Projeto: VLI – Estação de Memória: Porto & Pesca
Entrevista de Clóvis Amorim da Silva
Entrevistado por Luiza Gallo e Ane Alves
São Luís, 25/09/2025.
Entrevista nº: VLI_HV011
Realizada por Museu da Pessoa
Transcrita por Miriam Allodi
Revisado por Ane Alves
P1 - Vamos lá. Primeiro Clóvis, quero te agradecer por nos receber aqui. E por topar contar um pouco da sua história pra gente. E queria que você começasse se apresentando, dizendo seu nome completo, a data e o local de nascimento.
R - O meu nome é Clóvis Amorim da Silva. Nasci na comunidade de Alcântara, Raimundo Sul, Maranhão, em 01/01/1967.
P1 - Que emoção é essa?
R - A história da vida, né?
P1 - Quer que eu pegue um lencinho? Quer que eu pegue um lencinho?
R - Pode ser.
P1 - Deixa eu pegar.
P2 - Acho que é mais fácil eu.
R - É uma história de muita luta, de como a gente passou e que, às vezes, é como eu falei para uma amiga minha, a gente começa às vezes na vida, nos movimentos da vida, nas lutas, e às vezes a gente não imagina onde a gente vai chegar. E muitas das vezes é como eu falei para ela, uma amiga minha que até é da Bahia, a Nega. Quando ela disse assim: tinha resistência de algumas pessoas que começavam e queriam ser vereador, ser político. Eu disse: é uma experiência que a gente tem que tendenciar, porque muitas das vezes, quando a gente olha para dentro das organizações que nos representam, as pessoas que estão lá tem menos conhecimento que a gente. Então, a história da vida nos faz conhecedores de muito mais coisas do que muitas das vezes quem estudou, quem esteve na academia. Eu disse: quando a gente faz esse olhar para dentro de uma associação do bairro da gente, a gente vai ver que o cara que está lá, está fazendo um monte de besteira e que muitas das vezes não tem conhecimento da questão política, da realidade, da vida e de tudo. Quando a gente olha para dentro do sindicato, olha para dentro de uma colônia e a gente vê a mesma...
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Entrevista de Clóvis Amorim da Silva
Entrevistado por Luiza Gallo e Ane Alves
São Luís, 25/09/2025.
Entrevista nº: VLI_HV011
Realizada por Museu da Pessoa
Transcrita por Miriam Allodi
Revisado por Ane Alves
P1 - Vamos lá. Primeiro Clóvis, quero te agradecer por nos receber aqui. E por topar contar um pouco da sua história pra gente. E queria que você começasse se apresentando, dizendo seu nome completo, a data e o local de nascimento.
R - O meu nome é Clóvis Amorim da Silva. Nasci na comunidade de Alcântara, Raimundo Sul, Maranhão, em 01/01/1967.
P1 - Que emoção é essa?
R - A história da vida, né?
P1 - Quer que eu pegue um lencinho? Quer que eu pegue um lencinho?
R - Pode ser.
P1 - Deixa eu pegar.
P2 - Acho que é mais fácil eu.
R - É uma história de muita luta, de como a gente passou e que, às vezes, é como eu falei para uma amiga minha, a gente começa às vezes na vida, nos movimentos da vida, nas lutas, e às vezes a gente não imagina onde a gente vai chegar. E muitas das vezes é como eu falei para ela, uma amiga minha que até é da Bahia, a Nega. Quando ela disse assim: tinha resistência de algumas pessoas que começavam e queriam ser vereador, ser político. Eu disse: é uma experiência que a gente tem que tendenciar, porque muitas das vezes, quando a gente olha para dentro das organizações que nos representam, as pessoas que estão lá tem menos conhecimento que a gente. Então, a história da vida nos faz conhecedores de muito mais coisas do que muitas das vezes quem estudou, quem esteve na academia. Eu disse: quando a gente faz esse olhar para dentro de uma associação do bairro da gente, a gente vai ver que o cara que está lá, está fazendo um monte de besteira e que muitas das vezes não tem conhecimento da questão política, da realidade, da vida e de tudo. Quando a gente olha para dentro do sindicato, olha para dentro de uma colônia e a gente vê a mesma coisa. Quando se olha para dentro da câmara de vereador, se vê a mesma coisa. E a gente que muitas das vezes começamos na vida em movimento de igreja, a gente foi fazendo formação e fomos indo, fomos chegando e a gente, eu disse para ela: a gente chegou de nível nacional e internacional, viajamos para fora do Brasil. Então, uma bagagem grande, que não dá para ficar isolado. Você diz assim: Eu vou ser covarde, não querer assumir isso por orgulho? Por querer ficar só criticando? Então vamos mostrar o que é fazer diferente. Isso é o que nos leva às vezes a estar à frente de muitas coisas, é não se acovardar, a não estar calado e mostrar como é possível fazer diferente.
P2 - Mas Seu Clóvis, vamos voltar, porque a gente vai chegar em toda essa parte, né? Mas a gente quer conhecer um pouquinho primeiro da vida do Senhor, vamos começar assim, o senhor falando... Fala um pouquinho pra gente em nome dos seus pais.
P1 - De onde você veio?
P2 - Da sua infância. Porque acho que tudo isso vai fazer parte dessa formação de como o senhor chegou até aqui nessa luta.
R -Tem coisas que eu não quero muito falar, até por uma questão de segurança, preservar toda minha vida, minha história, de parente, de família, de tudo. Mas o nome do meu pai é João Germano da Silva e o da minha mãe é Diná. Nós viemos de Alcântara para Parnauaçu [Praia de Parnauaçu - MA], que é a Comunidade do Cajueiro, que é ali ao lado. E a gente teve ali uma vida de pescaria, desde de pequeno, agricultura com roça. E nós vivemos ali até, bem dizer, agora, em 2023 nós estávamos ali. Quer dizer que começa, até 2014, quando entra uma empresa na comunidade para querer destruir tudo, para querer instalar um Porto, com muita pressão....
P2 - E o Sr. Ficou lá até 2000 e? Em Alcântara?
R - Não, não. Aqui já no Cajueiro.
P2 - Mas lá em Alcântara o senhor ficou até que idade?
R - Até com idade de 12 anos.
P2 - 12 anos. Então você passou a sua infância lá?
R - E uma boa parte foi lá que a gente...
P2 – E conta pra gente como era a sua casa de infância.
R - Era uma casa antiga, grande, que era feita de Taipa, mas toda com madeira bem feita, coberta de telha. Mas uma casa bem... tipicamente de comunidade tradicional. Sítio Grande.
P1 - Foram seus pais que fizeram? Sua família? Você ajudou?
R - Não lembro, não. Que a casa era bem antiga, era uma casa bem… Quando vim existir, já tinha essa casa.
P1 - E você tem irmãos?
R - Tenho.
P1 - São mais velhos? Onde você tá...
R - Não, eu sou o terceiro dos irmãos.
P2 - São quantos?
R - Ao todo nós éramos 13, faleceu dois e tem um restante ainda vivo aí. Somos nove homens e quatro mulheres.
P1 - E ainda na sua infância, te contaram como foi o dia do seu nascimento?
R - Não, nunca tive interesse, assim, em perguntar não, essa história não.
P1 - Você sabe se foi de parteira?
R - Foi parteira.
P1 - Em casa?
R - Em casa.
P1 – Tá! Todos os irmãos?
R - Todos os irmãos.
P1 - E você brincava? Como era o seu dia a dia até os 12 anos?
R - A vida de comunidade tradicional, de brincar, é totalmente diferente do dia de hoje. A gente brinca às vezes pescando, às vezes a gente brinca de várias outras formas e também muito jogo de bola, muitos desses tipos de brincadeira que era totalmente diferente de hoje.
P1 - E foi nesse momento que você começou a pescar?
R - Já quando cheguei aqui, em 1979. Que a gente chegou dia 20 de dezembro de 1979, na Comunidade de Cajueiro, na Praia de Parnauaçu.
P1 - Foi em Cajueiro que você começou a pescar?
R - Foi. Foi. Às vezes, no interior de Alcântara, ainda pescava, ainda brincando, muito pescando de linha no rio, de caniço. Mas a vida veio... Mas a pesca mesmo, aqui na comunidade de Cajueiro.
P1 - E o que que é Caniço?
R - Aquela varinha de linha pequena que é bem prática, bem feita, artesanalmente.
P1 - E essa pesca era mais a lazer ou vocês pescavam...
R - Lazer e brincando também. Que é uma brincadeira, começa pescando de um lazer, de uma brincadeira, e aí... Essa é a vida.
P1 - E com quem você aprendeu?
R - Sozinho.
P1 - Como sozinho?
R - Às vezes, via outras pessoas pescando e já se sabia como se fazia isso.
P2 - Mas ia com o pai, com os irmãos?
R - Não, às vezes, mais só mesmo, no rio mesmo. Já aqui no Cajueiro, a gente já pescava junto com irmão, com parente, com amigos, porque era já pegando camarão e peixe de cassoeira, de rede. Aí, já não daria para estar fazendo mais só.
P2 - E por que a sua família saiu de Alcântara e veio para a Comunidade Cajueiro?
R - Era para facilitar mais a questão da escola e também ir para uma beira de praia onde as coisas seriam mais fáceis. Seria mais fácil, seria mais farta. E isso foi o que trouxe.
P2 - O senhor começou a estudar lá em Alcântara?
R – Em Alcântara, Alcântara.
P2 - Você lembra como que era a escola lá? Como que você ia para a escola?
R - A escola era perto de casa. Era bem simples, escola do interior.
P2 - E aí ia você e todos os seus irmãos na mesma escola?
R - Sim. Só tinha uma escola lá.
P2 - Conta pra gente um pouquinho como era essa escola lá de Alcântara? As lembranças que você tem dessa escola?
R - Ah, faz tanto tempo. Não tenho muitas, mas era escola de interior mesmo. Não tenho grandes lembranças dela assim não.
P2 - E da escola aqui? Primeiro, quando chegou aqui na Comunidade do Cajueiro, como que era a comunidade? Qual foi o impacto, assim, de primeira, com 12 anos? Veio a família toda? Vocês vieram todos juntos?
R - Viemos.
P2 - E como que foi? Como era a casa onde vocês foram morar?
R - Era bem diferente da outra, uma casa ainda, que era mais para um rancho de pescador mesmo, do que para uma casa mesmo. Depois que foi melhorada, foi feita. Eu estou com dificuldade de encontrar fotos dessa casa, mas era bem assim mesmo... Uma comunidade, que... A de Raimundo do Céu, era um pouco maior e tinha mais coisas. E essa daqui, pelo menos, a gente participou da construção dela toda, da comunidade. A estrada era bem precária, a escola também era precária. Papai ajudou muito ainda na iniciação da Escola da Comunidade do Cajueiro. Então, teve toda uma história.
P1 - Como que ele ajudou?
R - Porque junto com outros amigos dele, eles buscaram uma forma, junto a alguns políticos, de construir uma escolinha lá, ainda de Taipa, ainda, que era bem mais simples do que a do interior. E depois, buscou junto à Secretaria do Município uma escola maior. Que foi até derrubada agora também, pelo empreendimento que quer instalar o Porto. Aí, conseguiram instalar. Mas também nesse período, eu fiquei muito... Porque eu vim morar com meus padrinhos num bairro aqui de São Luís, no Sacavém, que eu estudei em várias escolas aqui em São Luís mesmo.
P1 - Mas você veio morar aqui, ou você ia e voltava?
