Projeto Vale Memória
Depoimento de Thiers Manzano Barsotti
Entrevistado por Rosana Miziara e José Carlos Vilardaga
Rio de Janeiro, 20 de outubro de 2000
Realização Museu da Pessoa
Entrevista CVRD_HV075
Transcrito por Cristina Eira Velha
Revisado por Fernando Martins
P/1 - Eu queria começar pedindo para você falar o seu nome completo, local e data de nascimento.
R - Thiers (Manzano?) Barsotti. Eu nasci em São Paulo, capital, 29 de julho de 47.
P/1 - E seus pais são de lá?
R - O meu pai nasceu no interior de São Paulo e a minha mãe na capital, em São Paulo.
P/1 - E avós, fala um pouquinho a descendência.
R - Parte do meu pai, meu pai, tanto mãe como pai, meus avós paternos eram espanhóis, vieram ao Brasil como imigrantes, se fixaram em São Paulo, moraram em várias cidades do interior de São Paulo. E depois voltaram para a capital. Parte da minha mãe, meu avós maternos italianos, vieram também como imigrantes, mas sempre moraram em São Paulo. Então a minha mãe quando casou, quando os meus pais casaram, aí eles foram para o interior de São Paulo.
P/1 - Qual que é o ramo de atividade dos seus avós, o que que eles faziam?
R - Bom, deixa eu falar primeiro da parte do meu pai. O meu avô era... ele foi... bom, como eu falei, começou como imigrante, em trabalho, atividade agrícola, como lavrador, mas acabou, ele acabou tendo algum progresso e foi atacadista, foi fazendeiro, essa era a atividade que ele tinha. Do lado do meu avô, o meu avô materno morreu muito novo, e era comerciante em São Paulo. E a minha avó depois continuou tocando.
P/2 - O senhor sabe como a sua mãe e o seu pai se conheceram, não? Como foi esse encontro familiar?
R - Moravam. Meu pai estudava em São Paulo, na época, no Colégio Coração de Jesus.
P/1 - Liceu Coração de Jesus?
R - Liceu Coração de Jesus, nos Campos Elísios. E esse comércio da minha avó, mãe da minha mãe, era tipo um armazém, um bar, que ficava praticamente... ficava numa...
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Depoimento de Thiers Manzano Barsotti
Entrevistado por Rosana Miziara e José Carlos Vilardaga
Rio de Janeiro, 20 de outubro de 2000
Realização Museu da Pessoa
Entrevista CVRD_HV075
Transcrito por Cristina Eira Velha
Revisado por Fernando Martins
P/1 - Eu queria começar pedindo para você falar o seu nome completo, local e data de nascimento.
R - Thiers (Manzano?) Barsotti. Eu nasci em São Paulo, capital, 29 de julho de 47.
P/1 - E seus pais são de lá?
R - O meu pai nasceu no interior de São Paulo e a minha mãe na capital, em São Paulo.
P/1 - E avós, fala um pouquinho a descendência.
R - Parte do meu pai, meu pai, tanto mãe como pai, meus avós paternos eram espanhóis, vieram ao Brasil como imigrantes, se fixaram em São Paulo, moraram em várias cidades do interior de São Paulo. E depois voltaram para a capital. Parte da minha mãe, meu avós maternos italianos, vieram também como imigrantes, mas sempre moraram em São Paulo. Então a minha mãe quando casou, quando os meus pais casaram, aí eles foram para o interior de São Paulo.
P/1 - Qual que é o ramo de atividade dos seus avós, o que que eles faziam?
R - Bom, deixa eu falar primeiro da parte do meu pai. O meu avô era... ele foi... bom, como eu falei, começou como imigrante, em trabalho, atividade agrícola, como lavrador, mas acabou, ele acabou tendo algum progresso e foi atacadista, foi fazendeiro, essa era a atividade que ele tinha. Do lado do meu avô, o meu avô materno morreu muito novo, e era comerciante em São Paulo. E a minha avó depois continuou tocando.
P/2 - O senhor sabe como a sua mãe e o seu pai se conheceram, não? Como foi esse encontro familiar?
R - Moravam. Meu pai estudava em São Paulo, na época, no Colégio Coração de Jesus.
P/1 - Liceu Coração de Jesus?
R - Liceu Coração de Jesus, nos Campos Elísios. E esse comércio da minha avó, mãe da minha mãe, era tipo um armazém, um bar, que ficava praticamente... ficava numa das ruas que corta o Liceu Coração de Jesus, que era a Alameda Nothmann. E eles se conheceram porque ele estudava lá e ela morava ali. Não tem muito mais informação. (riso)
P/1 - E os seus pais moravam onde? Vocês?
R - Nós, os meus pais moravam em Santo Anastácio. É uma cidadezinha pequena, perto de Presidente Prudente, quase no Mato Grosso. E nós moramos lá, aliás a minha família até hoje está lá. Já saíram e voltaram. Eu sou fui para São Paulo para nascer. Voltei para Santo Anastácio, e aí saí de Santo Anastácio com 14 anos, para fazer o antigo científico em São Paulo. A família ficou e eu fui para morar com tios em São Paulo e fiz o colegial lá.
P/1 - E como é que era um pouco a sua casa de infância, você lembra dela?
R - Lembro. Claro. Morei de fato em duas, mas muito próximas. Uma antiga, era um sobrado grande de madeira, na época. E no outro lado da rua depois o meu pai construiu também uma casa muito grande. Tinha mania de casa grande. Até uma casa muito bonita. E eu morei só nessas duas casas até sair de lá. Mas lembro, era uma casa muito agradável, muito bonita, embora a família não fosse grande, só tenho dois irmãos.
P/2 - E Santo Anastácio, como é que é?
R - É uma cidade muito pequena, muito, mas muito pequena. E como o próprio povo fala, uma cidade que realmente pára no tempo, tem muito espanhol. E os próprios moradores falam: "Cidade que tem muito espanhol não tem como! (riso) Não tem como ir para a frente! (riso)" Os próprios espanhóis, os próprios parentes falam: "Aqui tem muito espanhol, aqui não tem jeito." Então está cada vez menor. (riso) É isso aí.
P/1 - E as brincadeiras? Você tem irmãos?
R - Eu sou o mais novo. Eu tenho um irmão mais velho, ele tem sete anos mais do que eu, e uma irmã do meio com cinco anos mais do que eu. E a diferença de idade fez com que eu não convivesse, assim, tão... claro, nós morávamos juntos, meu irmão saiu também para estudar em São Paulo, depois voltou. Então a convivência maior com o meu irmão eu tive depois, não na fase de infância, adolescência, depois de adulto já, bem... Hoje eu sou muito... tenho uma ligação grande com ele. E convivi mais com a minha irmã, que ficou em Santo Anastácio na época, quando eu morava lá. Mas então não tive grandes convivências, eu tinha era uma vida de cidadezinha do interior, imagina, completamente solta. Mas com os irmãos uma convivência relativamente pequena na época, muito maior hoje.
P/2 - Você fazia o que exatamente? Essa vida solta no interior...
R - Bom, tinha algumas obrigações, como eu estava falando, do espanhol, que obrigava. Então eu fazia... estudava, o ginásio na época, até o ginásio eu fiz lá, ___ religioso. Eu tinha que estudar música por obrigação. Eu adoro música hoje, mas eu peguei uma raiva da tal da música, porque era obrigado a estudar aquilo. Eu fiquei cinco anos no conservatório, porque eu tinha que ir para Presidente Prudente estudar. Bom, o resto era brincar, jogar bola, essas coisas. Eu brincava, ficava o dia inteiro na rua. São lembranças boas, é claro, acho que toda infância é boa, não só a minha.
P/1 - E quem exercia a autoridade na sua casa?
R - Meu pai.
P/1 - Seu pai.
R - Meu pai. Indiscutivelmente. (riso) Sem dúvida.
P/1 - Sua mãe é mais...?
R - Não sei se ela era. Mas é toda uma situação cultural, uma situação de época, e até de próprio temperamento dele, então a autoridade era dele e não tinha... essa não era uma questão que estava posta para discussão.
P/2 - E essa preocupação com a formação de música por que que...?
R - Não, não foi só essa, não. Era uma coisa meio maluca. Coitado do meu irmão foi obrigada a estudar violino. Eu tinha dó do meu irmão porque ele ficou dois anos estudando violino. Violino é um negócio que acho que demora mais que dez anos. Ele pegou uma raiva daquele violino, acho que ele estudou dois anos. Tem um outro, para você ver, você me pergunta como é que era a autoridade, era um negócio meio patológico até. Porque aí meu pai decidiu que eu e meu irmão seríamos militares na época. E ele definiu. Bom, eu morro de medo de água, enfrento... mas morro de medo de água, sei nadar pouco, tal. E adoro andar de avião, sempre gostei. Então até quando eu fui para a Amazônia, que tinha que andar, todo dia tinha que voar de helicóptero, aquilo para mim era uma aventura boa. Mas meu pai definiu que meu irmão ia ser da Aeronáutica e eu ia ser da Marinha. (riso) E ele levou à prática isso, pegava... eu até fui uma vítima menor. (riso) Aí ele pegava meu irmão, e tinha um Aeroclube em Prudente, e ele já... falou: "Bom, já deixa eu introduzir o cara logo..." (riso) Ele levava o meu irmão a cada 15 dias nesse Aeroclube, alugava um avião com um piloto, para dar uns vôos, para o meu irmão ir acostumando. Meu irmão morria de medo, todo voo vomitava (riso), quer dizer, é uma coisa meio, como eu falei, meio patológica, tal, mas tudo bem. E eu cheguei a prestar exame para o Colégio Naval e felizmente eu fui reprovado. (riso) Cheguei a prestar exame. Fui para São Paulo.
P/1 - Tinha pavor à água.
R - É, me bota dentro da água, assim. Eu cheguei a prestar exame. (riso) Eu terminei o ginásio, antes de começar o colegial... "Ah, agora é época de fazer o exame para o Colégio Naval." O Colégio Naval acho que é em Angra, se não me engano. Ia para Angra, já tinha todo traçado o negócio: ia para Angra, depois que terminasse ia para a Escola Naval aqui no Rio, está entendendo? E aí graças a Deus fui reprovado e acabou a história.
P/2 - O seu irmão também foi reprovado?
R - Não, o meu irmão nem chegou a prestar. Ele começou a vomitar, vomitar, meu pai desistiu. (riso) É isso aí, coisa de doido.
P/1 - E a adolescência, primeira namorada?
R - Ah... Bom, a primeira namorada foi lá em Santo Anastácio mesmo, que aliás foi uma das coisas difíceis, porque eu fui para São Paulo, como eu te falei, tinha 14 anos. Comecei a estudar, e era... não tinha nenhum motivo, mas estudava à noite. E ficava o dia inteiro à toa lá em São Paulo. Apesar de que eu era um bom... esse negócio de estudo eu sempre levei direitinho, a sério, mas eu estudava à noite, e tinha deixado uma namorada lá em Santo Anastácio. Então acho que demorou mais de ano para eu botar na cabeça e me adaptar em São Paulo, porque eu sempre: "Eu tenho que sair de São Paulo e voltar para lá." Era muito novinho, né? Mas a primeira namorada lá de Santo Anastácio, aí fui para São Paulo, e aí, como eu te falei, demorei um ano, quase dois, para me adaptar com São Paulo. E aí eu passei a gostar muito de São Paulo.
