Projeto: VLI – Estação de Mamória: Porto & Pesca
Entrevista de José Ribamar Mendes
Entrevistado por Luiza Gallo e Ane Alves
São Luís, 03/10/2025 (Camboa dos Frades)
Entrevista nº: VLI_HV018
Realizada por Museu da Pessoa
Transcrita por Miriam Allodi
Revisada por Ane Alves
P1- Primeiro eu quero te agradecer demais por nos receber aqui na Camboa. E gostaria que você começasse se apresentando, dizendo seu nome completo.
R- Meu nome é José Ribamar Mendes, sou morador da Camboa do Frades, sou pescador. Vida é mais. Sou pescador, virador, pescador do raso, como se diz, do lodo. Não sou pescador do alto mar.
P1- Não é?
R- Não. Do alto mar não. Pescador da beirada, pescador de camarão…
P1- E que dia que você nasceu?
R- Eu nasci... Sou do 05/05/1973, 5 de maio.
P1- Aqui na Camboa?
R- É! Sou da Camboa. Não nasci em outro lugar, nasci foi aqui. Minha mãe nasceu, essa irmã minha, todo mundo aqui da família nasceu foi aqui na Camboa. Só meu pai que não é daqui, meu pai é ai da Baixada de Alcântara, esses lugares. Já até faleceu, já tá quase que uns 30 anos, mais ou menos. Que meu pai faleceu. E assim, a vida da gente é todo tempo aqui, nesse lugar, não tem saída para outro lugar. Agora aqui não presta mais, porque aqui é um lugar que… Para quem vive da pesca, como eu, Cam, vários pescadores. Não é só eu que vivo da pesca aqui num lugar desse, tem várias pessoas. Tem umas que já até largaram, partiram para o caranguejo, esse acabou também. Quando chegaram as empresas, ao redor daqui, desse lugar, da Camboa dos Frades, aí foi matando o mangue. Matando o mangue. Tem lugar que você ia para pegar o peixe no mangue, pacamã, tainha, tudo ficava naquelas poças. Vocês é que não sabe, poça que a gente fala, é um lago de água no meio do mangue, do tamanho de umas sala dess, no meio do mangue. Você não precisava ir arrastar camarão, não, era só agarrar o cofo aí e se mandava pra dentro do mangue, sujava aquela...
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Entrevista de José Ribamar Mendes
Entrevistado por Luiza Gallo e Ane Alves
São Luís, 03/10/2025 (Camboa dos Frades)
Entrevista nº: VLI_HV018
Realizada por Museu da Pessoa
Transcrita por Miriam Allodi
Revisada por Ane Alves
P1- Primeiro eu quero te agradecer demais por nos receber aqui na Camboa. E gostaria que você começasse se apresentando, dizendo seu nome completo.
R- Meu nome é José Ribamar Mendes, sou morador da Camboa do Frades, sou pescador. Vida é mais. Sou pescador, virador, pescador do raso, como se diz, do lodo. Não sou pescador do alto mar.
P1- Não é?
R- Não. Do alto mar não. Pescador da beirada, pescador de camarão…
P1- E que dia que você nasceu?
R- Eu nasci... Sou do 05/05/1973, 5 de maio.
P1- Aqui na Camboa?
R- É! Sou da Camboa. Não nasci em outro lugar, nasci foi aqui. Minha mãe nasceu, essa irmã minha, todo mundo aqui da família nasceu foi aqui na Camboa. Só meu pai que não é daqui, meu pai é ai da Baixada de Alcântara, esses lugares. Já até faleceu, já tá quase que uns 30 anos, mais ou menos. Que meu pai faleceu. E assim, a vida da gente é todo tempo aqui, nesse lugar, não tem saída para outro lugar. Agora aqui não presta mais, porque aqui é um lugar que… Para quem vive da pesca, como eu, Cam, vários pescadores. Não é só eu que vivo da pesca aqui num lugar desse, tem várias pessoas. Tem umas que já até largaram, partiram para o caranguejo, esse acabou também. Quando chegaram as empresas, ao redor daqui, desse lugar, da Camboa dos Frades, aí foi matando o mangue. Matando o mangue. Tem lugar que você ia para pegar o peixe no mangue, pacamã, tainha, tudo ficava naquelas poças. Vocês é que não sabe, poça que a gente fala, é um lago de água no meio do mangue, do tamanho de umas sala dess, no meio do mangue. Você não precisava ir arrastar camarão, não, era só agarrar o cofo aí e se mandava pra dentro do mangue, sujava aquela água, ou então levava um Landruá. Você já ouviu falar de Landruá? Nunca ouviu falar. É tipo uma puçazinha. Mas vocês conhecem puçá? Passava, arrastava lá dentro, enchia o cofo e vinha embora. Mas agora, se você ir, você anda lá dentro desse mangue, do jeito que você tá andando aqui, tá tudo aterrado, por causa dos tanques aí, das empresas que estão ao redor da gente, entendeu? Tudo aterrado. Então, aí o que acontece? Poluição… Entra dentro de um igarapé desse próximo ao Itaqui, que tem 2 igarapés pra cá, perto do Itaqui, Urinema e Urineminha. Para cá, só tem um, que é o Buenos Aires. Você vai para cá, para para esse igarapé, qualquer um deles dois. Você vai andando dentro do Igarapé de maré, vamos supor aqui na cintura, no joelho, por ali, fica fervendo aquela lama podre e subindo aquele óleo.
P1-Tem cheiro?
R- Demais…Podre! Aí, fica subindo aquele óleo. Aí, você bota uma rede… Olha, tem gente lá fora, que não compra mais peixe daqui! Por que? Porque ele bota para cozinhar o peixe, prepara, e quando ele vai comer é só aquele gosto de óleo diesel. Entendeu? Óleo diesel. Aí, se aproximou uma empresa aqui, da Biodisel, que trabalha com azeite de mamona. Ela fica logo perto desses tanques, quem vai daqui para lá, do lado da esquerda. Essa empresa, nós demos parte dela. Certo que veio dinheiro, mas não chegou na nossa mão, entendeu? Veio a indenização e tal, mas não chegou em nossa mão. Não sei o que foi que aconteceu, que não chegou na nossa mão.
R- Aí eu convidei Vicente, Cam e nós saímos, nós juntamos aquele óleo e botamos dentro da garrafa, azeite de mamona que a gente chama, botamos dentro da garrafa e trouxemos para análise, essas coisas, eles levaram. Sumiu, desapareceu. Então, aquilo ali eles abafaram, entendeu? Ficou abafado, aquilo ali. Aí, nós também não sabemos mais de nada. O certo é que nós estamos até hoje no nosso prejuízo. E cada vez mais afetando, porque eles estão fazendo o cais aí. Estão fazendo o cais, diz que vai puxar 5000 metros de onde está feito. De onde eles estão fazendo para frente aqui, pro lado do Cajueiro. Para lá de onde vocês estão vindo, do Cajueiro. É assim. A vida aqui é assim. Por isso que o cara tem que se rebolar para outro lado, largar essa história de pescaria, e se mandar para outro canto. O peixe, a gente ainda come, da baía, de dentro do igarapé, não presta mais não, é agarrar… É tempo perdido. Olha, eles soltaram… É porque eu não estava com celular, e Albacelia, ela estava nesse dia pescando. E eu fui lá de manhã pescar e achei eles dois lá. Ela com o esposo dela, que só pesca eles dois num barco. Aí, eu tô lá, eu digo: Rapaz, eu vou esperar a maré encher um pouco. Aí, eu tô vendo aqueles peixe tudo descendo, peixe morto. Ela disse que ela gravou. Não sei se ela tem essa gravação em casa, mas acho que ela não tem mais não. Eu acho que não. Não sei. Então, descendo aqueles peixes. Eles soltaram um produto aqui, dessa empresa aí, dessa tal de Fertipar, com essa Risa, que matou os peixes tudinho de dentro do igarapé, entendeu? Aí, eu trouxe, eu tava lá e passou um bagre. Eu disse: Rapaz, eu vou pegar esse peixe aí. Aí, eu peguei ele, juntei. Só juntei, que ele vinha de papo pra cima. Juntei ele. Rapaz, vou cuzinha para os meus cachorros. Mas eu agarrei o peixe assim, ele tava mole, assim, inchado. E eu trouxe pro cachorro. Aí, eu cozinhei ele e saiu aquele mal cheiro. Aí, eu botei assim, o cachorro só cheirou e não quis. Por que? Porque estava doente o peixe, entendeu? Porque o bicho é o seguinte: se aquela comida não presta, ele não come. Basta o cachorro, ele não come, ele não vai lá. E se ele comer, ele vai adoecer e vai acabar morrendo! Aí, eu só joguei um pedaço pra ele lá, só, e ele não quis, não. Botei lá pra dentro do mangue. Então, e se a gente fosse agarrar um peixe desses para comer? Certo que a gente não ia comer porque ele já estava estragado, estava um peixe inchado. Que o peixe quando chega a boiar, já está estragado já. Era bater… Se chegasse vivo no hospital, era muito. Assim que é aqui na Camboa. E porque vocês não conhecem a história daqui, para vocês saberem, vocês tem que falar comigo ou com outro, meu irmão aí.
P1- Qual é a história daqui?
R - A história daqui é essa… De primeiro, de primeiro a gente saía para arrastar o camarão, eu, o meu pai, esse meu irmão aí, cansou de ir. O irmão da minha mãe, que morava lá em cima, o Leandro. Esse, chegou foi com oito anos de idade aqui na Camboa, o irmão de mamãe, morreu… Certo que ele não nasceu aqui, que a mãe dele já trouxe ele. Aí, já teve só mamãe e o outro irmão dela, que chama Maurício, foi que nasceu aqui. Ele morreu com 90 anos aqui.
Ele não ia nem mais pescar, até as redes ele vendeu, canoa, tudo ele vendeu. Por que? Porque não deu mais nada. Que ele tinha rede de Tapagem, a gente chama rede de zangaria. Ele vendeu tudo. Porque não deu nada, não deu mais nada aqui, acabou tudo! Só dizer para vocês que acabou tudo, e pronto! Nem caranguejo, você vai… Ó, esse pescador, tomara que ele passasse aqui, eu ia chamar ele, Zeca, ele mora bem aqui. Zeca de Meroca, que a gente chama ele. Ele vai, que ele é tirador de caranguejo de venda. Ele só faz é vender. Ele passa o dia todinho, quando ele vem de lá, de dentro do mangue, não sei se ele traz dez cambadas. O máximo é seis, cinco, quatro, cambadas de caranguejo. Cambada é três, três e três, assim. É só isso! Não dá mais nada. Aí, eu já estou querendo… que o cara lá está pedindo um vigia, aí eu falei com ele, para ele ver se ele fica lá, porque eu não posso ficar a noite lá, só de dia mesmo trabalhando… E o rapaz lá, o engenheiro, tá pedindo um vigia. Ele disse: Seu Riba, eu vou, rapaz! Fala com o cara para mim. Aí, minha irmã chegou, já vou ligar para ele, que eu estou sem internet. Aí, eu vou ligar para o cara, para saber se ele já arrumou, se ele não arrumou, eu vou levar ele, para pescar, para trabalhar lá com a gente. Mas a noite que ele vai ficar, vigiar o material. É assim, não deu mais nada, o cara tem que sair para caçar outro ramo, porque o negócio de pescaria aqui é difícil. Não dá mais nada. Aqui era muito bom…
P1- E como era aqui quando você era pequeno?
