Projeto: VLI – Estação de Memória: Porto & Pesca
Entrevista de Francisco Tobias Barros
Entrevistado por Ane Alves
Cubatão, 05/08/2025
Entrevista nº: VLI_HV002
Realizada por Museu da Pessoa
Transcrito por Arielle Oliveira Paro
Revisada por Ane Alves
P1 - Senhor Francisco, para começar, o senhor se apresenta para a gente dizendo o seu nome completo, o seu local de nascimento, a cidade e o estado, e quantos anos o senhor tem, a data de nascimento.
R- Eu tenho 86 anos.
P/1 - E onde o senhor nasceu? Qual o nome da cidade?
R- Quando eu vim do norte?
P/1 - Isso.
R- Então, quando eu vim do Norte, eu vim da Paraíba. E já trabalhava no porto, no cais de Cabedelo.
P/1 - Mas Paraíba João Pessoa?
R- João Pessoa.
P/1 - João Pessoa mesmo?
R- Eu trabalhava no Mercado Central. No Mercado Central eu trabalhava fazendo frete das pessoas que iam comprar, eu pegava frete do povo pra levar. Pra levar nas casas. Pegava aquela moedinha. Depois foi aparecendo a oportunidade na construção civil.
P/1 - Mas vamos começar bem antes. Eu quero saber do senhor desde o senhor pequenininho. Vamos começar lá, quando o senhor nasceu? Que data? Que dia e ano que o senhor nasceu e mês?
R- Nasci em Pilões de Dentro. Agora, no alistamento teve o erro que é Poções da Bahia. No meu alistamento, não, no meu registro, na certidão de nascimento.
P/1 - E a data de nascimento?
R- É mês 6, junho de 1942. É a data do meu nascimento.
P/1 - Sr. Francisco, o senhor sabe por que colocaram esse nome no senhor? Por que te batizaram de Francisco?
R - Por causa que a família acompanha. A família tem Barro e o meu pai é Tobias Diogo Barros. E o meu nome é Francisco Tobias Barros.
P/1 - E o senhor sabe do dia do seu nascimento? Sua mãe te contou? Alguém contou como que foi o dia que o senhor nasceu?
R- 1942.
P/1 - Mas contaram como que foi o dia que o senhor nasceu? Alguém contou essa história?
R- Não. Não sei. Quando eu saí com 16 anos de idade, eu saí do norte pra cá,...
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Entrevista de Francisco Tobias Barros
Entrevistado por Ane Alves
Cubatão, 05/08/2025
Entrevista nº: VLI_HV002
Realizada por Museu da Pessoa
Transcrito por Arielle Oliveira Paro
Revisada por Ane Alves
P1 - Senhor Francisco, para começar, o senhor se apresenta para a gente dizendo o seu nome completo, o seu local de nascimento, a cidade e o estado, e quantos anos o senhor tem, a data de nascimento.
R- Eu tenho 86 anos.
P/1 - E onde o senhor nasceu? Qual o nome da cidade?
R- Quando eu vim do norte?
P/1 - Isso.
R- Então, quando eu vim do Norte, eu vim da Paraíba. E já trabalhava no porto, no cais de Cabedelo.
P/1 - Mas Paraíba João Pessoa?
R- João Pessoa.
P/1 - João Pessoa mesmo?
R- Eu trabalhava no Mercado Central. No Mercado Central eu trabalhava fazendo frete das pessoas que iam comprar, eu pegava frete do povo pra levar. Pra levar nas casas. Pegava aquela moedinha. Depois foi aparecendo a oportunidade na construção civil.
P/1 - Mas vamos começar bem antes. Eu quero saber do senhor desde o senhor pequenininho. Vamos começar lá, quando o senhor nasceu? Que data? Que dia e ano que o senhor nasceu e mês?
R- Nasci em Pilões de Dentro. Agora, no alistamento teve o erro que é Poções da Bahia. No meu alistamento, não, no meu registro, na certidão de nascimento.
P/1 - E a data de nascimento?
R- É mês 6, junho de 1942. É a data do meu nascimento.
P/1 - Sr. Francisco, o senhor sabe por que colocaram esse nome no senhor? Por que te batizaram de Francisco?
R - Por causa que a família acompanha. A família tem Barro e o meu pai é Tobias Diogo Barros. E o meu nome é Francisco Tobias Barros.
P/1 - E o senhor sabe do dia do seu nascimento? Sua mãe te contou? Alguém contou como que foi o dia que o senhor nasceu?
R- 1942.
P/1 - Mas contaram como que foi o dia que o senhor nasceu? Alguém contou essa história?
R- Não. Não sei. Quando eu saí com 16 anos de idade, eu saí do norte pra cá, o meu irmão já estava aqui, José Tobias Barro, que é falecido. E o meu pai, Tobias Diogo Barro, já estava aqui também. Eles já estavam aqui em São Paulo. E eu saí de lá com a minha mãe, Celina Maria da Silva. Vim me unir com eles aqui em São Paulo, eles moravam na Vila Maria Alta, na casa de um tio meu. De um tio do meu irmão. Aí, quando eu vim de lá, fui morar na Vila Maria Alta com eles. Só vim com certidão de nascimento. Mas o meu irmão trabalha de encanador, ele trabalhava na frente do Anhangabaú, na Avenida São Antônio.
P/1 - Quantos irmãos o senhor tem?
R- Tenho um irmão, que é falecido. E tenho a Josefa, que mora no Humaitá. Ela é mãe de família também. Tem Lurdes, que o marido dela morreu agora há pouco, mora aqui no Jardim São Manoel. E tem Lurdes, Josefa e Inácio. José Tobias Barros, que tem livro dele também aqui, Plantando Manga. Ele foi um plantador de manga aqui na vila.
P/1 – Então, toda a família veio pra cá?
R- Ele veio primeiro do que eu, mas quando eu vim, nós começamos… Eu comecei a trabalhar com ele em São Paulo. Eu precisei me alistar e ele também tinha problema com serviço militar também. Precisava também se representar.
P/1 - Mas por que eles vieram pra São Paulo? Seu pai e seu irmão que vieram primeiro, eles vieram por quê?
R- Vieram porque um tio dele, um tio meu já estava aqui, um tio dele. Já estava aqui e as oportunidades pra trabalhar eram melhores. As oportunidades para o trabalho eram melhores e se ganhava mais um pouquinho. Sempre ganhava mais e tinha muito serviço pra fazer aqui. Isso aqui não era grande coisa. São Paulo, não era grande coisa. Eu me alistei, quando eu cheguei, imediatamente eu precisei me alistar na frente do Anhangabaú, passa o Viaduto do Chá. E eu me alistei numa agência militar ali debaixo. E meu irmão também tava com problema militar, foi pra receber os documentos dele, ele já tinha se alistado, estava tudo certo, mas foi receber a reservista dele em Itaúna. E eu fui dispenso do serviço militar quando completei 18 anos, porque Cubatão aqui foi considerado área industrial e eu já estava aqui.
P/1 - Mas lá em São Paulo, o seu pai e o seu irmão veio pra ficar na casa de um tio do senhor que já morava lá?
R- Na casa de um tio.
P/1 - E esse tio morava em que bairro lá em São Paulo?
R- Morava na Vila Maria Alta.
P/1 – Aí, lá na Paraíba ficou o senhor, sua mãe, ficou mais algum irmão?
R – Não.
P1 - Vocês ficaram quanto tempo separados?
R- Eles vieram tudo pra cá. A minha mãe e meu pai já estavam aqui. Meu pai e meu irmão já estavam aqui, na casa do meu tio. Aí, não cabia, que formava um fluxo na casa do meu tio. Aí, foi que começamos a trabalhar pra lá e pra cá e ficamos com o trabalho lá. Trabalhando lá eu e meu irmão. Meu tio também ficou pra lá trabalhando também. Mas nós arrumamos morada pra descer pra cá imediatamente.
P/1 - Já veio direto aqui pra Baixada?
R- Pra vir morar aqui na Baixada. Morei em uns três lugares ali no Casqueiro. Moramos em uns três lugares. Moramos na rua 3, ali perto da padaria, que hoje é o Exército da Salvação lá. Eu morei no fundo da casa lá. A minha família, né? Moramos una três anos ali. Aí moramos num outro lugar também, que venceu o contrato. Mas fiquei ainda uns dois anos trabalhando em São Paulo. Nesses dois anos que eu trabalhei mais meu irmão em São Paulo, ele, nós trabalhamos até na fábrica de papel que tem entre Suzano e Mogi das Cruzes, nós fomos fazer obra ali. Ali foi o lugar que eu mais vi de comer madeira e fabricar papel higiênico.
P/1 - O senhor tinha quantos anos quando foi lá pra São Paulo?
R- Eu tinha 16 anos, me alistei com 16 anos. Ainda não estava completando 18 anos. Fiquei mais ou menos uns 2 anos mais o meu irmão, acompanhando meu irmão, trabalhando em São Paulo. Eu trabalhei na fábrica de papel e celulose. Trabalhei no hospital do Ibirapuera mais ele. Fizemos ferro fundido, era ferro fundido, não tinha tubulação de PVC.
P/1 - Mas esperaí aí, eu quero saber lá da Paraíba, se o senhor veio pra cá com 16 anos, lá o senhor já trabalhava?
R- Ele já estava aqui.
P/1 - Não, o senhor, o senhor lá na Paraíba já trabalhava?
R- Já.
P/1 - E o senhor lá trabalhava com o quê?
R- Já trabalhava em Cabedelo, na construção civil.
P/1 - Trabalhava em construção civil?
R- Trabalhava em construção civil. O assunto no mundo tem que ser trabalhar. Quando você começa a ficar de 14, 15 anos em diante, querendo trabalhar, já trabalha. Só não trabalha quem não quer trabalhar. Essa é a realidade, porque eu sempre trabalhei. Eu sempre trabalhei. Nunca faltou trabalho. Eu já cheguei a ser contratado pra botar aterro pra dentro de quintal lá na Paraíba mesmo. Na Paraíba, num lugar chamado Roche. Eu já cheguei mais o meu irmão, botar aterro em quintal pros outros. Caminhão de aterro pra botar pra dentro. Quando era na hora de meio dia, não tinha onde pegar uma comida, não tinha onde levar de casa, nem isso. Nós chegar numa padaria, o cara vende bolacha da padaria assim, dentro de umas latas, que a gente tinha que fazer água doce, com açúcar, pra poder amolecer as bolachas pra comer. No trabalho. Não pense que é bom. Nem ali, nem aqui, nem acolá. Hoje em dia o povo continua sofrendo, mas sempre foi assim. Sempre foi assim. E quando eu cheguei em São Paulo, não encontrei moleza. Não tinha material. Hoje em dia está tudo na abundância. O PVC tomou conta do comércio. O PVC tomou conta do comércio de uma tal maneira que não é... Mas eu trabalhei no hospital do Ibirapuera, fizemos manilha de barro. Manilha de barro e tubo de ferro fundido. Ferro fundido. Para fazer encanamento de banheiro, fazer todas as coisas de pia, tudo na base do ferro fundido. Aqui em Santos também trabalhei muito também. Trabalhei muito aqui em Santos, eu mais meu irmão. Mas primeiro vamos chegar nesse pontinho aí que nós estamos lendo, né? Porque é coisa importante. Do Ibirapuera, teve um momento de eu vim de a pé até a Praça Clóvis. De a pé. Viu? É coisa muito boa não. Também já trabalhei em Cotia, trabalhei em Pinheiros, tudo fazendo obra de encanamento.
P/1 - E morava onde lá em São Paulo?