P/1 - Como é que foi sua chegada aqui?
R - Em São Paulo?
P/1 - É.
R - Eu fui morar... o tempo todo que eu morei em São Paulo eu morei primeiro com uma tia, depois com uma outra tia, as duas irmãs da minha mãe. Mas era uma convivência muito agradável, porque foi um pessoal que tinha... de um nível de relacionamento, de compreensão, até de compreensão com a idade, com as dificuldades de quem está chegando do interior, muito grande. Então foi... isso me ajudou muito e foi um relacionamento agradável. E foi muito bom, porque eu sempre estudei em escola pública. Só um pequeno intervalo, eu estudei numa das escolas da Católica em São Paulo, mas foi só seis meses. Mas aí eu fazia o colegial numa escola pública, fazia à noite. Estudava, estudava bastante. Então foi um período muito bom. Mas o período realmente muito bom foi o período... porque foi muito rico, eu acho, a época foi muito interessante, foi o período da faculdade, que eu fiz Geologia na USP. Entrei em 66, saí em 69, na época eram quatro anos o curso. E foi um período muito interessante.
P/1 - E como é que se deu essa escolha da...?
R - É difícil a gente explicar como é que a gente faz algumas escolhas. Eu antes, quando eu estava já na metade do colegial, mais para o final, eu me interessava pelo assunto, e botei na cabeça. E eu acho que era uma vocação: "Eu vou ser geólogo." Então terminei o colegial, imediatamente fiz exame para Geologia, não passei. E fiz exame depois para Engenharia, foi na FEI, na Católica, passei. Então cursei um período na FEI. No outro ano eu prestei novamente para Geologia e passei. E aí comecei a fazer, fiz o curso de Geologia e trabalhei dez ou 15 anos como geólogo. E foi um período muito bom, eu realmente gosto, embora já há bastante tempo tenha largado a profissão relativa à minha formação básica.
P/2 - Mas você esperava alguma coisa, ao entrar na faculdade, você tinha uma imagem da Geologia, do que aquilo significava?
R - Eu realmente gostava do assunto. Eu gostava do assunto e gosto. E eu acho que associava também àquele negócio de você ter que sair e viajar, aquilo me atraía um pouco também. Acho que somava. Não sei se eu tinha talvez alguma coisa meio romântica, da ideia da coisa, sempre a gente tem. E acho que essas coisas somavam. Normalmente eu acho que as escolhas devem ser assim, se compõem de várias coisas. E acho que foi uma escolha boa, eu gostei muito do curso e gostei muito do que eu fiz, quando geólogo. Eu rodei tanto, conheci tantas pessoas, participei de coisas tão boas, que realmente eu tenho lembranças muito boas dos meus 15 anos de geólogo.
P/1 - Tem algum professor que tenha te marcado mais durante o curso?
R - Alguns marcaram. O próprio diretor da Escola, na época ele foi um dos criadores do curso, o diretor da Escola, aquele alemão todo quadrado, o (Vitor Lies?), que era o diretor, um dos idealizadores e formadores do curso. E alguns outros, alguns professores que me marcaram muito, até para a minha escolha de que ramo da Geologia, por exemplo o Melcher, que era o professor de Geologia Econômica, de prospecção, que foi o ramo que eu escolhi, me marcou muito. E alguns outros, claro, mas acho que esses dois mais, o (Vitor Lies?) e o Melcher.
P/2 - E como é que era fazer parte da Universidade de São Paulo em 66, 69?
R - Era... Primeiro que foi um período, como eu te falei, muito rico, que o nosso envolvimento político era muito grande. Exatamente um período marcante na história brasileira recente. Todos aqueles movimentos estudantis, a época da ditadura, AI 5 e tudo o mais, repressão grande. E a Geologia na época, ela fazia parte da Faculdade de Filosofia da USP, que era realmente um centro importante de toda a discussão política do momento. E nós éramos, assim, uma das Escolas, a Escola meio estranha da Filosofia. A Filosofia tinha lá a Filosofia, a Sociologia, Letras, era um conjunto de coisas, e a Geologia aquele corpo meio estranho, que inclusive ficava fora ali da Maria Antônia. Nós não ficávamos, nós tínhamos algumas aulas na Maria Antônia, depois mudamos para a Cidade Universitária. A gente tinha a Escola separada lá na Glete. No início era junto com a ... no início era junto com Biologia e Química, depois só Geologia. Mas foi um período realmente que todo mundo tinha uma participação política. Você não ficava... e daí a riqueza que eu acho do período, que você vivia o seu ambiente de Escola, o curso era período integral, todo dia de oito a seis, e como a gente tinha uma Escola isolada, e a maioria do interior, a gente chegava cedo e só saía dez, 11 horas, meia noite da Escola. Muita gente morava em volta ali. A gente vivia naquele ambiente. E a participação era integral. Todo mundo tinha uma participação política, e daí a riqueza da coisa. Porque você vivia o ambiente de escola, estudava e realmente estava participando de todo um conjunto, de todo um contexto nacional que não te deixava alienar dos problemas. De um forma... sem entrar no mérito, mas de uma forma ou de outra você estava participando de todo o momento do país. E depois... depois do AI-5, tudo, essa coisa baixou. Mas tem... Eu fui diretor acadêmico também na escola, aquela coisa... fui preso. Tem tudo isso aí.
P/1 - Você foi preso?
R - Fui. Pouco tempo, mas fui.
P/1 - Operação (Alban?), Doc?
R - Mas felizmente eu fui preso com bastante gente. Foi em um Congresso de UEE. UEE era União Estudantil Estadual, uma coisa assim. Tinha a UEE e tinha a UNE. Foi em um Congresso da UEE que a polícia veio e prendeu todo mundo. E ainda bem que foi todo mundo, porque... fiquei uns dois dias no Dops em São Paulo, mas aí depois liberaram. Fui fichado, aquele negócio todo, mas não teve... Mas da turma de Geologia eu acho que daquela época 20% daquele pessoal saiu do Brasil, 20 a 25%, e várias pessoas morreram inclusive, naquela época.
P/2 - Você conheceu gente...?
R - Eu conheci gente... Eu conhecia... muito próximo... eu conhecia, porque você tinha que tomar partido, isso que era interessante, você tomava partido. Uma das amigas que eu tinha na... ela fazia o curso de Letras, lá na Maria Antônia, ela foi morta na Guerrilha do Araguaia, por exemplo. E muita gente foi morto pela própria repressão, muita gente saiu do país, foi para o Chile, na época. Então foi... Chegou o momento que... eu acho que todo mundo... eu já estava no terceiro, quarto ano, terminando o curso, que realmente aí a coisa... a barra pesou mesmo, e o movimento foi uma repressão bastante grande, essa coisa baixou. Mas a gente tinha uma participação muito grande. E eu acho muito bom até para a formação de toda uma geração, que passou ali pela... toda aquela geração ali foi muito importante isso, uma discussão boa.
P/2 - Na Geologia, Thiers, como é que isso se colocava, essa participação política dentro da Geologia e das questões minerais, como é que você por exemplo via isso?
R - Ah, bom. Foi como eu te falei. Primeiro que todo mundo participava. Existia aquela grande divisão de direita e esquerda, aquelas coisas meio estanques, o cara de direita e o cara de esquerda. E a Filosofia da USP muito caracterizada como um dos centros mais importantes no meio estudantil, claro, de esquerda. A Geologia, a gente tinha essa mesma característica, embora tinha lá o pessoal de direita. E a esquerda, aquele monte de organizações que existia. Então era uma coisa até interessante, que cada um tinha uma camisa de um time, vamos dizer assim.
P/1 - Você participou de alguma movimentação?
R - Eu era agregado, simpático, seguia a Ação Popular, na época. Aí tinha gente do Partido Comunista, da dissidência do Partido Comunista, da POLOP na época, e aí vai. E tinha o pessoal de direita, do Prada, da São Francisco, que a gente quebrava o pau fisicamente inclusive. Mas a gente... Era uma discussão até certo ponto ingênua, lógico. Mas as grandes questões do Brasil, claro, Convênio (MEC-USAI?), todas aquelas questões que passavam na época eram... As bandeiras nossas eram menos estudantis, quase nada estudantil e mais das questões brasileiras, é claro que de uma forma muito ingênua, mas era por aí.
P/2 - No seu tempo de Faculdade foi descoberto Carajás. Essa notícia chegou até vocês?
R - Chegou, claro. Chegou, sem dúvida. Carajás foi um marco. Então Carajás foi descoberto em 67, eu estava na Escola. E foi descoberto pelo grupo de geólogos que trabalhava lá, e muita gente que tinha saído. Quem primeiro posou foi o Breno. Teve gente que saiu da própria Escola, alguns que a gente até chegou a ser contemporâneo. Então era uma coisa de... e o grupo de Geologia era muito pequeno, era uma escola pequena. Então a gente conhecia tudo isso, isso era discutido, Carajás realmente foi um marco. Uma descoberta extremamente importante.
P/1 - Nessa época você pensava em trabalhar na Vale?
R - Pensava, sim. Mas não tinha nenhuma... Era uma empresa que eu gostaria de trabalhar. Por que que eu gostaria de trabalhar? Na época eu pensava assim. Eu fiz o primeiro estágio, eu fiz dois estágios na Vale, eu fiz um em 67, um em 68. E era raro isso acontecer, porque a Vale, muito poucos paulistas trabalhavam na Vale. À exceção do (Vanderlei Basílio?), tinha lá. Na área de Geologia nem tanto. Então eu fiz dois estágios na Vale, enquanto estudante, e aquilo me fez gostar da empresa, eu comecei a me relacionar com o pessoal que trabalhava lá e quando eu me formei eu tinha duas opções de emprego. Eu passei por um processo seletivo até grande na Vale, foi feito aqui no Rio inclusive. Mas eu tinha a opção de ir para a Alcan e de ir para a Vale. E aí fui convidado para a Vale e optei pela Vale. Na época emprego para geólogo era uma coisa fácil, boa, se ganhava bem. Nós pegamos uma fase de mercado e carência de profissionais muito boa.
P/2 - Quando você entrou para a Vale, você foi trabalhar aonde?