R- Ah, quando eu era pequeno, aqui era muito bom! Certo que a estrada a gente passava pelo mangue, não tinha estrada não. A gente passava aqui, beirando aqui, todo tempo. O mangue e a terra beirando o mato, que não tinha rua, não tinha nada. E energia, que aqui não tinha. Aqui era tudo escuro não prestava, não. Assim, tipo, pelo andar, era ruim, mas pela pescaria era bom. Tá entendendo? Você botava um espinhel. Espinhel é o anzol amarrado na linha. Você botava o espinhel, sem anzol. Você não dava nem conta de trazer o peixe de dentro do mangue para for a. Não precisava ir lá no meio da baía, não, na beira da terra mesmo! Quando a gente ia banhar na praia, as mães ficavam vigiando. Por que? Agora me diga? Modo o Cação, aqui tinha muito. Você olhava ele, as costas dele de fora.
P1- Quem é?
R- O cação! O tubarão que a gente chama! Aí, as mães gritavam: ei, rapaz, olha o peixe! O peixe! Sabe como é criança. Era assim que era aqui de primeiro. Aqui era farto demais. Siri, você já ouviu falar de Siri? Aqui a gente botava só na linha, não precisava ir lá sujar o pé não, era só na linha. Rapidinho você agarrava ali uma panela, duas, dessas aí, e vinha embora. Porque se agarrasse mais, ia estragar. Assim que era aqui na Camboa. Peixe debaixo de pedra, aqueles pedrão, a gente tirava. Justamente, papai morreu aleijado, porque uma moreia mordeu ele. Estava ele e Julio, meu irmão, aí. Aí, foram pescar pra cá, aí na beirada mesmo, aí acharam uma pedra por lá, e papai foi tirar essa moreia e essa moreia acertou, foi certinho no dedo mindinho dele. Que aleja! Ela é um bicho que morde… Esse Zeca ai está com uma mordida dela, que ele foi ai para lá do Campo Redondo tirar, pescar. Ele é danado para pescar, esse cara. Aí, essa moreia mordeu ele. Moréiona bruta! Ela é verdinha com esse litro aí. É um tipo de peixe. Tem gente que chama cobra, mas não é cobra não. É um peixe mesmo. Então, é assim. Aqui era desse jeito, mas agora não deu mais nada. Aqui era um lugar farto, aqui dava muito camarão, muito peixe, tudo, de tudo, de tudo, de tudo, de tudo. Tinha gente que não levava nem rede para pescar. Só na mão mesmo já trazia a comida. Mas aí, você chega numa beirada dessa aí… Olha, aqui tinha coroa de pedra, você andava como daqui lá naquela casa de tijolo, a primeira que vocês olharam? Não tinha uma casa desse lado? Andava só em cima da pedra, até lá no meio do lavado. Agora, você sai daqui da areia, você pisa bem aí, já dá daqui, a lama cresceu e vem só pra terra. Aquela lama só vem para a terra, ela… Fica horrível! É medonho. E aí, a pessoa que não tem assim, tipo, um ganho do governo, ele se aperreia. Entendeu? Eu estou em casa, uma vez aí, aí chegou um pessoal fazendo uma entrevista e tal, perguntando outras histórias para gente, andou em casa em casa aí. Aí, nós estivemos explicando. Aí, veio mais um rapaz daí, ficou lá em casa. Perguntando se a gente tinha ganho de governo, como é que estava o peixe.
Eu digo: Rapaz, aqui não está dando é nada, não deu mais nada, não. Aí ele: mas vocês não têm nenhum ganho do governo por causa disso? “Não, não!” E o governo tem conhecimento? Claro que ele tem conhecimento. Como é que ele não tem conhecimento de uma baía dessa aí? Que isso aí são eles que mandam? A EMAP também já fez uma pesquisa com a gente, já fez ficha, já fez tudo. Já está com mais de dez anos isso aí. Nunca apareceu mais ninguém aqui. É desse jeito! Eu estou com uma rede lá em casa, rato que está terminando de furar. Eu não vou mais nem comprar, porque não adianta. Se for pra tá me cansando, vamos trabalhar pro outro lado. É assim. A vida aqui é difícil. Difícil! De pescaria é! Então, tá desse jeito aí. Tá bom, agora no verão. Deixa chover. Com a chuva, aí, nem o camarão dá! Nem para fazer assim, tipo, uma merendazinha, para merendar de manhã pra poder ir para o serviço. Rapaz, aqui é muito difícil, é ruim demais. Aí, já tem uns pescadores ali, que tem barco grande, e já vão pro lado de Estiva. Para cá, para um tal de… Como é o nome do lugar lá? Como que eles chamam? “Jacamim”, “Azarraia”, para dar o peixe. Porque ele fica longe daqui, aqui é poluído, e pra aí não. Para dar o peixe. Eles vão para lá, todo mundo, pescar. E eu, como eu não tenho barco, eu fico aqui mesmo, pescando. Alguma vez que eu vou, larguei mais, não dá nada. A lama atola que só. O cara que não é acostumado a andar numa lama dessas, ele não anda como daqui, dez metros, não. Daí da beirada para fora. Depois eu levo vocês lá, para vocês olharem como é. É assim. Aqui não prestou mais para viver não. Só se o cara tiver um emprego, se ele não tiver um emprego, ele vai se rodar. Como dizem os mais velhos [risadas].
P1- Seu Riba, eu vou voltar um pouco, tá? Te contaram como foi o dia do seu nascimento?
R- Não, não me contaram. Mas eu nasci mesmo foi… Rapaz, isso aí… Pelo jeito, como eu nasci aqui, que aqui era, aqui não tinha estrada… Rapaz, eu acho que minha mãe sofreu demais. Porque não tinha estrada. Porque uma mulher para ter uma criança em casa, ela sofre, não sofre? Ela sofre. A gente já tira essa ideia por hoje. Porque todos nós aqui, que mamãe já falou, nós tivemos… Nós tinha uma tia, Tereza, a irmã de meu pai. Ela que "agarrava” esses meninos tudinho aí, era ela. Tia Tereza. Ela morreu, eu acho, que uns 80 anos, 90, por aí. Acho que ela morreu com 80 anos. Então, era ela que era a parteira, de agarrar os meninos tudo aí, era ela. Todas as crianças passaram pela mão dela, daqui da Camboa. Tudo passou por ela. Então, é assim… Eu acho que foi um… Sei lá, eu não sei explicar isso aí, porque eu tenho pouco conhecimento dessas coisas. O certo foi que as mulheres daqui não iam pro hospital, não, tinha criança era em casa. Eu sei disso porque minha mãe falava. Até hoje ela conta essas histórias antigas. Então, é assim. Mamãe está com 86 anos de idade. Só que é uma pessoa das antigas, nós é que não aceita mais ela sair. Mas ela vai em feira ainda, ela anda para todo lado. Mas a gente não gosta. Que ela pegou um baque de carro, uma época, é quebrou isso aqui dela, ó… Você jura que ela tá com dente inflamado. Ela tem esse lado inchado. Não sei se é do direito ou do esquerdo. Então, de vez em quando ela sente umas tonturas, umas coisas. Essa aí está vindo de lá, essa minha irmã aí. Então, a gente não aceita mais ela está andando. É assim. Minha mãe, agarrava uma puçá! Ela já arrastou camarão… Minha mãe arrastava camarão, fazia carvão, tirava caranguejo. Minha mãe criou nós, só quebrando coco e vendendo aqui. Aqui dentro dessa Camboa. Então, ela arrastava camarão. E eu brinco com ela hoje. “Oh mão, que dia que nós vamos arrastar um camarão?” “Ah, meu filho, tu quer me matar?” Por que ela diz isso? Por causa da lama, que ela não aguenta mais andar. E a gente atravessava o mangue, entende? Atravessava o mangue, para poder chegar dentro do igarapé. E minha mãe ia, arrastava camarão com meu pai. Cansou de ir. Ela convidava ele. “Rapaz, embora lá, na Maré.” Desse jeito…
O camarão daqui é no lançamento, dois, três dias de lançar, da maré puxando. Agora ela está mortinha, mas ela já tá lançando já. Aí, você pode entrar com uma puçá de primeiro. Agora, você entra lá, você vai dar com lixo, cisco, peixe morto, tudo isso você vai agarrar na puçá. Então aí, melhor evitar, porque que não adianta. Então é assim. Ela arrastava camarão, ela, essa… A cunhada dela, que era irmã, a esposa do irmão dela. Esse pessoal tudo arrastava camarão.
P1- E quem é que te ensinou?
R - A arrastar camarão? Ah, ninguém… Foi meu pai, que eu ia com ele desde oito anos, eu arrastava camarão com o meu pai aí, dez anos, oito anos. Ele gostava mais de ir comigo do que com o outro irmão meu. Ele só me levava, que ele tinha uma canoinha, aí nós ía nessa canoinha dele. Quando não era, ers pela lama. Que muitas vezes, ele não queria passar o dia todo, porque se ir de canoa, aí só vem à tarde ou então à noite, conforme a maré, entendeu? Porque tem maré, que a gente chama, de seis às seis, das 06h00 da manhã e volta 18h00 da tarde. Assim que é. Então, às vezes, nós íamos pelo mangue. Eu mais meu pai. Foi ele que me ensinou. E eu mesmo… O cara que nasce num lugar desse aqui, depois, ele vai crescendo, ele vai vendo o movimento, ele tem que se botar para fazer, porque se não ele… E ninguém me ensinou muita coisa não. Só ele mesmo. Aí, papai também largou, de pescar e tal. Aí, nós tomamos de conta. Ele ficou logo velho. Aí, nós fomos tomando de conta da pescaria.
P1- Mas seu pai te chamava pequenininho pra acompanhar?
R- Pequeno, desde oito anos. E eu já convidava… “Borá lá…” Criança é assim. Aí, ele me levava, na canoa. Aí, eu fui crescendo e tal, já ia só, botava a escora. Assim que era. Aí, eu me entendi isso.
P1- E suas irmãs iam junto ou não?
R – Não, a minha irmã era muito difícil ir. Muito difícil, pescar com a gente. Mas papai ia, levava. De vez em quando ele levava uma. Essa daí já pescou com ele. Esse meu irmão ali, também. Aí, foi assim.
P1- Vocês são em três filhos?
