Entrevista de Paulo Henrique Rodrigues
Entrevistado por Epaminondas Junior e Pedro Sarmento
Maceió, 25 de junho de 2025
Projeto Memórias que não afundam
PCSH_HV005
00:26 P/1 - Boa tarde, Paulinho.
R - Boa tarde.
P/1 - É uma honra estar aqui com você, na sua presença. E para começar, e gostaria que você se apresentasse, dissesse o seu nome, local e data de nascimento.
R - Meu nome é Paulo Henrique Rodrigues, nasci em 03 do quatro 1977, em Maceió, Alagoas. Nasci numa maternidade e vim morar no bairro do Pinheiro.
0:52 P/1 - Qual o nome de seus pais.
R - Meu pai é Florentino Rodrigues Neto e minha mãe Maria Anália de Brito.
P/1 - Você poderia falar um pouco sobre o trabalho que eles faziam, desenvolviam?
R - Meu pai era marceneiro, tinha uma marcenaria, ele. Depois, em 91, ele faleceu. E minha mãe é funcionária da prefeitura.
1:18 P/1 - Você teve algum contato com essa marcenaria?
R - Cheguei a ter.
P/1 - Aprendeu a profissão também?
R - Não, não, que eu ficava agoniado com pó de serra.
1:30 P/1 - Tem irmãos?
R - Tenho sete irmãos.
P/1 - Sete irmãos? Você podia falar sobre seus irmãos?
R - Eu tenho cinco que era de parte de pai, que o meu pai casou com a primeira esposa dele e teve cinco. E três com a minha mãe. Incluindo eu, os três.
P/1 - Você tem um bom convívio com todos os seus irmãos?
R - Tinha.
1:56 - Quando você foi morar no Pinheiro, em que lugar do Pinheiro você veio morar?
R - Na Rua Manoel Menezes.
P/1 - Manoel Menezes. Tem um ponto de referência?
R - Próximo o portão do CEPA [Centro Educacional de Pesquisa Aplicada], o portão lateral.
P/1 - E nesse lugar você brincava com o seus irmãos? Você já morava com os seus irmãos?
R - Morava, morava.
P/1 - Você pode falar um pouco dessas brincadeiras?
R - Com as duas irmãs minha, a gente brincava, a gente criança, brincava de garrafão, pega-pega, de pular corda.
2:36 P/1 - Vocês estudavam na região?
R - Estudava, no CEAGB [Centro Educacional Antônio Gomes de Barros].
P/1 - No CEPA.
R - Foi no CEPA.
P/1 - Qual era o colégio?
R - Eu estudei no Vitorino, estudei no Princesa, estudei em Laura Dantas.
P/1 - Fez todo o ensino…
R - Eu parei no segundo ano.
2:56 P/1 - Me fala um pouco mais dessa situação que você viveu nessa época com seus irmãos, em termos de convívio com seus irmãos, era bom?
R - Convívio, bom.
3:09 P/1 - A rua que você morava no Pinheiro era bem arborizada, tinha muitas árvores, assim? Era uma rua agradável?
R - Era uma rua de comércio.
3:18 P/1 - Me fala um pouco desses comércios?
R - Tinha um bar de esquina, o ChamBar. Tinha a venda do Seu Orlando. São comércios antigos.
P/1 - Todos eles no Pinheiro?
R - É, no Pinheiro. Tinha uma sorveteria também da esquina.
P/1 - Você lembra, você circulava?
R - Circulava, tenho amizade com todos. A gente era com uma família todo mundo se conhecia.
3:48 P/1 - Na sua infância, você já brincava nesses lugares, já existiam esses lugares, né? Na juventude você também frequentava esses lugares ou só na infância?
R - Frequentava.
P/1 - Foi a sua vida inteira?
R - A minha vida inteira.
4:10 P/1 - Me fala uma coisa, você tem filhos. Então, como foi o seu relacionamento, como começou o convívio com a sua esposa? Você conheceu a sua esposa na escola, no colégio?
R - Eu conheci no bairro do Pinheiro.