R - Ia e voltava para a comunidade, às vezes, final de semana, férias, essa coisa toda. Então, eu tive muito essa vida assim.
P1 - E você veio sozinho ou os irmãos vieram?
R - Os irmãos ficaram lá. Outros vieram também para casa de alguns tios aqui, para ficar mais perto, fazer a mesma coisa.
P2 - Isso que eu ia perguntar. A sua família escolheu vir para cá, para o Cajueiro, porque já tinha outros parentes que vieram para cá antes?
R - Já. Já tinha outros parentes aqui, em São Luís, já tinha perto. Aí… Era muito isso.
P1 - E aí, o começo da sua vida, lá no Cajueiro. Que recordações você tem? Ainda menino.
R - Eram boas, porque era uma comunidade simples, mas de muita fartura também. Tanto a gente tinha roça como tinha produção de peixe, de camarão, que mais era camarão sete barba. Era uma coisa que não tinha aquela pobreza, falta de comida em casa. Tinha sempre fartura. Tinha muita coisa que a gente cultivava. Isso era bom.
P1 - E aí foi ali que você começou a pescar camarões, mariscos. É isso?
R - Mais camarão e peixe. Depois que eu fiquei mais, já na década de 90, que eu organizei toda minha documentação como pescador e também produzi camarão. Também em escala para comércio mesmo, para vender nos comércios em São Luiz, e depois saí para vender para outros locais. E foi na década de 90.
P1 - Tá! Mas queria só que você pudesse contar pra gente esse começo na pesca. Com quem você aprendeu a pescar?
R - Porque a pesca a gente estava na beira da praia, e a gente ia vendo como era que funcionava as coisas, com todas as pessoas que estavam ali todo dia, que estava pescando. Então, é uma comunidade que não precisava de embarcação para se pescar. Era pegar a rede e cair na água e pescar. Isso é uma coisa que se vocês irem no Cajueiro, vocês vão ver muito, isso. De chegar as pessoas com a rede, duas pessoas, às vezes, um só, três ou quatro, entrando na maré, pescando e trazendo. Então, essa é a riqueza da comunidade. Tu não precisa deslocar embarcação para ir pescar. Tu tem um pesqueiro na frente da comunidade, na porta.
P2 - É para pescar. Não precisava de embarcação. Mas como fazia para trazer o peixe para vender?
R - Na época a estrada aqui era difícil. Alguns compradores iam lá. E alguns traziam carregando no ombro, na cabeça. E alguns até em animais, na época. Aí, já quando melhorou a questão do transporte, que chegou a energia também... Quando a gente chegou, não tinha iluminação pública. Depois foi uma luta. Aí, foi que passou a ter toda essa logística já menos ruim, para poder vir para cá.
P1 - Você lembra da chegada da luz?
R – Lembro. Não lembro o ano.
P1 - Mas você lembra, assim, de como foi?
R - Foi... Eu não lembro se na época... Que me parece que era, eu não sei. Porque papai foi presidente da Associação de Moradores do Cajueiro, também. Foi fundador também, um dos fundadores. Eu não sei se na época ele estava na presidência, ou se não estava. Mas foi uma luta que a comunidade se reuniu para poder buscar isso.
P1 - O que você lembra dessas lutas do seu pai?
R - Tem muitas e muitas coisas que se lembra, e tem muitas coisas que às vezes a gente não consegue trazer na memória, porque às vezes o que para muita gente são grande lembranças, para gente é a rotina do dia a dia. E é difícil a rotina do dia a dia trazer como grande lembrança, que às vezes as pessoas têm coisas como desafio, coisas que às vezes tu acha que é... Não, é coisa banal, do dia a dia, de luta, de conquista, que não se considera como grande lembrança, como grande coisas. Então, teve muitas e muitas pequenas coisas, que foram de grandes construções.
E é como eu te disse, de muitas coisas que a gente não tem noção onde vai parar, ou que efeito vai ter na frente... Coisas pequenas, insignificantes, que se tornam grandes. E que às vezes uma pequena coisa tem um sentido de milhares de coisas. E uma das coisas que depois a gente viu que era necessário, dessas coisas todas... Que a gente viu que depois a comunidade não tinha documento de terra. Aí, já na década de 90, quando a gente já estava na luta da pesca, já estava ingressando no movimento de pescador. Aí, a gente percebeu que todos os projetos que a gente buscaria junto ao Estado, seja ele municipal, estadual ou federal, junto a governos, precisava do documento da Terra. Para fazer melhoria de um porto, para melhoria da estrada, para melhoria do trapiche, para a fábrica de gelo. A gente resolveu fazer uma política não só para a comunidade, mas sim para outras comunidades, que era buscar a regularização fundiária. Isso na década de 90. E o documento do Cajueiro ele chega a ser concluído pelo ITERMA, em 1998, e que ainda hoje ainda falta ainda o reconhecimento da SPU. E daí a gente viu coisas assim parecidas que precisavam ser feitas. E da história da comunidade, como ela surgiu… Que daí foi que depois a gente foi buscar a Cartografia, que eu até mostrei para vocês. E daí a gente sabe que a comunidade do Cajueiro, ela nasce ainda na origem mais antiga de uma moradora. Que foi uma princesa africana, que veio para o Maranhão, escrava, e que lá ela se localizou também. Primeiro no Parnauaçu, e depois ela foi quem criou o Terreiro do Egito, que é conhecido, onde tinha os festejos, que tinha toda uma história ancestral com a comunidade. Então, era uma comunidade que a gente via a história dela, que pelo que se sabe, o Terreiro do Egito foi fundado lá no Cajueiro em 1830, parece, se não me engano. Lá tem até a Pedra da Memória, do Tombamento. Que se vocês quiserem, se interessar, podemos fazer uma visita. Então, é uma comunidade que já era antiga, mas que ainda estava precária. A gente foi uma das partes de avanço de melhoria para a comunidade, junto com outros moradores, que estavam ali junto já.
P1 - E nessa luta você já entrou? Você entrou nessa luta por documentação de terra?
R – Já. Exatamente, já.
P1 - Só antes da gente entrar mais nisso, se você quiser contar. Eu queria te perguntar como foi sua juventude, assim? Esse momento de se descobrir muitas coisas, como você gostava? Você tinha amigos? O que você gostava de fazer crescendo, deixando de ser menino e se tornando moço?
R - Essa é uma coisa que eu não quero falar muito. Mas uma das coisas que era muito banal. Foi muito a vida o tempo todo, vamos dizer, pescando. E também muito de futebol, de jogar bola como muitas pessoas, assim. Que a comunidade da gente sempre foi muito… que às vezes as pessoas brincam, às vezes a gente brinca um com o outro. “Rapaz, tu não teve infância.” Então, como eu disse, a infância de antigamente era totalmente diferente do dia de hoje. Para a gente, para muitos, às vezes, nessa fase, tu não consegue separar o que é pesca de lazer, o que é pesca comercial, que às vezes de uma diversão, de uma pescaria, que às vezes tu está até se divertindo, mas tu está produzindo. Porque é uma profissão que te dá liberdade. Então, para que parece, a profissão, às vezes, ela é uma coisa que te desestressa, que muitos gostariam de trabalhar, de poder ir pescar. E a gente já faz isso constante, no dia a dia. E às vezes tu separar isso de uma infância, o que é trabalho? O que é lazer? O que é brincadeira? É uma coisa do dia a dia.
P2 - Mas além da pesca e de jogar futebol com os amigos, vocês saíam. Tinha algum lugar que vocês iam para se divertir?
R - Sempre tinha. Tinha os festejos nas comunidades, comunidades vizinhas, no entorno. É sempre nesses festejos também, tinha futebol, muito isso, era muito dessas coisas. Nas praias que tinha lazer, as praias no final de semana. Algumas festinhas, algumas coisas assim, muito simples.
P1 - Que música vocês ouviam?
R - Todo tipo da época, lá nessa época de 90, de 80 para 90.
P1 - E que histórias tradicionais têm na comunidade do Cajueiro? Assim, seus familiares contavam sobre essa comunidade? Tinham histórias que eram passadas de geração em geração?
R - As histórias que eu estou te falando que tinha, que era de geração para geração, que está hoje. E essa da comunidade tradicional, que tinha a história dessa negra africana que fazia esse tambor todo ano, parece que era Santa Luzia. E que tinha toda uma história, com... Está em alguns documentos que a gente pode passar para vocês. Que é onde diziam que quando o povo de terreiro estava fazendo as festas, o barco de Dom João VI ancorava na praia. E que era onde vinham os reis e rainhas e princesas, que eram os encantados que estavam ali naquele barco ali. E que vinham também festejar junto com o povo lá da comunidade. Então, tem essas histórias assim.
P1 - Alguém já viu?
R - Desses mais novos, não. E é muito aquela história, quem já viu as vezes não conta que viu. São segredos que são guardados.
P1 - Você quer contar alguma história pra gente? Ou que você conheceu alguém? Alguma tradição, alguma lenda?
R -Não. Por enquanto não.
P1 - E aí, como era essa diferença da pesca de lazer e comercial?
R - Muita das vezes a de lazer é uma pesca que às vezes tu está produzindo mais pra ti comer, pra ti beber. E a comercial é quando tu já parte para uma escala maior de uma produção e juntar mesmo para comercializar.
P1 - E aí, vai de embarcação ou não precisa também?
R - Na época também não precisava de embarcação. E chegou um momento que precisou de embarcação, dependendo, por causa do horário da maré. Se pesca de enchente ou de vazante. Aí, foi toda uma mudança.
P2 - E como foi para conquistar a primeira embarcação?
R - Não foi tão difícil. Porque não era embarcação grande, era canoa pequena mesmo.
P2 - Aí, quando era canoa, vocês saíam para pescar em quantas pessoas?
R - Às vezes três, duas, quatro, dependendo do tipo de rede.
P1 - E aí, dependia do horário também, né?
R - É, porque maré é um horário específico.
P1 - E que histórias marcantes você tem na pesca, assim?
R - Os grandes impactos. Esses marcaram muito na pesca. Porque foram impactos que quando começa na década de 80, também começa a chegar a Alumar e a Vale do Rio Doce, em São Luís, que ficou em torno das comunidades. Que daí a gente começou a ver a perda de produção, a perda de produto. A dragagem começa a aterrar onde se pescava, que não tinha lama, e hoje tem muita lama que não dá às vezes para ti andar na lama, que é um lodo muito forte. Então, ele atola muito, tu não consegue. Aí, tu tem que ter toda uma outra dinâmica para poder descer para pescar e para subir. Porque andar na água com lama é uma coisa, outra coisa e tu andar em cima da lama, que ela é só um lodo, uma papa, que tu não consegue andar. E esses impactos foram muito fortes. Hoje, para a gente provar isso, a gente precisa de muito estudo, de muitos dados, de muita pesquisa. E não é muito fácil achar academia que nos ajude a fazer esse trabalho. Embora nos viés da empresa que causa impacto, que eles já dizem. Mas essas compensações não chegam até o pescador, não chega até às organizações de pescador. E isso acontece a cada dia e cada dia mais isso acontecendo e desrespeitando. E uma ausência do estado muito grande sobre a questão ambiental.
P1 - Que ano foi isso mais ou menos?