R - Já vamos entrar nisso aí? Por que aí tem a história... (riso)
P/1 - Começou! (riso)
R - Então vamos lá! Eu fui... (riso) Eu, como te falei, eu participei de um processo seletivo. Eram 30 e poucas pessoas que foram entrevistadas, entrevistadas pelo (Machado?), (Eduardo Machado?), e pelo (Domingos Drummond Torres?). Quem me contratou foi o (Domingos Drummond Torres?). E nós fomos entrevistados, depois nós fizemos psicotécnico aqui na PUC do Rio, tal, eu sei que daqueles 30 e poucos cinco foram contratados. E daqueles cinco nós sabíamos que três iam para Carajás. Nós fomos contratados e fomos para Itabira. Eu fui contratado em primeiro de fevereiro de 70 e fomos para Itabira. Em Itabira é que se selecionou os três que iriam para Carajás. E se somou a escolha da própria Vale do (Vanderlei?), (Vanderlei?) que seria responsável pelo grupo que iria para Carajás, de quatro geólogos, fazia parte do acordo, da Vale com a (Steel?). E até da disponibilidade, da vontade de cada um, expressa. E eu, realmente, eu estava com vontade de ir para Carajás. Você até me falou que conversou com o (Vanderlei?), que retornou há pouco no Carajás, e que retornou no dia em que nós chegamos, no mesmo dia e mês que nós chegamos em Carajás. Então eu entrei em fevereiro, o período de fevereiro a maio foi um período de preparação, de treinamento praticamente, para ir para Carajás. E nós chegamos lá em 26 de maio de 70. (Vanderlei?), João Batista, o Renato e eu.
P/2 - Como é que foi a chegada lá?
R - É um choque, foi um choque. Primeiro que eu tive que comprar, duro para burro, eu tive que comprar um terno para poder viajar, porque ia viajar com o presidente da Vale e o diretor da Vale, ia ter um encontro em Belém que precisava usar terno, e era um encontro da Vale com a (Steel?), que iam assinar... a assinatura desse acordo lá, da Vale com a (Steel?), criação da Anza, aquele negócio todo. E a gente já foi junto. Na época o presidente era o Mascarenhas. Nós fomos todos juntos. Então tinha que estar lá de terno, eu tive que comprar um terno, e mala. E depois, no dia seguinte, chegando em Belém, ficamos um dia lá, no dia seguinte pegamos um daqueles aviões e descemos lá em Carajás. E praticamente só tinha o acampamento de N1, e desce os quatro com aquelas malas. O (Vanderlei?)... Não, o terno já estava... o terno foi só em Belém, senão não ia dar. Mas aí cada um com a sua mala, (Vanderlei?) com a mala e uma caixa que serviu de farmácia para o acampamento acho que por mais de um ano. Porque o (Vanderlei?) adora remédio. Ele levou uma caixa de remédio, era um caixote. Aquilo ali sustentou o acampamento mais de um ano. (riso) Então foi um choque, porque aquilo era uma região... à época era remota. Não tinha estrada, não tinha nada. A cidadezinha mais próxima era Marabá, que era pequenininha na época. Marabá, em linha reta, ficava... fica a 150 quilômetros de lá. Então completamente... Então foi um choque, direto para o acampamento ali. E aquilo ainda era a moleza, que era um bom acampamento em Carajás, um acampamento central, e tal. Mas a gente se acostumou logo, e afinal nós tínhamos uma equipe muito boa em termos de camaradagem. Eu acho que a equipe, as pessoas que eu conheci que trabalhavam lá nessa equipe, um pessoal muito competente, muito dedicado. E eu acho que uma grande aventura que se viveu, que reunia um desafio profissional, era um negócio muito, digamos, muito sofrido em condições materiais de vida, que era realmente barra pesada. Mas muito bom desse outro lado.
P/2 - Essa dificuldade do dia a dia, como é que vocês viviam, que tipo de dificuldades se tinha?
R - Bom, era barra pesada. Você não tinha condições, e poderia ter muito melhor, e era uma das críticas... Nós tínhamos um coordenador na época, o coronel (Pragana?), que era quase como um pai para a gente, que fazia a ligação da equipe que estava lá com a Vale e com a US Steel. E era uma pessoa que se dedicava muito para que todos tivessem uma condição melhor em Carajás, mas as condições na época, gerenciadas no caso pela Steel, elas realmente não precisariam ter sido tão duras como foram. Então a gente não tinha a menor condição material em termos de alojamento, de comida, de condição de trabalho. Era uma barra muito pesada, muito pesada mesmo. O Renato ficou lá dois meses, voltou, ficou um mês e saiu. A equipe foi mudando muito. Era uma barra muito pesada. E você tinha que... você vivia em acampamentos muito mais rudimentares do que seria o necessário. E a gente vivia com a cama da gente nas costas, aquela rede ______ nas costas, ia para as áreas avançadas, eu fui de cara para a Geologia regional na época, a Geologia... que tinha uma parte do pessoal que ficava mais em cima das clareiras com o serviço de sondagem, e uma parte que ia para a Geologia regional. Então você saía praticamente todo dia, e de vez em quando você tinha que fazer (campanhas?) mais longe, fazia os acampamentos longe, chegava, chegava helicóptero, largava lá geólogo, topógrafo, a equipe do topógrafo, um técnico e um cozinheiro. Largava a gente lá com lona, comida, tal, você montava o seu acampamento e ficava. Ficava um mês, ficava dois, ficava até mais. E um contato de vez em quando com... tinha contato de rádio, e de vez em quando o helicóptero te abastecia. Então era condição pesada, realmente pesada. Que era compensada porque nós, um grupo que estava lá, principalmente o pessoal vindo de São Paulo, geólogos de São Paulo, alguns do Rio Grande do Sul, nós alugamos um apartamento em Belém, em sete. O apartamento tinha dois quartos, tinha um quarto de empregada, tinha uma rede, e tinha dois quartos. Lá no edifício Manuel Pinto da Silva, no centro de Belém. O (Vanderlei?) entrava lá, a equipe que foi e mais alguns outros da Meridional, tinha um da Meridional. Nós alugamos esse apartamento, mas a gente em folga. O nosso regime era 30 dias... 28 de trabalho e sete de folga. Só que às vezes não dava para sair exatamente no dia, às vezes você tinha que acumular dois meses ou mais. Então normalmente ficava em dois ou três o apartamento e aquilo era possível, se viver em Belém, e aliás era uma farra. Você chegava, igual garimpeiro, ganhava bem, o dinheiro ficava no banco, e a gente conseguia gastar numa semana dois, três... o que tivesse. Então era um negócio impressionante. (riso)
P/1 - _______________
R - Ficava lá e detonava. (riso) Era interessante. Mas era assim, era um esquema realmente pesado nos termos materiais, mas eu acho muito bacana, muito bom. Muito aprendizado em nível profissional, em todos os sentidos. Uma turma muito boa.
P/2 - E em termos de trabalho, o que que se pensava? Qual era o serviço que você fazia ali?
R - Bom, a Meridional... Meridional, USSteel, a mesma coisa. Ela já tinha feito um projeto piloto em N1, e dali concebido como é que seria a pesquisa para o restante de Carajás. Basicamente você fazia o mapeamento em cima das áreas de minério de ferro. Nos principais corpos de minério nós tínhamos um esquema de sondagem, posterior, em alguns até de galerias também, para pesquisa. Isso complementado com um reconhecimento, que a gente chamava de regional, nas bordas daquele corpo, onde você descia e saía pelo mato fazendo todo reconhecimento geológico. Você construía o mapa, você pesquisava a jazida e tinha condições de avaliar a qualidade do minério e a reserva, nos principais corpos. Nos corpos menores era um trabalho só superficial. Na realidade são 60 corpos lá. Então era isso. Não posso chamar de rotina, mas era todo dia sair cedinho, trabalhar o dia inteiro, andava, trabalhava o dia inteiro, e voltava para o acampamento. Sábado e domingo inclusive. Domingo que a gente folgava um pouco. A gente tirava folga nas folgas. Então era isso aí. Helicóptero que era a nossa condição de locomoção, voar quase todo dia, para ir nos locais de serviço. Era essa, digamos, a rotina.
P/2 - Chegou a sofrer algum susto com o helicóptero?
R - Não, com helicóptero... a gente sofria muito susto com aqueles aviões que levavam a gente para lá. Era outra coisa que não era necessária também. Existe uma frota de aviões, cada dono de avião era uma empresinha particular, sediada em Belém, aviões da Segunda Guerra. E eram esses o aviões que a gente utilizava. Ia a carga e a gente no avião. Então tinha operando lá C-82, C-84. Lembra aqueles aviões de paraquedista, da Segunda Guerra, aquele caixote com aqueles dois rabos, o pessoal... o peão até chamava de rabo seco? Aqueles de paraquedista. A gente ia lá no meio da carga. Tinha B-26, tinha C-46, eram aviões em péssima condição de manutenção, muito velhos. Aquilo era susto toda hora. Chegou a cair avião, mais de um. E lá dentro era helicóptero. O helicóptero não, era muito bem mantido, três helicópteros na época, muito bem mantidos, e a condição de trabalho com a gente era fundamental ter um helicóptero. E muitas vezes a gente saía, trabalho de Geologia, tal, o técnico ia na frente, abria as picadas, um reconhecimento inicial, depois você ia em um outro dia, acompanhado de um mateiro, e só os dois. Mas várias vezes eu cheguei a ir para o mato sozinho, o que não era aconselhável. Não só eu, outros também. A gente usava um revólver na cinta, não sei bem para que.
P/1 - (riso)
R - Primeiro que bicho na época não oferecia e não oferece nenhum perigo. E segundo se fosse usar o revólver não ia acertar em nada. Então... (riso) O mateiro não, o mateiro ia com uma cartucheira, e a gente se sentia muito mais seguro. Primeiro que o cara tinha todo um sentido de orientação, e tudo o mais, e era um cara que tinha uma experiência de mato muito grande. Me perdi duas vezes, rapidamente, graças a Deus. A primeira eu tinha um mês de Carajás. Passei eu e o Arthur, um outro geólogo, também de São Paulo. O Arthur era considerado veterano por mim, porque ele chegou um mês antes. Aí nós fomos para descer uma dessas picadas e conseguimos pegar a picada errada. No final da picada tinha um heliporto, que era um negócio aberto no meio da mata, que o helicóptero conseguia descer e resgatar a gente ao final do dia. Então era previsto às cinco horas lá. ______ descemos a picada errada. Chegamos... não foi bem perder, mas foi uma experiência meio...
P/1 - Deu para assustar.
R - _________. Chegamos no final da picada, não tinha heliporto. E a gente ouvia ao longe o helicóptero. Aquele helicóptero ficou até tarde, até além do horário que deveria, porque era uma equipe que estava recém chegada. Se isso tivesse acontecido um ano depois eu acho que não daria tanta preocupação. A gente estava lá há um mês. Aí, eu: "Arthur, não dá. Não estamos perdidos, mas nós vamos ter que ficar aqui." Aí nós dormimos, encostamos lá numa pedra e dormimos. Ele dormiu, eu não dormi. Realmente eu estava apavorado, a noite toda, um frio danado, barulho para burro. E caía, era barulho de bicho, barulho de galho que caía, não sei o que. Eu acordava toda hora. "Arthur, pô, você está dormindo! Acorda aí!" Mas ele dormia. Ele era tranquilo, ele dormia o tempo todo. Conseguimos fazer fogo, a gente usava saco de amostra de pano. O saco de amostra era de pano, hoje é de plástico, era de pano. E a gente tinha repelex, que é inflamável, altamente inflamável. Então a gente... que a madeira era muito úmida onde a gente estava. Aquilo foi embebido, tal, conseguimos fazer um fogo, e passamos a noite ali. Só que isso aí deixou o pessoal muito assustado, isso foi um transtorno enorme de todo o serviço. Que o (Vanderlei?), ele se sentia... um pouco mais velho que a gente... as coisas eram muito próximas, ele devia ter uns quatro anos mais velho, mas era o nosso... tipo pai também. E ele que levou a gente para ali. Ele se sentiu muito... ele ficou... eles conseguiram pegar... Foi todo mundo do acampamento à noite sair para procurar. Aí que ficou o problema. E o (Vanderlei?) conseguiu com enfermeiro, com tudo, achou que tinha acontecido alguma coisa, ele conseguiu pegar a pegada certa à noite. E desceram a escarpa toda à noite. É um negócio... Desceram a picada à noite. Mas saiu gente de forma descontrolada, para tudo quanto é lado. Teve gente que se perdeu e demorou uma semana para se achar.