P/1 - Você pode contar um pouco dessa…
R - Eu trabalhava numa lanchonete. Eu com 15 anos trabalhava numa lanchonete, no Passaporte, e aí ela frequentava lá, a gente se conheceu. Tive quatro filhos com ela. Meus filhos também foram todos criados no bairro do Pinheiro.
4:41 - Você poderia falar um pouco dos seus filhos?
R - Eu tenho duas meninas gêmeas, Bianca e Brenda. Tem o Paulo, tem o Guilherme. Todos
a gente morando lá no Pinheiro.
P/1 - Eles ainda moram aqui perto de você?
R - Mora, está morando na Avenida Rotary.
5:01 P/1 - Eles casaram? Você já tem neto?
R - Casaram, eu tenho uma neta.
P/1 - Fala um pouco da sua neta?
R - Minha neta tem três anos, espertinha. Como eles casaram, eu vejo pouco a minha neta.
P/1 - Mas ela mora em Maceió?
R - Mora em Maceió.
5:28 P/1 - Você falou que você trabalha no passaporte.
R - Foi.
P/1 - Como era esse trabalho no Passaporte? Você foi por que você precisava? Por que você chegou no Passaporte, começou a trabalhar no passaporte? Era um sonho seu trabalhar no Passaporte? Era o que?
R - É porque não tinha emprego. Não tinha emprego, eu aprendi essa arte, me deram a oportunidade para trabalhar, eu aprendi e depois eu abri meu próprio negócio. Porque eu fui procurar emprego, até ir trabalhar no Passaporte. E as portas tudo se fechando. Eu digo, vou abrir o meu. Aí, graças a Deus deu certo. Eu passei quase 30 anos trabalhando, conquistei muitos imóveis no bairro do Pinheiro. Tudo através desse trabalho meu.
6:26 P/1 - E você tinha quantos anos Paulinho, quando você começou a trabalhar no Passaporte?
R - 15 anos.
P/1 - Com 15 anos você começou? E como foi esse trajeto, dos 15 anos até você montar o seu? Você poderia me contar como foi esse trajeto?
R - Foi um trajeto difícil. Eu trabalhei num passaporte de um rapaz chamado Oberlan, e eu vi um carrinho.“Inclusive, eu estou com esse carrinho guardado aqui! Abandonado no quintal da casa dele. E nisso eu fui servir o exército. E eu disse: “Ah, Oberlan, me dá esse carrinho que está lá no quintal”. Porque ele queria me pagar o tempo que eu trabalhei. Aí, eu fiz um acerto com ele, para ele me dar esse carrinho abandonado. Aí, quando eu saí do exército, eu reformei o carrinho. Aí, eu fui vender batatinha e pastel frito, numa esquina. Inclusive, na esquina de um bar que tinha, chamado ChamBar. A proprietária e o proprietário, dona Margarida e seu Diógenes, me deixaram colocar lá, não me cobraram nenhum custo, só para me ajudar, que gostavam de mim. E eu comecei a ganhar meu trocadozinho. E depois, como eu já trabalhei com passaporte, eu digo, vou botar o passaporte. Aí, o passaporte foi melhorando, melhorando. Aí, eu pegava ônibus, ia para o mercado, era levando os sacos na mão, pegando ônibus, não tinha automóvel, não tinha carro para… Era muito difícil. Foi muito difícil. Muitas vezes eu esquecia as mercadorias dentro do ônibus, cansado, eu esquecia. E depois eu ia no terminal de ônibus, ver se estava lá a mercadoria. Mas foi umas duas vezes que aconteceu, eu descia sem mercadoria, só cansado. Aí, os cobradores, “não, está aqui!” E me entregavam. Foi uma luta. A pessoa fica se lembrando das batalhas, mas foi gratificante.
8:41 P/1 - Aí, inicialmente, você montou o seu passaporte aonde, qual local da região?