R - Começa nos anos 80, ainda nos anos 80 começa, e até os dias de hoje cada dia mais. Cada dia mais, de forma... E uma das coisas que vai se ver muito na Comunidade Camboa dos Frades, são as licenças de ampliação do Porto do Itaqui, que começa a fragmentar a ampliação dos portos por etapa, para não ter um projeto único logo de uma vez, para a licença não ir para o governo federal. Mas sim uma licença fragilizada com a Secretaria do Estado do Maranhão, onde nenhum acompanhamento. Tem processos de licença que era para ser pelo IBAMA e que o Ministério Público pede a paralisação da obra e que seja feito todo novo estudo, licenciamento, tudo. E nada disso foi respeitado, foi cumprido. E ainda hoje estão construindo mais berços. E está nessa história aí.
P1 - Pensando nessas tradições dos guardiões e guardiãs da comunidade do Cajueiro, o que se transforma com essa chegada?
R - Eu acredito que foi o entendimento que não era um problema único de uma pessoa ou de duas, mas sim de toda uma comunidade. E de todas as comunidades que estão no entorno. Então, houve uma junção de várias comunidades juntas, para poder resistir. Para poder saber que o genocídio de uma comunidade seria a consequência das outras. Então, tem um projeto de uma Reserva Tauá-Mirim. Então, isso está em processo há anos e até hoje não saiu. Como é que se fortalece isso? Se fizer isso, como é que o fragmento é fragilização das outras comunidades que estão no entorno? Então, isso é uma necessidade, de ver isso. Ver o que está ligado um Porto com o continente do país e continentes internacionais. Como é que uma comunidade simples, insignificante, e que muitos acham que não tem importância, que não tem valor. Toda uma China, toda uma Europa está de olho naquela comunidade. Porque é um ponto estratégico para um porto, para grandes navios. Essas coisas que muitas das vezes as pessoas que moram não se dão conta do valor que tem, da sua história, da sua cultura, do seu território.
P1 - Foi assim que vocês começaram a se dar conta?
R – Foi! Nos demos conta disso. E muitas das vezes, quando tu tem essa visão, muitas pessoas da comunidade não consegue entender. Isso é pregado pelo próprio Estado, pelos empreendimentos, de que tu simplesmente está atrapalhando a geração de emprego, o grande negócio, o investimento. Só que o Estado se esquece que ele para construir empreendimentos e empresas e muitos empregos, ele tem que ter todo um respeito ético, por quem tá. E saber se deve ou se não deve fazer. Isso se dá pelo município, quando começa a mudar um Plano Diretor. Que é um plano Diretor, que lá dentro do Plano Diretor, está dizendo que respeitaria as comunidades tradicionais. E que o município deveria primeiro, antes de começar a fazer o Plano Diretor, fazer o estudo socioeconômico e cultural. Onde estão as comunidades tradicionais? Quem é que não é? O primeiro estudo são as comunidades X e B que estão ali. E essas comunidades precisam ser respeitadas com seu espaço. E não querer dizer em um plano diretor, colocar em votação, onde vai ser área urbana, onde vai ser área mista, onde vai ser área industrial. E sem nenhum estudo para dizer onde é que estão as comunidades tradicionais. A falta de entendimento que a gente sente, a falta de capacitação de pessoas do próprio Ministério Público, que não consegue pedir para fazer isso também, para poder barrar, ou pedir para parar para fazer o estudo primeiro. Isso é complicado demais. Essa é uma das coisas que esse país, não só o Maranhão, precisa fazer. Primeiro, onde é que estão os povos tradicionais? Quem são essas comunidades? Qual é a história dela? Como um plano diretor pode existir e pode olhar e respeitar aquelas comunidades? Nós temos muitos e muitos casos em que o Estado foi omisso. É aquela coisa, o que parece barato, sai caro para o Estado. Exemplos como esse a gente está vivenciando agora, questão do descaso do Estado que ele foi na questão do Seguro Defeso. Quando ele muda do Ministério do Trabalho, que ele vai para a Previdência e que as carteiras da CEAB era feito pelo governo, pela CEAB, pelo Ministério da Pesca. Ele joga isso tudo na mão das associações, dos sindicatos, das colônias. Mas não deu nenhuma condição, nenhuma estrutura. O Ministério do Trabalho não cadastrou as entidades para saber quem poderia fazer. E virou terra sem lei, terra de ninguém, onde qualquer advogado, ou qualquer pessoa poderia fazer o Seguro-Defeso, podia fazer as questões dos outros benefícios. E quando o Estado se dá, põe a culpa nos pescadores, que não são dos pescadores. E da ausência do Estado, por não querer se responsabilizar, achando que ia sair mais barato para eles, e acabou saindo, talvez, bem mais caro para eles. E hoje estão tentando vir de novo, voltar para o Ministério do Trabalho. São coisas que o Estado precisa primeiro saber quem é quem e acompanhar de perto. Esse Estado, o Ministério Público, precisa ter pessoas dentro do próprio Ministério Público com um entendimento melhor. Que me parece conhecimento pouco sobre a questão das comunidades tradicionais, dos povos. Isso é uma questão muito de ter um Ministério Público impotente, fragilizado e também sem equipe técnica para fazer isso. A gente vivencia isso todo dia. E em todo o país a gente vivencia isso.
P1 - Aqui, podendo pensar nesse resgate dessa história, da sua história, da história, da sua comunidade? Um resgate. Quem são as pessoas? Os povos tradicionais que vivem na comunidade de Cajueiro?
R - A Comunidade do Cajueiro tem muitas famílias que eram bem antigas quando estávamos ali. Chegamos e já achamos também. Que depois se transforma, às vezes, em famílias grandes. Aí, nós tínhamos a família do seu Antonio Roxo com a Dona Maria. Nós tínhamos o Seu Geraldo. Nós tínhamos a dona Mariazinha. Nós tinhamos seu Simeão com a esposa dele, que também entrou na Cartografia, entrevista que deram. Nós tínhamos a dona… A mãe do Seu Zé Carlos, que até esqueci o nome dela agora. Nós tínhamos a família de Seu Zé Carlos, com o Senhor Senharol. Então, eram famílias que estavam ali já há muito tempo. E outros que já tinham saído, que tinham já estado ali. A família de Dona Maria Costa. E que cada uma dessas famílias eram bem numerosas, tinham muitos filhos. E que muitas das vezes um local às vezes diz uma família, mas é uma família que às vezes tem dez famílias. Que, às vezes, eram oito filhos, dez filhos. Aí, quando junta os filhos com mais os netos, aí tu já vai vendo a multiplicação do número de famílias que se tem, e que vem de raiz de três ou quatro famílias. E outras pessoas que não estavam ali na época, que vieram também para dentro dessa comunidade, como a gente chegou lá também. Tinha seu Domingão também no Parnauaçu já, um senhor que era mestre de barco.
P1 – O que é mestre de barco?
R - E o cara que sabe governar o barco, que sabe conduzir o barco. Então, tem muito dessas coisas que era bem forte ali. E que em outras comunidades também tinham muitas pessoas.
P1 - Vocês foram bem recebidos? Como foi a chegada de vocês lá no Cajueiro?
R - A gente chegou e papai tinha comprado tipo esse ranchozinho lá. Lá no Parnauaçu. E era uma comunidade também que já estava se reestruturando e a gente ficou. Então, na época, não dá para dizer assim, se foi bem recebido ou não, porque todo mundo queria cada dia pessoas que viessem para contribuir com a comunidade, para ajudar a luta da comunidade. Tinha também a família do seu Davi. Que vocês podem até entrevistar ele também, ele já estava lá a muito tempo, que tinha vindo também de Alcântara. Tinha a família de Dona Mocinha, que tá lá ainda, até hoje. E é assim, muitos e muitos que ainda estão por lá, que fizeram parte dessa reformulação através da comunidade, ou da continuidade da comunidade. E que hoje está bem grande e com muitos e muitos interesses. Que talvez não conheça também a história da comunidade.
P1 - Todo mundo se conhecia?
R - Todo mundo se conhecia.
P/1 - Eram quantas famílias, você lembra, mais ou menos?
R - Na época, eu acho que na época era como se fosse umas 100 famílias. Hoje acho que está na faixa de quase 600/500 famílias.
P1 - Você cresceu lá, assim?
R – Foi. Lá, aqui pelo centro, e nessa dinâmica aí, de idas e vindas. E conheci toda a história da vida, da luta, para poder resistir.
P1 - Clóvis, como você descreveria a sua relação com o mar? O que é essa potência para você?
R - Acho que casa. O mar… Eu gosto do mar, tanto que tinha minha casa na beira da praia. E é uma relação que eu me sinto bem com mar. Gosto muito dessa vista do mar, bonita. É uma coisa bem boa.
P1 - E você comentou ainda novo, menino em Alcântara, do silêncio. Precisa de silêncio para pescar?
R - Sempre é bom, porque onde tu tem silêncio, tu observa as coisas. Tu vê as coisas com mais tranquilidade. Tu tem mais como dar atenção para tudo o que está em volta. E ver o que está em volta, que às vezes a gente não consegue ver. E às vezes, quando é muita zoada, muita coisa, tu não sabe para que lado tu da atenção, o que tu vai ver, o que que tu vai perceber.
P1 - Desde menino você percebeu isso? Desde menino você percebeu isso ou tem alguém que conta dessa importância?
R - Não. Essa é a vida que tu vem crescendo e observando em torno da vida. Tu vai vendo a vida, da importância disso. E muita das vezes, é aquela história, às vezes, quando tu pensa que tu tá no silêncio sozinho, e muita das vezes quando tu não está sozinho.
P1 - Conta mais?
R – E a história que às vezes tá difícil. É difícil de explicar para quando muita gente não entende, não conhece. E como tem uma história assim, que as pessoas, às vezes, pensam, que se vê, que é a realidade, que acham que evolução é tecnologia. Evolução não é tecnologia. Evoluir é quando tu não precisa de tecnologia. É como diz assim: o que trabalhamos com inteligência, tecnologia, para conversar com os extraterrestres quando chegar. Aí, tu diz, assim: não, a forma mais antiga, mais evoluída do mundo, para todas as coisas, não é tecnologia, é a mente, é como tu consegue desenvolver tua mente, a forma de ver. A forma de saber das coisas. Se tu vai conversar com deus ou com o diabo, tu não vai conversar com a palavra, tu vai conversar com a tua cabeça. Só vai conseguir falar com Deus quem tem capacidade telepática de se comunicar com além, do bem, ou das trevas, ou do mau, ou do bom. Você não precisa de um computador na mão, de um celular. Tu precisa a cada dia limpar tua cabeça, dar descarga, como se diz, te concentrar, e ver o que é a realidade da vida. Bom ou ruim? Não é a tecnologia que vai te dar evolução, é quando tu começar a te desapegar das coisas e começar a ver o que é a realidade. É tu olhar no rosto das pessoas e saber quem elas são quando tu olha no rosto delas. Tu saber que é mentira, que é demagógico, que é nojento, que é seboso. Tu olhando, tá! Não precisa te pesquisar para poder saber o que tu está dizendo. Isso é evolução. Não é a tecnologia que vai te dizer.
P1 - A pesca te deu isso?
R - Com certeza sim. Porque a pesca... Quem sabe pescar e sabe caçar, ele é estrategista. A pesca te ensina a geografia e a matemática como se faz. Que é a maior arma da guerra, da vida... A arma da guerra não é a bomba mais potente, mas sim a geografia e a matemática. E a cultura e a história. Se tu não consegue olhar o mar, as correntes marinhas, e qual a melhor estratégia para pegar o peixe ou camarão. Depende de ver isto. Precisa ver a lua, precisa ver as épocas da vida, de inverno e de verão. Se tu não aprendeu a fazer isso, não é estrategista. Para tí ser pescador precisa ser estrategista. A questão é como tu usa isso no teu dia a dia. Porque a geografia e a matemática, são usadas no seu dia a dia, tanto na tua família, quanto na política, quanto na comunidade, quanto na religião, quanto no tudo. E muitas das vezes as pessoas não conseguem ver isso. Consegue ver geograficamente o que está em torno de você, do que é interessante e do que não é. E muitas das vezes, por mais que tu fale, ninguém consegue entender o que tu está falando.