R- Não, nós éramos seis. Eram três homens e três mulheres. Aí, morreu uma menina, quando era pequena. Aí, ficou cinco, três homens e duas mulheres.
P1- E morreu do quê?
R- Não sei. Isso aí, eu não sei explicar. Mamãe nunca falou, morreu bebezinho. Aí, a gente não sabe. Eu não sei o que foi a causa da morte dela. Pequenininha, bebezinho. O certo foi que ela morreu, essa menina. O nome dela, mamãe disse que era Dulcinéia. Aí, Dulcinéia ficou a outra, que mora lá no Salviano. Aí é assim. Então, a vida é essa.
P1- E como você descreveria o jeito do seus pais?
R- Ah, meu pai. Meu pai, ele era um moreno, mais ou menos da minha altura agora. Era isso.
P1- E o jeito dele?
R- O jeito, ele era um homem forte. Papai era um homem forte, devido a família dele, entendeu? Devido aos pais. Não é nem do pai dele. O certo é que meu avô, eu conheci ele muito bem, ele não era um homem forte. Agora papai, era. Papai e o irmão que ele tinha, chamado Raimundo. Eles dois eram os mais fortes da família, era homem mesmo de peso. Que ele trabalhavam aqui há muitos anos. Aí, chegou criança, num lugar desse. Foi um homem também que comeu muita caça do mato. Que o avô dele era caçador, caçador, não era dizer que ia ali andar no mato a toa. Ele fazia tipo, “Mutá” que eles chamam. O certo, e que ele matava muita caça ai para o lado de Alcântara. Até hoje ainda tem essas caças. Vem aqui, rapaz! Ele que vai dizer se dá o caranguejo aí ou não. Pois é. Então, o meu pai era assim, era um cara, um homem, muito pescador. Papai era pescador. Tinha gente aqui, ainda tem um cara aí, chamado Zé Medonho. Que ele fala é muito de meu pai. “Rapaz, teu pai é que era o pescador daqui!” De vez em quando ele fala isso para mim. Eu quero que tu diga se tá dando o caranguejo aí na beirada? Mas não muito, né? Peixe não dá mais não. Esse aí, pode andar no mangue aí, no lavado. Para cá por Inema, você vai no lugar onde tem pacamão, você anda é assim agora. Tá tudo aterrado. A lama tá toda podre dentro do igarapé. Toda podre. Aqui é o bebedor. O bebedor aí. O bebedor aqui, você entra aqui no bebedor… Porque vocês não tem tempo para andar. Entra bem aqui no bebedor, onde a gente… Todo mundo aqui da Camboa enchia a água, entendeu? Você entra lá… Pode andar, se você… Você andar como daqui, lá em casa. Ou então, lá é perto, com certeza. Anda como daqui ali na Campina, ali perto de caçula. Para você tirar três caranguejos, é muito. Que eu sou acostumado a ir pescar aqui. Eu estou acostumado, tanto no caranguejo, siri… Não tem o que eu não cace aqui dentro da Camboa, entendeu? Olha, eu despachei foi mamãe, que mamãe adora caranguejo. Mamãe larga qualquer tipo de comer por causa de um caranguejo, a gente chama marisco, entendeu? Mamãe gosta demais do Pacamã, o bagre ela não quer. Bagre ela não come mais, que ela enjoou, tipo, que é peixe de esporão, aí ela fez uma operação de hérnia… Então, também a gente já evita esse tipo de peixe pra ela, que peixe de esporão e remoso, ela sente a dor. Então, aqui eu despachei ela. “Mamãe, a senhora não vai mais comer caranguejo agora esses tempos, caranguejo está difícil.” A gente anda no mangue. Tem muito buraco de caranguejo, mas é caranguejo que está nascendo do tamanho de uma castanha daquela. Você olha!
P1- E não cresce?
R- Por quê? Por causa da poluição. O mangue que tá seco, que o caranguejo se alimenta da folha, entendeu? O caranguejo se alimenta da folha, e o mangue está morrendo, ele está secando à toa, devido ao mineiro. Tem um produto aí, que está aí agora na Risa. É uma poeira branca, da cor de um leite. Quem mora lá em cima, naquela outra rua, fecha até a janela. Que lá venta demais, não é como aqui, que aqui é baixo e lá não, lá é alto. Naquela outra rua que sobe lá em cima assim. Não sei se vocês chegaram a olhar, uma ruazinha que sobe, bem perto de um pé de poste que tem lá, tem um poste. Lá enrola pra ir na outra rua. Se você ver o poeirão que cai lá de cima, da casa de um sobrinho meu que tem lá, de Michele e Benevaldo, eles fecham até a porta. Então, isso está matando as coisas. Caju e manga, olha, numa época dessa aqui, ó, já tinha muito caju. Manga, já estava de galho arriado aí. As mangueiras estão é secando os galhos, tudinho. Então é dividir isso. Esse carvão aí, um carvão que eles queimam nessa fábrica aí. Tem tempo ali em cima, que você tem que tampar um balde desse, porque em cima, aquela poeira fica da cor da tampa. Então, isso vem pra cá, cai no mangue, aí bagunça. Bagunça tudo, não tem nada aí. Assim que é. Eu larguei até de tirar o caranguejo, mamãe de vez em quando pedia: cade o caranguejo Ribarmar? O caranguejo só presta no inverno, pra comer é só no inverno. Quero dizer, para mim é, que no inverno ele engorda, entendeu? No verãozão desses aí, está estragado. Ás vezes fica… Basta quando ele está mudando o casco. Tá mudando, não tá? Ele fica dentro só leite, aquilo… Ele se enterra, tampa o buraco e fica lá guardado. Tipo, ele fica de resguardo. Esse aí é tirador, como eu estava falando pra vocês. Mostra onde a moreia te mordeu. Ele toca a mão para o lado… Mas não foi aqui, foi lá no Campo Redondo, por aí… Não vai enquanto isso não sarar! Pois é, então é assim. Isso aí foi uma bocada de moreia! Ele pensando que era um pacamão… [risos]. É, agora a maré sara mesmo… Pois é pessoal, é desse jeito, o negócio aqui é difícil. Aqui nós não estamos… Esse aqui, disse para mim. Eu disse: ei, Zé… Parece que foi ontem que nós tivemos essa conversa. Eu digo: ei Zé, aqui é legal, né?... Lá na casa dele, estava ali. “Nós estamos é no céu.” Eu digo: Rapaz, de primeiro aqui, tu podia dizer isso, nós estáva no céu. Mas agora nós não estamos mais. Tá difícil, Rapaz! Ele é porque gosta mais é de tirar o caranguejo, leva a puçá dele. E eu gosto de pescaria mais, caranguejo já tira, ele. Mas quando tinha caranguejo na Camboa. Ó, caranguejo, quando estava andando aqui, você não saía pra dentro do mangue muito não… Porque tem essas salinas que vocês passaram pra cá, tem salinas aqui em vários lugares, atrás lá de casa tem. Você só andava ali, agarrando ele. E era só caranguejão! Deixa chegar a época de caranguejo andar… Entra dentro do mangue com o cofo. De primeiro era, mas vai agora. Você não agarra é nenhum andando! Nenhum mais! Num agarra mais andando. De primeiro, não! De primeiro você enchia era um cofo, dois, vinha em casa… Quando tinha a profissão de entregar. Agarrava um. “Ah, eu vou entregar esse caranguejo.” Que a gente já tinha a venda deles lá for a. Como Seu Regi, Seu Regi tira dois, três dias, para poder completar… Dois, três dias, direto, de manhã e de tarde, que eu vejo ele fazer isso. De manhã e de tarde ele não lava, vai guardando lá aquele pouquinho, vai guardando, até completar a média que o cara tá pedindo para ele lá. Tem vez que ele nem vai, porque não dá mais. Entendeu? Assim que era. E de primeiro, não, era rapidinho, em um dia você agarrava aquela média que o cara tava pedindo, se era 50, ou 100, ou era 40, ou era 30. Assim que era, de primeiro. E agora não, agora você vai dentro do mangue aí, roda… Uma vez eu me perdi para cá, rapaz, eu entrei bem aqui, ó, depois do bebedor. Eu entrei assim, como quem ia sair ali para o lado da casa de Dona Deusa, onde ela morava lá em cima. Aí, eu fiz isso para sair no igarapé. Rapaz, eu andei demais, sô! Eu digo: rapaz, tu é doido? Onde é que eu tô aqui?
P1- Se perdeu?
R - Que o mangue é fechado para aí, o mangue é fechado. Eu digo: Rapaz… Rapaz, eu rodei, eu não estava mais nem ligando para tirar caranguejo, sô! Eu estava pelejando era para sair… Rapaz, tu é doido. Eu vim foi me embora! Digo, Rapaz! Da valença que eu não fui, não tava assim na profissão de vender, eu estava mesmo só tirando pra mamãe, pra gente comer. Às vezes, faz um arrozzinho ali e tal, com um toucinho, essas coisas, assim, a gente quer comer caranguejo.
P1- Seu Riba, eu vou voltar um pouco pra sua infância. Como era a sua casa?
R - Todo tempo de taipa. Todo tempo assim, ó. Era aqui que era o terreno, que papai deu esse terreno pra minha irmã aqui, ó. A casa da gente, mais ou menos, era desse tamanho aqui. Papai fez, mas mais na frente um pouco. Ainda tem o lugar dela aí. Depois dessa casinha onde vocês queriam ficar aí, mais um pouco para lá. Era todo o tempo de taipa. Nós nunca fizemos casa de alvenaria para cá. Quer dizer, nossa família. Só meu irmão, agora que fez essa aí. Minha irmã comprou o tijolo que está aí para fazer, acho que ela se arrependeu, sei lá. O certo foi que até hoje ela não fez, casa de tijolo. Ninguém da gente. Só o meu irmão lá. Mas era só taipa.
P1- E vocês que faziam junto às casas?
R - Não, é que nessa época, que papai fez casa, eu era criança, nesse tempo, entendeu? Eu faço é agora, para morar. Aí, tudo bem, depois que eu comecei a largar a família, comecei a trabalhar por minha conta. Aí, eu fiz casa pra mim morar. Só aqui nesse lugar, eu fiz várias casas. Esse terreno bem aqui do lado, era meu, fiz casa. Fiz casa para cá, umas três para cá. Aí, parei ali na beira do mangue, por causa do poço, da água que dá. E tem uns cachos de banana lá em casa, famosos. Então, eu gosto de plantar as minhas coisas, entendeu? Num lugar mais que dá. Assim que é. Lá em casa vocês não olham mangueira assim, é muito difícil. Lá em casa eu tenho o que? Jaca, banana, eu tenho banana lá em casa no ponto de cortar, pendurada, que eu não gosto de abafar. Penduro ela. Banana maçã eu já cortei. O que tem lá, é banana japonês, três cachos, que tá mesmo já no ponto, quase de corte. Assim que é. Então, a vida da gente é desse jeito, aqui a gente não pode pular para outra coisa. Partir para pescaria aí… Esse daí não dá conta de andar na lama, eu faço é apostar! Tu dá conta Zé? Tu, tô falando contigo. Tu foi bem na beiradinha lá, tu voltou, rapaz! “Seu Riba, Rapaz!...” Eu digo: o que foi? Ó, meu irmão, andar na lama aí, tem que ter uma caixa de isopor para ir se afirmando nela, porque senão não anda. Que a maré fica longe aí da beirada, ela fica como daqui, acho que lá na BR. Longe da beirada, ou mais longe. É só lama.