R - No bairro do Pinheiro, vizinho à venda do seu Orlando, a antiga venda do Seu Orlando. Inclusive, eu trabalhando, aí um rapaz no Benedito Bentes comprou o prédio. E essa esquina estava abandonada. Estava abandonada. Aí, eu pintei a frente, fiz uma calçada. Com o lucrozinho do passaporte, eu fui dando uma melhorada, comprava umas mesas melhores. E fui tomando conta da esquina do rapaz. O rapaz chegou pra mim e disse: “Paulinho, eu vou vender aqui. Queria lhe perguntar, quando vim uma pessoa aqui para comprar você vai sair numa boa? Que já me pediram até para tirar você daqui, os vizinhos, porque você podia vir com problema.” Eu disse: “Olhe, triste eu vou ficar, mas o imóvel é seu, se você disser assim: saia hoje! Eu tenho que sair.” Depois dessa conversa que eu tive com ele, ele confiou em mim, que como eu disse que saia. Ele perguntou se eu tinha interesse em comprar. Eu disse: Olhe, só se você me vender fiado. Só que ele queria, na época, R$32.000,00. Eu peguei o dinheiro que eu estava, eu comprei uns carros, comprei dois carro usados, para ajeitar e ganhar um dinheirinho no carro. Aí, os meus dois carros valia na faixa de R$8.000,00. E vendia rápido ele. Aí, eu conversando com ele, ele disse: Por que você não chama uma pessoa pra comprar de meio com você? Aí, eu chamei um colega meu pra comprar de meio. O meu colega quis ficar com a esquina, eu fiquei com a outra parte. Aí, eu paguei R$15.000,00 numa parte, e meu colega pagou R$17.000,00 na esquina. Aí, eu vendi os dois carros por R$8.000,00, dei R$8.000,00 ao rapaz e ele parcelou o outro valor em parcela de R$1.500,00, para formar os R$15.000,00. Aí, foi quando eu comprei o terreno e construí a lanchonete. Pronto!
11:18 P/2 - Como era a relação da sua família com esse negócio que você tinha? Eles iam também, lanchavam, participavam também no seu dia a dia do trabalho, ou eu era só você trabalhando e funcionários, ou tinha convívio com seus familiares?
R - Era eu só. No começo minha mãe me ajudou. Minha mãe me ajudou, me ensinou a fazer a carne. Minha mãe me ajudou, no começo, depois minha mãe via que estava ficando uma bagunça a casa dela, minha mãe tava abusada, mandando eu acabar com o negócio, mandando eu arrumar emprego. Eu cheguei, ainda fui trabalhar de motorista para um médico, Doutor Pereira, da ______Pernambucano, fui trabalhar com ele. Mas só que eu ficava com o passaporte e trabalho de motorista para o médico. A pessoa trabalhava a noite, ai o sono, viajava com ele. Chegou um momento, que eu dei umas cochiladas, ele chegou para mim, disse: “O Paulinho, você tem que decidir, se você quer trabalhar comigo ou se vai ficar com seu passaporte. Porque você cochilou, rapaz, umas duas vezes.” Eu digo: “Não, Doutor, eu vou ficar no meu passaporte mesmo.” Aí, eu acreditei. E fiquei acreditando. Mas pela minha mãe… Que ela dizia: “isso não tem futuro, não!” Porque no começo, eu cheguei a vender, dois sanduíches. Tinha dia que eu não vendia nenhum. Chegou um amigo meu… Até hoje eu não esqueço, o Florestão, um colega meu, de ele dizer, assim: Paulinho… Ele, graças a Deus, tem uma condição melhorzinha, ele andava muito na praia. Ele morava no Pinheiro, mas andava mais na parte da orla. Chegou um momento de ele dizer, assim: “Paulinho, eu saio assim, pra curtir, tudo, eu passo por vários cantos para lanchar. Mas eu venho lanchar aqui com pena de você.” Rapaz, chegou a dizer isso pra mim, ele. Ele disse que pensava em mim… Como quem diz assim: eu quero dar o lucro para o Paulinho, não quero dar para outra pessoa. Ele gostava de estar conversando comigo. Ele sentava do meu lado, a gente ficava conversando e o tempo passando. A pessoa com um comércio, serve até de psicólogo. A pessoa vai conversando, o cara dá um desabafo do seu problema.
13:51 P/2 - Então, dessa forma você deve ter tido contato com muita gente da região.
R - Muito, muito, muito.
P/2 - Poderia falar dos personagens?