P1 - A leitura da natureza.
R - Ah, tem muitas e muitas e muitas pessoas que muitas das vezes chegaram até a cursar uma faculdade. Às vezes precisa, nasceu, cresceu, foi pro jardim de infância, foi para a escola, foi para isso, foi para aquilo, cursou a faculdade. E muitas das vezes não conseguiu aprender nada. E muitas pessoas, às vezes, não nasceram, não estudaram, mas nasceram com sua faculdade de seus conhecimentos, simples, e que conseguem ensinar muito mais do que muitos. É como diz a história: cada um é doutor na sua profissão. Cada um é doutor naquilo que convive o dia a dia. Assim é a vida.
P1 - Como é ser doutor da pesca?
R - Respeitar o ambiente no qual tu tá. Saber conhecer a natureza da vida. É assim que precisa saber, conhecer a cada período de cada ano, de como vai ser o inverno, de qual vai ser a maré, como é que vai ser a lua. Saber se vai ser bom ou se vai ser ruim.
P1 - Quais são as diferenças? Não tenho ideia. Do inverno, do verão? Pode contar um pouco para gente sobre o mar?
R - A gente costuma falar assim: que se for a lua nova que governar o inverno, geralmente os invernos são bons e tem toda uma questão de produção boa.
Durante o ano, são seis marés grandes, que muitos chamam de Maré de Sizígia. Então, as marés de lua, que são grandes, nós temos janeiro, fevereiro e março. No primeiro semestre. E que às vezes até se chama, que essas águas grandes são as águas de caranguejo andar. É porque uma maré grande, a outra maré de lua não é tão grande igual àquela. E a gente observa que se a maré grande, logo do começo de janeiro, é numa lua nova, o inverno vai ser bom, e a produção pode ser boa durante aquele ano para todas as formas. Se é a lua cheia, a gente já sabe que não vai ser tão bom e tão chuvoso quanto a da Lua nova. As outras três luas que são grandes, aí nós temos agosto, setembro e outubro. Que aqui a gente conhece muito como... A ciência conhece como maré de sizígio, todas essas águas grandes. Essas três águas grandes do verão, a gente chama aqui como água de salina. Que é nessas águas grandes que é a produção de sal, de quem fazia sal na época, ia aproveitava para represar água para fazer a produção de sal. Entre março e agosto, tinha uma coisa que as marés, elas vinham quase de um tamanho só, que a gente chamava que elas estão brigando para saber quem vai governar o inverno e o verão. Aí, depois dá de outubro, ia ficar novembro, dezembro. Já em janeiro saber quem vai governar o inverno. Essa cultura de conhecer essas marés e essas luas, que a gente saberia a experiência de quem governaria quem.
P1 - Para você entrar no mar, você tem algum ritual? Você pede licença? Você canta?
R - Às vezes, uma coisa, é que sempre é bom fazer isso. E muitas das vezes, quando tu sente já que aquilo é parte da tua vida, da tua casa. Tu não precisa pedir licença para entrar na tua casa. Quando tu vai entrar na casa dos outros sim, tu precisa. E muitas das vezes, tu já é parte daquilo ali, aquilo já é banal, já é normal que tu tá ali o dia todo, a vida inteira. Tu não vai ficar toda hora também pedindo, fazendo ritual para essas coisas, ou pedindo licença. Porque tu já te considera parte daquilo ali, tu já é parte daquela comunidade, já é parte daquilo. Mas sempre é bom pedir licença para entrar na casa, e quando vai de fato entrar em algumas coisas mais profundas e para mais distante. Sempre é bom pedir uma boa viagem e a permissão dos que são donos do mar, que são donos dessas águas. Respeitar sempre é bom.
P1 - Você já fez uma longa viagem?
R - De barco? Ainda não. Já fiz uma que foi uma experiência muito boa. Que foi aqui mesmo, numa canoa pequena, mas que foi aqui do Porto do Itaqui até Arari, no rio Mearim. Saindo da Baía de São Marcos, indo para dentro de um rio. É que o Maranhão tem muitas e muitas coisas que são bem específicas no mundo. E subindo nesse rio, esse rio, ele tem uma parte que tu chega lá em cima, próximo a uma ilha chamada Ilha dos Caranguejos, lá no entorno dela. Tu vê um rio com duas vias, de um lado do rio, a água doce está descendo e do outro lado água salgada está subindo. Tu tem duas correntes dentro do mesmo rio, como se fosse uma avenida. Aí, se tu quer subir, tu tem que procurar de que lado, para tu aproveitar a correnteza da maré, ou a correnteza do rio, se tu vai voltar. Então, são experiências assim, que são únicas no Maranhão. E que até chegar lá na área que é muito conhecida da Pororoca de Arari, eu fui saindo daqui e chegando até Arari, lá no rio, onde passamos pela pororoca. Foi uma experiência muito boa, conhecer a nossa região, a nossa origem, a nossa área. O Maranhão é um lugar único. Quando eu digo isso, que o Estado do Maranhão é um dos lugares do mundo que tem a maior elevação de maré do Brasil. E parece que a segunda maior do mundo, eu não sei se é aqui, ou no Japão, é para essa área de lá. Que a elevação de maré aqui é seis metros. Então, é um lugar único. Nós temos, por exemplo, aqui também no estado do Maranhão, a base de Alcântara, que é construída na linha do Equador. Mas por uma razão de gravidade, que é única também no mundo, que isso facilita lançar os foguetes. E que muita gente tem como estratégia que pensa que a base de Alcântara é simplesmente foguete. Não, a base de Alcântara é um ponto estratégico para a guerra também. A base de Alcântara, para quem não sabe, as paredes, as lajes da base, segundo a gente sabe, que são 14 metros, que é para suportar grandes impactos de grandes bombas. Então, ali tem satélite, muita coisa. Sabemos que ela tem para mais de 80 metros de profundidade, para debaixo do chão, todo subterrâneo ali dentro, ali. E a gente sabe que além dos foguete que facilita chegar na órbita mais, com menos combustível, com mais rapidez, com mais estratégia, com um monte de coisa. Mas também é um lugar que pode lançar mísseis ou interceptar mísseis lançados com mais rapidez, daqui. Então, é um espaço de muita estratégia, porque se um outro país lança um míssil, países que às vezes não vai lançar no Brasil, mas para interceptar ele, aí aqui está num ponto estratégico para interceptar ele antes dele chegar ao destino dele. Então, isso é uma coisa que é única no Maranhão, mas que também é arriscado para gente. Que na hora de uma guerra, dizer assim: destruir aquele ponto estratégico é interessante. E nós estamos bem na borda dessa confusão, ou bem no meio dessa confusão toda. E muitas pessoas não se dão conta do que é ainda uma base de Alcântara. O porquê o Porto do Itaqui, a estratégia de fundura, de sair daqui para o mundo inteiro. E que também a Marinha também tem interesse em construir uma base naval aqui na Ilha do Medo. Então, nós somos o Maranhão que tem muitos e muitos biomas, Amazônica, Caatinga e Cerrado. E nós temos um dos maiores litorais desse país. Então, o Maranhão é uma história… Muitos rios. É muita coisa. Eu costumo dizer que água e vento não tem fronteira. Coisas que acontecem aqui, vão acontecer em correntes marinhas que a gente não sabe onde vai parar. E precisamos muito, por nós sermos o que somos, estarmos onde estamos, que o Estado brasileiro, não só o Maranhão, o município, fiscalize melhor, tenha leis mais de acompanhar esses empreendimentos que chegam aqui, como a Alumar, como Vale, como a questão portuária da EMAP. Como essas empresas se instalam? Como a Vale e a EMAP, quando a gente estava discutindo a questão portuária, que uma pessoa da EMAP disse: não, isso não é essa empresa que está fazendo isso. Eu disse: sim, é o Estado que está fazendo, é a EMAP que está fazendo. Cabe a você dizer qual é a empresa, porque está dentro do seu complexo portuário. Como é que a Vale se modifica, que ela tem uma dinâmica, que uma hora é Vale, uma hora não é Vale, uma hora é VLI, uma hora não é Vale, é outra… Essas coisas todas que precisamos saber, quem é quem de fato. Que são tudo subsidiárias uma da outra, que estão tudo interligadas, e que todas estão causando o mesmo mal para todos nós. Então, precisa o Estado assumir o seu papel de Estado e dar o nome de quem de fato está, de quem de fato tem que seguir, acompanhar com maior respeito das leis que ampara o que é justo e o que não é. Então, isso é uma das coisas que é um desafio muito grande. Que isso é difícil de se fazer. E difícil de se fazer quando a gente tem as nossas organizações, das nossas comunidades fragilizadas. E cada dia o Estado tem interesse em fragilizar. Nós temos as associações, as outras organizações que acompanham, os sindicatos de pescador, de trabalhador rural, as colônias de pescadores. Todas hoje, numa situação bem difícil de sobreviver politicamente, com tantas e tantas formas que o Estado tem para fragilizar e não para fortalecer.
P1 - Antes de eu te perguntar do sindicato, como que você se prepara para uma pesca?
R - Existe aquela coisa, que é um ditado de pescador. “Quem vai para o mar se prepara em terra.” O mar não tem galho, tu precisa arrumar tua água, tua farinha, o sal, se tu vai pescar, pra passar no peixe, para assar ou para fazer o cozido. O chapéu, a camisa. Então, os básicos do conhecimento de se preparar para ir. A pesca, por mais básica que seja, mais simples que seja. E hoje para ir pescar não é muito fácil, com a destruição que tem sido dessas empresas, e que futuramente as pessoas não estão preparadas para ter um barco, uma estrutura maior, para ir mais longe, que os valores são altos. A gente costuma dizer que o PRONAF, ele é uma coisa que serviu para o agricultor e para o pescador, não. Porque os valores da pesca são totalmente diferentes da agricultura. Um projeto de 10.000, 20.000, que talvez pode ajudar um trabalhador rural a organizar uma horta. O pescador para poder ir mais para fora ele precisa de um barco de quase 300.000. Que aí tu tem um barco grande hoje, bom. Para ti fazer um barco bom hoje, talvez de madeira, que às vezes, compensa mais de fibra, que ele já tá mais de 100.000. O motor de um barco desses que tá quase na faixa de 70.000 ou 80.000, ou mais. A quantidade de rede que tu vai ter, a corda, a âncora, tudo mais. E para tí sair para pescar, aí tu diz: te preparar para ir pescar. Tu tem que deixar alguém, tu tem que ter esse barco do combustível, a água, a comida para ti ir para lá, gelo, barco _____ na boa, que às vezes é mais de R$10.000,00. E se preparar para sair para pescar. Como é que o pescador simples, que está ali, que não teve o financiamento do Estado, mas sim o Estado destruiu ele, para ele mudar para essa vida. E que ele está cada dia perdendo o território, ficando aí, sem estudo, sem profissão. Como é que ele vai viver daqui para frente? Como é que ele vai ter direito futuramente, se ele não tem uma profissão para amanhã ter uma previdência? Como é que é olhado isso? Como é que esse direito do trabalhador, dos povos tradicionais, que não são respeitados? Onde é que está o Ministério do Trabalho? Onde é que está a Procuradoria do Trabalho? As questões da pesca, ela é uma questão que muitas das vezes, ou quase todas as vezes, nós temos o Ministério da Pesca fragilizado, sem política de pesca, sim uma política assistencialista, simplesmente para fazer uma carteira, e que tem sido uma das maiores moedas de compra de voto. E o Ministério da Pesca, que era para ser o ministério, não simplesmente de um governo, mas sim do Estado, porque são dos poucos ministérios que ele tem uma questão que são de águas internacionais, que tem todo um vínculo com outros países, que tem toda uma questão de produção, de questão de meio ambiente, que são ministérios que ele interliga com Inter ministeriais. Porque envolve Ministério da Cultura, Ministério do Meio Ambiente, Ministério do Trabalho, Ministério da Previdência. E muita das vezes tu tem simplesmente um Ministério da Pesca direcionando uma única coisa, que é assistencialismo do pescador. Então, precisa do Estado, do governo brasileiro ter de fato uma política de pesca para o Estado, para os pescadores, olhar para essa situação. E ver, como capacitar melhor os pescadores para futuramente? Como deixar aquele filho de pescador, dizer: “Eu não quero ser pescador porque meu pai é miserável”.
