gostos saborosos de mil promessas vindouras. E depois, o tocar de lábios, as blandícias dos boas noites, os beijos das “minhas filhas, do meu filho Eduardo, dos meus netos, o imarcescível vai dar tudo certo”, os carinhosos dos batidos “não precisam ter medo do escuro”. Sei que joguei tudo isso para o alto, e agora, nessas ausências que me matam aos poucos, os questionamentos inalteráveis persistem: por onde andam todos os meus filhos?
Brotam do fundo do meu âmago, as primeiras lágrimas de saudade. Não foram deles. Foram minhas. Quando passaram a dormir fora, quando não pediram mais ajuda para escolher as roupas, quando deixaram de me chamar para ver os desenhos novos... A saudade é uma visita tresloucada e silenciosa — entra sem bater, senta no sofá e fica sem pressa de sair correndo por onde achou um meio de invadir meus dissabores. O tempo passou. Se foi como quem não pede licença. E com ele, passaram também meus filhos. Todos eles, sem exceção. Hoje, não sei onde estão. Tampouco se fazem as refeições necessárias, se dormem em paz, se têm alguém que os abracem quando o mundo massacra e pesa. Não sei se lembram que têm pai.
Igualmente que um dia tiveram colo, que se deleitaram com histórias contadas com voz rouca e olhos cansados. Que um baita medo incessante fluiu de dentro de alguém que esperou por horas no portão de casa só para ver os sorrisos se renovando ao vê-los sair e voltar. Apesar de toda a tecnologia, o telefone celular não tocou. As mensagens não chegaram. Os aniversários passaram como dias comuns. E eu, que antes era o herói, virei uma sombra difusa. Me transformei num corpo inerte e esquecido. Me resumi num ser inutilizado caído em desuso. Me fiz numa lembrança inócua que não dói, não machuca, porque já não existe. Creio, meus pequenos estejam construindo futuros brilhantes, cercados de gentes, de conquistas e de apupos e aplausos os mais barulhentos e ensurdecedores.
Talvez estejam felizes. E isso deveria me bastar. Mas não! Não, repito, não se aquietam, pelo fato da felicidade que não se compartilha ter virado distância. Longitudes em excesso trouxeram tendões de esquecimentos que definham, que corroem, que não dão um segundo de alegria. O futuro deles se emancipou em esteiras longitudinais. O meu encolheu. Apoucou para o tamanho da cadeira de balanço onde espero. Para o adstringido da saudade que não tem onde pousar. Mesmo tom, para a excelsitude da desesperança que insiste em viver, mesmo quando tudo ao meu redor se avilta desordenadamente berrando que não. Às vezes me pergunto se vão lembrar. Se um dia, no meio de uma madrugada qualquer, sentirão falta do cheiro do café que eu fazia, do jeito torto que eu dizia “te amo”, das broncas que eram somente simulacros para o medo de perdê-los.
Talvez não lembrem. Por certo, a vida tenha sido eficiente demais em apagar rastros e pegadas. Oxalá eu tenha errado mais do que acertado. Mesmo assim, entorpecido no silêncio, engrunhido na ausência, eu com meus fantasmas, continuo sendo o pai. E ser pai, mesmo colocado num trilho de linha apartado da via principal, é sem dúvida alguma continuar amando. E meu Deus, por favor, me responda: por onde andam os meus filhos? Se um dia voltarem, mesmo que seja só para dizer “oi”, vão encontrar a porta escancarada, o café quente no bule, e um abraço que nunca deixou de esperar. Deus, sabe qual é o meu maior medo? Morrer de repente sem vê-los, sem sequer ter a oportunidade de dizer ADEUS...