R - Já teve caso de um homem… A esposa dele trabalhava na área da saúde e ele chegou pra mim, que estava desconfiado da esposa, que estava traindo ele. E ele falava bem firmamente: “Eu vou matar ela.” De eu chegar pra ele. “Faça isso não, pô! Faça isso não! Você tem os seus filhos, seus filhos nunca vão lhe perdoar, pô! Deixa isso!” Eu cheguei a dizer para ele: Rapaz, a vida da gente é escolha. É uma escolha dela, porque você não é dono dela. Ninguém é dono de ninguém. É a escolha dela. “Mas isso é traição.” “Eu sei! Mas ela não quis fazer isso? Deixa essa mulher aí numa boa, pô! Deixa ela partir. Você tem seus filhos, seus filhos não vão lhe perdoar. Não faça isso não!” Mas nem adiantou. O cara tirou a vida da mulher. Tirou. E chegou ao ponto do presídio, ele falar comigo. Ele conseguiu meu número dentro do presídio, ele ligava pra mim. Eu conversava com ele. Mas ele já tinha feito o negócio, eu nem falava mais nada. Só falava: como é que você está, rapaz e tal.
15:15 P/1 - E a vizinhança do Passaporte?
R - Muito boa. Eu tinha respeito com as minhas vizinhanças, porque o passaporte era um fluxo de muita gente lanchando. Eu cheguei a vender numa noite, cheguei a vender 450 pão. Numa noite eu cheguei a vender 450 pão. Eu abria de cinco horas da tarde e amanhecia, quando tinha show no Jaraguá, aíi, os funcionários ficavam comigo até cinco horas da manhã. E eu com pena, “vai embora!” Eles também reclamando, tá certo! Eu digo: “vai embora!” Aí, eles iam embora, e eu dava continuidade, ficava com ele aberto, eu mesmo fazendo lanche e passando o troco, o dinheiro. Cheguei a fechar oito horas da manhã. De cinco horas… Quer dizer, eu trabalhei quinze horas, de cinco da tarde a cinco da manhã, fui pra oito horas. Eu fiz muito isso em show no Jaraguá. Aí, chegou um momento, que eu digo assim, porque a pessoa vê o movimento bom, as coisas fluindo. E você não queria deixar o seu cliente com fome. Eu achava covardia, aí eu ficava até. Não era nem tanto pelo dinheiro, era mais pelo o cliente.
16:38 P/1 - Percebe-se que você tinha um orgulho dos seus clientes?
R - Tinha. Tinha respeito. Comia com dinheiro, sem dinheiro, não tinha esse negócio não. Tinha cliente que deixava até de ir porque estava me devendo. Mas eu não fazia a covardia de ele chegar lá. “Paulinho, posso fazer um lanche aqui…” Um exemplo: esqueci a carteira ou estou esperando a mulher vim do trabalho para trazer o dinheiro. Mas muitas vezes ele pegava e não vinha pagar também. Mas eu não fazia covardia não.
17:14 P/1 - Paulinho, você começou nesse lugar e foi… Você morava na região, morava perto do Passaporte?
R - Aí, quando eu construí a lanchonete, eu fiz um apartamento em cima, eu morei em cima da lanchonete. Tudo meu foi ali no Pinheiro. Eu não sei morar em outro canto. Eu estou morando nessa casa aqui, assim, tentando me acostumar. Mas não me acostumo, não.
17:43 P/1 - Foi quantos anos que você morou no Pinheiro?
R - 48 anos. Eu tenho 48 anos.
P/1 - E o Passaporte, teve quantos anos lá no Pinheiro?
R - Acho que 31, 32 anos.
17:57 P/1 - Nessa casa que você morou, nasceu e viveu. E com certeza você tem boas recordações dela. Ela era casa com quintal, era uma casa espaçosa, como é que era essa casa?
R - Oxe, tinha um quintal enorme. A casa tinha uma medição mais ou menos, era 6 por 30, de área construída tinha uns 15 metros, de quintal tinha uns 15. Era boa, bem arejada, bem ventilada.
P/1 - Tinha água, animais?
R - Não, tinha gato, a gente criava gato.