P1 - Isso acontece?
R - Isso acontece muito. Mas sim, fazer com que ele olhe, que isso é uma questão de renda, é uma questão de soberania, é uma questão de riqueza do país. Como é que tu treina esses pescadores? Como é que tu dá essa visão para eles, de estudar, de ver a cultura, de ver a produção, de ver tudo? Um Estado ainda pobre, analfabeto em conhecimentos sobre a pesca de seu país, de seus territórios. Isso nos entristece. E um Estado que não tem interesse de fortalecer os pescadores, mas sim de enfraquecer, sim, de ter política, considerando cada dia que os pescadores são miseráveis, e uma política assistencialista. É preciso se olhar os territórios, para as comunidades tradicionais, que estão nas margens ainda, é saber aproveitar os recursos que tem, que não é só do Brasil. O governo brasileiro, o Estado brasileiro, se ele soubesse aproveitar, simplesmente do que as empresas se comprometem, fazer elas cumprirem as obrigações sociais delas, já teria recursos para melhorar muitos e muitos portos das comunidades. Melhorar a produção, melhorar a educação. Recursos que tem de nível internacional, como o Fundo Amazônico e outros que tem por aí. Tem muito recurso para a questão do clima, tem muitos recursos do Fundo Amazônico, tem muitos outros recursos que são para povos tradicionais. Mas falta a gente saber como acessar esses programas, esses projetos. Onde buscar, quem deve acessar e como acessar.
P1 - Você tem filhos?
R - Não. Me dediquei a vida muito à luta, ao movimento social e fiquei minha vida mais dentro mesmo, sem ter família mesmo.
P1 - Isso é um grande filho, a luta. E as histórias de pescadores, o que é isso?
R - Tem muitas e muitas histórias. E histórias, como diz, algumas que o cara mente no tamanho do peixe, que mente na quantidade que pegou. E muitas das vezes, quando ele mente do que pegou, ele não disse que pegou muito, ele sempre diz que pegou pouco. E muitas das vezes não diz onde pescou, porque ele sabe que se ele disser, amanhã saqueiam o pesqueiro onde ele tá pescando. Ele sabe que ele não dizer onde ele tá pescando, onde ele achou a mina, ele sabe que ele vai ter garantida de todo dia ali, achar que está ali. Porque é aquela história, quem fala demais se perde. E muitas das vezes as histórias, de como diz, aqui a gente tem uma história, uma palavra de dizer, que às vezes o cara vê e nem bem vê, e conta que viu uma história, e conta… A gente costuma dizer que é história de Trancoso. História de Trancoso, é aquele caboclo mentiroso que não tem coragem de ver, que não observa o que viu e saiu correndo e depois inventa uma fantasia imensa e sai contando. E muitas das vezes quem vê, às vezes não conta o que vê. Que às vezes não são permitidas contarem as histórias de fato que se vê, que se ouve, que se percebe, que se sente.
P1 - E você, já sentiu, viu e gostaria de contar alguma coisa?
R - Tem histórias que são bem básicas, e que às vezes não é muito explicável. Mas a gente já viu muitas luzes assim, no espaço e tal, muitas coisas. E também sons que a gente vê assim, que a gente percebe, é que às vezes a gente não consegue definir o que viu. Então, às vezes, a gente não conta, porque, às vezes, é difícil definir aquilo que a gente viu, que ouviu. Mas tem muitas histórias. Como tem história, muitos, que talvez vocês vão ouvir de outros amigos, que já estiveram na Ilha dos Caranguejos e que têm muitas e muitas histórias, Ilha da Boa Razão, Ilha do Medo. Aqui tem muitas e muitas outras histórias que pessoas já presenciaram e já vivenciaram e que contam.
Tem uma história da Boa Razão, que a Boa Razão é uma comunidade lá que é em frente a minha comunidade, e que tinha pescadores lá, vários pescadores, ainda tem, tem as casas de veraneio. Eles contavam para gente, que muitas das vezes estavam na praia, às vezes ajeitando a rede, estava esperando hora de maré, ajeitando a embarcação. Quando era no final da tarde, saía dois cidadãos, todo vestido de branco, de dentro d'água, da ponta de um recife, subindo para o rumo da ilha, do continente. Quando eles não vem com uma rede branca, todos dois vestido de branco, com uma rede branca amarrada num pau, carregando. Como aquela história do Nordeste, o Caboclo carrega o outro na rede. A rede branca, todos os dois de branco, vinham subindo, passava perto deles e iam para cima. Tinha dia que eles iam carregando o caboclo na rede, quando não, era num caixão branco, saindo de dentro da água para lá. Eles todos na beira da praia, ficavam olhando também, um olhava para a cara do outro, não dizia nada, não perguntavam nada, ninguém... Eles contam muito essas histórias. Então, tem muita coisa que era muito isso. E às vezes, eles contam que, a ilha, quando eles conseguiam ver essas coisas mais, e que não tinha as casas de veraneio na Boa Razão, na praia, a produção de camarão era melhor. Então, eles contam de uma casa que um cidadão que fez, de veraneio, quando chegou lá, na noite que ele foi para inaugurar, para ficar lá, eles não conseguiram ficar. Que todo mundo derrubava eles da rede, jogava pedra na casa, jogava pedra neles, jogava pedra no telhado. Eles tiveram que vir embora. E depois o cidadão pegou uma Mãe de Santo e fez um trabalho lá para que isso acalmasse. Aí, eles reclamam, os pescadores diz assim: depois que fizeram esse trabalho aí, que fizeram aqui, a produção de peixe, de camarão, diminuiu”. Então, tem muitas e muitas coisas, que eu te digo, se convive. E o que é novidade, o que é admiração, às vezes é natural para muitos. Então, as comunidades, as pessoas que estão ali, vê, ou finge que não vê, faz de conta que não viu. E convive o dia a dia e todo mundo se respeita.
P1 - E a Ilha do Medo?
R - Ilha do Medo tem muita história também. Espero que vocês vão poder conversar com alguns pescadores de lá, ou que estão mais lá próximo. Que está bem aqui, próximo.
P1 - É próximo daqui?
R – É.
P1 - Assim como a Ilha do Caranguejo?
R - A Ilha do Caranguejo é mais distante. A Ilha do Medo, a gente passa aqui perto do Porto da Espera e tu vai olhar ela bem do outro lado, assim. Entendeu? A Ilha do Medo está bem perto do Porto da Espera, onde se pega o ferry boat para ir para o outro lado do continente, para o município de Alcântara.
P1 - E você limpa o peixe, faz tudo, desde a pesca até ….
R – Sim. Até comer o peixe.
P1 - Até comer o peixe. Tudinho.
R - Sim.
P1 - Você tem alguma parte que você mais gosta desse processo todo?
R – O melhor do Peixe é comer o peixe. Uma coisa e tu pegar um peixe, que muitas das vezes a gente está pescando um peixe, e às vezes a gente... Peixe fresco, tá pegando peixe ainda vivo, abrindo ele, limpando ele. Que aqui a gente chama muito a questão de limpar, consertar o peixe. Então, é uma língua muito tradicional do Maranhão. Aí, a questão das melhores e que você está comendo um peixe fresco. E uma vez, a gente saiu numa das coisas, pescando junto com os amigos, e a gente pegou um peixe e tal, e resolvemos assar o peixe. É aquele ditado, com o tempo, com a idade, com as vaciladas, que a gente aprende a viver. E tinha lama na praia, tinha areia e tal, e nós achamos que o melhor lugar para fazer o fogo, para assar o peixe, fazer a fogueira lá e fazer a brasa para assar o peixe, era em cima de umas pedras que estavam lá, um bocado de pedra e tal. Então, fizemos o fogo lá em cima das pedras, e quando as lenhas lá, a madeira queimou para fazer o carvão para assar o peixe, quando a gente bota o peixe na brasa para assar, que ele já está assando, na hora de tirar da brasa, a gente não conseguiu tirar da brasa. Porque as pedras começaram a dar tiro. Aí, ninguém podia ficar perto. Quer dizer, as pedras salitradas, o calor do fogo grande, e quando chega aquele ponto, ela começa a pipocar, dar tiro de todo lado. E o resto era a gente ficar de longe olhando o peixe acabar de queimar e sem poder comer o peixe. Porque a experiência de saber que a gente não poderia fazer fogo para assar peixe na pedra, ainda mais salitrada. Então, isso ninguém disse pra gente. Daí dá para entender porque que a gente quando vai fazer um fogão para poder ir pescar, ou bota a lama da maré em cima de um coco velho, ou em cima de uma tábua, e faz tipo um fogareiro ali, com lama da maré. Porque você sabe que a lama não vai pipocar, não vai dar tiro. Então é seguro. Então o mais seguro é fazer onde tu pode pegar um barro que depois ela vai ficar tipo uma louça ali moldado, e aí poder acumular numa forma moldada de um fogareiro, para poder acumular brasa e assar o peixe com mais segurança. Então, são coisas que a gente aprende no dia a dia. Faz como diz: “ macaco velho, não mete a mão em cumbuca.” Precisa aprender.
P1 - Tem outras histórias assim?
R - Mas são tantas, que são banais, que a gente não consegue lembrar. Mas, são muitas assim. E uma das histórias da vida, como eu te disse, às vezes, tu corre de uma coisa, porque tu não conseguiu ver, observar.
P1 - Como assim?