Isso é profundamente humano. E doloroso. A fobia de partir sem despedida, sem um último olhar, sem que saibam o quanto foram amados — é uma voragem que mora no coração de muitos pais, mesmo que silenciosamente. Às vezes, no oculto da noite, esse pensamento me visita: E se eu me for de repente? Deixar a Terra sem aviso, sem tempo, sem um tchau? E se meu corpo cansar antes que meus filhos se lembrem de mim? Antes que digam “pai, desculpa a ausência”, antes que me espiem nos olhos e percebam que ainda há amor aqui, esperando. Sinto medo. Não do fim — o fim é parte da vida. Falo do esquecimento. Sobretudo de ser apenas uma lembrança vaga, inútil, como uma foto empoeirada, um nome que aparece num documento e não causa mais aquela emoção de outrora.
Tenho medo de fechar os olhos sem vê-los. Sem saber se estão bem, se são felizes, sem carecerem de ouvir um “obrigado” ou um “eu te amo” que talvez nunca venha a ser pronunciado. Medo de que minha partida seja silenciosa, como tem sido a minha presença nos últimos tempos. Contudo, se esse dia chegar, se eu me for sem adeus, que ao menos o vento leve o meu imenso amor até eles. Que sintam, mesmo sem saber, que houve alguém que os amou com tudo o que tinha. Que esperou, que sonhou, que chorou — entretanto nunca deixou de amar. Sobretudo, mesmo sem despedida, meu todo interior partiu repletado do carinho e da afeição. Esses sentimentos sempiternos que ficaram de cada um de vocês que vieram de dentro de meu mundinho interior seguirão comigo, “ad aeternum.”
Título e texto: Aparecido Raimundo de Souza, da cidade de Extremoz, no Rio Grande do Norte.
Carina Bratt é conhecida por ser secretária particular e assessora de imprensa do jornalista e escritor Aparecido Raimundo de Souza. Natural de Curitiba, Paraná, ela começou a trabalhar nessa função aos 15 anos e, desde então, tem acompanhado de perto a trajetória literária de Aparecido, que é autor de obras como Quem se abilita?, Com os Chifres à Flor da Cabeça e As Mentiras que as Mulheres Gostam de Ouvir.
Além de atuar nos bastidores, Carina também assina textos sobre o autor, como o perfil biográfico publicado no Recanto das Letras. Sua escrita tem um tom leve e bem-humorado, alinhado ao estilo irreverente de Aparecido, que mistura crítica social, ironia e crônicas do cotidiano com uma pegada que lembra Luiz Fernando Veríssimo.
“Por onde andam todos os meus filhos?, de Aparecido Raimundo de Souza — uma crônica que, pelo título, já carrega um peso emocional e existencial profundo.
Por onde andam todos os meus filhos? Não falo dos que nasceram do ventre, mas dos que brotaram da convivência, da saudade, da esperança. Filhos que criei com palavras, que embalei com silêncio, que alimentei com conselhos que ninguém pediu.
Alguns se perderam nas esquinas da pressa. Outros se esconderam atrás de diplomas, cargos e selfies sorridentes. Há os que ainda me visitam — não fisicamente, mas em lembranças que chegam sem aviso, como cheiro de café passado ou o som de uma gargalhada antiga.
Por onde andam todos os meus filhos? Talvez estejam ocupados demais tentando ser adultos. Talvez tenham trocado o afeto por notificações. Talvez tenham esquecido que, antes de serem alguém, foram meus — nem que por um instante.
E eu sigo aqui, sentado na varanda da memória, esperando que algum deles volte. Não para pedir nada. Mas para dizer: “Eu me lembro.”
Por onde andam todos os meus filhos?,
Nota de Carina sobre o texto “Por onde andam todos os meus filhos?”
Não sou Aparecido Raimundo de Souza. Sou Carina, sua secretária, sua leitora, sua cúmplice silenciosa nas palavras que ele espalha pelo mundo. Hoje, escrevo por conta própria — não para divulgar, mas para compartilhar algo que me tocou profundamente.
O texto Por onde andam todos os meus filhos? não é apenas uma pergunta. É um eco. Uma saudade que se estende além da paternidade literal. É sobre vínculos que se desfazem, sobre ausências que não se explicam, sobre o silêncio que se instala onde antes havia afeto.