R- Morava na Vila Maria. Água de poço. Pra se beneficiar com água potável, descia uma lata lá pra baixo, a 20 metros de profundidade, mais ou menos, de 15 metros pra lá. E as lagoas de água, tudo assim na frente da gente, assim, ó. Tudo assim, ó. Tudo inundado de água. Pior do que aqui. Pior do que aqui, você vê na Maré. Em São Paulo. É em São Paulo que eu tô falando.
P/1 - E o irmão do senhor e o seu pai também trabalhavam na construção civil? Todos vocês?
R- Trabalhava. A gente.
P/1 - E a sua mãe? Ficava em casa?
R- Não. Caseira. Só doméstica mesmo.
P/1 - E irmã, não tinha irmã? Era só irmão?
R - Tinha três irmãs.
P/1 - E nesse momento estava todo mundo lá em São Paulo?
R- Lurdes, Josefa. Duas irmãs e um irmão. José Tobias Barros e Josefa, que o marido dela morreu esses dias. Nós casamos ela. Depois de ela estar aqui, ela casou com um moço que morreu esse mês passado ai agora.
P/1 - E as moças lá trabalhavam com o que, enquanto vocês trabalhavam na construção civil?
R- Com nada. Quando descemos pra aqui, o trabalho era ou trabalhava em Santos, arrumava um emprego pra trabalhar braçalmente. Que nem, eu tenho uma filha que ela trabalha em costura aqui em Santos, mas não posso alimentar essa palavra porque vai atrapalhar, porque fica mais pra frente. Mas eu quero falar do meu pai, na nossa vida aqui embaixo. Minhas duas irmãs e o meu irmão, as duas irmãs são vivas. E o meu irmão é falecido. Ele é mais velho do que eu, pouca coisa. Mas é falecido.
P/1 - Vamos começar com a história aqui embaixo. Aí vocês trabalhavam em São Paulo. E por que vocês vieram aqui pra Baixada? Quem veio primeiro? Veio a família toda junto?
R- Tudo junto. Mas entenda bem. Nós vínhamos morar aqui e com serviço pra fazer em São Paulo. Trabalhar em São Paulo. Descia no fim da semana pra cá.
P/1 - A casa era aqui, aí vocês subiam…
R- A casa era aqui, onde nós estamos nessa vila. Essa vila tem 66 anos.
P/1 - Tá. E vocês subiam pra trabalhar e desciam no final de semana?
R- Subia já no domingo à noite. Quantas vezes nós chegamos aí em Santos, a Viação Cometa e a Expresso Brasileira que fazia o transporte. Não tinha, já estava talhado, as passagens já estava tudo talhado. Tinha que subir de trem. Tinha trem passageiro daqui pra São Paulo. Daqui pra São Paulo, subia na serra, nesta cantareira aí.
P/1 - E aí vocês saíam do trem aqui e lá em São Paulo ele parava aonde?
R- Na Estação da Luz.
P/1 - Na Estação da Luz.
R- É, e dali tava fácil. Aí, teve uma época...
P/1 - Isso era que ano?
R- Hein?
P/1 - Isso era que ano que o senhor saía daqui pra ir trabalhar em São Paulo, de trem?
R- Em São Paulo. E tem uma coisa. Quando chegava na estação da Luz, ainda tinha que pegar um ônibus. Se perdesse, não pegava. Tivemos um momento que nós mudamos da Vila Maria. O meu tio ficou lá, na Vila Maria. E eu e o meu irmão mudamos para o Hípica Paulista. Lá perto de Santo Amaro. Fizemos uma trajetória muito forte nessa parte aí. O ônibus falhava, o horário falhava um pouquinho, já sabia que tava reinado. Não era fácil.
P/1 - Aí dormia onde, quando não conseguia pegar o ônibus?
R- Olha, é o seguinte, trabalhava a semana toda, só no fim de semana, que aproveitava nas pressas, nas carreiras, pra vim pra casa. Quando chegava aqui em casa, aí era aquele momentinho, e depois tinha que tá se preparando pra voltar de volta pra atender os serviços lá em São Paulo. Nós trabalhamos em vários lugares em São Paulo. Trabalhei em Pinheiros, trabalhei em Cotia, trabalhei no Hípica Paulista, trabalhei em Suzano.
P/1 - O senhor ficou quantos anos fazendo esse trajeto?
R- Uns 5, 6 anos, dessa maneira.
P/1 - E o senhor lembra em que ano que era isso? Mais ou menos a década?
R- Era mais ou menos… Essa vila tem 66 anos, um tempo atrás, foi incluído aqui o Casqueiro. Nós moramos em três lugares. Esse tempo que nós moramos no Casqueiro é o tempo que eu enfrentava pra lá. Mas depois mudamos pra cá, pra Vila. Pra Vila. Mais ou menos um espaço de um ano já morando aqui na Vila, ainda tinha que fazer isso, subir pra São Paulo. Aí, quer dizer, isso foi diminuindo com o tempo, com paciência, direitinho. A gente enfrentou, depois de morando aqui, nós enfrentamos dois anos trabalhando em São Paulo. Agora o meu pai, ele trabalhava aqui mesmo, já pescando, não subia mais pra lá. Ele fazia pescaria aqui mesmo.
P/1 - Ah, então seu pai começou a trabalhar com vocês nesse trajeto, ele subia também durante a semana a trabalhar lá e depois ele começou a pescar aqui. Aí, vocês subiam e ele ficava pescando aqui.
R- Meu pai terminou a vida dele pescando aqui.
P/1 - E como que foi essa mudança? Você lembra o que aconteceu para ele parar de trabalhar com vocês na construção civil e começar a pescar?
R- Chegou um momento que nós ficamos cansados de trabalhar em São Paulo e não ver dinheiro. Não tinha dinheiro. O dinheiro é pouco. Sempre foi pouco. O salário do Brasil é um dos menores do mundo. O salário do Brasil. Por isso que às vezes fica bom para muitos, muitos empreendimentos aí, porque o salário do Brasil é o menor do mundo. O povo do Brasil está sempre no aperto. É em cima da fartura, mas está sempre num aperto. O meu pai ficou aqui. Ficou aqui, se dedicou à pesca. Nós tivemos que acompanhar ele. Mas a pescaria não tinha movimento. Peixe era muito, siri em quantidade, caranguejo era… Olha, abundância. Mas pra gerar dinheiro era difícil. Como nós íamos falando da prioridade, pro subir, pro descer. A parte da família morando aqui, já morando aqui no Casqueiro, outra parte morando aqui na Beira da Maré, que a gente já tinha começado a entrar aqui, tudo em andamento. E a ida daqui pra São Paulo não valia a pena mais. Como ia cada vez ficando mais difícil. Aí, eu, mais meu irmão, nós resolvemos descer pra cá e nós ficar tudo junto, mais unidos aqui. Porque o meu pai pescava, a minha mãe era a casa, a cabeça da casa. A minha mãe, Celina Maria da Silva. Então, a situação ficava melhor nós juntos aqui. E como nós sabia trabalhar, pendemos para o lado de Santos. Começamos a trabalhar em Santos.
P/1 - Na construção civil?
R- Na construção civil. Na construção civil. A pescaria ficou só para os momentos extras. Só para os momentos extras.
P/1 - Faziam as duas coisas?
R- E nós começamos na construção civil aqui em Santos. Aí, os serviços que a gente arrumava, era só nessa parte de construção civil. Eu trabalhei muito fazendo ferro fundido, banheiro completo, ferro pesado. Não tinha PVC. Depois, a segunda... A próxima ciência que operou um pouquinho foi o amianto. O tubo de amianto dava câncer.
P/1 - O Senhor Francisco, mas me conta, vocês começaram a trabalhar na construção civil lá em Santos? Isso era na década de 70? Mais ou menos?
R- Santos.
P/1 - Me conta um pouquinho como que era Santos, porque não devia ter aquele monte de prédio, né?
R - Santos era uma bagaceira, minha senhora. Uma bagaceira. Trabalhava ali onde é aquele lago ali, onde tem aquele homem ali na costa. Nós trabalhamos ali nos três lugares, em prédio, naqueles prédios. Aquilo era uma bagaceira terrível. Perto do museu de pesca, por todo canto nós trabalhamos. Tudo em estado de início de construção. Difícil. E o dinheiro, pouquinho. Eu me aperfeiçoei em telhado, comecei a fazer telhado. Tem um armazém na Júlio Conceição, que foi eu que construí, eu mais um angolano. Na Epitácio Pessoa, o telhado da Caixa Econômica Estadual, aquele telhado foi eu que fiz também.
P/1 – Aí, você e o seu irmão trabalhavam lá em Santos na construção civil, mas a família já morava aqui?
R- Já tudo aqui.
P/1 - E já aqui na Vila?
R- Paramos de subir pra São Paulo. Ficou pra lá São Paulo.
P/1 - Mas já aqui na Vila dos Pescadores?
R- Já aqui na vila. Já aqui na vila nós começamos o trabalho novamente. Nós vamos chegar lá já. Começamos o trabalho novamente. Depois começou a aparecer oportunidade, nós pegamos um trabalho da Santos Jundiaí, ali onde encostava muita a galera do trem, passageiro, tudo, e carga, açúcar, vinha muito açúcar, nessa época, em galera, desovava ali. Nós peguemos o serviço daquela bolinha da estação que tava lá, com uma firma chamada Sominto. Encontrei pedra de duas toneladas ali, nas paredes. E o engenheiro diz: para, para. Tem uma plantaformazinha lá na frente que era para facilitar para os passageiros. Aquela plantaforma foi da minha época na construção. Foi da minha época. Trabalhei naquilo lá. Serviço bom, serviço maravilhoso, todo mundo bom. Não teve dificuldade pra gente trabalhar. Posso falar que trabalhamos na praia, em muitos lugares. Já trabalhei... Mais pra frente eu vou chegar aonde nós queremos chegar. E a dificuldade sempre foi essa, o trabalho. Esse angolano que eu fiz um armazém com ele na Epitácio Pessoa… Sem contar com aqueles biquinhos de serviço que a gente sempre pegava, prateleira pra fazer e tal. Tem aqui na travessia, no que atravessa a linha férrea aqui perto da... Onde tem a fábrica de vidro, mais pra frente atravessa a linha férrea, não atravessa? Então, ali tem uns conjuntozinhos de casas, que nós fizemos quatro ou cinco apartamentos ali, o angolano. Todo servicinho que a gente vai fazendo e tal. E um ano, oito meses. Nessa, meu irmão não estava. Nessa, eu enfrentei sozinho. Depois que eu comecei a conhecer mais, comecei a trabalhar de saqueiro nas docas. Eu trabalhei de saqueiro avulso, muito tempo.
P/1 - Saqueiro é carregando saco?
R- É. O, rapaz! Na época, que era Prodesan ainda, aí tem muito café nessa mala aí. Porque na época, o americano dominou a portuária do Brasil, 40 anos. Então, café era mercadoria. Carne vinha de lá pra cá congelada no porão inteiro. Chegava aqui, tirava na picareta a carne. Hoje em dia não, vem tudo direitinho no contêiner. Primeiro tirava na picareta a carne. A maioria das mercadorias esperava tudo. Por exemplo, a senhora conhece o Poupatempo aqui em Santos? Não conhece? Não conhece não? Perto daquele cinema que tá abandonado? Aquilo lá era um armazém de café, de guardar café, esperando para importar o café. Muitas vezes a gente saía de saqueiro, chegava no armazém e o cara dizia: nós vamos fazer uma troca. Vamos fazer uma troca, aproveitar aqui os que tem bom e os que não tem, tal. O cara provando o café, quando o cara colocava o provador, só saía a poeira. O cara dizia: isso aqui já era, bota aí 500, 600 sacas. Está entendendo? Não é muito fácil.