P1- E brincadeiras da infância?
R - Brincadeiras aqui… Aqui na Camboa? Aqui na Camboa era ssó os meu tios que faziam. A minha avó, mamãe contava que fazia aqui, fazia0 festa. Aqui já foi um lugar rico, tinha muito gado, eles matavam porco para dar para pessoas que vinham daí de fora, para comer. Era assim. Eu ainda fui numa festa aqui, da minha tia, que ela fez, muitos anos isso aí, eu era menino, mas eu me lembro. Tem coisa da infância da gente que a gente se lembra. Eu me lembro disso aí. Ali, eu ia só para comer bolo, [risos]. Quando mamãe espantava eu já estava lá. Assim que era. Então, era assim. Então, quer dizer que ali… Não sei se vocês já ouviram falar de um tal de toca disco? Já ouviu falar nesse aparelho? Tipo uma radiolinha? Rapaz, isso daí era… Era muito legal, isso aí. Aqui, minha tia fazia muita farinha, farinha seca, essa farinha branca que a gente chama. Então, ela tinha aquelas amizades com o pessoal. Aí, ela fazia festa… Agora, não sei que tipo de festa, assim, não sei se era aniversário. O certo é que eu era criança, não sabia como é que funcionava isso. Se era festa de aniversário, se era festa, assim, brincadeira mesmo. Certo que quando ela chegava a comer pato, que minha tia criava muito pato. Pensa numa senhora que fazia um cozidão de pato bom, rapaz, no vinho de coco, coco babaçu. Ave Maria! Isso aí eu era o primeirinho que chegava, ficava sentado, que claro, ela era irmã do meu pai. Aí, ficava perturbando por lá. Aí, a notícia era só a noite, não era o dia não. Aí, ia até um bocado, cinco horas da manhã, e peão dançando. Só via peão dançando com minhas primas, velho com velha. Rapaz, era importante isso aí, de primeiro. Agora, não, agora não tem festa mais. O que está tendo agora é só matança nas festas.
P1 - Mudou tudo?
R- Mudou tudo. Hoje em dia você tem medo de sair assim, tipo, com sua família, ou com seu esposo, ou com sua mãe, ou com seu filho, lá fora, entendeu? No Anjo da Guarda, não vou muito longe não. Aonde tiver a brincadeira, você já tem até medo de ir lá. Porque, olha, eu assisto esse negócio de bandeira dois aí, rapaz, é mostra toda hora, toda hora é tiroteio, peão morto. E assim! Aí, o cara… Só falando já dá medo.
P1- E o que que vocês escutavam no toca discos?
R- Ah, era mais música, lambada, lambada das antigas. Eu já pelejei até para… Que eu tenho uma caixa de som assim, aí eu já andei esse mercado central todinho, para ver se eu acho da época que eu era criança, mas não tem mais. Não existe. Talvez você puxar no YouTube aí, se tiver internet e tal, aí pode escutar. É claro que tem essas coisas assim. Talvez ache. Mas para comprar pendrive… Que DVD não tem mais. Só eu lá em casa. Mas não acha, essas músicas não. Forró, essas coisas assim. De primeiro, não tinha, não existia reggae. O único cantor que apareceu aí logo, de primeiro, que a gente ainda tinha espalhado junto com essas lambadas, era o Jimmy Cliff. Já ouviu falar nesse cantor Jimmy Cliff? Pois era o único reggae que eu conhecia, era eles.
P1- E você dançava?
R - Não sei nem dançar raggae, era muito difícil. Eu não. Eu dançava de primeiro, mas agora eu já fiquei velho, perdi o ritmo. Olha, eu ia agora ali num show que está tendo, acho que já até terminou isso, ali perto do terminal. Eu estava trabalhando em uma obra bem de frente lá desse terminal. Lá eu estava trabalhando, assentando uns bloquetes lá. Lá no terminal, que eu estava vindo no Araçagi, eu passei lá, lá ainda está cercado ainda. Ainda tem andaimes, essas coisas assim. Agora, o chão lá, nós já entregamos já, o sentado lá que o prefeito estava pedindo, que ia inaugurar, ia entregar. Até hoje ainda está lá, que eu passei lá. Que nós entregamos o serviço no Araçagi, aí nós vindo, todo dia de manhã nós passava lá, e eu vi lá tudo. Pois é, eu, me deu vontade de ir lá, entendeu? Porque acho que veio uns cantores aí de fora e tal. Aí, passou na televisão, eu vi um negócio de reggae lá. Eu digo: Rapaz, eu vou nesse show. Aí, Jairo, que estava trabalhando com a gente, um colega meu, ele disse: ó Riba, rapaz, eu fui lá no show, mas era tanta gente, tanta gente bêbado! Minha mulher, eu vinha agarrado no braço dela. Rapaz, eu não sei como foi que aquela multidão tomou o braço da minha… Foi, falando para mim. Sabe pra onde ele já ia? Subindo ali o Socorrão! Aí lá, ele disse: Rapaz, eu tô no lugar errado. A mulher dele já tinha ido para o Bacanga, que eles moram no Salviano agora. Aí, a mulher dele… Só vê como foi a história. Ele se separou dela e ficou doido lá. “Seu Riba, rapaz, eu perdi minha mulher lá, eu fiquei doidinho. Era gente demais. Eu digo: Rapaz… “Rapaz, era gente, aí a minha mulher já estava… Ela ligou para mim, ela já estava no Bacanga.” Eu digo: eu não acredito nisso. “Foi, Rapaz! Eu nunca mais vou para aquele inferno.” Eu digo: Rapaz, eu fiquei com
vontade de ir lá, mas o certo é que eu não posso sair à noite, porque eu não vou deixar o pessoal só lá em casa. Eu falei pra ele. Mas me deu vontade de ir lá, quando eu escutei lá os cantores e tal. “Vou escutar esses Reggaes lá.” Aí, eu não fui, não. E besteira, logo que eu ia de moto, eu não ia de ônibus. Então, onde que eu ia deixar minha moto? Com uma multidão daquela. Era só o lugar que ia ficar lá. Negada, rouba rapaz! É muita gente. E não tem como tu chegar e entrar, rapaz, é gente demais, sô! Eu passei lá, só aquelas coisas que tem, que os camelô bota para vender, toma de conta de tudo lá. Tanto do lado de fora quanto do lado de dentro. Eu vi lá.
P1- E Seu Riba, e a sua juventude, como é que foi aqui?
R – A minha juventude era só jogar bola e brincar, pescar. Era desse jeito. Quando eu largava… Mamãe cansou de me dar pisa de vassoura aí na beira desta praia aí, jogando bola e banhando no sol quente. Não, tinha praia, isso era de primeiro, quando eu tinha oito anos, dez anos de idade, nove anos. Agora não tem mais nada, é só o lugar da canoa. Pois é! Aí, quando a maré secava. “Rapaz, vamos embora arrastar camarão?” Eu digo: Bora lá, onde eu apanho, outra pisa. Nós entrava bem aí, ó. Porque aqui tem um cemitério chamado Cemitério dos Frade, porque aqui de primeiro enterrava só padre. Esse lugar. Esse cemitério, nunca foi enterrado se não fosse padre. Minha mãe, minha avó. Minha avó, não era nem minha mãe, a mãe dela, o pai dela, Ciriaco, que era meu avô, da parte de mãe. Ainda conheceu ainda sepultura, essas coisas assim lá, quando eles chegaram. Mas quando eles chegaram pra cá, nesse lugar, quando a mãe da minha avó chegou aqui nesse lugar, foram os primeiros habitantes que tinha. Tinha um casal de gente dentro desse lugar. Já entendeu? Minha mãe conta essa história, pra gente. A mãe da mãe dela, chegou neste lugar… A vó dela, vó da minha mãe. Só tinha um casal de gente neste lugar aqui. Um casal. Então, isso aí, a minha mãe conta, que a mãe dela e o pai dela, conheceu catacumba lá. Mas já tinha encerrado, aqui não tinha mais padre, não tinha mais ninguém. Era um lugar deserto. Só tinha um casal de moradores, um casal de velhos, como a gente chama, entendeu? Então, foi assim.
P1- E hoje? as pessoas são enterradas aonde?
R – Aqui? Quando morre, leva lá fora. Leva lá para a Vila Maranhão.
P1 – Ah, não fica aqui?
R- Não, aqui não tem cemitério para… Tipo assim, a pessoa faleceu aqui, não é enterrado aqui nesse lugar não. Meu pai foi enterrado aí, na Vila Maranhão. Piancó. O lugar mais perto é aqui na Vila Maranhão ou no São Raimundo. Eu digo assim, mais perto daqui. Aqui perto do Anjo da Guarda ou na Vila Maranhão. Se não ser, só Piancó. São Raimundo e Vila Maranhão, o lugar mais perto. Aí se não ser, é só no Piancó. Piancó é a Vila Embratel, que a gente chama.
P1- Aqui na Camboa, tem lendas, histórias tradicionais, assim?
R – Lendas? Não, aqui… Não tem muita lenda.
P1- Assim, dos mais velhos que contavam, dessa comunidade?
R- Não, aqui não tem. Não tinha lenda assim, pra pessoa dizer assim… Que aparecia coisa?
P1- Não, não sei…Ou qualquer outra coisa?
R- Aqui tinha muito mato. Eu me lembro, quando eu era criança, o que tinha aqui dentro do mato, era só caça, que eu chegava ver, muita cutia, muita cutia mesmo! Ainda tem muita cutia ainda. Mas de primeiro, Zeca, ela passava era aí ó… Mariscava junto com galinha. Às vezes, faltava o café aqui, aqui neste terreno mesmo. Aí, mamãe, “Ribamar, vai ali na casa de Teresa.” Assim que ela chamava a cunhada dela. “Vai buscar ali um café, pra ela mandar um café para mim. Mas vai logo, e tal.” “Tá bom!” Aí, eu saía bem aí, nesse caminho aí, que hoje em dia já é do meu irmão, essa área lá. Eu encontrava cutia no meio do caminho, comendo milho que papai plantava. Ela botava a mãozinha, derrubava, roía o pé e comia o milho. Que tinha o milho que papai plantava, que botava pequenininho assim, ó. Ela comendo o milho todinho, a mandioca, tudo. Rapaz, era cutia que corria que nem filho de porco, na frente da gente, dentro do mato aí. Só quem matava mesmo cutia… Papai não era caçador, papai era pescador. Só quem matava aí, era meu tio Leandro, meu tio Raimundo, finado Caxias, que era pai Can, que era caçador mesmo. Meu avô. Era assim. Mas era muito difícil, eles já tinham largado essa história de estar caçando. Eles vieram de lá, caçador. Mas aqui eles foram trabalhar de lavoura, plantar milho, mandioca, arroz, essas coisas assim. Aqui tinha muito, aí acabou. Aí, foi chegando as empresas, foram tirando, desmatando. Foram chegando, mangue foi morrendo, peixes foi sumindo. Foi desaparecendo, o marisco, que a gente chama. A história é antiga. Aí pronto. Hoje nós estamos nessa aí.