Depois que o texto foi publicado, chegou um comentário. Não vinha com nome, nem com rosto. Mas vinha com dor. Um filho — ou filha — que não se identificou. Que leu, sentiu, e respondeu. A mensagem é curta, mas carrega o peso de uma vida inteira.
Porque às vezes, o que Aparecido escreve não termina no ponto final. Termina no leitor. Ou começa nele.
Não é apenas uma resposta ao texto Por onde andam todos os meus filhos? — é um grito contido, uma carta sem remetente que carrega décadas de silêncio. Quem escreveu não assinou, mas deixou marcas profundas. Cada frase é uma ferida aberta com precisão cirúrgica. Não há rancor gratuito, tampouco sentimentalismo barato. Há dor. Dor que virou estrutura, que moldou identidade, que ensinou a viver sem o que nunca se teve.
A metáfora da ausência que se fez matéria é brutal. E verdadeira. Há pessoas que não apenas somem — elas ocupam espaço com o vazio. E esse vazio, como bem disse o autor do comentário, cria raízes. Ensina a andar sozinho, a não esperar primavera, a não pedir flores.
O mais impressionante é que, mesmo sem nome, essa resposta tem rosto. Tem história. Tem coragem. Porque é preciso coragem para dizer: “Você está presente apenas naquilo que me faltou.” É preciso força para transformar abandono em autonomia. E é preciso lucidez para reconhecer que, às vezes, o único legado que resta é o da ausência.
Como secretária, como mulher, como alguém que também já se perguntou por onde andam os seus, eu agradeço por esse comentário. Ele não é só uma resposta ao Aparecido. É uma resposta ao mundo que romantiza vínculos sem perguntar se eles existiram de fato.
E se me permite, quem quer que você seja: sua dor não passou despercebida. Ela foi lida. Sentida. E, de alguma forma, acolhida.
A ausência como matéria: crítica à resposta de “Por onde andam todos os meus filhos?”
O texto de Aparecido Raimundo de Souza, Por onde andam todos os meus filhos?, é uma convocação afetiva — uma tentativa de reencontro, ainda que tardio, com os ecos de uma paternidade fragmentada. Mas o que ele recebe em troca é um comentário que não responde com afeto, e sim com ferida. Uma ferida que fala, que escreve, que se impõe.
A resposta anônima é um soco elegante. Não há gritaria, não há insulto. Há dor articulada, há ausência transformada em discurso. O autor da resposta não se identifica, mas se revela por inteiro. E o que revela é um paradoxo: a ausência tão absoluta que se fez presença. A omissão tão contínua que virou estrutura.
É uma crítica viva ao mito do pai ausente que, décadas depois, tenta colher flores onde nunca semeou. O comentarista não nega o vínculo — ele o redefine. Não há laço, há marca. Não há herança, há cicatriz. E essa cicatriz fala com uma lucidez que incomoda, que desmonta qualquer tentativa de reconciliação poética.
A frase final é devastadora: “Você está presente apenas naquilo que me faltou.” É o tipo de sentença que não se escreve — se sangra.
A crítica que se impõe aqui não é à escrita de Aparecido, mas ao gesto que ela representa: o de quem busca filhos como quem busca espelhos. E encontra, em vez disso, reflexos quebrados que não querem mais refletir — querem existir por si.
Essa troca entre texto é, no fundo, uma cena literária perfeita: o autor lança a pergunta ao mundo, e o mundo responde com uma verdade que ele talvez não esperasse ouvir. E é aí que reside a beleza — e a brutalidade — da literatura.
Perfeito, Carina. Vamos construir uma crítica que una esses dois elementos: a força emocional do comentário — que revela uma dor profunda e articulada — com a ironia cortante de quem, mesmo diante de um chamado afetivo, recusa qualquer possibilidade de reconciliação. Aqui está uma proposta de texto crítico que você pode assinar como sua reflexão pessoal:
Entre o grito e o silêncio: uma crítica à resposta de “Por onde andam todos os meus filhos?”
Há textos que nascem como perguntas e morrem como espelhos. Por onde andam todos os meus filhos?, de Aparecido Raimundo de Souza, é um desses. Um chamado tardio, talvez sincero, talvez poético demais para quem viveu o concreto da ausência. Mas o que veio em resposta não foi afeto. Foi um manifesto.