P/1 – Aí, o senhor ficava fazendo esses trabalhos lá em Santos e pescava nos tempo…
R- Aí, saí da construção. Quando aparecia a construção, fazia a construção. Quando não aparecia, enfrentava a sacaria. O pai de criação dela, ele tem 90 anos, trabalhando de sacaria. De vez em quando ele aparece aí. Tem 90 anos já. Aprígio. Ele é fortão, altão. Então, o trabalho aqui na Baixada Santista melhorou bastante. Mais de sacrifício. Já trabalhei, continuando com obra, já trabalhei com obra em vários lugares. Tem um prédio aqui na Vila Matias, eu trabalhei lá quase um ano em obra. Já trabalhei em obra em Itanhaém, Praia Grande. Já trabalhei com obra em Itanhaém, já trabalhei em Praia Grande. O centro do Boqueirão na Praia Grande, aquelas pedras baianas que tem em volta deles, foi tudo eu que sentei. E lá em Itanhaém, já fiz empreitada em vários lugares. E já peguei muito caranguejo em pescaria, lá onde hoje é uma rodoviaria, tudo era mangue.
P/1 - Mas nesses trabalhos que o senhor fazia, o senhor falou que também, no tempo mais livre, pescava. Pescava aqui com seu pai?
R- São Paulo eu já não trabalhava mais.
P/1 - Não, não, pescar. O senhor pescava aqui com seu pai?
R- Pescava.
P/1 - Mas vocês começaram a pescar aqui ou lá em João Pessoa vocês já pescavam?
R- Não. Eu já pescava.
P/1 - Lá em João Pessoa?
R- João Pessoa eu já pescava também. Eu já pesquei caranguejo em João Pessoa até de noite. Até de noite eu já pescava caranguejo em João Pessoa de andada. De andada eu pescava caranguejo. Quando chegava no Ponto Sem Ré da Paraíba, em frente ao Palácio do Governo pra vender o caranguejo, o cara dizia: isso aí tá magro que chega tá azul, rapaz. Isso aí tá andando. No centro... No Ponto Sem Ré da Paraíba. O centro da Paraíba. No Ponto Sem Ré da Paraíba. O centro da Paraíba. Porque o Ponto sem Ré é o centro da Paraíba.
P/1 - Então o senhor começou a pescar novinho?
R- Hã?
P/1 - O senhor começou a pescar criança ainda?
R- Criança.
P/1 - Criança? Lembra com quantos anos?
R- Sabe o que eu tô contando pra você? A vida do trabalhador. Que viver feliz, tem que fazer isso. Eu sou feliz.
P/1 - Com quantos anos o senhor começou a pescar?
R- Comecei a pescar com oito, dez anos, eu já entrava dentro do mangue. Como eu tenho um neto aqui, que é a mesma coisa, um bisneto. Se deixar, ele vai pescar por dentro dos mangues, por todo canto aí, ele vai pescar.
P/1 - Mas o senhor pescava com seu pai?
R- Eu pescava só. Só.
P/1 - Mas me explica que eu não entendo muito de pescaria. Pescar no mangue é quando vai pegar caranguejo, aí é sem barco?
R- Quando eu vim pra cá, tem uma partezinha ampla aí, que tem um detalhe. Nós morávamos numa fazenda de um homem que se chamava Aníbal Moura. Ele era dono de salina e viveiro de peixe. E eu quando vim, desse homem pra cá. Entende? Trabalhava em Cabedelo, na construção civil, e nas horas vagas trabalhava na salina deles, nos peixes, no viveiro dele.
P/1 - O que o senhor fazia lá?
R- Despescava.
P/1 - Despescava?
R- Despescava, ajudava a despescar o viveiro. Viveiro maior do que esse Cubatão todinho.
P/1 - E como que é despescar, como que faz isso?
R- Tainha, cada Carapega desse tamanho assim, ó. E robalo. Robalo lá, chama Camuripim, cada um desse tamanho.
P/1 - Mas eu não entendi, era um viveiro…
R- Só pescava de ano em ano. Mas o homem tinha uns três ou quatro viveiros. Mas cada viveiro dele era maior do que esse Cubatão todinho.
P/1 - Vocês pescavam e colocavam lá no viveiro e lá reproduziam?
R- É, a pescaria era do homem. A pescaria de viveiro é assim: ele vem, tira aquele pescado, leva um caminhão de peixe para o comércio e só amanhã ou depois, quando alguém pede novo, ele vem e tira de novo. Viveiro com bota d'água, com tudo, pra ficar no espaço do peixe, facilidade para o pescado. Entende? Os caras no norte faziam isso. Os grandes, os homens grandes. E nós morávamos na propriedade desse homem.
P/1 - A sua família morava na propriedade dele?
R- Na propriedade. A minha mãe, quando veio de lá pra cá, nós morávamos na propriedade desse homem. Nós tinha área pra nós plantar o que quisesse. Plantar mandioca, plantar feijão, plantar quiabo, plantar maxixe, plantar tudo, uma área assim, do tamanho dessa vila aqui.
P/1 - Isso o senhor tinha quantos anos?
R- Eu? 83 anos.
P/1 - Não, lá. Quando o senhor estava lá, morando nessa propriedade, o senhor tinha...
R- Então, eu me alistei em São Paulo, era de menor ainda, já participava... Eu me alistei em São Paulo com 16 anos. E de menor ainda eu passava por esse trabalho todinho. Isso sem contar de tirar caju, pra vender. Caju para entregar na Tinta Silva e na Senoa. Tinta Silva e Senoa.
P/1 - Trabalhava desde pequenininho. E tinha tempo pra brincar? Brincava lá também, em João Pessoa, ou só trabalhava?
R- A brincadeira... Eu vou lhe falar uma brincadeira aqui, que é a minha brincadeira foi em um outro lugar, em Pilões de Dentro, que é da Paraíba pra cima um bocado de quilômetro. Perto de Serraria, Lagoinha da Serra do Boi, Cuitegi, Guarabira. Não é tão longe. Mas a brincadeira que eu já brinquei até hoje foi pegar o sabugo de milho, partir no meio, enfiar um palitinho dentro e fazer uma rodinha e sair brincando com ele na pista de barro. A brincadeira que eu já brinquei. Mas nunca gostei de brincadeira. A brincadeira que eu brinquei foi essa daí, eu gostava.
P/1 - Brincava com seus irmãos?
R- É, brincava com o carro de sabugo de milho, isso aí. Achava bonito de ficar rodando.
P/1 - E quem ensinou o senhor a pescar lá em João Pessoa? Seu pai já trabalhava com a pesca?
R- Nós morávamos em cima da pesca. Estou lhe falando, morávamos em cima da pesca. Caranguejo, siri, ostra. Ostra? Mas, meu Deus do céu, só da grande. Eu já cheguei a tirar ostra também, pra vender. Nós tirávamos, depois enchia uma canoa como daqui lá naquele meio, balaio de ostra. Aí, ia, levava para um lugar onde pudesse desovar a carne da ostra, do casco. Tem que ferver, né? Depois levava pro mercado pra vender. Era escaldada com um pouquinho de sal. Não dava muito trabalho pra vender. Vendia fácil.
P/1 - E como que pesca ostra?
R- Ostra? Olha, a ostra aqui tinha muito. Com as desovas de esgoto das firmas…
P/1 -
Não, mas fala lá de João Pessoa. Daqui a pouco a gente volta pra cá. Como que você pescava ostra lá? Assim, eu só quero entender se ostra...
R- Dentro do mangue.
P/1 - Mas aí como que você pega a ostra?
R- Não, dentro do mangue.
P/1 - Dentro do mangue?
R- Ostra lá de mangue. Cada uma desse tamanho assim. Na minha época...
P/1 - Com a mão que pega?
R- Com a mão. Siri também, já peguei muito dentro do mangue.
P/1 - Com a mão?
R- Com a mão. O pescador não se aperta com nada. Ele não se aperta. Todo pescador sabe as espécies que ele vai pegar e como vai pegar. A pior pescaria que existe é Niquim, Bagre. Niquim, Bagre. O Bagre porque tem que quebrar o espeto dele. E o Niquim que é perigoso pisar em cima dele, quer dizer, tem que estar protegido.
P/1 - O bagre tem que quebrar o quê?
R- O bagre tem três espetos, é uma cruz. O bagre. E pode crer, a furada dele é perigosa. O bagre. O Bagrinho. Aqui tem muito.
P/1 - Aí quando vai pescar Bagre tem que ser de rede?
R- O Bagre, lá no norte, o meu pai, ele pescava nos mangues. Bagre desse tamanho de espinho dentro dos mangues aí, sete, oito quilos. Hoje em dia, a senhora para pegar um Bagrinho desse tamanhinho aqui, é preciso trabalhar. Nem desse tamanho encontra. Apesar que de vez em quando eu pego 100 kg de Bagre na rede aí. De Bagrinho assim. Rede mais certa. De vez em quando eu pego 100 kg, 80 kg. Num lance só.
P/1 - Hoje em dia?
R- Hoje em dia, num lance só, eu pego 100 kg, 80 kg. E Paraty também. Já peguei muito. Eu já cheguei a pegar tanto peixe aqui, que eu vou dizer um negócio para a senhora, não é brincadeira. Pegar 200 quilos de peixe numa pescaria, dois pescadozinhos, não é fácil. Mas eu já cheguei a pegar muitos 200 quilos de peixes aqui. 200 quilos, 150. Eu trabalho nessa costa aqui por todo canto. Aqui até Bertioga. Em Bertioga, quando eu comecei a trabalhar em pescaria de caranguejo, eu acampava lá num lugar… Passa lá aquele Ferry Boat, e vai mais pra frente um pouquinho, tem uma curva que o rio faz assim, que hoje tem a ponte mais na frente, a ponte Rio Santos. Aquilo ali, eu ficava acampado ali. Hoje é um presídio lá. Ficava acampado. Já trabalhei de Guaratuba. Em Guaratuba também, muitos anos também, em busca de caranguejo. Caranguejo, a pescaria lá é caranguejo. Guaratuba, 48 quilômetros pra frente.
P/1 - Então, vamos voltar lá. Quando que o senhor resolveu só trabalhar na pesca aqui? Seu pai já estava trabalhando na pesca, né? E o senhor ainda estava trabalhando na construção civil e trabalhava na pesca nas horas vagas.
R- Assim, para não ficar tão difícil. Eu sou pescador profissional. Eu. Eu sou alistado na... Eu sou documentado na Marinha. Já tive a oportunidade até para embarcar. Não embarquei, mas um amigo meu foi e os outros me ofereceram oportunidade para embarcar no navio da LOD, eu não quis. Mas eu tenho o documento tirado na Marinha, na Conselheiro Neto, meu documento. Sou pescador profissional.
P/1 - E quando que o senhor tirou esse documento? Em que ano que o senhor tirou esse documento?
R- Tirei esse documento faz 55 anos, mais ou menos. Quando eu casei, eu já tinha o documento. Meu casamento tem 59 anos e eu já tinha o documento. Tirado na marinha mesmo, eu sou documentado na marinha. Minha carteira é deste tamanho.
P/1 - E conta pra mim como que o senhor parou com a construção civil e começou a se dedicar só à pesca?