P1- E histórias de pescador?
R - Histórias de pescador? Rapaz, o pescador, tem hora que ele fala que agarrou muito. Tem hora que ele fala que ele garrou pouco, e tem hora que ele agarra, e diz que não agarrou. Que eu conheço gente que mora aqui, que fala isso.
P1- Por quê?
R - Loucura… Loucura. Já entendeu? A história do pescador, tem vezes que ele agarra e diz que não agarrou. Não é? E tem vez que ele não pega, e mente, e diz que agarrou bastante. Assim, que é. A história do pescador que eu conheço é assim. E é quase no mundo inteiro. O pescador é assim. Rapaz, tu é doido! Para se engrandecer para esse, que esse foi lá e pegou, às vezes, ele foi lá e não pegou. E ele diz para esse que ele já agarrou. Mas mentira, às vezes, não agarrou nada, entendeu? Então, ele diz para esse aqui que ela já agarrou. Mas não agarrou nada. E já tem uns que pega, e fala mal de Deus. Que pega e fala mal de Deus. Que diz: Rapaz, eu não agarrei nadinha, cara! Ou então ele não quer que a gente vá para o roteiro que ele tava. Já entendeu? Que tem gente assim, tem gente de todas as condições. Então, é desse jeito. O pescador, ele é mentiroso. Eu acho! Eu sou pescador, mas pescador é um bichinho que ele…. Pescador… Oia, tem esse menino bem daqui, Titico, que é filho desse Cam aí. Aí, ele estava para cá, para o lado do Irinema, agarrando, porque eles são danados para agarrar bagre com a mão. É difícil eles levarem rede, só quando eles vão de canoa. “Mas, rapaz, eu vou rapidinho ali…” Eles parecem que tem uma cola na mão. Não é? Ta esse aqui que não me deixa mentir. Tá, tá, tá! Ele vai só jogando dentro da caixa, uma caixa que eles têm aí. Ele foi para aí, aí ele vinha descendo. E vinha um mero, daqui da boca do Irinema, perto do cais, descendo para dentro do igarapé, lá subindo na enchente. Mero grande! A mulher dele, a dona Maria, que é mãe deste Titico, veio me chamar aí em casa, mas eu já estava deitado. Digo: essa a voz de Maria, o que ela quer? Eu não vou lá, não. “Venha Seu Ribamar! E para o Senhor ir lá em casa, onde Cam, para o Senhor olhar um negócio, e tal.” Aí, saiu dizendo, em várias casas aí. Rapaz, eles trouxeram um mero. Esse mero, pra pescar, o carro de vocês ali. Esse mero… Mas ele pegou esse mero, porque o rebocador bateu nele. Eu acho que foi assim, rapaz, que o mero daquele. Hein? Esse mero era mais alto do que eu!
P1 - Como é?
R - O rebocador, que puxa navio. Se vocês forem lá embaixo, vocês vão olhar isso tudo aí na porta, entendeu? Eu acho que ele pegou alguma lapada de rebocador, pegou da hélice, da draga, alguma coisa assim. Então, esse peixe ficou lerdo, velho, e ele trouxe esse peixe pra cá pro seco. Aí, trouxe aí, eles venderam. Rapaz, nem sei o tanto que deu, que eu não fui olhar esse peixe lá não. Eu só olhei as fotos que Benevaldo me mostrou. Aí, foi assim. Aí, agora, o mero, aí tem, só medonho, que eu já vi. Eu estava arrastando camarão lá na beira do cais lá, aí aqueles caras que trabalham no rebocador, ele me chamou: Ê, sô! Eu digo: oba! “Rapaz, tu chega para lá, que peixe te come! Peixe te come aí, rapaz! Chega para lá!” Esse meu irmão aí, Júlio, nós de ia primeiro, o Vicente ia buscar água, e levava ele, lá no cais, lá na rampa do Itaqui. Rapaz, eles chegaram lá, uma noite, cedo da noite, acho que umas 18h30 para 19h00, por aí. Tinha um guincho, um rebocador agarrou um lá, e o pessoal lá, botaram linhavão, os trabalhadores, agarraram um no linhavão. Ele estava com 90 quilos, que eles estavam dizendo, para eles lá. E tirando a escama dele, com machado. Que o bicho depois fica com uma escama, eu acho que da largura assim, do fundo de um prato, a escama do bicho. E o bicho é um mero, Ave Maria! Depois dele grande, com 90 quilos, ele tá um peixe de respeito, não tá? Tá, acho que da altura dessa porta aí, ou mais alto. Certo que ele é um braça de grossura, um mero. Então, é assim, pessoal. Aqui já foi um lugar bom e hoje em dia tá um lugar desse jeito. Agora, teve uma melhora, devido a estrada, que aqui não tinha estrada, não tinha energia. Não era?
P1- E quando que chegou a luz?
R – Ah, já faz muitos anos, isso aí. Eu, Maria, Cam, Magrão, nós se juntamos… Uma vez e eu comecei a abrir bem ali… Arrumei uma namorada, ali pro lado do Anjo da Guarda, e eu tinha muita macaxeira aqui, na época. Aí, eu dei um saco de macaxeira pra ela. Eu disse: Rapaz, tu não quer levar macaxeira pra comer? Ela disse: Eu quero! Aí, eu tirei essa macaxeira, enchi tudinho, um saco. Quando ela chegou bem assim, naquela subidinha, depois lá de casa, ela caiu. Eu tô olhando bem dali. Ai ela, váááá. Eu vi de lá. Mas eu não fui lá não. Eu vi só as meninas rindo e tal. Eu digo: Rapaz! Aí, o que eu fiz? Eu digo: Rapaz, vou abrir essa estrada… Aí, eu abri ali, só na pá e na… Como é que se diz? Na chibanga. Aí, Maria, mulher de Cam, foi passando… “Seu Ribamar, o senhor está fazendo todo esse serviço?” “To!” “Rapaz, o Senhor me deu foi uma idéia. Cam vem já lhe ajudar.” Aí foi que ela, “Olha, nós vamos abrir um ramal e vamos na prefeitura, e nós vamos buscar uma máquina pra nós abrir essa rua. E botar luz, botar tudo!” Porque essa tal de “Luz para Todos." Aí, foi assim. Aí, hoje em dia têm essa luz aí.
P1- Que ano que foi, você lembra?
R- Não, não me lembro o ano, não. Maria deve saber, mas eu não me lembro, não. O ano certo, foi que aconteceu assim.
P1- E aí, o que mudou aqui?
R- Aqui mudou, assim, tipo… a gente não andar mais pela lama. Mudou. Para quem tem filho pequeno, mudou muito, devido a energia, que você já pode ter uma geladeira, já pode ter uma televisão, essas coisas assim.
P1- Antes era como?
R- Era no farol. E aqui é um lugar, que apesar de não ter energia, na época, não dava nem sequer uma muriçoca, você dorme aí até de porta aberta. Aqui dentro da Camboa dos Frades. Já lá na Madureira, naquele outro povoado, dá muriçoca. Mas aqui não, aqui não dá. Por isso é que eu não imagino sair desse lugar, entendeu? Lá para fora. Porque aqui eu não pago luz, não pago nada. Então, eu ir mudar lá para fora, muriçoca vai me acabar de me morder. Eu não vou dormir, que que eu sou um cara calorento. Devido a pescaria, aquele sal, a gente sente aquele… Qualquer calorzinho você já está…
P1- Por causa do que, do sal?
R- Do sal da pescaria. O sal faz aquela quentura no corpo. Você tem que banhar, tirar aquilo bem tiradinho, se você não tirar para dormir, você não dorme. Você sua, sente aquela pico, sente aquela agonia. Você tem que levantar e ir para a água! Assim é que é. Então, a gente que pesca há muito tempo, a gente tem que estar banhando, tomando uma água de coco. Faz muito bem. A pessoa que anda no mar, pescando e tal, uma água de coco faz muito bem. Então, é assim.
P1- Que outras coisas assim, relacionadas à pesca, vocês sabem, de conhecimento?
R- Que eu sei.
P1- Tem esse do sal?
R- É da pescaria, assim… Tipo, assim.. Ah, tem muita coisa! Da pescaria, assim, tem muita coisa. Ó, da pescaria… Vamos falar do comer… Do comer no mar. Você vai pescar, se você se esquecer da água, só para você fazer o tipo… Agora que não presta mais, eu vou lhe contar porque. “Rapaz, só tem água para beber. Com o que a gente vai cozinhar?” Você pode agarrar aquela água bem limpinha, não bota sal, que a água já… Deus fez as coisas já tudo certo. Rapaz, fica com uma coisa que você que botou sal. Já entendeu? Não fica salgado e nem insosso. Bota um limão dentro, pronto, taí o tempero. Não precisa botar mais nada. Se não for só isso. Entendeu? Só isso. Se tiver cebola, bota. Para não tirar o gosto, não bota muito tempero não, que faz é tirar o gosto. Assim que é. Então, a pescaria é assim, do mar.
P1- E o que vocês levam para pescar? Como que se prepara para a pesca?
R- Ah, a pessoa tem que levar uma água. Quem quiser água gelada, leva uma garrafa. Vamos supor, se ir hoje, e voltar de noite, não precisa levar muita coisa. A farinha… É bom é farinha, porque o peixe fresquinho é bom é com farinha. Não é Zé? Leva um carvão. Porque o fogareiro, a gente faz com lata, é melhor. Esse fogareiro comprado aí, são muito pequenininhos. Você faz um fogareiro de lata.
P1 - Na canoa?
R – É, você faz um fogareiro de lata. Se você tiver um fogareiro, você bota ele, ou então, você agarra uma lama, arruma uma tábua, bota a lama, para não queimar a canoa, e nem queimar a taboa. Bota a lama mesmo, deixa lá, e faz o fogo em cima daquela tábua com lama. E arruma uns gravetos lá que seja, leva lenha seca, apanha lá mesmo, no mangue, faz aquele fogo. Se quiser comer o assado, é só botar um pouco de carvão, ou então deixa aquilo criar brasa. Ou leva casca de côco, e bota lá, e pronto, deixa criar brasa. Depois escalda um peixe, passa limão, passa um sal, bota lá e come com farinha. Se não quiser cozinhar, entendeu? É assim.
P1- E toda pescaria come lá mesmo?