R - Uma vez eu estava pescando junto com outro amigo meu, ali perto do Itaqui, e era uma noite de lua, estava arrastando camarão. E a gente começa a ver a lua bonita, vendo um negócio por cima da lama, do lavado que tinha. E aquela questão de voando, de ver por cima que não estava andando, mas que ia numa velocidade, acho que de 10, 20 quilômetros por hora, muito rápido. E era uma coisa que a gente viu assim, branco e numa hora fazia um formato de um jeito, outra hora formato de outro. E aquele negócio se aproximando. A gente olhou um para a cara do outro. “Rapaz tu tá vendo o que eu tô vendo?” “Estou!” “Bora embora daqui.” Nós saímos, viemos embora. Não sabemos o que era, sabemos. Tem hora que parecia um fusca, tem hora que parecia um caixão, tem hora que parecia um avião, tem hora que parecia uma pessoa grande. Aí, viemos embora. Um tempo depois, eu estava de novo no mar. Noite de lua também bonita, era uma canoa. Eu vi essa minha situação, se aproximando. Eu disso: “Aqui não dá para correr. Tem que ficar e ver o que é.” Quando eu pensei que não, que foi passando perto de mim, era um monte de garça, voando a noite, e de acordo como elas fazem a forma, tu vê o formato de uma forma que tu vê de todos os jeitos. Que umas às vezes faz aquela coisa, que umas vão para frente, faz tipo uma asa de um avião, tem outras que estão por cima, outras estão por baixo, e tem outra que tão... Aí, tu vê, a tua imaginação de coragem, ou de medo, tu vê que se tu não parar para observar o que que tu tá olhando, tu vai sair correndo e contando história. Que nem se diz, história de Trancoso. Então, às vezes, na vida é muito isso. Correr, mas correr de quê que eu tô correndo? Que foi que eu vi de fato? Que foi que me botou para correr? É preciso ter muita certeza do que a gente vê. Porque às vezes a vista da gente não é como a mente. A mente da gente não mente, mas os olhos e a boca mentem. Os olhos veem e a boca fala aquilo que às vezes não é real o que ele viu. Às vezes, ouve coisas e vai falar coisas que ele não ouviu direito, e sai falando coisas, difamando um, mentindo, fazendo um monte de situações.
P1 - Clóvis. O mar tem segredos?
R - É muitos. Tem muitos e muitos segredos no mar. O mar tem tanto segredo que tem uma história que diz assim: não precisa ser pescador, nem conhecedor de histórias... Como diz, hoje o planeta Terra diz que conhece mais do espaço do que do fundo do mar. Tu vai buscar vida em outros planetas e muitas das vezes não consegue saber quantas vidas tem no fundo do mar, quantos segredos tem no fundo do mar. Tem um ditado que diz assim: O mar não quer nada morto. Para tu vê, tudo que morre no mar, ele joga para a beira da praia. Seja com o tempo, seja quando for, mas vai aparecer. Todos os peixes que morrem no mar, vem para a beira da praia, eles não ficam no mar. Ou ele é comido por algum outro peixe, por um outro ser vivo, ou ele vem. Alguns se acumulam no mar, se transformam em corais, são enterrados, mas geralmente o mar não quer nada morto nele. O tu é alimento de quem está vivo, ou não serve, joga fora.
P1 - Você deixa os seus segredos no mar?
R - Eu não vou te dizer que deixo segredos no mar. Mas que têm segredos que são do mar e têm segredos da vida, conhecimento quer às vezes não se deve falar, até para se preservar. Então, tem muitas coisas que são... Precisa saber o que é quem, e para quem.
P1 - Mas assim, pergunto isso... Tipo, num dia difícil, você recorre ao mar para se... Você falou de limpar a cabeça, isso acontece com você ou não?
R - Às vezes sim, às vezes não. Porque, às vezes... Existe uma coisa que... Uma coisa é tu está materialmente em um local. Outra coisa é tu estar espiritualmente onde tu quer estar. Teu espírito não tem fronteira também não. A distância de onde tu tá, isso é o mínimo, assim. Tu não precisa de recurso para ir espiritualmente onde tu quer estar. Que tu precisa recorrer. E não precisa do tempo, porque isso é muito rápido. A espiritualidade é uma coisa que em questão de segundos você pode estar em lugares e imaginações que não se imagina. Ainda é muito isso, a vida.
P1 - Tem algo mais sobre a comunidade do Cajueiro, pensando nessa preservação dessa história oral, que você queira deixar registrado? Pensando nessa história mesmo, dessa comunidade, a importância dela, dessas pessoas que estão lá?
R - A importância das pessoas, elas têm que se dar para todo mundo, que a comunidade, ela não é simplesmente uma comunidade, mas sim um território de várias comunidades, e que estão bem... Tá a Ilha da Boa Razão, a Ilha do Medo, o Porto do Itaqui, o Porto Grande, que está todas essas outras comunidades ali no entorno. E como eu falei ainda agora, o Maranhão é um Estado único, da Maré, da alteração, de Alcântara e também do Porto do Itaqui. O Porto do Itaqui talvez seja o único lugar no mundo onde o Capital, o Estado, a EMAP e a Vale, eles recorreram a Pai de Santo para que as coisas pudessem dar certo no Porto. E que não é um recurso barato que eles pagam. Fazer esse ritual lá, entrar lá no Porto, tu vê a estátua lá da Iemanjá, e ver as questões. Então, não é uma questão de um território. É isso, o Estado...
... Então, foi o único lugar do mundo que fizeram isso. Existe aquela questão que as comunidades, é uma questão só material, econômico e de empreendimento. É uma questão de espiritualidade. É uma questão de se dar, de quanto se está. É que muitas das vezes tu avança pela ganância do dinheiro ou de um emprego, e muitas das vezes tu vai te dar mal lá na frente, porque isso é uma questão de espiritualidade. E o porto do Itaqui para ser construído, eles tiveram que pedir essa licença, tiveram que fazer isso. E parece que eles esquecem de cada dia que estão fazendo, como que acontece em cada comunidade. Então, as pessoas precisam se entender, conhecer e não esquecer do que já houve no passado e do que houve no dia a dia. Porque isso tem importância. E muitas das vezes tu tem uma ganância do dinheiro, e muitas das vezes tu vai te dar mal lá na frente, porque tu fez coisas que não deveria fazer. E todo mundo sabe que dinheiro é vendaval. Então, nós sabemos que teve muitas e muitas pessoas que já venderam lá no Cajueiro, que depois não usufruiu. Até pessoas que já morreram, que já aconteceu um monte de situações. A coisa mais importante é que cada um tenha respeito pelos outros. Quem quer ter seus direitos, que queira negociar, mas que respeite o direito do outro. Que não tenha a mesma vocação para vender. Que respeite a espiritualidade um do outro. Que respeite o apego pela comunidade ou pelo local, ou pela questão do ambiente, pela sua profissão, que vive daquilo ali, da pesca, ou do extrativismo, ou seja lá como for. Isso é interessante. E muitas das vezes tem pessoas que não vieram, não são raízes dali, que vieram depois, e que vieram para especular, e que querem vender a qualquer custo, que querem pressionar para o outro poder vender para ele, ou negociar, ou ceder para ele, porque ele quer se dar bem na vida. Porque ele fez um investimento para ganhar dinheiro e acha que o outro está atrapalhando a vida dele. É muito isso.
P1 - Como foi para você ter que sair do Cajueiro?
R - Eu não vou te dizer sair do Cajueiro. Eu tive que me ausentar um pouco, me afastar. Porque aquela história, às vezes, tu recolhe uma batalha, mas não sai da guerra. Então, para mim foi muito isso. Eu ainda não vou te dizer, eu saí. Eu dei uma recuada para poder, as novas estratégias de luta, as novas visões, rever quem são os conceitos de aliados. Porque muitas das vezes, a gente vê que não é a quantidade, é a qualidade. Como se vê a história, que às vezes tu tem muito, e de repente tu não tem nada. E muitas das vezes se vê isso. Como a história de um filme que eu assisti, de um cara que ele, lembro agora o nome dele. Que ele se posicionou, parece que foi numa igreja, ou foi num castelo, que era na fronteira da Espanha, parece que com Portugal e França, naquela tripla fronteira. É muito conhecida essa história, que é fato reais. Aí, quando ele está junto com outro, se planejando para ficar estrategicamente ali, para não deixar algumas tropas avançar. Aí, começou… um outro amigo dele disse: “Ó, nós conseguimos uns 30 homens para poder enfrentar um exército de quase 2.000 homens.” Ele disse: “Eu já tenho um exército, eu não pensei em 30, eu pensei em três.” Então, muita das vezes não precisa ter grande quantidade. E ele conseguiu vencer. Conseguiu vencer, embora ele morreu, mas só ficou uma das pessoas que estavam com ele, dos 30. Mas eles ganharam a guerra. Então, muita das vezes... História de luta e de experiência, a gente tem uma outra comunidade aqui, que foi quando na década de 80, quando a Alumar chegou, uma comunidade chamada Arraial. E na comunidade do Arraial, todo mundo foi pressionado pela Alumar, para vender, para sair, para ir embora, porque a Alumar queria comprar as terras, queria fazer isso, queria fazer aquilo. Mas teve um cidadão que disse que não se vendia, que não se rendia. E ele ficou. E o nome dele era Indiano, ali no Arraial. E a resistência dele fez, ele nunca saiu, nunca cedeu, nunca vendeu. A empresa não conseguiu tirar, ele ficou lá, o único pescando, algumas pessoas iam buscar o camarão dele, o peixe dele e tal. Ele ficou a referência lá. E com o tempo, depois, as pessoas retomaram a comunidade. E hoje a comunidade existe, hoje é um assentamento reconhecido pelo ITERMA, todo mundo. E tem uma comunidade hoje bem grande, bem bonita, e de produção de peixe, de camarão. E que seguiu pela resistência de uma pessoa. E que não tinha grandes aliados. Então, muita das vezes... Busca ser um herói? Não? Mas se busca não ser covarde. Me respeite, não viola o meu direito. Se o outro cedeu, problema dele. Quantos nós somos e pouco que nós somos, mas é muito melhor estar com poucos, do que está com muitos covardes, e muitas das vezes pela traição. Então, esse é o exemplo que muitas das vezes eu acredito que em uma luta de resistência, como exemplo para a comunidade Cajueiro, que embora meu pai vendeu a área lá e voltou para Alcântara, para Raimundo do Sul. E eu ainda estou. Não foi uma coisa que a empresa fez do jeito que queria. Eu acredito que ele foi exemplo. Nós, fomos exemplo de quanto nós dizia, de quanto os valores eram importantes, do que valia aquela comunidade. O que vale como Vale. Empresa com advogados poderosos, com o Judiciário que a gente sabe como é fragilizado aqui, embora não tenha prova para se provar a corrupção do Judiciário brasileiro, que é difícil. Mas que há indícios de muitas e muitas coisas de juiz ter tendenciosos, que a gente sabe que isso tem acontecido muito. E que é uma história triste desse país. Que o mundo diz assim: o Brasil é uma casa de imoralidade, de quem não tem vergonha na cara. Porque como é que quem é para dar exemplo. Dá exemplo da impunidade. Como é que um juiz, depois de ser ladrão, de ser corrupto, ele é compensado pela aposentadoria compulsória? O desembargador? Como é que pode? Ele era o primeiro para dar exemplo. Se o cara da casa que fez isso, que está ali dentro, que eles poderiam investigar, fiscalizar um ao outro, ele era para ir para a cadeia, devolver e perder salário. Não ter esse privilégio… Então, significa que isso é uma falta de vergonha na cara. Tu não pode dizer que o Judiciário brasileiro é a moralidade desse país. É a imoralidade e a falta de vergonha