R- Nós sempre fizemos as duas. A pesca, ela é profissionalmente e ao mesmo tempo vira em hora extra. Ali onde está Congagai, onde está Congagai, hoje, aquilo é o lago de Cananeu. É intitulado como o lago de Cananeu. Ali, quando eles estavam se movimentando, uma vez saiu eu, meu filho, meu neto e um compadre meu, que tem aqui, que nós trabalhava sempre juntos. Chegamos ali, soltamos uns dois mil metros de rede, fizemos uma hora de rede naquele lago. Aí, o cara chamou nós lá, a gente saiu. “Vocês têm documento pra fazer esse trabalho aí?” Eu digo: tenho. Peguei minha identidade, dei pra ele, ele puxou, viu que eu sou conhecido no Museu de Pesca, conhecido na Colônia Z1, conhecido na Colônia Z4. Eu tenho visto na minha carteira da Colônia Z4 muitos anos, com a Neném. Trabalhei no Japuí. Trabalhei no Japuí, lá tem uma tetra base do Ibama, que foi eu e o meu neto que fizemos. Uma tetra base do Ibama, só o salão dá 200 metros, assim, tem 200 metros quadrados assim, cabe 200 crianças estudando. Um salão do Ibama que tem lá. Feito com madeira roliça. Onde tem uma chaminé. Aquela chaminé era um tipo de um... assim, de um curtidor de couro. Curtidor de couro. Sabe que o couro do animal, ele tem que ser curtido. E pra curtir daquela maneira, eles usavam até folha de mangue. Eu já tirei até folha de mangue pra curtir couro no norte.
P/1 - Folha de quê?
R- Folha de mangue, o mangue manso. Nós temos três espécies de mangue. É o mangue manso, que é aquele da madeirinha, que é meio cinzenta. E tem o outro, que é aquela meia branca, que se chama canuel. E tem o sapateiro, que é aquele... São três espécies de mangue.
P/1 – Mas usa a folha pra curtir o couro?
R- O mangue comum. Aquele que a madeirinha comum é meio avermelhadazinha. Quer dizer, o outro também é avermelhado, mas só quando você mexe com ele, corta ele. Que é o sapateiro. E o mangue que não serve é aquele que chama canuel. O canuel é aquele que quando a madeira está queimando arde os olhos da gente. Aquele é canuel. E o mangue manso é aquele comum. Aquela folha ali já foi muito usada pra curtir couro.
P/1 - Porque aí o couro fica mais avermelhado?
R- Cheguei a tirar aquilo no norte pra levar pro Curtume pra curtir couro. E já cheguei a vender, pegar pedra também no norte, pegar lixo pra sobreviver. Mas não tem futuro.
P/1 – Senhor Francisco, conta pra mim, quando vocês chegaram aqui há 66 anos atrás, né? Como que era aqui, essa comunidade?
R- Aqui? Tudo mangue.
P/1 - Tudo mangue.
R- Pra tirar caranguejo era aí mesmo. Aí mesmo era pra tirar caranguejo. Aqui essa vila tá implantada em cima do dormente do trem vertical. Qualquer lugar que a senhora vê aí. Aqui também. Em cima do dormente de trem assim, ó. Vertical. Esse piso também aí tá a mesma coisa. Em cima do dormente de trem vertical. A Maré ia lá na linha.
P/1 - E como que começou a construir as casas aqui? Se era tudo mangue, tinha maré?
R- Vou mexer com alguém agora. Vou mexer com alguém. Nós tinha um caminhozinho que passava debaixo da gaiola de ferro lá. Só um caminho. E essa parte aqui, tudo era mangue. E aquele caminhozinho vinha, vinha pelo meio do mangue, tinha uma gamboa que entrava e ia até a linha lá, atravessando naquele movimento todinho que tem por aí. Por ali. Ia até a linha. Mas tinha um caminhozinho que vinha de lá, e tinha uma matinha de 2.800 metros. 2.800 metros quadrados aqui, só um miolinho aqui. E esse caminho vinha acompanhando aqui a Padre Antônio, quando chegava aqui na beirinha da frente da vila aqui, ele desaguava pro portinho. Esse portinho aí era um... Hoje tem aterro nele. Tem bastante aterro. Mas de primeiro ele era um arenal. Era arenal e as pessoas vinham até do Casqueiro aproveitar esse caminhozinho pra vim tomar banho. Pra vim se banhar aí. Era tudo beleza aqui, uns 150 metros. Uma maravilha.
P/1 – Aí, nessa época não tinha casa aqui, aí o senhor morava aonde?
R- Morava no Casqueiro ainda.
P/1 - E vinha pra cá pescar?
R- Aí, vinha pra cá pescar e tomar banho. Aí, quando começou o movimento do povo, começou haver também a sujeira. Foi sujando e foi tomando conta. O povo foi tomando conta. Foi tomando conta, foi tomando conta e foi aterrando. Quem vai trazer aterro, foi aterrando. Agora eu pergunto...
P/1 - Mas quem ia aterrando? As próprias pessoas pra construir? Como que foi fazendo isso?
R- Eu já fiz muito barraco aqui de noite.
P/1 - Sim, mas como aqui era mangue, aí o senhor falou que começou o lixo e as pessoas foram ocupando. Mas como que aterrava pra construir as casas?
R- Ó, pra se fazer tem que agir. Pra se fazer, tem que agir. Essa matinha, 2.800 metros, e esse caminho, tem um segredo. Ele aqui vai entender e a senhora vai entender também, nós vamos… Todos nós quatro que estamos aqui, nós vamos entender. Na época das docas, tem a saída do bacalhau e do uísque, não tem? Tá entendendo o que eu tô explicando?
P/1 - Sim. Nas docas pra vender o bacalhau. Saída do bacalhau. É isso? A saída é a venda do bacalhau.
R- Como é que eu pego o uísque lá? O cara tem umas caixinhas de uísque, ele vai ter que sair for a com ela. O bacalhau, o uísque.
P/1 - Troca?
R- É, a saída. A rota de saída. Entendeu?
P/1 - Mas o senhor tá falando do uísque e do bacalhau, tinha troca?
R- Aí, nós aproveitamos esse caminho e tomamos.
P/1 - Tomaram?
R- É, tomamos. Tomamos. Alguém perdeu. O que eu quero dizer pra senhora é que na época das docas, existia muita muamba circulando aqui em volta de nós. Aqui na ilha Caraguatá. A ilha Caraguatá eu tirei caranguejo pra esse braço aqui, ó.
P/1 - E foi nessa época das docas que começou a encher muito aqui?
R- Isso, começamos daqui.
P/1 - Então, aí começou a vir muitas pessoas pra cá. O senhor sabe por que começou a vir muitas pessoas pra cá?
R- Então eles perderam pra nós.
P/1 - Mas por que começou a aumentar a população aqui?
R- Porque a carência de aluguel. Eu mesmo paguei aluguel. A minha família mesmo pagou aluguel no Casqueiro, em três lugares. Está entendendo? E aqui não paga aluguel. Agora, depois que chegamos aqui, que tá todo mundo aumentando, que nem o primeiro comércio que nós fizemos aqui, foi o Tião, Sebastião Macedo, ali. Está fechado. Ele faleceu mês retrasado aí. Faleceu. Fui ensinar ele a tirar caranguejo pra viver e fazer o barraquinho dele, um barraco de madeira. Essa igreja católica que tem aí, ó. Eu casei nela, na igreja que eu mesmo fiz. Eu casei na igreja que eu mesmo fiz, no religioso. A igreja evangélica que tem lá, tem lá na frente, lá na Amaral Neto, ela era aqui, encostada nessa outra, onde tem um borracheiro aí. Eles venderam aqui e compraram lá. Essa igreja é do João Corrêa. A evangélica que tem lá na frente. Mas eu trabalhei 18 anos, eu já era evangélico, trabalhei 18 anos ali naquela igreja do Casqueiro. Ela era um barraco de madeira, subiu pra cima, se ergueu pra cima, está bonitona lá.
P/1 - Então, os pescadores que moravam lá… É Casqueiro o nome do outro bairro? Começaram a vir pra cá e aterrar aqui para fugir do aluguel?
R- E foi fugindo. Porque a senhora quer saber onde tá o Krill? Tá em cima do Bananal do Ruivo. Em cima do Bananal do Ruivo.
P/1 - Do Bananal?
R- Da família Ruivo.
P/1 - Ruivo?
R- É. Aqueles predinhos tudo, o Krill, a rede Krill, tá tudo em cima do Bananal. Ees mandavam muita banana pro CEASA, em São Paulo. Enchia caminhão de banana. A senhora quer saber onde tá construindo aí? Nessa construção que tá iniciada ali. Uma construção que está aí na ponta da vila. Ali era um outro Bananal de amigos da gente, de pessoas conhecidas também, que é um homem chamado Sargento. Ele entrou em contradição com a prefeitura, com os homens da prefeitura, na época, Doutor Luíz. Foi um outro, que não é esse recente agora. Aí, ficou desativado. E assim, nós vamos perdendo o espaço. Por exemplo, as antenas do Brasil foram todas desativadas. Ou não foi? As antenas do Brasil foram todas desativadas.
P/1 - Seu Francisco, aí vocês começaram a aterrar e construir as casas aqui. Vocês mesmo, os próprios moradores que estavam aterrando e construindo as casas aqui pra fugir do aluguel, não é isso? Aqui na Vila dos Pescadores, foi assim que a vila começou? Quando vocês construíram aqui, vocês aterraram e construíram aqui e as outras pessoas começaram a aterrar e construir aqui. Todo mundo que veio morar aqui são pescadores, de família de pescadores?
R- Não, nem todos. A parte profissional começou a expandir de outra maneira. Aí entra a Cosipa em ação. Entra a Cosipa em ação. Eu, por exemplo… Está gravando? Eu, por exemplo, trabalhei na Fafert. A primeira empresa de fertilizante.
P/1 - Como que é o nome da empresa?
R- Fafert. Aqui em Piaçaguera. Ultrafértil, chama Fafert. Primeira empresa de fertilizante implantada ali. Aquela que tem um montão de entulho. Eu também trabalhei na... Não me lembro agora. Na Carbocloro. Também trabalhei na montagem da Carbocloro. Trabalhei na montagem da Carbocloro. Também trabalhei na Bunge. Trabalhei na Bunge.
P/1 - Isso tudo depois que o senhor morava aqui já?
R- Depois que eu morava aqui.
P/1 - E continuava pescando nas horas vagas?
R- E continuava pescando nas horas vagas. O trabalhador, o salário do Brasil, você não consegue sustentar uma família se você não fizer, não aproveitar, não remir os tempos, como diz a Bíblia. Você tem que remir, tirar da sua vida, tirar do seu lazer, pra aplicar em alguma coisa. Que o salário do Brasil, me desculpe, é o menorzinho do mundo. É uma benção de Deus. Mas infelizmente é o menor. Não tem condições. E aí, começou a engrenar a Cosipa. Lula ficava na portaria sempre da Cosipa, depois da Cosipa já está em andamento, funcionando. Ele ficava fazendo publicidade dos papéis do sindicato dele, que ele movimentava o sindicato. Uma boa pessoa. Ficava sempre ali, humilde. Como ele hoje é humilde. Todos os outros são humildes. Mas ele é uma pessoa que eu considero ele humilde. Trabalhador. Ficava na porta da Cosipa fazendo a publicidade. E aí, começou a crescer por ali. A Cosipa, por exemplo, está montada em cima de bananal, cocheira de gado.
P/1 - Mas a Cosipa foi construída depois de já começar as casas aqui? Primeiro foi as casas, aí depois a Cosipa. Primeiro aterrou, foi as casas, aí depois a Cosipa ou a Cosipa antes de ter as casas aqui?