R- É, come lá.
P1- Dá fome?
R - Na maré? Na maré o que mais dá é fome. Olha, eu tenho uma prima, o nome dela é Maricota… Ela era arrastadeira de camarão. Maricota, filha desse irmão de mamãe. Então, ela disse que a pescaria dá fome e a lavagem, a mulher que lava, disse que dá muita fome. A lavagem eu não sei, mas a pescaria eu garanto pra vocês que dá muita fome.
P1- E vocês vendiam o peixe?
R - Vendia. Aqui peixe, nós vendia o peixe. Olha, aqui o peixe era bom de venda, antes de aparecer essas empresas. O Peixe era bom de venda. Tinha gente que vinha comprar ele aqui. Entendeu? Aqui na beirada. Mas agora, peixe de dentro da Camboa dos Frades, ninguém quer mais. Ninguém quer mais. Por que? Por causa da poluição. O peixe tem gosto de óleo. Aqui, tem vez, que a gente vai pescar. Não é só eu, é vários. O peixe já vem… Certo que isso é até um alimento para ele. Você abre ele, ele está com o bucho cheinho de soja, dentro do fato do peixe.
P1- Dá pra ver?
R- Cheinho de soja. A soja é tipo um feijão. Não é? Está cheinho de soja dentro. Só para você ver como ele fica “bagulhando” isso aí, ó. Porque cai muita coisa, entendeu? De dentro de um navio… Daí mesmo, da beirada, chove, vem trazendo aquela sujeira, tudo para dentro da área de pescaria. Então, o peixe se aproveita, come tudo. É assim. Então, aí ficou ruim de venda. Olha, uma vez eu fui aqui, comprar na mão de Cam. Aí, eu não fui pescar, eu cheguei do serviço doidinho de fome. Eu disse: Rapaz, e agora? Aí, eu fui com ele lá. Digo: E aí, Cam, cadê o peixe? “Seu Riba, tá aí! Rapaz, não deu pra mim vender não. Seu Riba, eles não querem nem mais comprar peixe. Olha, o cara estava com o freezer dele lá, cheinho de pacamã e de bagre. O peixe que ele me deu, já tava até ruim, entendeu? Só de estar ali no gelo, ali direto. Estava que nem uma pedra, quando eu descongelei ele, estava muito mole, aquele peixe… Rapaz, que eu vou fazer com esse peixe? Eu nem cozinhei, eu fritei, pra mim poder comer. Eu tinha que comer aquilo, senão era… Então, foi assim. Aí, pescaria aqui na Camboa… Aqui está uma coisa muito difícil, até pra gente pescar. Aí, eu.. Também, eu perguntei pra dona Maria, que é a esposa dele. Aí, eu disse: Dona Maria, cadê Cam? “Seu Ribamar, nunca mais Cam pescou. Nunca mais ele foi atrás de pescaria, de peixe aí no mar.” Eu disse: é mesmo dona Maria? “É, não foi mais. E o Senhor, estava querendo peixe?” Eu digo: é, eu estava querendo, mas o jeito é eu ir atrás. Pois é! Foi esse feriado agora, aí, de 7 de setembro, por aí. Aí Cam deu uma trégua de agarrar. Aí, ontem eu fui pra ca e ele disse: Seu Riba, eu também vou atrás de um comer também, Rapaz. Mas eu vou pro lado do Irinema. Eu digo: Rapaz, eu vou pro Buenos Aires. “Só que a maré está mortinha, não tá? Aí eu também não sei o que foi que ele pegou, que eu ainda não vi ele. E também não fui lá. Eu digo: Rapaz, a maré está morta demais. Mas talvez a gente agarra, bora lá! Eu agarrei ainda o almoço. Pacamã ainda tenho lá em casa. Acertei comer logo uns dois, e outros no sal lá. Assim que foi.
P1- O Seu Riba, e como você sabe o melhor momento de pescar?
R – Ah, o melhor momento de pescar, é agora, do jeito que a maré está avançando, entendeu? A maré está lançando, ela lançou ontem. Eu senti, a gente sabe, sabe por quê? Por causa do maruim. Maruim é uns bichinhos miudinhos que morde a gente e tal. A gente quase não enxerga. A gente chama maruim. Tem gente que chama piunga. Tem gente que chama assim, mas nós aqui chamamos de maruim. Então, ele me mordeu, ele ficou me picando lá em casa. Eu digo: Rapaz, a maré puxou, a maré avançou. Então, agora que vai ficar bom. De ontem, até uns 3 a 4 dias. Se essa maré também não for maré lançada, que é essa maré de salina. Aí, você pesca o lançante todinho. Mas se for maré de salina, essa maré que enche, que molha tudo quanto é mangue, aí. Aí, também é só dentro de 2 a 3 dias você está pescando, porque ela cresce rápido, toma de conta de tudo. Aí quer dizer que o peixe já falha. Porque ela fica muito corrente. Essa maré lançada, ela corre muito, dentro do igarapé, na baía mesmo. Então, aí quer dizer que não presta para pescar. Só no comecinho das águas. Aí, você tem que ir pescar. Se for uma tipo assim, tipo de pescaria pra vender e tal, aí tem que ir logo no comecinho das águas. Porque se deixar lançar muito, aí não dá nada não. Ela só dá se for maré de barreira, como a gente chama. Aqui nós chama maré de barreira. Aí, sim, ai a maré todinha é boa para pescar. É assim. Igual em todo lugar. Que têm lugar as vezes que dá…
E a pescaria mesmo, na verdade, é por maré. Pode estar lançando, pode não estar. Mas tem maré que você vai e não agarra nadinha. E tem vez que você vai, você ainda bota ainda ela no fogo, a panela. Mas tem vezes que não agarra não. Basta agora, que é essa poluição doida aí. É difícil demais isso aqui.
P1- E Seu Riba, você percebeu uma mudança de temperatura? Aqui está mais quente ou não?
R- Tá mas quente, demais.
P1- Que quando você era pequeno?
R - De primeiro aqui era melhor. Quando eu era pequeno. Olha, eu vou falar pra vocês. Por quê que era melhor? Aqui era mais frio, o tempo era mais gelado, porque não tinha essas indústrias como tem hoje. Porque esse negócio desse horror de gasolina aí, que tá ao redor da gente, isso faz calor, é uma quentura. Sabe por quê? Por causa dos tanques. Eles estão matando o mato, o mangue.
Porque isso é que faz o vento. Já entendeu? O frio, aquela… Porque a árvore, ela puxa a água, pra onde tiver. Entendeu? Ela puxa a água. Então, com essa poluição que tá matando as árvores, desse desmatamento, que eles mesmo estão fazendo, a quentura aumenta, os tanques, a gasolina, essas coisas todas.
Esse ferro aí que a Vale tem, que isso aí é um ferro brabo, isso aí vira um pó, cai pra dentro do mangue. Olha, você… O pó, esse minério, ele é da cor de uma cadeira dessa, vamos supor, a poeira que ele deixa no mangue. Aonde ele cai, o mangue seca. O mangue seca. A árvore, aqui, a mangueira, o caju, ou o que tiver por aqui por baixo, que não dá mais fruta, ela morre, devido à poluição, desse ferro, desse minério. É a pior coisa que tem aqui ao redor da gente, é esse carvão dessa empresa aqui, dessa tal de Eneva, que era termelétrica, que eles até mudaram o nome. E é esse pó, esse pó de ferro, é a poluição mais pesada, é eles. Que faz é matar.
R- Olha, eu fui aqui nessa empresa aí, logo quando ela chegou. Aí, chegou essa empresa, eu estava lá já na beira da BR lá, que eu ia para o Sá Viana, na época. Isso aí faz muitos anos. Isso aí era o quê Ribamar? Eu tinha acho que uns 20 anos, que eu tinha, na época. Aí, eu estava lá. Aí, passou um carro por mim e parou. Perguntou para mim assim: ei, ei, moreno! Digo: oi? “Deixa eu lhe perguntar aqui, onde é que fica a Madureira de cima?” Eu digo: a Madureira de cima, é essa aqui, ó, aqui. “E a Madureira de baixo?” “E mais na frente um pouco.” E hoje, onde ela está localizada. Entendeu? Não passou muito tempo, com cinco dias já tinha a máquina lá desmontando, desmanchando tudo. Aí, indenizaram o finado cuscuz, Manoel, esse povo lá. Aí eles vieram fazer uma reunião, que lá tinha um cara chamado Zacarias, que ele fazia uma reuniãozinha lá, tinha uma associação. Então, nós saía daqui e ia assistir. Olha, aí chegou umas senhoras. Uma senhoras assim, do jeito dela aqui. Aí, chegou para fazer assim, de contar as histórias que ia rolar lá. Mesmo ia precisar daqui, porque ia ser um lugar de reserva, não sei o quê. E ela falou que esse carvão, que não era para ninguém beber a água de lá, negócio de poço, que esse carvão ele ia poluir 40 metros do solo para baixo. Então, ele vai buscar longe, não vai? Esse carvão mineral, aí. Digital, mineral, uma coisa assim. Ele vai buscar longe. Então, a gente fica até com medo de fazer poço aqui, para beber essa água. Já morreu vários lá. Depois que eles invadiram… Que lá foi uma invasão, que teve, que essa dita firma que está lá, indenizou todo mundo lá. Não ficou ninguém. Então, o mar, a área, ficou… E só cercaram onde eles quiseram, mas desocupou todo mundo, lá não ficou ninguém, ninguém, ninguém. Agora, eles e que vieram e invadiram lá. Mas já morreu vários lá. Venceslau… Várias, várias pessoas. Mulher nova já adoeceu lá, que eu dizia que nunca essa mulher ia morrer. Aí, foi sumindo. Eu dizia: Rapaz, cadê fulana? “Está internada?” “Cadê Beltrano?” “Está internado.” De lá não voltava mais não, era no caixão. Entendeu? Morreu vários aí. Aí eles bebem. Agora, é engraçado, que o poço, o finado Júlio. Já morreu esse cara. Eu conheci muito. Aí, ele tinha um poço lá, de primeiro. Ele foi indenizado. Essa casa dele, hoje em dia, é a associação lá onde eles estão. Não viram uma associação desse lado, quando vocês vieram? Hoje em dia é uma associação, e no quintal dela tem um poço. Mas esse poço quem abriu foi o finado Júlio, que lá era dele. Indenizaram ele, ele foi embora. Mas dizem que ele já faleceu, já há muito tempo, esse cara, esse senhor. Então, eles estão usando essa água para todo mundo lá. E aí, quem não pagar, eles cortam. Entendeu? É assim. Então, meu amigo, ali a 40 metros, do chão para baixo.
P1- E a sua água aqui?