P/1 - Tinha muito gato na região, animais, você lembra?
R - Lá em casa a gente criou um gato. Mas na região o pessoal tinha os animais, cachorro, gato.
18:41 P/1 - Paulinho, então você chega em 2018 e acontece o abalo, né? Nesse momento, como é que você estava? O que estava acontecendo antes desse abalo? O que vinha acontecendo na sua vida, antes desse abalo? Quando teve o abalo da Braskem, o crime. Até esse abalo, naquele período ali próximo, como é que estava a sua vida?
R - Eu estava organizado. Depois que aconteceu isso, me desestruturou totalmente, porque o povo começou tudo a ir embora, porque o carro da prefeitura, uma Kombi da Defesa Civil, municipal, a defesa municipal, andava amedrontando o povo, dizendo que ia cair, com um megafone, falando: “Oh minha gente, se prepare, prepare a bolsa de vocês, pegue a roupa, bote tudo que lhe pertence, já deixe na porta, no cantinho, saiam das suas casa, que isso vai descer, vai cair.” E o povo andava tudo assombrado, assombrado. Tem um rapaz que era da Defesa Civil… E ele não era da Defesa Civil, ele era do SOS Pinheiro. Aí, o Jota Garcez, deu um cargo a ele na Prefeitura Municipal. Aí, ele já começou a fazer covardia com a gente. Ele foi para o lado da Defesa Civil. E aí, ficou amedrontando o povo, passando com uma Kombi, anunciando. E o povo ficou tudo desesperado, com medo. E indo embora, teve gente que deixou até as roupas dentro de casa, aquela correria. Mas eu orava e dizia que isso era mentira. E eu não saía, não saía. E o povo tudo indo embora. E depois cortaram a minha água.
Depois eu reclamei, botaram a água pra funcionar. Já não estava com condições de pagar a água, já não estava com condições de pagar a energia. Os postes da rua que eu morava, tudo desligado, eu estava numa escuridão, cheio de mosquito. Eu perdi três cachorros com leishmaniose, que é uma doença do mosquito palha. O mosquito palha picou meus animais, meus cachorros pegaram leishmaniose, que é uma doença incurável. Teve que sacrificar meus cachorros.
21:14 P/2 - Nesse momento que aconteceu esse abalo, a gente sabe que muita coisa que existia, veio a não existir mais, tipo as coisas culturais, as manifestações artísticas. E você, como um comerciante, deve ter tido muito contato com as pessoas que faziam, e até viu, deve saber muitas histórias sobre essas coisas. Queria que você me falasse um pouco se você tem conhecimento desses eventos que aconteciam na região?
R - Eu tenho um desejo no meu coração… Que as coisas comecem a fluir, eu tendo condições financeiras, tinha vontade de fazer uma festa de dia das crianças. Eu disse assim: Se Deus me der condições, todo o ano, no dia das crianças, eu vou fazer uma brincadeira. Aí, eu me juntei mais uma senhora chamada Ana Deusa, que era da Igreja Batista. O meu cunhado, o Júnior, e chamei eles. “Vamos fazer uma brincadeira para o dia das crianças.” “Como Paulinho?” Eu digo: “Eu consigo um recurso.” “Como é que você vai conseguir?” Uma parte eu consigo, e outra parte eu vou pedir para os meus clientes. Aí, eu cheguei para vários clientes meus e fornecedores. Por exemplo, o dono da padaria, pedi uma ajuda a ele. Ele chegou, “Não, eu vou desenrolar pra você Paulinho, 200 pães e dois pacotes de salsicha, dez quilos de salsicha. Eu vou desenrolar pra você.” Digo: tá bom. Cheguei para o rapaz, fornecedor da carne. Ele pegou, já desenrolou R$1.000,00 pra mim. Cheguei para o rapaz que trabalhava com aluguel de som, o Estúdio Dois, chamado Estúdio Dois, o Sávio. Contei a minha história ao Sávio, que queria fazer