R- Não. Vamos ver se nós entende. Todas as empresas começaram acionar… Mesma coisa que dizer: a porta aberta está ali, ali também tem uma porta aberta, ali tem outra. Todas começaram junto, quase bem dizendo, juntas. Só a refinaria que era mais antiga. A refinaria e a Cofebral. Essas eram mais antigas. Mas a Carbocloro, Union Carbide. Tem uma outra de frente que eu não trabalhei nela, que parece que é Acitileno, não sei o que ela é lá. E a Santa Rita lá embaixo. Tudo começaram nessa época. E a Bunge, que é fertilizante. E a Fafert, que foi a primeira a ser construída lá, a Ultrafétil. Tudo em Piaçaguera. E a Cosipa também, acionando junto. Foi aí que abriu porta de emprego, nessa data de 30 anos para atrás aí, um cálculo mais ou menos. Por exemplo, o incêndio da Cosipa, o incêndio daqui, que aconteceu aqui na Vila São José, é 1984. Esse povo tudo tinha emprego.
P/1 – Então, aqui começou a crescer, muitas pessoas, porque são as pessoas que vieram pra trabalhar nessas empresas?
R- 60 anos pra trás, 60 anos sofridos, é 60 anos de trabalho aqui nessas empresas todinhas.
P/1 - E por isso que começou a crescer aqui?
R- Eu já trabalhei na Cosipa quatro vezes. Eu trabalhei na Cosipa quatro vezes. Tem uma obra na Cosipa que tem um navio de bloco, que é um cartel, onde tinha uma treliça assim que atendia navio e atendia o outro lá de cá. Aquilo ali foi tudo eu que fiz mais outro engenheiro. Mais o Engenheiro Mauro e os outros. O navio, ele tem um transformador de alta tensão dentro dele. O navio é a carga dele.
P/1 - Senhor Francisco, aí as pessoas começaram a vir pra cá, né? Foi crescendo a vila pra trabalhar nessas empresas.
R- Não. Essas são oportunidades que foram abertas publicamente pra todos. Eu não tinha interesse nessas empresas, porque nunca faltou trabalho pra mim e nem falta pra ninguém. Pra homem que quer trabalhar, não falta trabalho. Em lugar nenhum. Porque eu sou telhadista, eu sou carpinteiro. Eu sou telhadista, trabalho com telhado, eu trabalho com embarcação, faço embarcação, eu pesco. Pra mim não falta trabalho. Agora pra muitas pessoas pode faltar aí. Mas pra mim não. Pra mim nunca faltou trabalho.
P/1 - Sr. Francisco, quando começou a crescer aqui, aí como foi virando o bairro assim? Como começou a ter o saneamento, a luz? Como que foi chegando isso aqui pra vocês?
R- Pra vir para cá e para trazer o povo pra cá, não é verdade? Foi a gente se esforçando.
P/1 - Não entendi, desculpa.
R- Para o povo que tá aqui hoje, a maioria, tudo precisava de ajuda. No mínimo, 18 anos no sofrimento. 18 anos. Porque a luta foi grande. Pra beber água aqui, tinha que aparar água da biqueira, e quando você ia ver, com dois, três dias, o tambor estava cheio de bicho, de martelinho fervilhando dentro. Tinha que botar um pano pra poder... Não podia nem pensar em fazer uma mamadeira com aquela água. A senhora tá entendendo o que eu tô explicando? Então, é coisa importante passar isso para as pessoa. Tremendo. E vamos apertar pra ver se entra água aqui. Se lembra de Frederico Soares Campos? O senhor se lembra? Não se lembra. Frederico Soares Campos, depois de muita luta, muita movimentação aqui, a gente fazia até reunião com o povo dessa vila, aqui no Parque Anilina. Nós íamos lá fazer movimentação, levava siri, caranguejo pronto, feito, pra mostrar pro povo que a gente estava interessado em conseguir alguma coisa de melhor para a família. E aí, quase foi um ano, foi mexendo na mente deles, até que o Frederico Soares Campos conseguiu água, com 18 anos da vila aqui, nós sem a mesma.
P/1 - Depois que vocês moravam 18 anos que chegou aqui?
R- 18 anos aqui, pela primeira vez conseguimos água potável em cinco torneiras de água. Ele botou a água na palma da mão assim e disse: hoje na vila entrou água potável.
P/1 - Que ano que foi isso, o senhor lembra?
R- Então, por exemplo, a vila tem 66 anos, mais ou menos. Menos de 18 anos, 40 anos, mais ou menos. Quarenta anos mais ou menos.
P/1 - Quarenta anos atrás chegou a água.
R - Há quarenta anos chegou a bonança aqui. E tem uma coisa. Ele foi um homem muito popular. Frederico Soares Campos, na gestão dele. Eu não me lembro dentro da prefeitura, mas foi a última intervenção dele.
P/1 - Ele era o prefeito?
R- Prefeito. Prefeito. Federal ainda. Era nomeado pela federação. E tem uma coisa, tem uma bica no Guarujá aí, uma bica de água correndo a granel, não tem? Uma bica pura. Nunca passou lá? Então, ele muitas vezes mandava o caminhão pipa lá, encher daquela água pra distribuir pra gente, na latinha aqui. Muitas vezes o pessoal da vila, que não tinha água, atravessava o Casqueiro e ia pedir água ali perto, naquela esquina, que morava um homem ali chamado Alvarenga, que tinha acesso com a prefeitura, que tinha conhecimento. Ia pedir lata de água pra ele. Não tinha passarela, muita gente, às vezes, até acidentava aí, atravessando sem passarela.
P/1 - Nessa época tinha mais ou menos quantas famílias morando aqui na vila?
R- Hoje, nós temos mais ou menos 30... Nós temos mais de 30 mil pessoas aqui. Mais ou menos umas 15 mil pessoas sofriam com essa luta.
P/1 - E a luz chegou depois?
R- Terminamos a água. Ele trouxe as cinco torneiras de água. Aí, as criançadas brincavam, nós chegávamos num momento ali, as mulheres chegavam pra pegar um balde de água, não conseguia pegar porque as molecadas tomavam a frente e tal. Era aquela coisa toda. Aí, nós resolvemos lutar mais pra tirar do chafariz para o hidrante.
P/1 - Pra tirar de onde?
R- O hidrante, o hidrantezinho. Hoje temos hidrante. Aqui, por exemplo, eu tenho dois hidrantes aqui de água. Tenho fartura de água. O meu filho mora aqui em cima, ele tem o hidrante dele e eu tenho o meu. Quer dizer, só riqueza. Eu oro todo dia por esse povo aí. Pela prefeitura, por esse povo aí, porque eles tem sido muito humilde com a gente. E a luz, depois que nós terminarmos a água… Para não tomar muito tempo. Aí, vamos lutar pela luz. Lutar pela luz elétrica. Lutamos, lutamos, lutamos, vai dali, vai de acolá, reune lá, chama alguém e tal. E confessa, e se coloca, chora, até que Deus abriu as portas. A Bíblia tem um versículo que diz assim: pedi, pedi, e dar-se-vos-á. Porque todos que pedem recebe. E todos que batem distribuirão. Acho considerado. Aí, história. Veio um homem de São Paulo, não sei nem como é o nome daquele homem lá. Mas sei que ele é um grande em São Paulo. Mais grande mesmo é Deus. Ele era um homem bom. Chegou aí e disse: Olhe, vamos mandar o recurso pra vocês. Mandou aqueles dois postes. É 1.500 quilos cada poste. Para fazer aquele jump em cima da linha ali. 1500 quilos.
P/1 - Isso foi quanto tempo depois que chegou a água?
R- Mandou o material todinho, nós não tínhamos o material aqui. Ela achou que nós estávamos num sofrimento muito grande, pegou o material que estava implantado na Vila Esperança. “Vou tirar o material da Vila Esperança, que eles estão demorando muito, vou trazer pra vocês aqui.” Nós não tínhamos aonde colocar, ele colocou na Vila Pelica. A Vila Pelica guardou o material pra nós. Toda a carga que não ia distribuir aqui na distribuição da luz elétrica, armazenou tudo lá. O Maneco Pelica, meu amigo, era vivo ainda. Beleza pura.
P/1 - Isso foi quanto tempo depois da água, que chegou a luz?
R- Aí, a luz, o carro não podia entrar aqui dentro. Não podia entrar carro, não podia entrar carro de jeito nenhum. Não podia sair nem com doente.
P/1 - Por que que não podia entrar carro?
R- Porque a FEPASA não deixava. Essa daí deixa. Essa aí até é bom. A FEPASA não deixava. Nem sair com doente, nem entrar.
P/1 - Nessa época que o senhor tá falando, já tinha linha de trem ali? A linha de trem é antes da vila.
R- Tinha, minha senhora. Tinha a linha de trem. Eles não deixavam a gente sair nem com doente, ilhava nóis. Uma vez nós fizemos um mutirão de 30 pessoas para cortar os cabos deles. Descascava aqueles cabos da composição, fazia aquela fiação, tirava, desmanchava aquele cabo de aço dele, fazia aquele trabalho pra subir a serra. E ilhava nós. Furava os trilhos, os pedaços de trilho, para passar carro aqui dentro. Uma vez nós montamos um mutirão de 30 caras para poder cortar, na serrinha. Não deixava sair nem com doente nem entrar. Deus é bom, mas nem todo mundo é bom. Tremenda a coisa!
P/1 - E faz quanto tempo que vocês conseguem passar com carro, o senhor lembra?
R- Agora, essa daí até ajuda. Traz brinquedo para as crianças. Você viu o lazer que tem lá na frente?
P/1 - Mas o senhor lembra quanto tempo que carro começou a circular?
R- Vamos contar a história do Frederico Soares Campos, o interventor federal. Botou o material lá. Mas pra vir, nós tem que pegar o material e manejar com ele. Eu era tesoureiro da Sociedade de Melhoramento, comia um bocado quente. Mas se tornou macio porque, eu digo: olha, nós já temos água pra beber, vamos à luta pra luz funcionar aqui. Todo mundo se interessou. Era gente que nem formiga. Entrava 12 homens debaixo de um poste de madeira, levava no local. E a PFL mandou uma turma aqui para dentro. Me lembro de um homem chamado Fumaça.
P/1 -Fumaça?
R- Tomou conta dos pés dos postes. Olha, era três, quatro postes, dentro de quatro, cinco horas, ele fincava. Estendeu tudo, rapidinho, não demorou nem quinze dias. Não demorou nem quinze dias pra estender a fiação todinha de postes aí. E nos nós interessamos. Eu e outro amigo que tinha aqui, o presidente da Sociedade de Melhoramentos, Gil. Nós comprávamos material, facilitava pro povo, vendia na porta baratinho, fiação. E achamos uma casa em Santos que forneceu o material pra nós, para fazer a distribuição nas casas, nos barracos. Foi rapidinho. Inauguramos com 17 dias, já com uns 30 barracos ligados.
P/1 - O senhor lembra que dia que foi essa inauguração?
R- Com 17 dias nos inauguramos.
P/1 - E o senhor lembra que dia que foi essa inauguração?
R- Mas aqueles postes foram os mais difíceis. Nós trouxemos um guincho de 10 toneladas pra levantar o poste, que é 1.500 quilos, deu trabalho. Chegou a estrada de ferro FEPASA, parou umas 6 galera aí. Eles levaram muitos barracos aqui, depois de prontos.
P/1 -
Levaram os barracos?