P/1 e 2 - (riso)
R - Até normalizar o negócio. (riso) Entendeu? (riso) Mas eu fiquei assustado aquele dia, viu? Porque no dia seguinte eu e o Arthur, olha, corremos para... nós subimos aquela serra, bom, hoje eu peso, com essa altura toda, uns 80 para 85 quilos. Na época eu pesava 50. Minha barriga era para dentro. Eu subi com... o Arthur sempre foi... Nós subimos aquela serra em tempo record. Clareou, no que a gente apontou a cara na clareira, pronto, um helicóptero rodando, pegou, resgatou a gente, fomos para o acampamento, comemos, fomos dormir, pô! Mas teve gente que foi resgatado uma semana depois. (riso)
P/2 - Saíram para procurar e se perderam. (riso)
R - Com certeza. Vários grupos. _____ por aqui! Agora o (Vanderlei?) foi no lugar certo, com a equipe certa, chegou de madrugada, clareando o dia, no heliporto que a gente era para ter chegado de dia. Então foi... nossa! Eu lembro desse enfermeiro, até falei, porque ele se machucou na descida. O enfermeiro... O negócio... o enfermeiro se arrebentou na descida! (riso) Foi uma piada. (riso) Coisa de louco.
P/2 - Se perdeu outra vez? Foi duas vezes que você se perdeu?
R - Ah, a outra foi muito rápida no manganês, essa eu fiquei muito assustado, foram poucas horas. Porque eu saí da picada, sozinho, porque é grande... Eu já achava errado, todo mundo achava errado isso na época. Se eu tivesse com o mateiro eu ia ficar... aí eu fiquei meio apavorado. E eu acho que tive toda aquela reação de quem realmente se perde, eu comecei a perder o controle, a sair correndo para um lado, correndo para o outro para procurar a picada, apavorado mesmo. E até fiquei meio... um pouco machucado. E aí, felizmente, depois de algum tempo, aí você... porque parece que tem algumas fases quando _____ se perde, eu não quero ter essa experiência, mas eu tive essa do começo. Até você para pra pensar, você tem uma fase que você perde um pouco o controle e fica muito apavorado no início, e eu passei rapidamente por isso. Mas pelo barulho de helicóptero, ele desceu na clareira e então eu consegui ir até lá.
P/1 - Pelo barulho?
R - Pelo barulho. Estava próximo. Aí fui lá e pronto. Essa aí foi pior até, porque essa realmente eu estava sozinho, fiquei apavorado. Na outra não, na outra eu estava chegando de São Paulo há um mês, tudo bem, aquilo era uma coisa muito maluca, mas eu não estava perdido. Eu sabia que eu voltaria no dia seguinte. Porque estava na picada, era só voltar.
P/1 - E estava acompanhado.
R - Estava com o Arthur, grande companhia, dormia para burro. (riso)
P/1 - E teve algum momento que o senhor pensou em voltar, sair, parar de trabalhar em Carajás?
R - De lá? Não, eu gostava daquilo, embora não possa deixar de falar que a condição era muito pesada, sem necessidade de ser tanto. Mas não, eu gostava daquilo. Ah, eu pensei em voltar quando eu ia casar. Aí eu liguei para o Domingos, falei... escrevi para o Drummond Domingos: "Eu vou casar, tenho dois anos aqui..." Aí o Domingos me transferiu para Itabira, inicialmente para Itabira, e foi a época que eu casei, foi em 72.
P/1 - Como você conheceu sua esposa?
R - Ela era colega da minha prima, ela fazia, fez, Geografia. E ela estudava com a minha prima onde eu morava, com a minha tia, com a minha prima, e elas eram colegas de faculdade, estudavam juntas, estudavam lá e eu conheci assim. Em casa.
P/1 - Aí você pediu para ser transferido...
R - Pedi para ser transferido, casei e fui trabalhar por um período curto em Itabira.
P/1 - Como é que foi essa experiência lá?
R - Não foi muito boa, não, porque Itabira era uma época em que a Vale estava implementado várias obras lá. Então você não conseguia casa para morar. Eu morei numa casa muito ruim. Eu morei, consegui morar na rua da Água Santa em Itabira, que era a única coisa que eu achei, recém casado, em cima da agência do INPS. E eu só dormia de sexta para sábado e de sábado para domingo, porque era uma zorra aquilo ali, tinha fila de gente querendo... A fila começava nove, dez horas da noite, e era embaixo do meu quarto. Então aquilo era... cara com rádio, todo mundo conversando... Então foi até bom ficar pouco tempo em Itabira, que eu morava muito mal. Depois eu fui transferido para Guanhães, uma cidade bem pequena na época, e fiquei três anos em Guanhães. Foi onde nasceu meu primeiro filho.
P/1 - Você foi transferido para lá e o que que você fazia lá?
R - Trabalhava com Geologia, minério de ferro, avaliação de jazidas. Tinha várias ocorrências lá em Guanhães de minério de ferro, nós fizemos um programa grande de pesquisa lá. E que depois ele foi transferido até para uma pesquisa regional em não-ferrosos e ouro também, lá em Guanhães. Então eu fiquei três anos lá. Na época a estrutura da Geologia eram grupos de prospecção. Existia o grupo de... primeiro, o que sempre existiu foi o grupo de prospecção em Itabira, ligado, que respondia Belo Horizonte. E era escritório, onde ficava o Machado, que era o chefe da Geologia, e depois o Domingos, Geologia da Vale de minério de ferro. E na época foi criado o grupo de prospecção em Guanhães e eu fui ser o chefe desse grupo de prospecção em Guanhães. Setembro, eu fui para lá em setembro de 72. Morei uns seis meses, até menos, lá em Itabira.
P/1 - E aí seu filho nasceu lá?
R - Nasceu lá. Nasceu em Guanhães. Guanhães era uma cidade com muito pouco recursos também na época, a estrada era de terra. E eu fiquei três anos lá, meu filho mais velho nasceu lá.
P/2 - E nessa época, tanto na experiência em Carajás quanto em Minas, era basicamente a pesquisa de minério de ferro só?
R - Carajás sim. Embora, claro, eu trabalhei em Carajás também um bom período em manganês, o manganês (azul?).
P/2 - Nesse período ou depois?
R - No período inicial. O manganês (azul?) foi descoberto em 71, e eu fui o primeiro geólogo a ser destacado para lá. No início da pesquisa do manganês (azul?), após a descoberta, foi feita com a equipe que eu trabalhava. E lá em Itabira era minério de ferro, mas quando eu voltei para Itabira não fiquei... morava em Itabira, mas trabalhava em um projeto que chamava Morro Escuro, que também uma ocorrência de minério de ferro próxima a Itabira. É entre (Ferros?) e (Santa Maria de Itabira?). E em setembro eu fui transferido para ser chefe desse grupo de prospecção de Guanhães, que durou uns cinco seis anos esse grupo, até mais, e eu fiquei três anos lá. E lá eu fui para Belo Horizonte, onde era o grupo de Geologia da Vale, para Minas Gerais, que era minério de ferro e depois ouro, de forma subsidiária. Morando em Belo Horizonte, já tendo passado a principal fase, mas eu fui ser o chefe do grupo de prospecção do (Porteirninha?), do norte de Minas, quase na Bahia. Vamos lá falando disso aí. Aí, terminado isso, eu fui convidado depois... bom, aí eu fui, trabalhei um período, morando em Belo Horizonte, em Conceição do Mato Dentro, Morro do Pilar, em Mariana, Mariana, Timbopeba.
P/1 - Você ia mudando com a família?
R - A família não. A família, até aquele período, a família só tinha ido para Itabira, para Guanhães, para Belo Horizonte. E eu é que trabalhava nesse (Porteirinha?), Morro do Pilar, Conceição do Mato Dentro, Mariana, Timbopeba. Depois de um período, aí eu fui convidado para voltar a Itabira, para fazer parte do grupo da mina para o Projeto Carajás, participar do grupo... era um grupo que foi constituído, o (GTCAM?), que era um grupo de trabalho Projeto Carajás-Mina, assim como foi feito um para a ferrovia, um para o porto. Que era um grupo da área de operação que estava preparando para... a Vale estava se preparando, com o término das obras, para realmente tocar o Projeto Carajás, operar o Projeto Carajás. Então eu fui convidado a voltar em Itabira para fazer parte desse grupo na área de planejamento de lavra. E fiquei em Itabira uns dois, três anos, trabalhando nisso aí, indo muito para Carajás nessa época. E em janeiro de 84 eu fui novamente transferido para Carajás.
P/2 - De 72 até esse período do grupo o senhor...
R - Eu trabalhei...
P/2 - ...para Carajás?
R - Ahn?
P/2 - Você não retornou a Carajás de 72 até esse período do grupo...?
R - O grupo foi formado em 81. É, eu acho que até 81 não. Depois de 81 sim, eu fui várias vezes?
P/1 - Por que você foi convidado para voltar?
R - Porque eu já tinha trabalhado lá, porque estavam precisando de alguém, de geólogo para essa área de planejamento de lavra. Então o Haroldo, o (Haroldo Ney?), que era o responsável pelo planejamento de lavra nesse grupo, me convidou, eu fui para Itabira. Fiquei três anos, a família morando em Itabira, embora eu fosse muito para Carajás. Em janeiro de 84 é que mudou, mudei com a família para Carajás. E aí fiquei em Carajás quase sete anos, seis anos e meio. Mas aí eu fui para lá para o planejamento de lavras, depois do planejamento de lavras eu fui gerente do planejamento de manganês, responsável pela implantação do projeto de manganês, da mina do manganês (azul?), começo da produção. E depois aí sim, que aconteceu uma modificação no meu caminho profissional aí muito grande, que o (Moza?), que na época era o chefe do pessoal de operações no Carajás, a obra ainda estava... tinha sido concluída, aí ele me convidou para ser o gerente geral de apoio administrativo. Aí sim, realmente, foi uma mudança muito grande, porque foi aquele negócio de acertar, errar, errar de novo, acertar, numa área completamente desconhecida para todos nós que estávamos lá. Que aí entrava suprimentos, compras, entrava segurança, segurança patrimonial, entrava recursos humanos, controle, gerenciamento de todo o núcleo habitacional, com manutenção civil, hospital, escola. Então era um mundo novo, desconhecido, que...
P/1 - Foi sua primeira experiência de gerenciamento?