uma brincadeira. Quando eu falava que era uma brincadeira para as crianças, ninguém se negou. Só teve um, que já já eu vou contar a história dele, como foi que ele não acreditou que ia acontecer. Aí, o Sávio, na hora. Chegou para o irmão dele também, o Dudu, que trabalha também com aluguel de som, e iluminação. Ele chegou junto com dinheiro. Todo mundo. O povo na rua. Eu arrecadei quase R$4.000,00. Aí, foi eu, o Junior e a Ana Deusa, o meu cunhado, para o Comércio, enchi o carro de brinquedo, comprei melancia, comprei confeito e brinquedo. E cheguei no final da rua, a gente fez um campeonato de futebol. Isso começou de oito da manhã, e veio terminar dez horas da noite. Aí, fiz uma brincadeira lá, quebra pote. Fiz também uma brincadeira lá, da mulher que comesse mais banana, uma brincadeira. Além das brincadeiras com as crianças, participaram as mães. A pessoa que dançava mais bonito. A gente fez um campeonato, dançava mais bonito. Botou também a corrida, corrida num quarteirão na rua. Botamos todo mundo em fileira, as mães. Quer dizer, até as mães participaram. E cada corrida dessa… Exemplo: quem dançasse melhor, era valendo R$25,00. Menino, eram as mulheres caindo. Foi uma resenha. E a mulher que comesse mais banana? Oxi! Era entalada e comendo. E teve mães que chegou pra mim… E para todos, chamei muita gente para ser monitor, para cuidar das crianças. A gente comprou umas camisas, cada um ficou com uma camisa branca, uma hering mesmo, para identificar. Mesmo fazendo uma brincadeira dessa, a gente fazia tudo organizado. Aí, chamou mais ou menos umas dez pessoas. E foi uma coisa assim, com negócio de três dias, organizou tudo. Botou carro de som, a gente conseguiu de graça. Aí, o rapaz anunciou na rua. Veio gente de outros bairros, Bebedouro, Bom Parto, Brejal. Eu nunca vi tanta criança na minha vida, nessa brincadeira. No campeonato de futebol, teve campeonatozinho.
25:59 P/2 - Tu ainda conseguiu fazer quantos anos essa brincadeira?
R - Só foi uma vez.
P/2 - Foi antes…
R - Foi, foi muito antes. Foi antes. Aí, teve outras pessoas, depois de uns anos, aí outros querendo copiar o que a gente fez. Mas não foi igual. Aí, teve mães que chegaram a dizer pra mim: “Paulinho, eu nunca consegui comprar um brinquedo pro meu filho. Obrigada.” E até hoje ficou a recordação, por internet, conversando com o outro, WhatsApp. Fala sempre nessa festa. Teve pessoas que fizeram, mas não foi igual a da gente.
26:47 P/1 - Paulinho, isso mostra o quanto você interagia com os outros moradores da região né?
R - Eu cheguei para todos os moradores, eu não falava valores. Você dá o que você achar melhor. Para os comerciantes, muitos não davam, não acreditavam. Teve um deles, chegou pra mim, depois que fez, aconteceu a festa. Ele, “Paulinho, eu não esperava que essa brincadeira ia ser tão bonita. Eu estou arrependido de não ter ajudado.” Eu, “Não esquente não, pô! Deixe para a próxima.” Queria chegar até a me dar… Tipo assim… Eu digo: “não, não, era naquela hora. Mas guarde o dinheiro, deixe para a próxima que for fazer. Não estou chateado não, pô! Mas não foi bom. Você não viu o que aconteceu. Não precisa disso não, rapaz. De pegar dinheiro da criança. Deus me livre!”
27:43 P/2 - Paulinho, a festa não pôde mais acontecer, né? Porque o bairro teve o abalo e você não teve mais como levar esse projeto a frente, né? Nesse momento, como é que você sentiu? Não ia ter mais o passaporte, acabou. O bairro acabou. Não vai ter mais. Qual era o seu sentimento naquele momento? O que foi que aconteceu com você?