R- Levava, depois de pronto. Eles paravam aí com 5, 6 galeras, levava 4, 5 barracos. Até os pés eles arrancavam. Perderam tudo, não faz mais isso. Perderam tudo. Venceu os contratos deles. Essa outra aí, até ajuda. Desmanchava o barraco, a gente trabalhava a noite todinha pra ver um barraco pronto. Nós enfrentava duas fiscalizações assim, uma da prefeitura, um fiscal da prefeitura e outro da FEPASA. Esse da FEPASA e o da prefeitura. Quando a gente começava o barraco na sexta-feira de noite. No sábado eles não trabalhavam. No domingo, na segunda-feira, já tinha que estar com a mesinha, e uma quartinha, e uma aguinha, para eles não levarem.
P/1 - Senhor Francisco, e aí, aqui, a casa do senhor, foi o senhor mesmo que construiu essa casa?
R- Justamente, fizemos assim, dessa maneira. Pra nós vencer aqui, pra nós vencer não, nós não vencemos. Deus venceu por nós.
P/1 - E aí, o senhor falou que a família também morava aqui, né?
R- Morava.
P/1 - Aqui perto, o pai? O seu pai morava aonde nessa época?
R- Morava ali, eles faleceram ali, naquele local. Ali na frente do postinho
P/1 - Um pouco mais lá pro fundo?
R- É, lá na frente do postinho. Ali mora meu irmão, é falecido. Meu pai, é falecido. Eu tenho um tio também, é falecido. Eu tive um acidente aí com embarcação que morreu 5 pessoas e um tio, um parente meu, da minha família, morava aqui, também faleceu com a filha dele. Foi 5 pessoas no acidente. E graças a Deus, mas…
P/1 - Como que foi esse acidente?
R - Aí na maré, eles foram pegar material aí nesse lixão, quando eles não estavam botando mercadoria com a data vencida, vinha tudo pra ir. Doce. Eles saíram pra pegar. Não vigiou, a embarcação afundou. Tava com sete pessoas, morreu cinco. Num dia só. Cinco pessoas, dois eram de uma família só e outro era de uma outra família. E duas pessoas se salvaram. Uma, meu irmão, pegou ela pelo cabelo, já na ponte.
P/1 - O Senhor falou que também trabalha com embarcação. Como que é esse trabalho com embarcação?
R- A vida inteira eu trabalho com embarcação.
P/1 - Como que é esse trabalho?
R- Eu faço embarcação. Por exemplo, aqui não usa serviço de catraia, mas eu faço embarcação, sento motor. E barco de pegar siri. Olha aqui, tem um barquinho aqui, ó. Esse barquinho aqui. Tem um barquinho aqui, uma canoinha aqui.
P/1 - Depois o senhor mostra pra gente, porque depois o Saulo vai fazer umas imagens, se der.
R- Agora tem um barquinho aqui, daqui a pouco eu mostro pra vocês.
P/1 - Eu só queria saber, esse trabalho de embarcação que o senhor falou, é carregando pessoas?
R- Eu trabalho com embarcação encavernada, faço catraia, faço qualquer barco. Já fiz barco até de nove metros. Já tive barco de nove metros de comprimento. Eu já trabalhei por todo canto aí, na Bertioga, por todo canto. Já saí pra pescar, passei a noite pescando.
P/1 - E quando o senhor vai pescar, o senhor vai sozinho?
R - Não. A gente não é aconselhado a trabalhar... As pescarias que nós fazemos, é sempre trabalho em dois, para acompanhar. Mas nós trabalha pescando.
P/1 - E como que é um dia de trabalho de pesca? Conta pra mim. Tem que ir bem cedo? Me conta o seu dia.
R- A hora a gente acompanha a maré. Por exemplo, essa noite eu sonhei em frente à VLI. Eu tive um sonho vendo o povo pescando lá em frente à VLI. E por falar de VLI… Ali tinha uma gamboa forte, mesmo no primeiro berçário ali. Tinha uma gamboa que ia levar lá dentro, ali comia muita capivara. Muita capivara. Eu cheguei ver lote de capivara ali de cinco, seis capivaras de uma vez só. E tinha um bananal desse lado. Um bananal e mangue. Tirei muito caranguejo ali. E era muito bom. Os mangue ali. Ali foi uma mina... Ela continuou sendo uma mina de ouro, mas para o pescador também foi uma mina de ouro. E nós comíamos muita banana do bananal quando estávamos com fome. A gente entrava no bananal, pedia uma banana, o cara dava um cacho de banana pra gente, maduro, quando tinha maduro. E em cima daquele morro, ali tem até pé de cacau, daquele morro em frente a Cosipa. Tem até pé de cacau. Ali morava gente também. Ali morava gente por todo canto. E ali, em frente a VLI, aquele mangue ali, aquela parte que foi ilhada ali. Aquilo lá foi ilhado. Aquilo ali, tudo era mangue. Tinha um rio que circulava aquilo ali, passava por ali, por todo canto, ia desaguar aqui.
P/1 - E o senhor que pesca aqui há muito tempo, no começo, quando não era aterrado aqui, não tinha as casas. Que o senhor falou que morava em outro bairro e vinha aqui pescar. Eu queria que o senhor falasse a diferença de vir pescar nessa época e como é pescar agora. Tem os mesmos tipos de peixe?
R- As espécies sempre foi a mesma. Sempre foi a mesma. Ali, onde termina o finalzinho daquela tubulação, onde está o reservado da Cosipa, onde passa aqueles carros circulando ali. A gente chama Laranjeira ali. Ali eu já cheguei da lançe de rede de pegar 300 quilos de peixe. Lance de rede.
P/1 - Antigamente ou agora? Antigamente ou atualmente?
R- Antigamente. Agora não, não pega não. Cheguei da lance ali de pegar 300 quilos de peixe num lance só. Trezentos quilos de peixe. De paraty e tainha. Ali mesmo naquela sacada ali. E fácil, facinho de pescar.
P/1 - Mas agora não dá mais pra pegar essa quantidade.
R- E tem essa família Pelica que eu falei aí, eles trabalhavam com estaqueada ali. Aí eles faziam estaqueada ali, fazia montura de peixe, um caminhão, mais ou menos, de peixe. De caratinga, carapeba, tainha, robalo, robalinho. Robalo não é muito não, mas robalinho e paraty. E acará. Acará, daquela azulzinha. Agora até acará tá difícil.
P/1 - E o senhor, quando pegava esse montão de peixe, aí vocês pescavam o peixe e a partir da pesca como que fazia? Onde vendia? Era vocês mesmo que vendiam aqui? Levava pra algum lugar pra vender?
R- Hoje, a facilidade é grande. Mas a prioridade da pescaria, ela gera dificuldade para o pescador. A luz elétrica, tem 150 anos a descoberta da luz elétrica. Que dizer, antigamente não tinha luz elétrica. A pessoa pescava, se não tivesse pra quem repassar rapidinho, ele tomava prejuízo. Eu já cheguei… Eu trabalhei em Cananéia dois anos. Dois anos que eu trabalhei em Cananéia, eu nunca vi peixe na minha vida que nem vi em Cananéia.
P/1 - Mas quando o Senhor trabalhava em Cananéia, morava aqui ou morava lá?
R- Morava aqui.
P/1 - Morava aqui e ia pra Cananéia pescar?
R- Não, eu morava em Cananéia. Mas minha família toda... Quer dizer, eu e a minha esposa morávamos em Cananéia. Inclusive, dois anos eu passei lá, perdi até uma casa que eu comprei o terreno lá, tudo, fiz. Em frente um campinho que tem lá no Carijo. E lá tem o Instituto... Tem esse lugar, lá é bem organizado, de uma certa maneira. E lá tinha muito caranguejo, muito siri, muito marisco, muita fartura de peixe. Olha, uma vez eu saí pra pegar uns peixes… Eu não pegava peixe lá, eu pegava caranguejo. Uma vez eu saí pra pegar uns peixe lá, peguei... Dei um lance de rede, peguei uns peixinhos, peguei 120 sororocas, dava 120 quilos, mais ou menos. Cheguei no entreposto, aí lá funcionava a Cibrazem, na época. Era a Cibrazem. O gelo ia daqui de Santos. Hoje tem fábrica de gelo lá. Antigamente ia de Santos, saia, ia daqui da rampa do mercado, o gelo, para ir pra lá. Quando eu cheguei no entreposto, o camarada, eu perguntei pra um amigo meu, chamado Ary, eu digo: oi, e aí? Ele disse: que é isso aí, sororoca? Eu digo: é, quer comprar? Tem um pouquinho aí. “Não quero. Entra aqui.” Mostrou: tá vendo aí? Entrou agora de noite, 12 mil quilos. Lá o camarão sete barba é 12,5 o ano. Era. A Ecopesa lá, trabalhava com 300 mulheres desmiolando camarão, pra limpar, pra mandar pro CEASA.
P/1 - Ah, então, e aqui, me conta, quando vocês pescam, né, antigamente, quando pescava 300 quilos de peixe, vocês vendiam peixe onde? Como que fazia com o peixe? Depois da pesca?
R- Vendia lá mesmo. Vendia lá mesmo.
P/1 - Aqui. Aqui, quando pescava os 300 quilos de peixe.
R- Aqui pra peixe, nunca foi muito difícil de vender peixe. Agora, pra fazer o comércio de caranguejo aqui, foi difícil. Demorou mais de 20 anos pra fazer um bom comércio de caranguejo. A maioria das mercadorias que eram pescadas aqui nos mangues, siri, caranguejo, era vendido na pista aí. Vendido nessas pistas.
P/1 - Vende aqui na pista mesmo?
R- Vende na pista. Agora, hoje não. Hoje, caranguejo e siri aqui virou ouro. Virou ouro. Não tem mercadoria mais cara do que caranguejo aqui.
P/1 - E vocês vendem onde?
R- Ó, quando a gente pega caranguejo, pra vender uma duzia de caranguejo, é R$50,00, R$60,00, R$70,00.
P/1 - Na pista? Continua vendendo na pista?
R- Na pista ou empregando. Em qualquer lugar que levar é R$50,00, R$60,00 conto, uma dúzia de caranguejo.
P/1 - Mas tem um lugar certo que vocês levam o peixe?
R- Não, não. Não tem parada certa, precisa vender pra freguês, ambulante. Também não tem quantidade de mercadoria assim que você possa fazer um paradeiro certo e dizer assim: eu tenho a mercadoria aqui, tá em conservação e eu vou atender aqui o freguês. Não. Pra vender caranguejo, eles vendem nas pistas aí, ó. Vendem nas pistas.
P/1 - E os peixes, vende aonde?
R- Agora, o peixe não tem esse valor. O peixe, ele sempre tem uma mancha nele, que é a afetação do óleo. É mais difícil pra vender. Só quem conhece compra. Entendeu?
P/1 - Só quem conhece compra?
R- Só quem conhece compra. Agora, caranguejo eu vendo porque é o crustáceo mais limpo que existe. Se fizer uma sujeira na boca da tua cadeira, ele se muda.
P/1 - Mas espera aí, todo peixe que pesca aqui, ele tem mancha de óleo?
R- Não. Não tem. Hoje, como o peixe vem, é por maré, ele entra e ao mesmo tempo ele sai. Por causa da fundura do canal. Hoje não tem mais aquela lama fedida que nem tinha antigamente. Porque eu já trabalhei até na Colônia do Sandim, já trabalhei por todo canto, eu trabalho por todo canto. O peixe é bom. O peixe daqui virou bom.