R - Não de gerenciamento, que eu já tinha sido gerente, já desde Guanhães. Gerente em Guanhães, com dois anos de Vale eu comecei a ser gerente.
P/1 - Não, mas de uma estrutura grande como essa?
R - A estrutura era enorme, essa era realmente grande.
P/1 - Desde moradia...
R - Tudo, tudo que você entender como apoio daquele projeto. Existe uma gerência geral, eu fui ser gerente geral de apoio do Projeto Carajás. E eu fiquei uns três para quatro anos nessa função, que foi exatamente o término da obra, o começo da operação, a implantação do Núcleo Urbano de Carajás, porque antes o núcleo era N5, um núcleo provisório. A implantação das escolas no núcleo, do hospital, como eu falei, toda essa área, e todo o suporte administrativo à operação mesmo. E aí foi realmente uma coisa que exigiu muito, porque foi um período de aprendizado, de gerenciar aprendendo, foi um período... agora marcante.
P/1 - Tem algum fato que tenha se destacado nessa época?
R - Olha, eu precisaria me recordar, porque aconteceram muitos fatos. E era uma pressão muito grande, a gente era solicitado, trabalhava direto. E era direto, visitas, era uma romaria de visitas, e a gente era, todo nós, não só eu, os que trabalhavam lá, a gente estava trabalhando direto naquilo ali. E com todos os transtornos e dificuldades de uma implantação, do início de operação de um projeto daquele tamanho. Ah, era uma equipe realmente muito boa, gente nova, inexperiente em algumas coisas, mas que conseguiu, o pessoal lá conseguiu fazer, eu considero, um excelente trabalho. Até foi muito importante, porque influenciou na cultura atual da Vale. Porque se pensava e se fazia de uma forma diferente do que o resto da Vale fazia. E a Vale, ela se preparou de forma genial para fazer aquela obra, que foi feita com uma rapidez, foi acho que o marco para a Engenharia do Brasil e da Vale. Renato Moretzsohn, que foi o chefe de toda implantação, para mim ele é um cara que sempre se destacou, e fez aquele projeto de forma brilhante. E nisso a Vale foi brilhante, mas a Vale não fez nenhum esquema de preparação para o início da operação. Não existia nenhum modelo preparado de recursos humanos, disso, daquilo, pensado, para ser implantado, isso foi feito lá. Não existia nenhuma regra, nada. Tudo foi feito lá. Isso motivou todo mundo, não só da área administrativa, a realmente ter um novo... uma maneira diferente de gerenciar, que acabou influenciando a Vale e fazendo parte dessa cultura, vamos dizer, nova, com a cultura mais antiga da Vale, para formar uma mesclada. Foi importante.
P/2 - Que tipo de soluções vocês implantaram naquele momento?
R - Bom, ali tinha gente que tinha casa, a gente tinha que bolar a regra do cara em casa, quantos moram junto, quando morre, como é que faz? Leva o morto para onde? Leva a família do morto ou não leva? O filho fica doente, como é que faz? Não tinha... estou falando as coisas mais corriqueiras, mas extremamente importantes para quem está lá, e que não tinha regra nenhuma. Tudo isso é que tinha que se arrumar. Regras, montar esquema, botar para funcionar isso. Então era realmente um desafio muito grande. Todo o abastecimento daquele complexo. Ao mesmo tempo com invasões, garimpeiros, em um contexto social complicado. Você tinha um contexto político complicado, social muito complicado. Foi a época de Serra Pelada. Garimpeiro... E a área foi preservada naquele período. E foi preservada... nós tínhamos uma... até hoje tem, mas naquela época nós tínhamos uma guarda florestal muito bem equipada. E era um trabalho incessante, tirava garimpeiro, entrava garimpeiro, tirava garimpeiro... E uma pressão social de uma periferia muito pobre, querendo entrar no projeto. Era um contexto complexo. E que as soluções, em grande maioria, foram boladas lá mesmo, por esse grupo que trabalhava sob liderança do (Moza?), que era bem novinho quando foi para lá, bem novinho, e que era, digamos, o nosso gerente, que virou depois o superintendente de lá. Eu estou abstraindo uma época também muito difícil, muito importante, que é a época da obra. Eu acho que muita gente vem aqui, já deve ter falado ou vai falar disso aí. Mas pegando essa área de operação, um rapaz bem novo como o (Moza?) tinha uma equipe, e que botou aquele projeto para funcionar do nada, até atingir os níveis previstos do projeto, como foram atingidos e superados.
P/2 - __________ que tinha aí, desde o comecinho, em 70, 71, como é que foi esse retorno ______ em 81?
R - Ah, foi. É uma coisa que realmente até emociona, quando você retorna para um lugar que você gostou, que você trabalhou, que você teve dificuldades, mas teve também muitas coisas boas. É um negócio... E eu, em Carajás eu trabalhava com realmente muita garra, muito amor àquilo ali. Foi muito bom.
P/1 - Reencontrou pessoas?
R - Muito, vários. Tem até hoje alguns, ainda naquele grupo de pioneiros lá, estão lá até hoje, alguns da minha época. Poucos hoje, mas ainda tem um ou outro.
P/1 - E como é que foi essa experiência familiar em Carajás?
R - Foi boa. Foi boa, minha mulher começou... ela já trabalhava antes de ir para lá. Chegou lá, começou a trabalhar dando aula. E como era prática sempre que possível naquela época, se procurava contratar as mulheres que trabalhavam lá, e a minha mulher começou trabalhando numa empreiteira da Vale, depois entrou na Vale. Trabalha na Vale até hoje.
P/1 - Ah, é? O que que ela faz?
R - Ela sempre trabalhou na área de Meio Ambiente, desde o início que entrou na Vale. Até antes de entrar na Vale ela já entrava na área de Meio Ambiente lá em Carajás. E para os meus filhos foram bons, porque...
P/1 - Qual o nome dela?
R - Sandra (Manzano?). Ela trabalha hoje em Vitória. E para os meus filhos, na época o colégio era muito bom, era o colégio Pitágoras. Hoje não é Pitágoras, mas à época era um colégio muito bom, para os meus filhos foi... e foi uma infância... eu acho que deve ter sido muito boa. Eles têm amigos e se reúnem até hoje com amigos da época de Carajás, uns que moram no Rio. Tem gente que mora no Rio, tem gente que mora em Belo Horizonte, os meus moram em São Paulo e eles de vez em quando se encontram, têm amigos daquela época. E uma das coisas muito boas de...
P/2 - _____________
R - É. Uma das coisas muito boas que a gente notava com as crianças de lá era uma convivência muito grande, e eu não sei se aquele ambiente, aquela coisa, não tinha... muitas vezes você vê uma certa agressividade em relacionamento de... Era uma coisa tão sem... tão dada, e sem muita diferença de idade. A gente notava muito os menininhos mais novos, amigos dos um pouco mais velhos, e essa coisa perdura. Já teve encontro em Belo Horizonte desse pessoal, e foi um pessoal de uma geração daquela época, mas meninos que tinham cinco, quatro, três anos naquela época, até outros que tinham 12, 13, 14, e que se encontram de vez em quando. O meu filho vai sempre para Ouro Preto, que tem um amigo da época de Carajás que é estudante em Ouro Preto. Então eles convivem, de uma certa forma convivem até hoje. Então a infância foi muito boa, eu acho. Não era uma vida fácil para quem trabalhava lá não, principalmente no começo. Existiam dificuldades de moradia, as pessoas... nós não tínhamos moradia para todo mundo. Então pessoas que foram lá e ficaram afastados de família anos até, porque não tinham chance de ter casa. Profissionais nossos, que hoje são até diretores da Vale, como (Juarez?) e outros aí, que foram contratados recém formados, em programas de recrutamento, que tiveram que morar em casas que tinham dois quartos e quarto de empregada, moravam em três quartos, casinha pequenininha, moravam em sete, dois em cada quarto e um no quarto da empregada. Tinha para valer mesmo um banheiro. Você imagina, aquele tumulto. Então a vida não era muito fácil não, principalmente no começo não. Mas eu acho que se criou uma coisa muito boa para a Vale. Foi uma experiência muito boa.
P/2 - Nesse período de implantação, __________ no começo, existia alguma coisa, vocês pensaram em alguma coisa como aclimatar as pessoas, quer dizer, esse grupo que chegava...?
R - Não, não, nada. Era seco, era no (taco?). Nós tivemos uma coisa ruim. Mais para o final da obra, eu não lembro exatamente o motivo, teve que se dar uma freada no ritmo do projeto. Então se desmobilizou um monte de gente. Mas alguns meses depois a situação mudou e o projeto foi até antecipado com relação ao plano original. E aí nós levamos centenas de pessoas em um espaço de tempo desse tamanho. E aí com todos os defeitos de recrutamento, de adaptação. Nos primeiros anos de operação de Carajás o turnover era mais de 20%, que significava um custo muito grande. Para você ver como era difícil. Mais de 20% (fim da fita I) das pessoas saíam. E a gente, de projeto, ia querer ter uns 3%, coisa dessa ordem. A condição era muito difícil.
P/2 - As pessoas vinham da onde?
R - Todo o Brasil, mas muito, muito Minas Gerais, e alguns Estados do Norte, Nordeste. Muita gente do Maranhão, muita gente ali de Piauí, muita daquela região. Mas tinha gente do Brasil inteiro. Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro, do Brasil inteiro. Mas o grosso de Minas Gerais e alguns Estados do Nordeste. E do Norte. Paraense sempre foi minoria, maioria maranhense.
P/2 - Na parte profissional teve que ter treinamento...?
R - Teve. Teve que ter treinamento. Nós tivemos recrutamento com treinamento de um ano. O que hoje é o programa (PCJ?), ele nasceu lá, o nome era outro. Foi onde a gente recrutava pessoas que estavam saindo das faculdades, e botava um ano treinando em várias áreas da Vale do Brasil inteiro, para depois assumirem o posto. Esse atual programa de (PCJ?) nasceu... (PCO?), que chamava, uma coisa desse tipo, nasceu naquela época. Então você tinha todo um programa grande de treinamento. E recrutamento para o Brasil, nos pontos importantes do Brasil. O recrutamento saía... recrutamento era uma área importante, uma atividade importante na época. Turnover, uma necessidade de um quadro inteiro, e um turnover daquela ordem você tinha uma necessidade muito grande.
P/2 - ____________
R - É.
P/2 - E a relação com a comunidade externa de Carajás, quer dizer, garimpeiros, madeireiros...?
R - Não era... nunca foi muito suave não, nunca foi. Porque eram interesses conflitantes. Ela nunca foi muito suave não.
P/1 - O que que significa exatamente isso?