R - Revolta, muita revolta. Eu não tenho nem explicação. Porque uma mineradora… Quer dizer que ela é mais forte de que os moradores, que nasceu e se criou. Que a mineradora chegou aqui em 1970, para tirar minério. O meu pai nasceu e se criou no bairro. Quer dizer, ela teve poder de tomar a terra que meu pai deixou, do que eu trabalhei, porque esse dinheiro que ela pagou. Que ela fica dizendo que indenizou. Isso não é uma indenização, foi tomado. Eu fui obrigado a vender ela, porque os advogados da Braskem mesmo me ameaçavam. “Nós vamos para a justiça, que o senhor sabe, se for para a justiça o senhor não vai receber esse valor que a gente está pagando.” Quis dizer o que, que a justiça é combinada com eles. Eu tenho lembrança também que na época, lembrança grande eu tenho essa, como eu trabalhava no meu passaporte, ficava a madrugada, ficava até cinco horas da manhã. Muito movimentado mesmo, o meu passaporte, ficava até cinco horas da manhã. Quantas mães chegavam grávidas, não tinha naquela época SAMU, não existia SAMU. Eu pegava o meu carrinho veio e socorria. Cara baleado, pessoas doente. Na madrugada só quem estava acordado era eu. Eu que socorria o povo.
29:45 P/1 - Paulinho, como foi esse processo da saída? Você teve que se desfazer do que você tinha, né? Como foi esse processo da sua retirada, na verdade?
R - Chegou a Polícia Federal, chegou a Polícia Militar, mas ao menos umas quatro viaturas da Polícia Federal, umas três da Polícia Militar. Chegou uns quatro caminhões baú. Chegou um caminhão de carregar cavalo. Disse que ia cair a Mina 18, que meia noite ia cair tudo. “Bora bora, bora, tem que sair. Bora, bora, bora, bora.” Defesa Civil, foi também. Uns cinco carros. Encheu lá a rua, para poder me tirar.
30:37 P/1 - E por que o caminhão de cavalo?
R - Porque eu criava um cavalo.
P/1 - Você podia falar um pouco desse cavalo.
R - Eu tenho até filmagem dele, do meu cavalo. Eu tinha o meu cavalo como um filho meu. Muito manso. Esse cavalo eu comprei ele, ele era de carroça. Eu comprei ele. Eu achei ele bonito, comprei ele, e eu disse pra ele: mas nunca você vai andar numa carroça. Aí, eu botei ele lá dentro de casa, assim, o meu terreno era grande, eu cortava capim para ele, tinha um colega meu também que cortava, a gente cuidava dele, dava banho nele. Eu comprava até shampoo pra ele, condicionador eu comprava, por causa do cabelo dele. Eu cuidava dele bem que só. Compra remédio para carrapato, comprava tudo direitinho para ele. E aí, Braskem, quando esse turma, essa tropa, né? Esse agrupamento deles, da justiça. Chegou pra mim, “aqui é uma ordem judicial de um juiz federal. O senhor tem que sair, não pode demorar aqui não, que vai cair a Mina 18, está para cair, vai descer tudo aqui. Senhor Paulo, mesmo que você fique, o senhor vai ter que sair, Senhor Paulo. O senhor tem que sair. Aí, botaram a gente num hotel, botaram a gente num hotel. Eu passei quase um ano no hotel. E eles querendo negociar comigo. E eu disse: “Mas eu não quero vender minha casa.” “Mas Senhor Paulo, o senhor vai ter que vender, porque é um acordo que a gente tem com a justiça. Quer dizer, eles já tinham um acordo com a justiça. O acordo que fizeram era ela pagar o valor do imóvel da gente, e sair. E eu tive que aceitar. Aí, sim, o meu cavalo, quando eles levaram o meu cavalo, falaram que iam levar o meu cavalo para uma fazenda. “Não se preocupe não, você vai ficar num hotel, mas os seus animais vão ficar na Totolândia. A gente vai cuidar dos seus animais.” Dos cachorros, né? Realmente botaram lá. Aí, o meu cavalo, eles levaram, dizendo que iam levar para uma fazenda. E levar o meu cavalo para a Zoonose. Depois, com 15 dias, eles: “Senhor Paulo, o senhor pode vir aqui na Zoonose?” Eu digo: fazer o quê? “Não, para ver o cavalo.” Eu digo: não vou, não, ver o meu cavalo na Zoonose, não. Eles falaram que era numa fazenda que o meu cavalo ia ficar.” “Não, porque tem que começar a tratar aqui, que o seu cavalo está doente. Ele tem uma doença, e vai ter que sacrificar o seu cavalo. O senhor não quer vir aqui, não?” Quando ele falou isso, eu não quis nem ir, e nem ver o cavalo. Fui não.