na cara. Porque se fosse o juiz estava era na cadeia. Ele não estava recebendo salário com aposentadoria compulsória. Hoje, essa briga que tem de político, de câmara, de Senado com Judiciário, que é duas imoralidades. Político querendo se privilegiar para não ser punido, para não ser preso. Qual é a moral que tem? Cadeias e penitenciárias cheias de analfabetos que nunca vão conseguir emprego e que apela para o mundo do crime. Onde o cara que o Estado pagou toda uma história para ele de educação, ele é o mesmo criminoso, e dos mais desumanos que existe na vida. Isso é vergonhoso. Para quem tem vergonha na cara. E se vê, quanto maior o poder… Empresas que têm, que era para chegar e fazer a coisa certa, se alia a esses grupos também. Aí tu tem políticos, judiciário, empresários de Estado e de governos e prefeito na mesma situação, nem sequer procura respeitar cada comunidade para ver o que tem que ser feito, cumprindo suas obrigações que qual eles botam no papel e não respeitam. A própria lei que são construídas, que é para ser feita, eles mesmos são os primeiros a não cumprir, a não respeitar. Isso é triste ver essas coisas assim. E muita das vezes as pessoas dizem assim: esse país não tem jeito. Eu disse: é, mas o nosso país ainda é uma criança perante a muitos e muitos países subdesenvolvidos, que tem mais de 2.000 anos ou que tem 1.000 anos, e que hoje a história é outra, países de primeiro mundo. Passaram por muitas e muitas situações. Onde muitos e muitos falam, às vezes, do socialismo, do comunismo, porque não presta. Às vezes, quase todos os países comunistas são muitas das vezes capitalistas também de um poder econômico também concentrado. Mas quando tu fala num comunismo tu diz assim: porra, mas num país como a Indonésia, que é comunismo, não sei onde mais. Mas lá não tem tráfico de drogas, lá não tem roubo, não tem facção. E às vezes tu vê muitas e muitas coisas numa democracia. E que também o Judiciário começa pela corrupção e, às vezes pelo próprio político a corrupção. E que virou terra sem lei. A gente precisa olhar que nenhum dos dois, às vezes, nem o capitalismo e nem o comunismo, estão 100% certo, ou 100% errado. Mas é necessário olhar um pouco de cada um que deu certo e que deu errado. Porque hoje a gente vê que nem partido de direita, nem de esquerda. É um jogo de interesse. E que às vezes é vergonha. A gente vê companheiros nossos que estavam ali, que cresceram e que foram. E que a gente vê se submetendo a cada situação, e às vezes, atropelando um amigo, um companheiro, porque ele quer continuar naquilo ali. Ele não conseguiu também mais crescer, nem sair daquele vício de estar ali. Eu costumo dizer para alguns amigos nossos, que para a gente poder ter coragem, a gente precisa não depender desses caras. Depender deles, é não depender de um partido político, é não depender de um emprego deles. Mas sim ter a nossa estabilidade, sem depender de um emprego. Sim garantir a nossa estabilidade como comunidade, como trabalhador e ter nossa renda, sem dependência desses caras. Uma das coisas que eu vi muito quando eu produzi camarão de grande escala, que eu ainda estava bem mesmo no foco da pesca mesmo. E que eu observei assim, por que não tem interesse de melhorar as feiras? A gente sabe que quando as comunidades tradicionais produzem seu próprio alimento, ela não só está produzindo seu alimento, tendo sua autonomia de se sustentar, e não precisa ir para o supermercado comprar. Mas ela está competindo com o supermercado, competindo com ela, ela vendendo o seu produto. Então, ela vai para uma feira vender esse produto. E muitas das vezes, quando ela chega na feira, tu está num lugar sujo, imundo, sem nenhum cuidado do estado, do município, que é quem cuida das feiras ou que deveria cuidar. Para dar condições daqueles produtos dos trabalhadores, das comunidades tradicionais, botar um produto num lugar higiênico. E quando a gente vê, em volta de todas as feiras dos bairros, que por mais que tenha sido ocupação desordenada, eu não vou te dizer invasão, às favelas, ou periferia, como se diz. Lá ao lado dessa feira surgiu, não um supermercado, mas redes de supermercados que vieram para competir com a feira. Nenhuma feira dos bairros dessa cidade ou desse país surgiu ao lado de um supermercado, porque o supermercado estava ali, “vamos botar uma feira do lado.” Porque o supermercado não aceita, em primeiro lugar.
Então, a gente vê a forma que o Estado é omisso, que o Estado não quer construir, que o Estado não quer dar fortalecimento, principalmente no Maranhão. A falta de política para o cidadão produzir, e às vezes, muita das vezes, quando ele quer produzir, nem o próprio Estado quer receber o produto dele, porque ele não tem o CIC do selo de produção. Que ele tem que ter aquilo para poder vender para o Estado, para merenda escolar, para educação, para aquela coisa toda. E muitas das vezes não consegue ir para o supermercado, botar no supermercado, porque ele tem que ter uma nota fiscal. Aí, ele deixa de ser assegurado especial. Como é que ele vai se organizar? O Estado não está aí para essa produção, para trabalhar esse direcionamento desse trabalhador rural. Ele não trabalha nas condições dele melhorar a produção, ele não trabalha a questão do desembarcar ou da logística dessa produção, do escoamento com a melhoria da estrada, com beneficiamento e alojamento desse produto. O Estado não está aí para isso. O Maranhão poderia ser um celeiro de grande produção, que ele tem todos os biomas, com terras férteis, muita água. E não um território que é seco, como o Piauí, o Ceará ou outros estados. Mas a falta de política do Estado, que sabe que o que o cidadão come no dia a dia, não é a soja, mas sim comidas e alimentos que vêm de trabalhadores rurais, que vem de pescadores artesanais, que vêm do extrativismo. E onde é que está a política do Estado para essas pessoas? O que o Estado tem pensado nessas políticas? Quando faz o mínimo, insignificante, ele faz uma propaganda imensa para poder... Talvez o dinheiro é mais gasto na propaganda dele, com essa migalha que ele fez, esse projeto pequeno, do que os investimentos para as comunidades poderem simplesmente adequar e melhorar.
P1 - Clóvis, hoje você está no sindicato e você continua atuando como pescador? Como que é?
R – Hoje, não pela ocupação simplesmente dos sindicatos, mas por uma questão que eu passei na questão de luta, de segurança de vida, até por algumas ameaças. Eu passei por muitas situações, assim. E isso é bem difícil. Mas ainda, de vez em quando, eu estou indo em algumas outras comunidades, ainda pescando, estou vendo a produção, eu estou fazendo isso. E uma das coisas que eu queria complementar ainda, que nesse país de grandes projetos, que a gente começou até chamar em determinado momento na pesca, “das grandes baleias brancas.” Neguinho chama assim, os elefantes brancos. Nós temos terminais pesqueiros, como no Porto Grande, comunidade que vocês devem visitar, que ficou em hóspede, acho que no Brasil inteiro, que endividaram um monte de pescador, que fizeram um monte de coisas, e que nunca funcionou de fato para pesca. E também teve uma coisa que já quando criado Ministério da Pesca, teve umas coisas chamada CIPA, que eu não sei se nesse país está funcionando algum. Mas eu ví muitos e muitos CIPA, Centro Integrado, parece, de Beneficiamento e Armazenamento da Pesca. Foram todos destruídos antes mesmo que começasse a ser trabalhado, por falta de políticas, de estrutura, que os locais que foram construídos, onde não devia. E que na época, projetos desses, que foram mais de 5 milhões. Então, a gente via muitas e muitas dessas situações, é que às vezes deixa a gente triste. E dentro dos sindicatos, dentro das organizações que a gente vê, que às vezes, a questão do produto, do beneficiamento, às vezes, estão inseridos em várias outras organizações, que às vezes, a gente ainda não conseguiu, por falta também dessas estruturas, de ter um Porto melhor, de ter uma área de beneficiamento melhor, de trabalhar essa questão da produção. Isso aí ajuda muito a gente também. Como estar mais perto da produção de fato. Isso a gente precisa muito ainda discutir. E para isso, a gente fazer essas políticas, é muito complicado, porque às vezes a gente precisa de uma coisa, de uma parceria, que chama-se academia, e muitas das vezes é difícil da gente achar essas parcerias, para a gente construir esses projetos, construir esses diagnósticos. A gente precisa ter escala do que está produzindo, da questão de meio ambiente ou de beneficiamento, de demanda. Para se montar um projeto precisa de muita questão técnica, e muita das vezes a gente não tem essas questões técnicas. E uma das coisas que me fez vir para dentro do sindicato, foi isso, foi ver essas políticas que não tinham, que se vê do impacto dessas empresas, que às vezes, não depende do Estado. Mas sim, se a gente fizer com que essas empresas paguem. Mas para isso a gente tem que ter esse diagnóstico, e muitas das vezes a gente se ocupa muito no dia a dia. E muitas das vezes, quando a gente vai ver da vida da gente, a gente está mais ocupado nas burocracias, nas dificuldades, nos desafios do dia a dia, para poder ver se consegue organizar uma categoria. Aí, não é fácil.
P1 - Quais são seus sonhos?
R - Não desistir da vida. Lutar até quando der. Aí tu diz assim, um dia vai virar vitória? Não. Nunca para aqui, uma vitória, uma conquista. Consegue essa aqui, amanhã tem outro, amanhã tem um desafio, tem um desafio. Então, nunca desisti de lutar. Isso é o grande sonho da vida. Trabalhar para uma evolução melhor, sempre, a cada dia mais. Porque quando se vence uma coisa, aparece mil desafio depois.
P1 - Como foi a pandemia aqui?
R - Foi bem difícil. Na época foi bem cruel. E uma das coisas que era bem complicado, que a gente viu que muitas das vezes, tinha dois lados da coisa. Que muitas e muitas outras pessoas receberam cesta básica, tiveram aquela colaboraçãozinha. E muita das vezes era difícil de vender o produto, era difícil de sair para fazer. E pescar, às vezes, estava mais seguro, e onde muitos, muitas vezes procuravam a mesma área, porque achava que estava mais seguro. Então, não foi fácil a pandemia aqui.
P1 - Você gostaria de falar mais alguma coisa? Acrescentar algo que eu não tenha te perguntado e que você acha importante ter aqui registrado? Ou deixar alguma mensagem?
R - Acho que a mensagem, acho que é mais prático. E muitas das vezes... A coisa às vezes parece prático, mas às vezes não é tão eficiente quanto pode ser. E às vezes, quando é prático, é por causa que tem uma eficiência junto. Mas a mensagem é essa, de que eu tenho visto muito, que muitas pessoas nesse país, vira cada dia um assistencialismo no país, para as pessoas não pensarem no futuro delas, quando envelhecer. Isso eu observei muito. Cheguei no sindicato, eu tenho visto muito isso, que muitas das vezes as pessoas vão vivendo no imediatismo do dia a dia. E se vê em outros países, talvez quando a pessoa já nasce, já pensa no primeiro passo, na faculdade, em segundo já como vai ser futuramente para se aposentar, isso. E esse país parece que não pensou ainda nisso, ainda mais nas comunidades tradicionais. Como pensa na sua educação. Como vai pensar futuramente, depois da sua formação profissional, e como vai pensar na questão futura, previdenciária, como é que vai ser?