R- A minha água aí… Essa água aqui é boa. Nós bebe daí, não tem outro jeito. É do poço aqui na beirada do mangue. Mas de lá ainda fica um pouco longe. Mas vem afetar a gente aqui. Olha, é daqui, ainda é mais pior, porque ela desce lá, e já vem saindo nos baixos. A água é assim. Chove lá em cima, vamos supor, chove aqui tudo, mas essa água lá de cima, ela vem por debaixo da terra, já vai sair aqui na beira do mangue. É ou não é? Assim, que é a natureza! Chove lá, essa água entra, some, mas já vem sair aqui no baixo.
P1- E a sua casa já alagou?
R- Não, eu digo assim, a água... Tipo assim, você vai fazer um poço. Não, lá em casa não alaga. Você vai fazer um poço. Você ainda não entendeu. Aqui é alto, assim como esse fogão. Tudo bem! O terreno é assim, então chove aqui, a água some. Porque no verão… Vamos supor, no verão… Aí, chega o inverno, quando vai chegando a seca, mas os baixão ainda estão molhados. Por que os baixões estão molhados? Porque essa água que caiu lá, ela vem descendo. Ela não desce de vez não, ela vem filtrando, filtrando, filtrando. E sai no pé das barreiras, no pé das barreiras, assim. Na beira do mangue. Lá em casa custa a chegar a seca. Por isso que meus cachos de banana lá em casa são bons. Tem cacho de banana lá em casa, bom, verde, as bananeiras são verdes. Por que? Por causa da água que vem descendo pelo fundo e molha a raiz dela aqui embaixo. Até sair no mangue. Então, fica mais fresco, a terra fica mais… Não seca logo como no alto. No alto seca logo tudo rápido. Então é assim. Então, é como lá. 40 metros, que uma empresa dessa polui, com um carvão desse, do solo para baixo. Vai longe essa poluição. Vai longe. Então, é desse jeito. O mangue, aí está tudo morto. Aqui nós estamos num mato sem cachorro, como se diz os mais velhos. É desse jeito. Num mato sem cachorro. Estamos ilhados. É ilhados. E justamente aqui na Camboa dos Frades, é uma ilha, é cercado de água para tudo quanto é canto aí. Então é assim.
P1- E sabe o que eu queria te perguntar. Se você gosta assim, da água, qual é a sua relação com a água?
R- Não, aqui para nós, aqui, que mora aqui, ela ainda não fez mal. A gente ainda não sentiu, se queixamos dela. Já entendeu? Ela é um pouco salobra e tal, mas ela dá… Nós ainda não se queixamos. “Ah, não, nós temos que caçar outra maneira, para comprar água lá fora e tal. Minha irmã ainda compra. Ela, quando ela vem, esses litros ali, tudo, é ela que traz. Entendeu? Mas eu ainda não comprei não. Eu comprei uma vez só. Eu digo: Rapaz, essa água daqui ainda não me fez mal. Eu não vou comprar água, que eu não tenho dinheiro nem para comprar meu café.
P2: Quando sua irmã compra, ela vem lá de cima com o galão de água?
R- Não, ela vem do Sá Viana, que ela tem uma família para lá, um filho que mora para lá. Ela já vem. Olha, ainda agora ela saltou do carrinho branco que vem de lá. Vocês sabem onde fica o Sá Viana? Fica próximo da Vila Embratel. Antes de chegar na Comporta, chega no Sá Viana. Quem vem de lá. Então, ela vem com essa água de lá. Daí, eu não recomendo ninguém beber a água daí. Aí, é um poço artesiano. Lá tem caixa, tem tudo lá em cima. Quando vocês irem daqui para lá, olhem do lado direito, de quem já vai. Aí, vocês olhem lá. Lá está a caixa. Todo dia de manhã eles ligam a água para todo mundo encher.
P2- Mas ela vem andando lá do Sá Viana até aqui com a água.
R- Quem? Minha irmã? É no carro, minha irmã não dá conta de andar mais.
P1- Mas antigamente andava.
R- Ah, mas de primeiro, aí não tinha outra maneira não. Era andar direto. Agora não, já tem mais estradinha aí, já chega… Minha irmã não dá conta de andar mais, é muito longe. Minha irmã já está com o que? Uns 60 e poucos anos… Não sei a idade dela. Mas a minha irmã já está com 62, por aí. Ou mais.
P1- E seu nome, que leva o mar no nome, Ribamar. Você sabe a história dele? Ribamar, o seu nome?
R- Meu nome… Não, não estou te entendendo, essa pergunta.
P2 - É que no seu nome tem mar, né? Ribamar.
R- É Ribamar. Tá aí, já tá indicando…
P1- Você tem alguma história, assim? Quem pensou nesse nome?
R- Não. Minha mãe que botou esse nome, Ribamar. Eu não tenho muita ideia porque ela escolheu esse nome. Mas assim, Ribamar. Eu acho que bem ela estava adivinhando que eu ia dar para pescar, andar no mar de canoa. Talvez, não sei!
P1- É seu Riba, quais são os seus sonhos?
R - Meus sonhos? Não, agora eu vou falar a verdade para vocês. Certo que eu ainda não menti em nada para você, mas eu vou falar o meu sonho para você.
Meu sonho é sair daqui com a minha família e ter uma casa em um lugar melhor. Entendeu? Porque aqui não tem nem colégio, não tem nada aqui. Olha, bem aí, nesse povoado que é um povoado que tem muita gente… Ali era para ter uma escola. Não era? Uma escola pros menino. Mas aonde é que eles vão estudar? Na Vila Maranhão. Certo que entra um ônibus aí… Tá pra entrar, esse ônibus, que ele entra quase 13h, para pegar o menino que mora para cá. Essa, qual o é o nome dela? Norrana. Então, meu sonho é ter uma casa em um lugar melhor e ir embora, que aqui não dá mais nada. É isso. Mesmo perto da minha mãe, que minha mãe já está com 80 e poucos anos, se ela morasse aqui, eu acho que Deus já tinha até levado ela, porque ela não ia aguentar.
P1- Ah, Ela não tá aqui?
R - Não. Ela mora no Sá Viana, graças a Deus por isso. Que ela não vive mais num lugar desse aqui, isso daqui não dava mais pra ela não, de jeito nenhum. Então, é desse jeito. O irmão dela mesmo, disse que era pra ela não vir mais pra cá, que ela não ia aguentar mais. Ele mesmo, uma pessoa de 86 anos, não dá mais pra andar pra cá, pra um lugar desse. Ela veio uma vez, aí eu estava em casa. Quando ela veio… “Mamãe!” Eu digo: Rapaz! Ela e uma sobrinha minha, que é filha dessa outra aqui. “Mãe, o que tu vem fazer? Lá da BR pra cá a pé?” É uma distância boa. Aí, nós fomos levar ela de novo, foi aquela coisa. Aí, não dá para ela viver por aqui. E o meu sonho e esse. Aqui, eu posso não sair agora, mais um tempo aí, se aparecesse uma coisa melhor. Que eu não tenho um ganho do governo, eu trabalho ainda com meus braços. Eu não tenho, nada do governo eu não ganho, nadinha. Então, a vida é essa. E botar o barco pra frente, e pronto. Ter coragem. E vai da coragem, porque se não tiver coragem, já era. É assim.
P1- E com o que você trabalha?
R – Com o que que eu trabalho? Eu trabalho de tudo, faço carvão… Aqui, quando eu não tenho serviço lá pra fora, aí, se eles não me chamam para ajudar a fazer uma calçada, ajudar a levantar uma casa, sentar um bloco. É isso… Aí, eu fico aqui mesmo, pescando, às vezes, quando estou precisando, agarro dois quilos de peixe, se der, eu já subo para aí. Que aí, às vezes, aparece. “É, vende um quilo aí!” Aí, o cara já encosta e já vende. Barato, mas vende, R$20,00. Aí, eles não dão mais R$25,00 num quilo de peixe, R$15,00. Aí, já vai, conforme o peixe. Aí, se não der nada, o cara tem que se conformar. Né não? A vida é assim.
P1- E você tem filhos?
R - Tenho dois, tem um aí, pequeno. E tenho dois, que moram perto… São de Itapecuru, esses meninos. Mas nasceram aqui, aqui mesmo, são daqui. O certo é que eles agora moram em um lugar chamado Cachoeira, não sei. Nunca fui para aí. A mãe deles levou eles pra lá. Que nós se deixamos em Itapecuru. Aí, parece que ela arrumou outra pessoa, e levou ela para o lado de Cachoeira, por aí. É um rapaz de 17, e uma com 18. Acho que ele já fez 17 anos, Davi. Davi e Evelyn.
P1- E tem um pequenininho.
R- Tem um. Abraão. Aquele que vocês olharam, aquele pequenininho. Ele é uma benção. Ainda consegui fazer isso, arrastando, mas fiz esse aí, ainda. Coitado. [risos]
P1- Ele tem quantos anos?
R - Três, vai fazer quatro. Vai para o colégio. Então, imagina botar um pequeno desse no colégio aí, que não tem nem ônibus! Quero saber como é que ele vai estudar? Maria disse que um ônibus vem pegar esses menininhos pequenos aí em cima. Mas ninguém se confia agora, que eles estão é matando os meninos, sô. Passa cada coisa aí na televisão, que a gente fica logo, até… Estão é matando as crianças, lá dentro do colégio. Deixa preso… Eu assisti aí na televisão… Deixaram uma meninazinha, parece que foi uma menina, parece que… Não sei se foi um dia, se foi… Presa dentro do banheiro. Foi dentro do banheiro, ou dentro de uma sala de aula. Uma coisa assim, Parece que foi dentro do banheiro, deixaram a pequenininha, lá presa. O pai que saiu doido, procurando, achou a pequena. Aí, é assim. Não se confia mais, que sabe que só tem doido agora, dentro do colégio, é… De primeiro, as creches, a gente confiava em deixar as crianças para estudar. Mas agora não pode mais confiar mais não. Que hoje em dia o mundo, não é mais aquele mundo que a gente conheceu. Agora o negócio ficou foi difícil. Até para botar um filho para estudar. Então, é assim. Aí, você já fica com aquilo. Como eu, tem um menino desse, certo que vem uma pessoa dentro do carro para acompanhar e tal. Mas você fica com a cabeça lá junto com ele. Que, ó, quando o pai dessa menina, foi procurar ela lá dentro do colégio, não achou. Ninguém soube dessa menina lá! Quem era a professora dela? Ninguém soube. O pai se zangou, saiu caçando a menina, acho que entrando em sala, em sala e tal. Achou a pequena trancada. Como foi que eles trancaram uma pequena daquela ali? Não foi maldade? Olha, o diabo é moleque. Ele faz uma artimanha, quem ele usa, faz de conta que não sabe de nadinha. É a tentação mesmo do Satanás, aquilo ali. Então, é desse jeito aí.
P1- E Seu Riba, você gostaria de acrescentar alguma história que eu não tenha te perguntado? De algum momento marcante da sua vida?
R- Não, aqui, o que eu me lembro muito, é quando eu pescava com meu pai.
P1- Conta de um dia de vocês dois indo pescar.