R - Ou seja, hoje Carajás é uma comunidade muito mais aberta do que era, para o exterior. Mas na época ela era completamente fechada. Você não podia entrar na área sem passar por um controle, e era um controle rígido, de documentação e tudo. Mais que uma portaria, aquilo ali era um negócio fechado, comunidade fechada, porque... bom, até hoje existe esse problema, mas está muito mais aberto do que na época. Você tinha um recurso limitado, você não podia... porque se fosse aberto, primeiro que a área que nós tínhamos por obrigação, aquela área de direito _____de uso, de preservar. Ela não teria se preservado, e a cidade estaria hoje ocupada por um número de pessoas não exatamente ligadas à empresa, atividade que seria impossível sustentar. Então era realmente uma comunidade, um projeto fechado. E isso causa conflitos, claro. O garimpeiro quer entrar, o posseiro quer entrar, a pessoa que está procurando um emprego quer entrar. E a gente convivia com um monte de coisas, existiam muitos clandestinos em Carajás. Era uma situação em certos aspectos muito trágica. Nós chegamos a descobrir clandestinos que moravam no forro das casas.
P/2 - Gente morando no forro?
R - No forro, no Núcleo. No forro.
P/1 - É mesmo?
R - Sim. Família.
P/1 - Mas com a permissão do...
R - Com a permissão do empregado que morava. Eram familiares, um irmão, um cunhado, tal, que vinha e morava no forro. E era pessoa que não estava cadastrada em nada. Então ele estava ali até ele achar um emprego.
P/1 - Ele entrou lá para visitar e ficou.
R - E ficava. Aí achava emprego, resolvia a situação dele. Mas ele chegava antes.
P/1 - E aí vocês... que _______ vocês tomavam?
R - Nós éramos extremamente rígidos. Acontecia isso, demitia o empregado. Se é certo ou errado eu não sei. Mas tinha que existir uma maneira de coibir aquilo ali. Senão você perderia o controle. O começo foi extremamente rígido, porque senão perderia o controle. E teve que existir todo um programa de educação para morar na cidade. Isso vinha muito do (Moza?), e que eu acho muito duro de implantar, muito sofrido às vezes, mas que tem depois um produto bom. As pessoas tinham que ser até educadas para morar numa cidade que tinha água encanada, que tinha banheiro, vaso sanitário, e tal, que existia todo um esquema de saneamento, que as ruas eram asfaltadas, e que a gente pretendia fazer daquilo uma cidade limpa. Então no começo foi duro. Muito autoritário o esquema, extremamente autoritário. A pessoa não podia sujar a cidade, não podia fazer isso, tal. Depois essa coisa foi incorporada na cultura do local, e hoje a cidade tem um problema ou outro, mas isso é uma coisa muito natural. Mas no começo não era não. Foi, digamos, para a comunidade, um início bastante autoritário, nós como os responsáveis, pela Vale, até exercendo esse papel.
P/2 - ______ algum tipo de consultoria..._________?
R - Algumas. Algumas vezes nós contratamos consultorias para recursos humanos, para relacionamento com comunidade. A gente usava de consultorias. Eu acho que a Vale, ela se preparou muito bem ______para implantar o projeto, mas não para colocar uma comunidade morando lá, uma comunidade que tem a diversidade que uma comunidade tem. E aí precisava de um preparação, especialistas, uma coisa muito mais, digamos, mais preparada, digerida antes, para as coisas serem mais amenas. E elas foram muito duras, muito duras. Hoje não, mas no princípio foi.
P/2 - E a questão ambiental?
R - Ambiental sempre foi... bom, aí a Vale, como instituição, teve, via Eliezer, um posicionamento excelente, desde o início. A própria criação do (GEAMAN?), foi aquele grupo de assessoramento, com especialistas que não eram da Vale, que não recebiam salário da Vale, e a partir do (GEAMAN?), a instalação das comissões internas de meio ambiente. A Vale acho que foi uma das pioneiras no Brasil, no cuidado dessa questão ambiental em Carajás.
P/2 - Isso se refletia como no trabalho de vocês?
R - Ah, sim.
P/2 - _____de direcionamento _______?
R - Ah, tinha toda uma consciência, um cuidado, que não era... a prática não era tão comum em uma cultura organizacional como hoje é. Hoje esse aspecto, nas grandes organizações... não estou falando nas internacionais, mesmo nas brasileiras, hoje existe uma preocupação muito forte com a questão, e faz parte da sua gestão. Mas antes não. Então a Vale realmente começou antes, e foi uma coisa muito positiva. E isso influenciava a nossa... nós sempre tivemos profissionais dedicados a isso e todo um regime, todo um processo de gestão que levava em consideração, e fortemente, a questão ambiental.
P/2 - Thiers, de Carajás, dessa gerência, qual que foi um pouco o seu percurso?
R - Bom, eu tive mudanças, assim, interessantes. Me inventaram como administrador.
P/2 - Tomou gosto?
R - Eu não sei se eu tomei gosto. (riso)
P/1 - As coisas foram acontecendo?
R - Foram acontecendo. Aí nós tínhamos... era o (Moza?) e cinco ou seis gerentes gerais. O gerente geral de... o (Moza?) foi para a diretoria da Vale, no Rio. E o (Dekeshi?), que era gerente de mineração, de produção, da mina, em Carajás, ele ficou no lugar do (Moza?) um mês apenas, e depois assumiu (Marconi?), que era o gerente da usina, de tratamento de minério. Mas aí o (Dekeshi?) foi transferido para ser o superintendente da ferrovia de Carajás. Ele ficou um ano neste cargo. E aí eu fui com ele para São Luís, logo depois que ele foi. No meu lugar ficou o (Eustáquio Loti?), lá deGuanhães. O (Eustáquio?)... fui eu que, na minha época, eu contratei o (Eustáquio?). Aí eu fui para São Luís, fiquei alguns meses com a área de recursos humanos, mas aí o (Dekeshi?), aquelas... precisa um pouco de coragem também. Mas o (Dekeshi?) é um cara muito corajoso. Ele me designou como gerente geral do transporte. E tinha uma gozação, que talvez eu tivesse um ferrorama em casa, então eu já devia conhecer alguma coisa daquilo. (riso) Era o argumento. (riso) E quem me perturbava muito, o (Schettini?) já há muito tempo usava isso: "Ferrovia é a coisa mais fácil do mundo. Você estuda o método, que o resto é tudo igual." Essa era a teoria que o (Schettini?) enchia o saco. (riso) Bom, aí fui ser gerente geral do transporte. Aí é outro desafio, porque aí é uma área desconhecida, mas a área que realmente.... qual a área que você mais gostou, mais gosta de fazer? É trabalhar com ferrovia. E agora é trabalhar com logística. E eu comecei naquela época trabalhando com... sendo gerente geral de transporte. Com menos de um ano, o (Dekeshi?) saiu, eu assumi a superintendência da Estrada de Ferro Carajás. Eu fiquei quase três anos lá, como superintendente da Estrada de Ferro Carajás. E é o que eu falei: "Qual a área que você mais gosta?" "Ferrovia." "Qual o lugar que você mais gostou de morar?" "São Luís do Maranhão." Até hoje. As coisas são diferentes, porque tem pessoas que não se adaptam de jeito nenhum a São Luís. E eu, foi uma felicidade poder ter voltado agora, para ser diretor do sistema norte, por mais um ano, e morar mais um ano em São Luís. Então ferrovia e São Luís nessa trajetória toda. Eu fiquei naquela época quase quatro anos em São Luís, e três anos como superintendente da ferrovia. Realmente muito novo. Eu era geólogo, tinha trabalhado um pouco em mineração, mas muito em planejamento de lavra, um pouco de produção, no manganês. Aí virei gerente administrativo, com essa diversidade, coisas novas. E aí sim uma coisa muito nova, que foi ferrovia.
P/1 - Você fez algum curso de administração, gerenciamento?
R - Fiz, vários. A Vale sempre tinha isso para o quadro. Então teve vários módulos feitos na Fundação Getúlio Vargas. Eu fiz cursos de natureza técnica no exterior, na França, mas muito voltado à Geologia, tratamento de minério, a Geologia Econômica, fiz curso na Escola Nacional de Geologia de Nancy. E mais: eu era superintendente da Estrada de Ferro, eu fiz um curso muito bom, que é um curso ______ do (IPGA?), lá em (Fontaneuble?), um curso de gestão. Então tive um suporte, claro que sim. Na área de gestão, com certeza.
P/2 - E qual foram os seus desafios na superintendência _____?
R - Olha, a estrada para mim foi um negócio apaixonante, trabalhar com aquilo. E foi um período de muitos ganhos operacionais, felizmente. Porque quando a gente trabalha de forma apaixonada com aquilo, e os antecessores também, claro, mas eles acho que tinham passado por aquele período que foi de implantação, de começo, de formação de equipe, tal, e eu peguei um período bom. Que pegar uma coisa já... foi diferente de Carajás... uma coisa que base estava feita, e partir para expandir, para crescer, para melhorar desempenho. E é isso que eu gostei e gosto. E já tinha uma base feita pelo início. Aí foi muito bom. Consegui constituir uma equipe muito boa, daqueles que eu considero meninos, da época, que foram recrutados, nos programas que antecederam ao (PCJ?), um deles, quando eu fui superintendente, nomeei ele gerente geral de transporte, que é o (Elesbão?). Hoje ele é diretor da Ferronorte, saiu da Vale, tal. Nós constituímos uma equipe ótima lá. Então é um desafio. Mas foi um desafio que realmente foi rico porque a gente estava batendo recorde de produção, melhorando desempenho em tudo, tal, então foi ótimo. Estava a base pronta para você decolar. E a estrada de ferro acho que ela realmente decolou a partir daquela época.
P/2 - Teve alguma solução que tenha ficado marcada para você?
R - Teve várias. Nós mexemos em tamanho de trem, nós... eu comecei... eu achava o pessoal da ferrovia um pessoal chato, porque eu não vivia... Quem vivia muito a relação ferrovia-mina era o gerente da usina, o gerente da mina ______, eu assistia aquilo tudo. E em Carajás a gente convivia muito. Mas esse pessoal da ferrovia é um bando de chato. Quando eu fui para a ferrovia é que eu vi que o pessoal chato era o da mina. Difícil para burro de trabalhar. A ponto... tem algumas soluções... a ponto de a gente autorizar investimento dentro da mina para otimizar tempos de treino nosso no pátio lá de carregamento, tal. E várias soluções de otimização da operação ______.
P/2 - __________ interferir na mina.
R - Com a concordância da mina, mas com a recusa da mina ______ investi. Nós fizemos todo um investimento no _____________, tal, de um tempo de sete horas, que o trem demorava chegando lá até sair, com espera, carregamento, tudo, foi reduzido para três horas e meia. Isso é um ganho brutal. Mas, então, foi uma época de otimizações, de tamanho de trem, de velocidade, de administração de pátios terminais, de um programa de eficiência energética muito grande. E Carajás, a ferrovia de Carajás, (é?) campeã mundial em eficiência energética, disparado. Então foi um período muito bom. Não queria ter saído de lá.
P/2 - Saiu...
R - Saí porque eu fui (xerifado?) para sair. (riso)
P/1 - Foi convidado...