P/1 - E agora que o peixe é bom…
R- Onde a Embraport tá, era um bom celeiro de peixe. O Lago de Santa Rita nunca deixou de ser um bom celeiro de peixe. O Lago de Cananeu, também é a mesma coisa. Tudo bom. Só que o peixe tá resumido. O peixe tá resumido aqui. Porque a procura dele é muita. A procura dele é muita. Quanto mais desemprego, mais gera prioridade em cima do pescado. O desemprego gera muita prioridade em cima do pescado.
P/1 - Mas por quê?
R- Porque a pessoa, tendo o documento ou não tendo, ele pega um remo e vai pescar. Ele vai sempre se defender na pesca. Tendo documento ou não tendo, ele vai pescar.
P/1 - Aí acaba ficando menos peixe para quem tem os documentos pescar?
R- É, porque... Olha... Quem é a pessoa que quer ver o filho com fome, ele podendo ir ali trazer um peixe para... Porque o salário daqui, de São Paulo, eu digo bom. Eu digo bom. Do Rio, de Brasília, eu também digo bom. Mas partiu…
P/1 - Mas vocês vendem...
R- A empresa, pra quem a senhora está fazendo a divulgação. O meu filho trabalha lá. Eu tenho um filho e uma neta trabalhando lá. Enchendo porão de navio. A prioridade é muita. Agora não é eu falar de atacadista. Pra mim não me interessa falar de atacadista. Mas tem cara que compra lavoura do povo, era espontâneo na terra. Não é assim? Espontâneo. Pra poder encher esse comboio aí, não é fácil. No Brasil inteiro, a mercadoria é muita. É muita. A carga é muita. O Brasil ganhou o Prêmio Nobel esse ano, 163 milhões de toneladas de grãos. Já tinha o Prêmio Nobel de suíno e o de frango. E esse ano ele não vai alcançar só mais um, só esse prêmio, vai ficar só nessa. Ele vai alcançar mais um prêmio, porque o nosso presidente negociou carne bovina com o Japão. Isso é mexer com o mundo, não é dizer: Não, estamos fazendo… Não, não estamos fazendo mal. Pra mim não está fazendo mal. Eu falo de bem. Negócio é negócio. Negócio é negócio. Um presidente tem que ser ágil com os negócios dele, tem que vender, tem que comprar, tem que se mostrar, tem que cuidar do povo. É a mesma coisa na empresa onde a senhora trabalha. Tem que trabalhar. Se não trabalhar, não chega lá.
P/1 - Senhor Francisco, mas até hoje o senhor trabalha com a pesca?
R - Até hoje eu pesco.
P/1 - Conta pra mim, como que é um dia de pesca? O senhor tem que acordar cedo, depende do tempo, como tá o tempo pra sair pra pesca?
R- Olha, tem uma palavra na Bíblia que diz assim: Tudo que pedirem em meu nome eu farei para que o Pai seja glorificado do Filho. João 14, 13. Tudo. A senhora acha que a senhora vai ter nenhuma preocupação em fazer o trabalho que a senhora faz? Não, não vai ter. Em todo canto a senhora está protegida. Porque quem lhe protege é Ele. Quem está protegendo vocês aqui é Ele. Vocês estão aqui porque Ele trouxe vocês aqui. Não fui eu. Não fui eu. Por todo canto que eu vou, eu sou protegido, sou guardado. A Bíblia diz que o anjo do Senhor acaba a seu redor dos que o teme. O que é temer? É estar consciente que Deus está lhe protegendo.
P/1 - E quando o senhor vai entrar no mar pra pescar, o senhor reza?
R- Não. Eu oro. Critão ora, não reza. Rezar é uma repetição. Todo dia eu dizer Santa Maria, Mãe de Deus… Deus não tem mãe. Deu pra entender agora? Deus não tem mãe.
P/1 - E o senhor faz um pedido, então, quando entra no mar pra pescar?
R- Mas a Igreja Católica que tem aqui, fui eu que fiz. Porque a senhora viu, esse homem que foi empossado agora no poder lá em Roma, ele colocou uma articuladinha dizendo assim: Desarmado, desarmando.
P/1 - Me conte do seu dia de pesca, então. O senhor chega, faz um pedido no mar?
R- A vila, é intitulada como vila de pescadores. Todos aqui são pescadores. E eu considero que eles estão na posição certa. Só que é assim, os trabalhadores enfrentam Norte, Sul, Leste e Oeste. Eu, por exemplo, já trabalhei em Itanhanhem, já trabalhei em Peruíbe, eu já trabalhei em Guarau de Peruíbe. Eu já trabalhei em Cananéia, já fui até Maresias. Me ofereceram trabalho em São Sebastião, mas eu não quis. Eu digo, não dá pra mim. Olha, já trabalhei no Guarujá. Trabalhei no Guarujá em construção, já trabalhei empregando. Que nem eu já falei pra senhora, vou repetir. Lá no centro do Boqueirão tem aquilo ali. Em volta daquele prédio, as pedras baianas, foi eu que assentei. Colega, para eu receber, me de um trabalho. Um dia o cara disse: eu tô com pressa de inaugurar isso aqui. Eu digo: mas nós não temos nem onde pegar uma comida aí. Ele disse: não, eu vou mandar um lanche pra vocês. Quando mandou o lanche, mandou uma tubaína e um sanduíche de mortadela. O senhor tá vendo como é que a pessoa trata os empregado? Como é que a pessoa trata as pessoas? Mandou um sanduíche de mortadela, tubaína. Uma pessoa trabalha o dia todinho, a noite toda, dormir no frio, numa época dessa. Foi uma época dessa, frio. Dormi só com uma manguinha de camisa assim. Quer dizer, o trabalhador é sofrido. Quer dizer, tanto faz eu tá pescando aí, ó. Pra mim, tanto faz eu estar pescando, eu estando vivo, com saúde. Tanto faz, eu conheço tudo aqui. Conheço tudo. Eu não tenho inimigo.
P/1 - Senhor Francisco, me conta como você conheceu a Dona Santina?
R- A Santina, eu sou casado com ela há 59 anos. Nós somos casados. Eu morei vizinho a ela. Morei vizinho a ela.
P/1 - Aqui na vila?
R- Não. No Casqueiro. Eu só vivia na casa da mãe dela. A mãe dela já é falecida. Eu morava como ali na outra rua, e ela morava como ali. E a mãe dela fazia comida. Ela fazia prato. Tinha um colega meu que almoçava lá, e às vezes, quando eu estava com fome, eu ia lá, de vez em quando. Eu pegava o prato de comida com ela. E ela veio e falou: Você sabe fazer encanamento de banheiro? Mexer em um banheiro que está entupido? Eu falei: Sei! “Desentope esse encantamento pra mim.” E ali eu fui conhecendo ela, e terminou nós... A minha cunhada, ela mora em Jundiaí, as duas filhas. Ela é a mais velha do que ela. E ela é mais nova. Eu casei com ela, ela tinha 16 anos.
P/1 - E o senhor tinha quantos anos?
R- Nós temos seis filhos.
P/1 - Mas quando casaram, ela tinha 16 anos e o senhor tinha quantos anos?
R- Eu tinha 25 anos. 25 anos, certinho.
P/1 - E vocês casaram na igreja que o senhor construiu?
R- Casei na igreja que eu construí. Aqui. E o Padre Antônio, eu não falei dele, mas agora vale a pena falar. O padre Antônio Olivier.
P/1 - Ele que casou vocês?
R- É. Foi um dos maiores amigos. Ele subiu com nós até aqui em São Paulo pra ver o problema dessa terra. Quando trouxe, trouxe braços abertos. Acabou o medo.
P/1 - Conta pra mim como que foi o dia do casamento de vocês.
R- Rapaz, sabe como é que pobre faz. Pobre se torna rico quando um gosta do outro. Né? Se torna rico. Me tornei o homem mais rico do mundo. Porque os meus filhos... Tem uma aí, é missionária, essa daí. Já pregou até na nossa vila. A Fernanda, ela mora em Ourinho. Mora em Ourinho, tenho duas netas lá, em Ourinhos. Tenho outra.
P/1 - São quantos filhos? Seis, né? Seis filhos o senhor tem?
R- Seis. Eu estou falando das mulheres.
P/1 - Fala o nome deles pra mim, por favor.
R- O Marco Gonçalves Barros, trabalha na VLI. Dentro da VLI. Ele trabalha com aquela máquina lá, rechegando e tal. E agora levou a filha pra trabalhar lá. Mayara. Mayara trabalha lá, faz o mesmo trabalho. Aí, vem e fala pra mim. “Pai, os homens vem e não quer levar a carga do navio, mas ajeita pra lá, ajeita pra cá, faz uma higiene lá e tal. Terminar embarcando tudo e levando tudo, e ninguém reclama nada. E ela tá lá agora, a menina, Mayara, a filha dele. É minha neta. Eu digo: cuidado com a poeira que você tá na lama, depende do material. Porque a poeira sempre afeta alguma coisa. Tem que ter muito cuidado. Mas, tudo bem. Os dois estão trabalhando lá. Tem outro neto, que é irmão da Mayara, também. É filho do Marquinho. Trabalha na refinaria. Ele trabalha na refinaria. É empreiteira, mas trabalha... Eu também já trabalhei na refinaria, também. Numa terceirizada. E ele trabalha lá numa terceirizada. Só que ele já trabalhou aqui até no Terminal Brasil. Trabalhou em cima daqueles guindastes. Ele fez curso pra trabalhar naquelas alturas. Eu digo: olha, meu filho, cuidado. Cuidado, que o negócio é perigoso. Trabalhar em cima de um bicho daquele não é fácil, não. E ele fez curso pra trabalhar naquele. E tem um outro neto, filho do Marquinhos também, ele trabalha na Carbocloro. Filho do Marquinhos também. Samuel. Trabalha na Carbocloro aqui, ó. Trabalhando na Carbocloro. Nessa Carbocloro eu também já trabalhei. Já trabalhei na refinaria também. E aí, a gente vai encaixando os filhos, as filhas. Agora lá vem a outra filha. É uma outra filha, que era casada. Essa nunca trabalhou. Já teve um problema de saúde. Ficou internada em Itabira. E morava aqui.
P/1 - Qual problema de saúde ela teve?
R- Claudia.
P/1 - E qual problema de saúde ela tem?