R- Eu vou te contar uma história, que tu vai achar muita graça. Eu era bem criança, não sabia nem a nadar. E estava dando muito camarão na época. Aí, eu fui com ele. Aí, ele: É irmão, atravessa rapaz, atravessa aí. Como eu ia atravessar se eu não sabia nadar? Mas estreito o igarapé. E ele com medo da maré deixar nós tudo no seco, e não agarrar nada. Eu digo: não tem nada aí, como é que eu vou atravessar papai? Com uma maré dessa. Rapaz, ele me agarrou aqui pelo meio, eu era criança, e papai era brutão. Ele me agarrou aqui, me jogou lá do outro lado, acredita? E eu, pá… pronto! Aí, eu aprendi, Era só pra mim amarrar o puçá no outro… Que a gente chama de escorada, é dois paus assim, um aqui, vamos supor, ali, e outro bem aqui. A maré vazando para cá, e amarra a puçá aqui, ó. Aí, o que tiver, vai entrando na puçá. A gente chama puçá de escora. Aí, eu aprendi a nadar nesse dia, acredita? Com aquele nervoso, aprendi a nadar. Rapaz, eu não queria mais saber de nada. Papai já quera me dalé. Eu me lembro demais disso aí. Aí, então foi assim. Aí, eu digo: Rapaz! “Rapaz, tu aprendeu a nadar, agora tu não quer mais nem pescar, agarra isso aí, meu filho!” Mas Deus abençoou nesse dia, que nós agarramos um bocado de camarão nesse dia! Nós fomos pela lama.
P1- Você era pequeno?
R- Era pequeno, tinha uma faixa de uns seis a sete anos. Eu era moleque, quanto mais… Gente daqui, criança de um lugar desse, onde a gente se cria aqui, ele é totalmente diferente daqueles meninos lá de fora. Ele não tem medo de nada, entendeu? Ele vai para tudo quanto é lugar. Esse pequeninho meu aí… “Rapaz, bora ali, visitar ali para cima. Aí, nós fomos. Aí, na volta tem uma canoa lá embaixo. Ali para o lado do bebedouro, lá é um mangue também, que lá tem um igarapé. Rapaz, o pequeno já estava com a lama bem aqui, ó. Eu digo: rapaz, tu vem te embora daí. E ele andando, como coisa que ele estivesse andando na terra. Um pequenininho daquele ali. Rapaz, vê como é que é as coisas. Então é assim. Então, assim que eu era, vários aqui. Então, já cresce com aquilo, com aquela… Que aqui é um clima, apesar de ser um lugar poluído, porque aqui está poluído já. Mas é um clima diferente de lá, entendeu? Lá de fora, ali daquele movimento de carros e tal. Aqui é outro clima. Então, desse jeito aí.
P1- E quando você e seu pai iam pescar, ele te dava assim, algum conhecimento? Ele contava umas histórias? Você lembra de algum papo de vocês muito marcante? Um ensinamento. Uma conversa?
R- Faz muito tempo isso aí. Eu acho que eu não me lembro de muita coisa dele não. Já passou muita coisa depois disso. Eu me lembro pouca coisa dele. Assim, de nossa conversa. Mas eu andei muito aí nessa maré com ele. Muito, muito, muito, de canoa, pela lama.
P1- Você ia sempre com ele?
R - Sempre ele me convidava, quase toda vez. Toda maré, bem dizer, nós ia pescar. Só quando mamãe falava, às vezes… Que camarão tinha, a gente chegava com esse camarão, e a gente botava no sol para ele secar um pouco. Aí, esse camarão, já ia pra guardar. Aí, ele queria ir, de novo. A gente ia, que a gente era acostumado, achava bom, pescaria e tal. Aí, era assim. Mas eu me lembro de pouca coisa, pouca conversa da gente. Tipo assim, eu era criança demais. E acho que ele não contava aquelas história dele pra mim. Era isso. Ele achava que eu era criança, que eu não ia compreender. Só podia ser. Esses velhos assim, esses antigos, eles tem história sim. Já basta que ele veio de Alcântara para cá, então ele sabe, ele sabia de muita coisa, muita coisa mesmo.
P1- E você já leva seu pequeno para ir pescar?
R- Não, ele está muito criancinha, não ando com menino desses, isso aí vai me atrapalhar no meio do mangue. E primeiro, que eu não tenho nem canoa. E mesmo se eu tivesse canoa, mas eu não levava uma criança dessa, é muito criança, não dá certo. Eu podia levar, se ele já tivesse, assim, com seus 10 anos,12, aí que eu já sabia… “Olha, o peixe aí, rapaz, tu não vá…” Mas um menino desse não dá certo, Deus me livre! Um pequeno desse na maré. Não levo, não. É assim. Eu fui com ele, aqui. Digo: Rapaz, bora tomar um banho na maré. Maré puxada. Olha, o pequeno, sabe o que foi que ele fez? Que a maré bate nas pedras aí, quando a maré está enchendo, numas pedrinhas que têm lá na beirada. Ele se sentou. Eu para mim, que ele ia lá pro meio se banhar. Ele se sentou, botou as perninhas para maré e começou a se jogar água com a mão. Digo: Rapaz, tu é Inteligente mesmo! “A maré, papai, olha como ela tá.” “Tá grande!” Aí, ele se sentou… Tá aí o jeito dele. Rapaz, se banhou e não queria mais vim embora. Eu menti pra ele. Eu digo: Rapaz, vamos embora. Bora buscar a moto! “Não, depois nós vamos!” Ele fala tudo. “Não, depois, ele começou só a se jogar água, botando na cara e tal. Eu digo: Rapaz, tá aí, bora buscar a moto, e tua mãe. Aí, foi que ele levantou. Rapaz, mas deu foi trabalho de ele vir comigo de lá. Mas o banho na maré faz bem pra uma criança dessa!
P1- Faz? Faz por quê?
R- Porque tipo assim, criança que tem contato com o chão, a maré, se pegar uma coceirinha alguma, um bicho mordeu, um maruim, uma muriçoca, lá que seja. A maré cura. Acredita isso? A maré Cura. Então, isso, aquela coceira desmancha. Se der dois banhos, de 2 a 3 em seguido, aquilo ali desmancha, aquela coceirinha. Mas você não deixa o sal nele, você chega, tira o sal dele com água doce, banha e tal. Aí, pronto. Leva ele de novo. Ainda tá empoladinho? Tá! Leva ele de novo, torna a banhar ele na maré. Chega, tira assim, um banho de meia hora de relógio, por ali. Aí, vem com ele. Tira o sal dele. Aquilo vai afinando, desmanchando da pele. É assim que funciona.
P1- E não pode ficar com sal. Dormir com sal?
R- Não, não pode fica com sal que você não consegue dormir, no calor, é uma agonia. E assim, um pico no corpo. Aí, tem que tirar. Tem que banhar com água doce no banho. O banho aí da praia, que eu já fui várias vezes em praia. Há muito tempo isso aí. É difícil uma praia não ter uma torneirinha, porque o banhista chega e tira aquele sal. Tem lugar. Tem lugar que não tem. Tem gente que mora perto, aí já não quer banhar ali e tal. Mas tem gente que tira aquele sal. Na praia da Guia é assim, que eu já fui lá. Aí, chega, tirar aquele sal todinho e tal. Que não aguenta o calorzão, aquilo perturba demais. Uma pele assim, ela fica logo vermelha, e aquela coisa, e aquela agonia toda. A pessoa sente isso aí. Aquele ali, aquele já vai pro igarapé, a maré puxou. Já vem de lá, que ele tem uma canoa, ele comprou uma canoa agora, seu Regis. Foi pescar, botar camarão.
P1- E qual é a diferença de pescar no igarapé e na maré?
R- A diferença lá é porque o igarapé dá o camarão, entendeu? Dá o camarão, esse camarão farinha, que eles chamam, é o camarão mais miúdo. E lá, tipo assim, na Baía mesmo, onde seca, que fica lá na beiradinha, já dá o camarão mais graúdo, o camarão branco. Não é de dentro do igarapé. Já o do igarapé, para botar na escora, já é um camarão mais miúdo. E é difícil não dá dois, três quilos. É difícil. Só quando a maré não está boa. É muito difícil. Falhou. Mas você ainda agarra para você comer, entendeu? Assim, que é. Mas para venda, para negócio de contrato, “Rapaz, traz 50 kg de camarão para mim.” Isso aí, você pode contar que você não agarra mais, 50 kg de camarão. Então, é desse jeito.
P1- O seu Riba, como que foi para você lembrar um pouco dessas histórias e contar aqui pra gente hoje?
R - Isso não sai da cabeça, fica direto. Primeiro que eu nunca saí daqui, assim, para dizer, eu vou viver outro ramo lá fora. Então, é assim. Então, aqui fica na cabeça direto, entendeu? Fica na cabeça. Não tem como você esquecer, morando aqui perto. Que toda hora você está pescando, toda hora tá ali. Então, não tem como esquecer. É assim. Então, a pescaria é desse jeito. Oh, já eu estava querendo ir onde mamãe, mas não estava querendo ir sem levar um peixe para ela. Mas desde ontem estou pensando como é que eu vou conseguir. Ou comprar dos pequenos que vão pescar lá fora, para a Ilha dos Caranguejos. Que o Zé, ele vai embora para ir… Nunca ouviu falar na Ilha dos Caranguejos? Pois é, atravessa a baía, fica muito longe daqui essa ilha, para ir para o meio da baía. Eles vão para lá. Quem tem um barco grande, porque o peso d'água para lá é muito pesado. A correnteza é muito grande. Então, só vai para lá quem tem barco. Quem não tem, não vai. Eu já estou pensando, que ontem, uma hora dessa a esposa dele veio me chamar ali. Aí, aquela menina que vocês olharam, disse que eu estava dormindo. E eu estava mesmo. Que eu tinha chegado de pescar. Eu almocei e me deitei um pouquinho, eu dormi. Então, ela veio me chamar. Agora, não sei para que era. Eu não sei se era para tirar água. Porque como a maré lnaçou, não sei se era para tirar água da canoa deles, tapar algum buraco, alguma coisa. Eu estou desconfiado. Eu não fui lá na casa deles, não.
Eu acho que eles já desceram para pescar. Que é só a maré lançar, eles se mandão. Então, eu acho que a coisa que ela chamou, acho que foi para isso. De vez em quando eu puxo a canoa dele pro seco com ele. Se estiver entrando água, a gente tira ali. Eles vão pescar. Eu acho que foi pra isso que ela foi me chamar.
P1- Seu Riba, muito obrigada por contar muitas histórias para gente. E sabe o que eu queria te pedir? Se você pode levar a gente a algum desses lugares pra gente ver. Vamos lá. Eba! Então te agradeço de coração.
R - Estamos por aqui, a hora que vocês desejarem apareceram, nós estamos na área.
P1-Tá ótimo. E aí a Jéssica só vai tirar uma fotografia sua.
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