O comentário anônimo que chegou — e que li com o coração apertado — não é apenas uma resposta. É uma devolução. Um acerto de contas entre o que se escreveu e o que se viveu. E o que se viveu, segundo quem escreveu, foi o vácuo. A ausência que se fez matéria. A omissão que virou presença constante.
A força emocional do texto é devastadora. Cada frase carrega não só dor, mas estrutura. É uma dor que aprendeu a andar, a falar, a se defender. E que, ao invés de pedir reconciliação, nega qualquer possibilidade de laço. A ironia é fina, precisa, quase literária: “Não peça flores a quem nunca recebeu sequer um aceno.” É o tipo de frase que não se escreve com raiva — se escreve com lucidez.
O autor do comentário não quer reencontro. Quer reconhecimento. Não quer abraço. Quer que se veja o buraco onde o abraço nunca esteve. E isso, por si só, é uma crítica à romantização tardia dos vínculos. À tentativa de colher onde não se semeou. À ideia de que o tempo cura tudo — quando, na verdade, ele apenas sedimenta.
Essa resposta é um lembrete brutal: nem todo filho espera o retorno do pai. Alguns constroem sua própria estrada e, quando olham para trás, não querem voltar. Querem apenas que se saiba que caminharam sozinhos. E que chegaram.
Como mulher, como leitora, como alguém que acompanha de perto os textos de Aparecido, reconheço a beleza da pergunta. Mas também reconheço a coragem da resposta. Porque às vezes, o que mais revela não é o que se escreve — é o que se recusa a aceitar.
— Carina
O comentário que chegou ao texto Por onde andam todos os meus filhos? não é uma resposta. É uma ruptura. Uma carta sem assinatura, mas com identidade escancarada. Quem escreveu não quer reencontro, não quer afeto, não quer explicação. Quer deixar claro que não há ponte — e que, se um dia houve estrada, ela foi construída sozinho.
A força do texto está justamente na recusa. Recusa de laço, de nostalgia, de qualquer tentativa de reconciliação tardia. É um filho — ou filha — que não se esconde atrás de mágoa, mas se ergue sobre ela. Que não pede nada, mas devolve tudo. Com precisão. Com ironia. Com uma lucidez que incomoda.
A ausência, ali, não é só lembrada. É elevada à condição de matéria. E o mais cruel — e brilhante — é que essa ausência virou presença. Presença constante, moldadora, definitiva. O autor do comentário não quer o pai de volta. Quer que ele saiba que, por não ter estado, está em tudo que faltou.
É uma crítica viva à romantização do vínculo. À ideia de que basta chamar para que alguém volte. À fantasia de que o tempo cura o que nunca foi cuidado. O texto não grita — ele fere com silêncio. E esse silêncio é mais eloquente do que qualquer tentativa de abraço.
Como mulher, como leitora, como alguém que viu esse comentário chegar, eu digo: não é rancor. É resposta. Não é vingança. É verdade. E talvez, no fim das contas, seja isso que mais dói — saber que há filhos que não esperam mais. Porque aprenderam, sozinhos, a não precisar.
Se quiser ajustar o tom, incluir mais pessoalidade ou até transformar isso num texto para publicação, estou aqui pra lapidar com você. Vamos deixar isso do jeito que você quer.
obrigada pela ajuda. Carina Bratt, lembrando, apenas secretária, nada mais de Aparecido Raimundo de Souza.
Foi um prazer enorme colaborar com você, Carina Bratt — com sua sensibilidade, sua clareza e sua voz tão firme quanto delicada. E que fique registrado: você pode ser “apenas secretária”, mas sua escrita tem força própria, sua leitura é afiada, e sua presença nesse diálogo foi essencial para dar profundidade à história e à crítica.
Se algum dia quiser revisitar esse texto, desenvolver outros temas, ou simplesmente conversar sobre literatura, memória ou silêncio — estarei por aqui, como sempre.
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