R- Ela é a filha mais velha e foi a que casou primeiro. Ela tem dois fihos, tem um casal. Ela tem um casal. Tem um que está preso. Tem um que está preso. Ele começou a se interessar por essa oferta falsa aí, e terminou se embananando. Os netos dele estão com a gente aqui, os filhos dele. São três, um está aqui, mais dois estão lá com a mãe e tal. Mas está tudo bem, tudo tranquilo. Graças a Deus, a gente vai orando por ele. E ele está preso lá. Pegou 18 anos e 6 meses de cadeia. 18 anos e 6 meses de cadeia. Eu creio que ele vai ser anistiado em alguma coisa, porque tem um parente da minha mulher, que ele pegou 42 anos de cadeia. Orei por ele, orando por ele, Deus anistiou em 14, tirou 14, anistiou em 14, 14 tirou albergada, assinando uma vez por mês. Deus preparou uma esposa pra ele, um dia desses ele veio me mostrar uma filha, a filha dele. Há cinco anos atrás, ele veio me mostrar a filha dele. Mora na Praia Grande, é síndico de prédio. Trabalha de síndico de prédio. Um bom... A gente, orando, concordando, tendo calma, tendo paciência, recebe sempre os favores de Deus. Não merecido. Nós não merecemos. A gente recebe sempre os favores de Deus. E aí, tem a outra, Renata. Renata é administradora de empresa. Já andou muitos anos dirigindo carro daqui pra Brumadinho, fazendo entrevista ali, acolá, mas um negócio brabo. Hoje… O marido dela morreu, o primeiro marido dela é falecido, la ficou viúva. Mas Deus colocou um segundo marido na vida dela. Tá tranquilo. Tem uma filha chamada Driele. Driele é protética, em Cubatão, Driele. Ela trabalha com arcada dentária, essas coisas. Trabalha na Riso. Ela tem dois filhos. Tem a Mel, um que chama Mel. E é casada com um moço chamado Islã, que é engenheiro. Eu não sei em quem firma ela trabalha. Faz dias que eu não vejo ele. Mas graças a Deus está tudo indo bem. Agora, tem um outro filho, Francisco, é o mesmo meu nome. Pescador profissional aqui, que nem eu também. Mas a coisa começou a apertar aqui, de uma tal maneira, ele terminou tirando cadeia, pegou cadeia ainda, deu um trabalho medonho pra gente livrar ele de imediato. Pra livrar imediato. Não por roubo, por poeira, né? Aí, ele tinha uma esposa aqui, a esposa deu um filho pra ele chamado Marco, aí foram para Aracaju, viajaram daqui, foram para Aracaju. Lá de vez em quando eu vejo ele pela internet. E o filho fez um curso para trabalhar na refinaria. O filho dele, trabalha na refinaria tranquilo. Ele é serralheiro lá. Trabalha lá nas obras de Aracaju. E ele continua pescando. De vez em quando eu vejo ele com o tabuleirinho de robalo, camarão. Eu digo, ah, rapaz, tá rico aí.
P1 - Ele aprendeu a pescar com o senhor?
R - E eu tô aqui, feliz, tranquilo. O povo dessa vila, eu respeito a todos. Porque pra gente ser respeitado, tem que dar respeito a eles. Respeito a todos. Olha, eu não ignoro... Cara, sai correndo demais aí. Corre, meu filho. Pode correr. Cuidado pra não cair, né? Tá preso? Oro por ele como se fosse eu que estivesse preso junto com ele. Amor é assim. É por isso que essa vila tem 66 anos. É 66 anos de luta. Agora, eu não quis falar da minha vida comercial. Eu fui comerciante 20 anos aqui.
P/1 - Aqui na vila?
R- Aqui na vila. Fui comerciante 20 anos. Tive empresa.
P/1 -
Empresa do quê?
R- Secos e molhados. Eu guarda ali.. era lá em Cubatão, na época do Collor de Mello, na época de Sarney. O pior governo que eu já peguei foi o de Sarney.
P/1 - Mas secos e molhados, o que o senhor vendia?
R- Secos e molhados era tudo, minha senhora. Era tudo que a senhora pensasse, eu tinha aqui dentro.
P/1 - Era aqui mesmo, nesse espaço?
R- Aqui. Comecei lá, num barracão de madeira lá. Mas lá ficou pequeno. E aí, eu tirei de lá implantei aqui. Eu já cheguei a movimentar 50 milhões de cruzados de mercadoria aqui. 50, 60 milhões de cruzados. Cheguei a comprar da Martim Comercial. Cheguei a comprar de firma do Paraná. Cheguei a comprar da Fricata em São Paulo, pernil de porco inteiro, bacalhau. De tudo eu tinha aqui nessa loja.
P/1 - Vendia o peixe aqui também?
R- Tudo?
P/1 - O peixe que o senhor pescava?
R- Não, nessa época eu não pescava.
P/1 - Nessa época não pescava?
R- Não pescava porque não dava pra mim dar conta. Porque muitas vezes eu saía pra depositar, era na época do cheque. Aí, eu passei uma experiência aqui. Não tinha pão aqui, não tinha nem uma padaria. Hoje em dia tem três, quatro padarias aqui. Não tinha nem uma padaria aqui. Aí, eu trabalhei com pão de São Manoel, da Seara. Trabalhei com Pão da Seara, trabalhei com Pão da Praia Grande. Trabalhei com Pão do Casqueiro. No Casqueiro aí, o último eu trabalhava com Pão do Casqueiro. Onde está o Exército da Salvação, era uma padaria de dois amigos meus, todos dois são falecidos, Seu Antônio e Seu José. Fui pegar o pão lá. Quando eu cheguei aqui, tinha uma porta por ali. Não dominaram eu, meu filho estava dominado. Três caras. Eu vendia tênis bamba, vendia material escolar, vendia tudo. Bolacha eu comprava da Campineira, lá perto do Moinho Santista. Comprava de todos os homens aí, tudo no cheque. Comprava de bocha, Magalhães era vivo. Bocha Magalhães, se eu pedisse um caminhão de mercadoria, ele mandava. Aí, eu fui assaltado aqui. Levaram 25 mil cruzados em dinheiro. Era dinheiro. Pra mim cobrir uns 4 ou 5 cheques. Eu comprava no cheque. E levaram um saco de material, tênis bamba. Deixando vivo, aí quando saí aí... Deus tenha misericórdia de vocês. Todos os três saíram por aí. Fiquei com problema. Aí, problema do meu guarda-livro, problema dali, problema da acolá. E foi problema dos cheques. Aí, corro pra lá, corro pra lá. Fui no Magalhães, foi o primeiro. Quando cheguei lá... Ele disse: você por aqui? 10 horas do dia. Disse: por aqui. Ele disse: o que acontece? Eu digo: eu tô com problema, eu fui visitado lá e eu tô com um cheque meu na sua mão aí, eu queria que o senhor me anistiasse aí, em alguma coisinha aí, pra ver se eu consigo cobrir o seu cheque, que é pesado. Eu comprava arroz dele, feijão, açúcar, leite. Eu comprava dele tudo. Cebola. Ele me vendia de tudo. Arroz, eu comprava duas, três maquinas de arroz. “Entra pra cá.” Abriu o cofre. “É esse aqui o seu cheque?” Eu digo: é. “Quantos dias você quer?” Eu digo: dez dias. Me de dez dias aí. “Tá feito. Visitaram você, é?” Eu digo: é, visitaram. “Pois eu fui visitado aqui nove vezes durante um ano. E da última vez, eles queriam botar minha mulher dentro do frigorífico, se eu não desse o que eles queriam.” Eu digo: aqui? Ele disse: aqui. Nove vezes. A mulher dele era que nem o Extra ali. Tomava conta do varejo, carrinho, tudo, muitas caixas lá. E ele do atacado, só comprava de carreta. Esse homem deu um infarto em São Paulo e morreu. Acabou-se o mercado. Deu um infarto em São Paulo e morreu. E aí, o outro, que era o Senhor Fausto, também fizeram uma movimentação na casa dele, que era na mesma rua, Sete de Setembro, só atravessava a Conselheiro Neves, era o Senhor Fausto. Vendia aqui muita mercadoria pra nós, também. Também, até fazerem necessidades fisiológicas dentro do escritório dele, nem ele comprando pastores alemães e botando lá. Eles abriram aquela portinha, entraram para dentro, fizeram o que quiseram dentro da casa do homem. A Império da Miudezas, também roubaram um caminhão dele, aqui nessa lombada aqui. Deu um trabalho de mais de 15 dias pra achar, o negócio era brabo. O negócio é brabo. Debaixo dessa ponte aí, muitos caminhões pra entregar aqui, debaixo dessa ponte aí, era assaltado ali, arrombavam até os…. Tô falando isso pra senhora, mas não é pra ficar preocupada com isso não, que eu não tô preocupado com isso não. Eu tô falando só por experiência.
P/1 - Senhor Francisco, a gente precisa se encaminhar...
R- É muito importante a gente ter paz. Paz. Paz com tudo.
P/1 – Senhor Francisco, a gente precisa se encaminhar pro final. Porque é muita história pra contar, senão a gente fica aqui que nem o senhor falou, o dia e a noite. Aí, eu queria saber se o senhor quer contar mais alguma coisa que eu não perguntei pro senhor, se o senhor sente falta de falar mais alguma coisa pra deixar registrado na história do senhor?
R- Olha, agora, o que eu posso falar para a senhora, que é muito importante eu falar para a senhora, é que eu sou evangélico. Nós somos evangélicos. Eu vou dizer só assim.
P/1 - A família toda?
R- Fazer um apanhado… Não, a família toda não. Mas meu filho é evangélico, a esposa dele é evangélica. Muitos crê, mas não vai na igreja. Então, mas eu sou evangélico e ela é missionária. Essa que tá aí também é minha filha, é missionária, que tá fazendo aquilo ali. O evangélico às vezes deixa a pessoa meio assim, sei lá, assim meio desapercebida. Mas eu quero dizer pra senhora que eu sou evangélico. E é um negócio importante eu dizer pra senhora. Olha, que nem eu já falei, tá no começo aí que a primeira igreja evangélica, quando eu passei a ser evangélico, é aquela que tá ali, na Santa Júlia, que pertence a João Corrêa Filho, que o pai é falecido. Já trabalhei na Vila dos Criadores, comi bocado duro na Vila dos Criadores. Levei muitas cestinhas nas costas pra ajudar as pessoas. Já trabalhei na Vila Esperança, já tive igreja até no Morrinho, no Ministério Promessa dos Apóstolos, Pastor Fausto. Já trabalhei na Vila Esperança por todo canto. Ali na Vila Esperança, na Vila Natal, já trabalhei no Evangelho por todo canto. Já trabalhei no Costa Estiva, já trabalhei no Evangelho, já trabalhei na Cota 200, pra enfincar os dedos no chão, assim, pra evangelizar o povo. Cota 95. Já trabalhei na Água Fria, tem um pastor lá, Zé Macaco, chamado Zé Macaco. Ele na pesca e onofre. Na água fria. Já trabalhei no Parque da Bandeira. Trabalhei no Parque da Bandeira com o pastor Cornélio, foi o que me consagrou evangelista. Ele também já é falecido. Trabalhei em Itanhanhem... Trabalhei na Praia Grande com o pastor Aguinaldo. Pastor Agenildo com Pastor Agnaldo, pastor Agenildo de Campinas. E trabalhei umas três vezes com o pastor Fernando aqui na vila, já trabalhei com ele, Pastor Fernando, no Ministério, Pastor Fernando, que é aqui em frente à Ferroviária, em frente àquela passarela lá. E já trabalhei aí no Casqueiro, com João Corrêa, eu trabalhei 18 anos. Aqui e lá, cresceu também. Trabalhei aqui no Bonsucesso. Fizemos a guerra do Bonsucesso, tem batismo dentro da igreja. Que nem lá em João Corrêa, o batismo é no altar. E levantamos a pedra do Ministério João Corrêa também, na mesma rua, no finalzinho, tem a igreja na Madureira. Trabalhamos aqui no Guaçu, todo canto, já trabalhei no Guarujá, saí daqui com um tupi cheio de gente pra ir pro Guarujá. Trabalho no Evangelho e por essas igrejinhas por aí, muito tempo, 45 anos trabalhando. O Pastor Josias, quem recebeu eles aqui, foi nós. Ele tem duas congregações aqui. Pastor Josias, quem recebeu eles aqui foi nós. Foi eu que recebi eles aqui. O homem fez a igreja onde está ali no caminho Santa Rosa, depois ele faleceu, mas está a esposa dele lá, no lado.
P/1 - Tá bom, Senhor Francisco, muito obrigada, viu, pela toda atenção.
R- Sendo crente, sendo cristão, orando por nós. E a Bíblia não tem três homens, viu? Só tem dois. O primeiro homem é Adão, foi feito a movimento. O último, Adão, é espírito vivificante. Fechou agora, mano.
P1 - Muito obrigada.
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