R - Fui convidado pelo (Schettini?), meu amigo (Schettini?). O Breno foi convidado para ser, à época, e tinha que assumir a Secretaria do Ministério das Minas e Energia. Ele era o presidente da Docegeo. Aliás o (Schettini?), ele achava que geólogo com ferrovia não combina. E ele não falava direto para mim, mas falava para os outros: "Thiers, eles devem enjoar quando andam de trem. Então não combina." (riso) Aí o Breno saiu para Brasília e o (Schettini?) me convidou para ser presidente da Docegeo. Aí vim para o Rio, eu não queria vir para o Rio. Eu tinha uma relação, assim, até muito grande com a Docegeo. A Docegeo foi criada depois... eu já estava na Vale quando a Docegeo... Todo mundo, eu tenho amigos, a Docegeo sempre foi uma coisa que teve muita relação com a minha vida. Mas naquela época... Talvez no passado a Docegeo teria sido uma coisa que eu nem sonharia. Mas naquela época eu ia ser o superintendente da ferrovia, ou trabalhar com transporte, logística. Mas eu fui convidado para ser o presidente da Docegeo. Não gostei, mas é claro que na Docegeo foi um período também muito bom. Exatamente por causa disso, de toda uma relação de amizade e de uma equipe muito boa. E eu fiquei um ano diretor da... foram duas áreas aí que eu fui meio colocado sem saber muito... foi esse da Docegeo. O Breno saiu, terminou lá o mandato, saiu, o ministro mudou, não me recordo, saiu. Aí ele retornou para a presidência da Docegeo. E aí eu fui ser presidente da Alunorte. Aí sim um grande aprendizado na minha vida. Foi um período... alguns marcos. Quando eu fui gerente administrativo foi um período de grande aprendizado, quando eu fui gerente geral do transporte, o começo da superintendência de Carajás foi uma outra grande mudança, e aí quando eu fui para a Alunorte. Uma indústria química, complexa, muito grande, que teve problemas de projeto no início da operação muito sérios, tinha uma dívida monstruosa. Aí esse foi um período muito grande de aprendizado. Aprendizado em gerenciamento, me envolver em questões de natureza financeira, me envolver em questões técnicas. ________ queria negociar todo o contrato de fornecimento de Geologia com a Alcán, foi uma batalha. Esse foi realmente muito trabalho, desafio, assim, mas paralelamente um aprendizado muito grande. Foi bom, aliás todos esses períodos foram bons.
P/1 - A sua mulher, ela pedia transferência?
R - Ia junto.
P/1 - Também pedia transferência?
R - Minha mulher também gostou muito de trabalhar em São Luís. E ela, quando eu vim para a Docegeo, ela ficou ainda um tempo em São Luís, ela veio, mais para o período final da Docegeo, ela veio para o Rio. Quando eu trabalhei na Alunorte, morava no Rio, ela trabalhou aqui na área de meio ambiente no Rio, mas não foi um período bom para ela. Porque a minha mulher sempre teve um trabalho de execução de campo. Então aqui realmente não foi muito legal. E daqui ela mudou para Vitória. Aí não me acompanhou mais, no que ela fez bem, porque senão... porque cada mudança é um transtorno, você acaba vendendo apartamento, comprando apartamento, não sei o que, estraga isso, estraga aquilo, troca aquilo lá. Isso é um transtorno enorme, eu acho que de casa eu mudei 14 vezes. E de locais, assim, 12, 13. Então é um negócio meio... Então ela parou de ir atrás, e foi ótimo, ela já não foi para Barcarena, porque eu ficava muito tempo em Barcarena quando estava na Alunorte, ela morava no Rio. Bom, aí fiquei na Alunorte, foi privatizada a Vale, eu era presidente da Alunorte. Teve aquele negócio das pessoas decidirem, principalmente superintendentes, diretores, decidirem se iam sair ou ficar. E eu decidi ficar, independentemente de qualquer coisa. E aí o (Moza?) assumiu a diretoria executiva de minério de ferro, me convidou para ser diretor do sistema Sul, que compreendia mina, ferrovia e porto, aqui em baixo. E aí fui para Vitória, fiquei um ano e sete meses em Vitória como diretor do sistema Sul, que foi o período da privatização. Foi um período bastante traumático, saíram 4 mil pessoas. Nós queríamos, no nosso plano de negócios, nós íamos ter 2.500 empregados a menos para funcionar da maneira que tinha sido planejada. Mas tinha uma demanda reprimida além de pessoas, porque teve que tirar... muita gente queria sair porque esperavam aquela _____, aquele prêmio na saída, aquele incentivo à saída, e as pessoas estavam esperando isso. Então quando teve isso foi uma... saíram 4 mil pessoas em poucos meses, saíram 4 mil, nós contratamos 1.500 novas pessoas.
P/1 - A meta era um corte de 2.500. Saíram 1.500 pessoas a mais.
R - Então nós recrutamos rapidamente gente nova, foram recrutados 1.500 muito rapidamente. Saiu naquela época 50% do quadro de maquinistas, de uma hora para a outra. Até gente que a gente não queria que saísse. Mas foi, foi um período traumático. Quando sai... não pode, você está numa organização que sai 4 mil pessoas etc, que não seja traumático. Mas por um lado o sistema Sul se organizou numa outra concepção, e foi muito bem.
P/2 - Que outra concepção?
R - Essa de um diretor... hoje mudou já um pouco... um diretor que tomava conta do processo todo, que era o da produção de minério de ferro, desde a sua produção, até embarcar no navio. Então era todas as minas, a estrada de ferro e todo complexo portuário. Em um comando só. E com isso aí havendo uma racionalização enorme de tudo quanto é serviço de apoio, tudo, estava tudo sob uma gestão só, e não rachado em várias superintendências como existia anteriormente. O que foi muito bem para a empresa. A economia que a empresa... um dos motivos do grande lucro da Vale foi toda essa reorganização, não só no sistema Sul mas como na empresa toda. Quando você teve, em um primeiro momento, uma redução de custo brutal, dentro dessa nova concepção.
P/2 - Thiers, pessoalmente, como é que você viveu a expectativa da privatização?
P/1 - Você participou de alguma maneira?
R - Ah, foi um período... um pouco no início, depois não, um pouquinho no início. Mas foi um período de grandes... de uma expectativa, de uma ansiedade, não há como não ter uma ansiedade naquele negócio. "Bom, eu vou ficar, eu vou sair, eu quero sair? Como é que faz? Eu saio para procurar emprego? Eu não saio? Como é que faz?" Porque naquela época eu já fazia parte de um escalão elevado, eu era diretor de uma das empresas grandes da Vale, no caso a Alunorte, na época da privatização. Mas eu resolvi... existia uma tal de DDE. Que foi colocado: "Você sai, recebe a DDE, ou você fica." E eu: "Deixa essa DDE para cá, vou ficar... não tinha nenhuma promessa de coisa nenhuma. Mas eu resolvi ficar, ficar e ficar dentro da Vale.
P/1 - O que que é DDE?
R - DDE é uma Decisão de Diretoria Executiva. É o seguinte: se você saísse você tinha um incentivo, caso você pedisse demissão. Igual nós tínhamos o superintendente, diretor, nós tínhamos uma condição especial de um benefício, um incentivo bastante grande. Era cerca de 20 salários, você recebia 20 salários, fundo de garantia, não sei o que, não sei o que lá, você fazia um bolo e saía. Isso era uma condição de incentivar a essas pessoas desse cargo a sair de uma empresa. Mas eu, na época da privatização, foi colocado: "Olha, você quer exercer seu direito, ok, exerça." Que era um direito. "Se você não quiser __________, e saia." Porque realmente é um incentivo. "Se você não quiser exercer o direito, você desiste desse direito." Muita gente saiu, outras ficaram. Eu resolvi ficar e abrir mão desse direito.
P/2 - _______________
R - É aquele negócio. Porque...
P/1 - Depois você vai ser mandado embora...
R - Pois é, será que não é melhor eu ir procurar um emprego, pegar esse dinheiro e tentar procurar um emprego, batalhar um emprego aí? Mesmo empregado, deixa eu arrumar um emprego, peço demissão, recebo essa grana e vou para esse emprego. Mas não, eu resolvi ficar. Não fui procurar o emprego, não fui. E foi bom.
P/1 - Você não tinha nenhuma garantia?
R - Não. Zero de garantia. Nenhuma. Não tinha sido convidado para nada. Depois é que eu fui convidado para ir par o sistema Sul.
P/2 - Na Alunorte você tinha ficado quanto tempo?
R - Fiquei três anos.
P/2 - Três anos? O período de inauguração...?
R - Finalzinho da obra, foi o período da inauguração e início da operação. E realmente hoje a Alunorte é o patinho feio, o pessoal de lá que fala, que virou o cisne. Hoje é uma empresa muito bem sucedida, arrumou sócio, está sendo expandida, está gerando... equacionou toda a situação financeira, está gerando, está agregando um valor enorme nessa cadeia toda do alumínio da Vale...
P/1 - Quanto tempo ela está fazendo hoje, a Alunorte?
R - Bom, a Alunorte, ela foi fundada no comecinho da década de 80. Mas ela parou. Em ___ de ter parado, ela acumulou uma dívida monstruosa. Quando o (Schettini?) reassumiu a presidência, se decidiu por retomar a Alunorte, porque ou parava e botava tudo aquilo como prejuízo, e assumia aquele prejuízo e acabou... E as coisas praticamente empatavam. Ou tocava para a frente, tal, e carregava aquela dívida. Foi uma das decisões mais acertadas que eu já vi, que eu vi o Ulisses, o (Ulisses Freitas?), que foi presidente da Alunorte, na época do (Schettini?) e depois foi diretor da Vale na época do (Schettini?), e que realmente convenceu a diretoria da Vale que a Alunorte era um projeto a ser tocado. Foi tocado e é um projeto extremamente bem sucedido hoje, e aquela dívida vai ser paga, está sendo paga, e está gerando lucro. E naquela época acho que teria que se jogar a prejuízo cerca de 400 milhões de dólares. Então foi uma decisão extremamente bem tomada. Mas que precisa coragem para tomar também. E o Ulisses teve, e o (Schettini?) também teve.
P/1 - Por que que ela dava prejuízo?
R - Porque existiam sócios japoneses na época, era meio a meio, depois o percentual dos japoneses foi caindo. E a Alunorte começou a ser construída, e se fez empréstimos. Então começou-se... quando começa a fazer um projeto, e todo dinheiro que tem lá, quanto mais rápido você terminar, ele começa a gerar dinheiro para poder pagar. Aí teve um problema com preços de alumínio no mercado internacional, e que os japoneses decidiram parar o projeto. Então o projeto ficou parado anos, mas muitos anos, uma década, sei lá o que. Então com todo aquele capital que já tinha sido investido, parado, e acumulando juros em cima daquilo. Então toda essa dívida de toda essa década que ficou parado foi incorporada ao projeto como dívida a pagar. E por isso que tinha essa dívida tão grande.
P/2 - E depois, o sistema Sul?