Eu tenho dito, que o Brasil, ele precisa de algumas coisas que não estão e que precisam ir para a sala de aula. A questão do meio ambiente, a questão de aula de trânsito, e a questão previdenciária desse país. As pessoas precisam entender do que eles precisam para garantir seu futuro. Que se tu ir ver, talvez esse país vai viver muito vivendo de pensões, de Loas, dessas coisas, por não conseguir, talvez, futuramente, se quer provar uma profissão junto a à Previdência. E muitas das vezes, teve uma profissão, e depois essa profissão deixou de ser inóspita para ele. Não conseguiu se adaptar em outra profissão, não conseguiu mais trabalhar, não conseguiu voltar para o território. E às vezes, trabalhar como trabalhador, fazer qualquer outra atividade. E muitas das vezes é um perigo. Porque muitas das vezes as facções estão aí, a gente não sabe do que é possível neste país daqui para frente, se não se trabalhar isso. Isso é preciso que a gente tenha a responsabilidade de deixar essa mensagem para cada um. De um povo brasileiro não ser mais imediatista e pôr na cabeça que hoje a política não está para se ter paixão por ninguém. Nem pelo um lado nem pelo outro. Que são muito estratégicos de mudar dinamicamente a cada momento. Sabemos que é menos ruim ou que é mais mal, ou que é mais possível. Então, a gente sabe que existe a questão de quem somos trabalhadores. E sabemos quem é a indústria, quem são os ricos e qual é o interesse deles. E sabemos daqueles outros que hoje estão. “Eu voto para quem me pagar mais.” E esse terceiro grupo é o pior que tem. Porque muitas das vezes o rico, ele tem que ter uma ética para poder respeitar, para poder fazer. Um dia uma pessoa me perguntou se eu confiava num determinado advogado, eu disse: não se trata de confiar em um advogado. Se tu pegar um advogado que não conheça a causa. Procure um que conheça. Agora procure entender de quem tem respeito ético pela profissão que ele tem. Uma ética de profissão. Se ele já respeita a organização dele, a carteirinha dele, a profissão dele, já é alguma coisa. Agora, quem não está nem aí, e que vai pra quem paga mais, sem um pingo de respeito, de escrúpulo. É bom ficar atento. Simplesmente por se identificar naquela situação, já não dá para dizer assim: não…
P2 - Senhor Clóvis, aproveitando que o senhor falou de advogado, o senhor comentou antes, que a questão do Defeso aqui em São Luís, qualquer advogado pode questionar. Explica um pouco para gente como funciona?
R - É como eu falei até um pouco antes, que antes, o Seguro Defeso, ele começa um período sendo feito pelo Ministério do Trabalho. Depois ele passa para a Previdência. Era feito ou pelo Ministério do Trabalho ou pela Secretaria de Trabalho, Emprego e Renda do Estado. Isso poderia ser feito por esses aí. E a carteira da SEAP, quem fazia era a EMAP, na época, a Secretaria de Pesca do Município, a superintendência. Então, quando esses faziam essa carteira, e que não era as colônias, nem o sindicato, nem a associação que fazia. Não tinha a figura do advogado. Aí, depois que sai do Ministério do Trabalho, que sai da Previdência, é que entra aí para as entidades fazerem. Tinha um monte de funcionário que saiu do Ministério do Trabalho, talvez ligado à própria Previdência, e criaram um monte de associações, e saíram fazendo filiação, saíram fazendo Seguro-Defeso para todos os lados, cobrando aí coisas absurdas de todo tipo de nível de história, se vê. E como eu disse, aquilo que parece barato sai caro. Que o Estado achava que ele não deveria fazer, porque era caro para ele deslocar funcionário, fazer isso e aquilo outro. Talvez o bolo de neve da quantidade de pessoas que não deveria receber, que estão recebendo, se tornou muito maior do que se ele tivesse investido no quadro, fortalecido o Ministério do Trabalho, a Previdência, a estrutura da Superintendência de Pesca, para poder ver as carteiras com mais questão técnica e responsabilidade, que não fosse uma questão de assistencialismo. Eles teriam mais controle e não tinha entrado esse monte de advogados para fazer. Pegasse cada entidade de pescador, de quem de fato, de direito, representa a categoria dos pescadores. Quem são as entidades, órgãos de representação de classe? Cadastre isso junto ao Ministério do Trabalho. Procuradoria do Trabalho, investigue cada situação, veja se aquela organização, ela está sendo totalmente correta, se ela está seguindo os parâmetros éticos de uma organização com todas as situações, se não tem esquema de corrupção dentro daquela organização.
Precisa muito do Ministério do Trabalho, precisa muito da Procuradoria do Trabalho, fiscalizar essas organizações. Se não for feito assim, a Deus dará, simplesmente para fazer politicagem. Nunca vão conseguir corromper. Que é aquela história, como eu te disse, para a gente poder chegar em uma questão de um processo, a gente precisa ter todo um diagnóstico. Um dia um cidadão me perguntou, lá no Cajueiro, se era possível... Que eles começaram, o Estado, a fazer um cadastro. Ele disse: é possível que o Estado não faça Fulano e Beltrano? Eu disse: não, eles vão fazer todo mundo. Agora, não significa que todo mundo, eles vão te reconhecer. Pra ti ser reconhecido em um processo, ou como seu legítimo direito, ou como não tendo o direito. Tu precisa em primeiro lugar existir. Se tu não existe, ele não vai poder te processar. Ele não vai poder dizer que tu não tem direito. Chegar e derrubar a tua casa. Como é que ele vai derrubar a tua casa, se não tem uma reintegração para ti? Porque tu não existe, tu vai ficar intocável. Para ele poder ter o direito de abusar do teu direito, tu precisa primeiro lugar existir. Ele precisa te cadastrar, ele precisa que tu exista, o primeiro ponto. Isso o Estado tem que fazer com a questão das entidades, para combater essa questão dos advogados. Quem de fato, de direito, representa o pescador? Quem de fato, de direito, é órgão de representação de classe? Uma classe de trabalhadores da pesca. Isso precisa do Ministério do Trabalho, da Procuradoria do Trabalho.
P1 - Você contou que o seu pai foi um dos fundadores do Cajueiro. Então eu vou entendendo que é um homem de muita luta também.
R - Ele não foi um dos fundadores do Cajueiro. Porque os primeiros fundadores já tinham uma história de uma princesa que chegou no Cajueiro, africana, lá na década de 800.
P2 - É da Associação dos Moradores, né?
R - Ele foi fundador da União de Moradores, que depois de um tempo, quando a gente retoma para a reconstrução, aí ele recomeça a vida ali, onde... A comunidade do Cajueiro também teve um ponto interessante, numa época, que como todas as histórias, que se tu ir ver, tem um igarapé que fica entre Cajueiro e Porto Grande, que se chama Igarapé do Arapapaí, que é conhecido como Igarapé do Furo. E esse igarapé, ele era para... A cabeceira deles ia interligar com a Bacia do Bacanga. E de lá começaram fazer esse igarapé, interligando esses aí, com a mão de obra de escravos, cavando uma vala, um igarapé, para emendar os dois igarapés na enxada. Por isso que ele tinha o nome de Igarapé do Furo. E muitas e muitas dessas coisas de São Luís, de coisas para fugir do Estado, e como era, tinha a questão do contrabando, tanto para negros, que precisava fugir, quanto algumas coisas para fugir da coroa. Um monte de coisa para… Do sal, na época, que tinha importância. E isso veio vindo numa série de situações, com o tempo. E também, essas comunidades, como Igarapé do Furo, Parnauaçu, Cajueiro, teve uma época que tinha muitas fábricas de… Na Praia Grande tinha muito isso, de óleo de babaçu, lá era muito forte o babaçu, a produção do babaçu do Maranhão. Tinha a fábrica de óleo de babaçu. E cortavam muito a lenha de mangue para poder fazer, aquecer as caldeiras e fazer isso. E também muitas e muitas que vinham da Baixada, tinha muito gado que vinha, que desembarcava nessas comunidades, às vezes, fugindo de fiscalização. E muitas das vezes tinha gado que, às vezes, eram roubados do campo, era coisa. Então, teve toda uma história com isso que vinculou a comunidade de Cajueiro, do Parnauaçu. E foi uma época que teve algumas prisões de algumas pessoas que estavam lá, porque era combater esse contrabando, era combater isso. E teve a morte de uma pessoa lá, de uma... De três pessoas, que foi de um senhor e os dois netos dele, que foi ali perto da Camboa dos Frades, com a comunidade. Foi parar na comunidade e prenderam várias pessoas. E quando a gente chegou em 1979, em dezembro 1979, a comunidade, de muitos que tinham ido embora de lá, por essa razão, que a polícia começou a bater em cima, e algumas pessoas viviam também desse contrabando, saíram. E a gente chega, começa a reconstrução da comunidade. Talvez uma retomada da comunidade. Então é como às vezes eu digo, a comunidade do Cajueiro, do Parnauaçu, ela teve várias etapas de reconstrução. Que foi na época da africana, da negra, depois a época desse contrabando de gado, essa coisa toda. E talvez agora, talvez uma terceira, que talvez vá consolidar a comunidade, ou vai destruir a comunidade. Que vai ser ou para a comunidade permanecer de fato como comunidade tradicional, ou vai ser uma nova época de empreendimentos dentro daquela comunidade. Então, é uma terceira etapa que vai consolidar, ou com empreendimento, ou com a comunidade permanecendo com sua história já de muitos e muitos tempo de povo tradicional.
P1 - Você gostaria de falar mais dos seus pais, assim, o jeito deles? Não?
R - Não.
P1 - Então, para a gente encerrar. Tem mais alguma pergunta? Como foi para você, dividir um pouco da sua história com a gente hoje? Lembrar de tudo isso? Compartilhar com a gente essa história de luta, da pesca.
R - Eu já participei de muitas e muitas entrevistas, assim, documentários assim e tal. E aqui eu tenho muitos e muitos documentos de arquivos, ainda que eu precise até, às vezes, encadernar, organizar tudo. Até como eu falei antes para vocês, estou com uma ideia de escrever um livro. E foi mais ou menos boa. É uma outra história, que tu falou da comunidade, da história do meu pai. Uma parte que está ali embaixo daquelas madeiras que estão ali, foram as madeiras que vieram do sítio do meu pai, de onde o meu pai se mudou, e a gente pegou algumas madeiras, que são jaqueiras. Como iam ser derrubadas mesmo, ele pegou e tirou. Que aí, a gente vai construir alguma coisa de móvel, que vai ter na lembrança, que não foram árvores, que as pessoas, que a gente comprou, que foram dadas. Foram árvores que foram plantadas pela família, cultivada pela família. É uma coisa que vai ficar para o resto da vida da gente, e vai ficar para alguém aí futuramente. Então, tem muito isso. Então, é muito essas histórias assim, que está sempre contando uma história, é importante. E é assim. Sempre foi.
É como eu espero daqui com vocês, que não seja cortado o que eu estou falando, é que, embora que alguns momentos de emoção. Porque muitas das vezes, na luta do Cajueiro, de muitos e muitos conflitos, a gente deu muitas e muitas entrevistas, e quando a gente esperava que a matéria ia sair no ar, ela não saía do jeito que a gente tinha falado, era distorcido, era cortado. Às vezes, aparecia a imagem, às vezes, às falas não apareciam. E isso a gente sabe até do porquê dessas situações, que… É difícil da gente… E muitas das vezes julgaram a gente fraco, pequeno e que muitas das vezes a gente quebrou fronteiras que eles nunca pensaram. Que quando o projeto de um Porto, começa em 2014, que ele já queriam em 2018 estar com o Porto instalado. E de 2014 para 2025, já tem mais de dez anos. Então, o Flávio Dino, achava que ia instalar o Porto no governo dele. Passou o governo dele e ele não instalou o Porto. Está no governo de Brandão, já terminando, ele não instalou o Porto. E muitas das vezes, para quem parecia a gente sem recursos, sem condições, sem estrutura, brigando com todos os gigantes nacionais e transnacionais, empresas da China e de outros países com interesse de instalar um porto na nossa comunidade. Interesse do Governo Federal, interesse do Judiciário, interesse do Governo do Estado, do município. E a gente, simplesmente uma comunidade, conseguiu resistir e conseguiu enfrentar.
P1 - Você topa nos levar lá para Cajueiro? Sim. Obrigada. Obrigada.
P2 - Obrigada. Seu Clóvis.
P1 - Obrigada.
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