R - O sistema Sul, um desses repentes aí do (Moza?), que acho que foi uma boa ideia também, mas, assim, ele me chamou no Rio: "Escuta, eu estou querendo te transferir para o sistema Norte." Eu falei: "Está bom. Quanto tempo?" "Dá para ser daqui uma semana?" (riso) Eu falei: "Dá." (riso) Aí eu fui... Mas foi já numa coisa mais... ele já tinha maturado bastante, foi bem pensado, nós levamos toda uma equipe daqui, com uma condição já definida, especial, para lá, de tal maneira que se conseguiu fazer uma coisa positiva: se mesclou a equipe do sistema Norte com o sistema Sul tanto lá... subiu bastante gente e desceu bastante gente. Então... Foi comigo um grupo de gerentes e desceu com o (Juarez?) um grupo muito grande de gerentes em Carajás, e se mesclou isso aí. Eu acho que foi uma decisão boa. Eu fiquei um ano lá em São Luís, onze meses para ser exato. E aí...
P/2 - E voltar para Carajás...
R - E também me chamou no Rio e falou: "Olha, vamos lá para a Ferrovia Centro-Atlântica, eu agora estou na Ferrovia Centro-Atlântica desde abril, que é um desafio bom também.
P/2 - Como é que foi essa história da Ferrovia Centro-Atlântica?
R - Bom, essa é uma história mais recente, então saí do sistema Norte, eu vim sozinho para... quer dizer, não foi como quando eu fui para o Norte, que eu levei toda a equipe que foi junto, não, eu vim sozinho. É realmente uma empresa complexa, ela é uma empresa que são 7 mil quilômetros, a gente atua em seis Estados, 7 mil quilômetros, a maior malha ferroviária brasileira. Mas é uma malha comprada do governo, que está a via permanente deteriorada, as locomotivas sucateadas. Então é todo um programa de investimentos que tem que ser cuidadoso para que ela dê retorno, em termos de recuperação de malha. Mas muito importante, porque ela faz parte de todo o esquema da logística da Vale, onde você tem o complexo... os principais elementos: complexo portuário de Tubarão, a Vitória-Minas e a Ferrovia Centro-Atlântica, que entra em todos esses Estados, vai para Bahia, Sergipe, Minas Gerais, Goiás, a gente tem direito de entrar em São Paulo também, Rio de Janeiro. Isso tudo considerado dentro de uma concepção única também: complexo portuário, Vitória-Minas e toda essa penetração via Ferrovia Centro-Atlântica. E que está, agora, já estamos caminhando bem, já estamos melhorando, e vai dar certo. Desafio bom, mas que vai dar certo.
P/2 - A equipe da Ferrovia é o pessoal da Vale ou é da antiga malha?
R - É misto, é mesclado. Algumas pessoas da Vale e algumas pessoas remanescentes da rede ferroviária. Então é uma equipe mista.
P/2 - E o convívio?
R - Está bem. É aquele negócio. O pior momento acho que foi no início. Como a ferrovia já foi privatizada... Ela foi em final de 96, definitivamente em 97, que foi o ano... então aquele período de desmobilização, que a rede fez antes, depois foi feito, depois de privada, isso já passou. Então agora é momento de consolidar e partir para crescer. Então a convivência é tranquila hoje. São várias culturas, e que no fundo o desafio é criar uma cultura _______, muito atrelada aos interesses da Vale, que é a controladora. Onde tem cultura da Vale, cultura de rede (que veio do?) mercado e cultura da antiga rede. E a gente realmente construiu uma empresa. Um desafio bom, mas é complicado, porque é uma empresa cheia de problemas de ordem financeira, e tudo o mais.
P/1 - Está acertando as contas?
R - As contas e recuperando a empresa, a gente está com locomotivas, a nossa frota de locomotivas lá deve ter uns 30 anos a mais de idade média. Você tem que realmente recuperar a locomotiva, recuperar o vagão, recuperar a linha, tal, botar para produzir. Mas está indo bem. Está dentro do planejado.
P/1 - De um modo geral, quais são as principais mudanças, ao seu ver, depois da privatização?
R - Bom, imitando o Ubirajara, um engenheiro que trabalhou um tempo em Itabira, tem vantagens boas e tem vantagens ruins. (riso) Não é? Bom, a Vale realmente, é... mas a Vale realmente... (riso) O que que você está rindo? Mas foi fundamental para a Vale, e a Vale cresceu de uma maneira sensacional após a privatização, ela teve todo um rearranjo interno. Todas aquelas, digamos, que a gente chamava, aquelas mazelas, toda aquela coisa ruim estatal, muita gente, muita influência política, muito investimento que não tinha exatamente aquela direção... Embora a história de estatal da Vale seja um história muito boa. É diferente da história estatal, digamos, das empresas brasileiras. E eu que sou daquela época eu só tenho orgulho também dessa época. Mas a privatização trouxe isso, ela praticamente acabou com essas coisas. É isso aí é muito bom para a empresa, a empresa cresceu, está forte, está tendo um resultado excelente. Tem algumas coisas que no meu ver acho que a gente tem que passar a cuidar um pouco melhor daqui para a frente, e acho que certamente serão cuidadas. Mas aí tem a vantagem ruim. Mas ela logo... isso certamente logo vai ser revertido. Em termos de empresa, de consolidação de empresa, de estratégia de empresa, de fortalecimento, de bom negócio para o governo, isso aí não tem dúvida que foi excelente para o governo. Hoje o governo recebe, a empresa gera muito mais imposto, eu acho que foi um dos grandes exemplos bem sucedidos o programa de privatização brasileiro. Acho que a Vale... talvez um troço, talvez, um emblema, uma coisa assim. Olha, essa é uma grande empresa que foi privatizada e que continua cada vez mais uma grande empresa brasileira. E uma ou outra coisa que precisa ser corrigida certamente será no processo.
P/1 - Fora trabalhar na Vale, quais são suas atividades de lazer?
R - Eu, bom, de lazer não tenho nada que destaque de grande interesse, que pegue, assim, tipo uma pessoa que tem uma atividade muito marcante. Eu sempre trabalhei na Vale, até hoje, desde que me formei. Até antes de me formar. Então eu tenho um envolvimento muito grande com a Vale. E a atividade de lazer acho que não são muito diferentes pelo menos da maioria das pessoas. Eu adoro música, adoro ir em um bar, adoro ler, cinema...
P/1 - Nadar! (riso)
R - Nadar não gosto. Adoro uma praia, não do Rio. Adoro uma praia do Nordeste. Adoro isso, mas não nadar, eu gosto mais da areia. Eu e o Rigotto ficávamos em São Luís tomando cerveja na praia, e ficava acumulando aquelas garrafas de cerveja. E teve uma época que tinha muito tubarão na praia, até um surfista acho que perdeu uma perna lá. "Rigotto, nós não corremos o risco. Se esse Tubarão vier na água, nós vamos dar uma garrafada nele." (riso) Na água a gente não entrava muito não. (riso) Ok? Mais alguma coisa?
P/1 - Tem umas perguntinhas?
R - Então vamos lá.
P/1 - Você falou... e seus filhos moram em São Paulo?
R - Moram em São Paulo.
P/1 - Qual a idade deles?
R - O mais velho tem 26 e está terminando Engenharia Química na USP agora, esse ano. E o mais novo foi para lá esse ano, ele fez 19 agora, em outubro, nesse mês, e está fazendo Administração de Empresa no IBMEC. Minha mulher mora em Vitória, trabalha na área ambiental, e eu moro em Belo Horizonte, trabalhando na Centro-Atlântica.
P/1 - Pensando na sua trajetória de vida e profissional, você mudaria alguma coisa se você pudesse mudar?
R - Eu não, eu acho que não, porque você pode ter algum conflito na hora, tipo: "Ah, eu não queria sair de São Luís, eu não queria sair da ferrovia, como eu falei aqui. Mas tudo isso eu acho que soma e eu não interferiria em nada do que aconteceu não, eu acho que não. Eu acho que foi e continua sendo um aprendizado enorme. E bom, desafios muito bons, eu sempre fui... eu sempre gostei muito da empresa, e sempre me dediquei também muito. Essas coisas têm que ser dos dois lados. E eu não mudaria acho que nada não.
P/1 - Você tem sonho, um grande sonho, vários sonhos?
R - É, acho que todo mundo tem. Claro que tem, em nível pessoal tem, lógico que tem. E eu acho que o meu grande sonho é continuar a minha vida me dedicando mais um pouco a minha vida pessoal, a minha vida particular. Mas conciliando, enquanto eu puder, seja na Vale ou fora dela, essa vida pessoal mais rica, ela poderia ter sido mais rica, mais rica, mas conciliando, trabalhando até os últimos dias que eu tiver, porque eu não consigo me enxergar sem ter uma atividade, sem estar tendo um desafio, sem estar batalhando. E é isso que eu quero. Claro, várias coisa aí, muito pessoais, que eu quero na minha vida, e que tem sido relegada, que eu quero resgatar isso aí, botar aqui para dentro, conseguir. Mas paralelamente continuar trabalhando na atividade, que eu considero importante e desafiador, seja na Vale ou fora dela, porque isso aí... Eu não explicitei o meu sonho, mas vai por aí.
P/1 - Afinal, tem alguma coisa que a gente não tenha perguntado, deve ter milhares de coisas?
R - Milhares de coisas, que eu não ____ falar...
P/1 - E que a gente não perguntou também?
R - Não.
P/1 - Que você gostaria de deixar registrado?
R - Não, porque eu acho que tem pessoas extremamente importantes na Vale, e esse é um projeto que se refere à Vale, pessoas extremamente importantes. Eu citei duas ou três pessoas aqui, mas pessoas que desempenharam papéis fundamentais na Vale em vários momentos, e ainda bem que eu não citei nenhuma, porque se eu fosse citar eu ia esquecer muita gente. E depois eu ia ficar: "Pô, mas como é que eu não lembrei de falar de fulano?" Ia dar uma relação enorme. Então se algum desses companheiros meus aí, que eu... eu digo, olha, eu não citei ninguém porque não daria mesmo. Porque tem uma relação enorme de pessoas aí. Talvez uma pessoa, pelo início, por tudo que significou no momento, por acreditar, por me colocar, só uma, embora tenha toda aquela relação, é o (Vanderlei Baisito?). Foi o cara que ajudou a me recrutar, junto com o Domingos, me escolheu, fui para Carajás no início, trabalhamos juntos numa relação de companheirismo, assim, foi muito importante para a minha vida, o (Vanderlei?). Não sei se vocês conhecem, você conhece.
P/1 - Conheço. Para terminar, o que que você achou da experiência de ter dado esse depoimento para um projeto de memória patrocinado pela própria Fundação Vale do Rio Doce?
R - Eu acho um projeto sensacional, não pelos depoimentos individuais. É porque, evidentemente, pelo produto que ele vai ter. Não interessa muito o depoimento do Thiers isoladamente, ou a experiência do Thiers isoladamente. Mas pelo produto que esse conjunto todo vai propiciar de conhecimento, de primeiro você ter preservado, resgatado ou preservado a memória de uma empresa sensacional, como é a Vale. E de você poder ter acesso a isso, poder trabalhar em cima disso, esse conjunto de coisas. Aí eu dou muito pouca importância a depoimentos individuais, mas sim a esse conjunto que a Vale, através da Fundação, está construindo e está preservando, para entender a história de uma organização como essa. Aí sim, dez para o projeto. (riso)
P/1 - (riso) Ah, obrigada pela entrevista super simpática.
R - Obrigado vocês.
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