33:47 P/1 - O Paulinho, e a nível do local que você morava no momento que você saiu, o ambiente, como é que estava? Porque geralmente quando tem pessoas, tem sempre alguém limpando a calçada, varrendo, ajeitando, tirando uma matinho aqui, uma coisa ali. Você comentou também que alguns cachorros seu pegou doenças de transmissão por mosquito, esse tipo de coisa. Do momento que você saiu, que você olhava assim ao redor, como é que estava o ambiente, comparado com o que era?
R - Só mato. Como eu fui um dos últimos a sair do bairro, tipo, um maltrato estavam fazendo comigo, eles me deixaram lá, não davam assistência nenhuma, não limpavam mato, não limpava nada. Eu passei uns dois anos sofrendo. Sofrendo mesmo. Eles deixavam o mato grande. E eu falava para eles, dando valor, a luz dos postes tudo apagadas, no escuro, tudo um breu. Depois de bastante tempo de eu reclamar, aí foi que eles vieram limpar, mas já era tarde, meus cachorros já estavam tudo doente, com leishmaniose.
34:57 P/2 - Paulinho, nesse processo dá saída, você teve a busca para outro lugar para você ir, né? Você tinha que achar um lugar para você morar. Você teve que sair, eles lhe tiraram para um hotel, né? Mas depois você teve que adquirir o seu lugar, não é isso? Como foi esse processo? Você podia comentar?
R - Esse processo… Eu fui obrigado a aceitar uma negociação, que não foi um bom negócio. Não foi um bom negócio para mim. Eu tive que comprar uma casa nas “carreira”, porque eles deram um prazo de poucos dias, parece que foi 45 dias, para eu poder arrumar um local. E depois, passado o prazo, eu tinha que pagar o hotel. Humilhação, pô! “Se passar de tal dia…” Eles falaram até para o hotel, o hotel começou a brecar as coisas. Humilhação da “peiga”, pô, comigo. Comigo e com a minha família.
35:57 P/1 - E vocês tiveram que sair do hotel, e você foi para onde nesse momento?
R - Para a casa da minha sogra.
P/1 - Dá para você falar um pouquinho como foi esse processo?
R - Fui para a casa da minha sogra, minha sogra deixou, mas com piada, falava por trás para cobrar aluguel. Sogra, viu!
P/1 - Depois você adquiriu o seu?
R - Comprei a casa.
P/1 - Você recebeu alguma coisa da Braskem para comprar a sua casa?
R - Foi. Recebi porque eu fui obrigado a vender meu imovel. Mas eu não queria vender por dinheiro nenhum, meu imóvel.
36:28 P/1 - E você conseguiu comprar aonde?
R - Comprei essa casa que eu estou aqui.
P/1 - Na?
R - Na Pitanguinha.
36:35 P/1 - Você que é um homem de interações, que vive interagindo com seus vizinhos. Nessa nova residência, você já conseguiu ter essa interação, já tem algum movimento de vizinhança? Você já se estabeleceu de uma forma que você consegue viver legal?
R - É totalmente diferente. A vida de um bairro, que você nasceu e se criou, é totalmente diferente. Eu cheguei aqui, um vizinho aí, por causa de um carro, que não estava nem na porta dele, veio logo… Eu não estava aqui. Dizendo: “eu vou chamar a polícia, porque o seu carro está aqui na porta”. Mas não estava na porta dele, estava do outro lado. Para ele poder sair com o carro que não tem nada a ver. Ele parece que ele tem um caminhão dentro de casa, ou um ônibus, que é um carro pequeno. Vem me chamar, reclamar, porque um carro está do outro lado ali para ele poder sair com o carro. Aí, eu, para evitar problemas… Que ele falou dessa maneira com o meu filho. Eu peguei, não, puxei o carro. Mas não é igual, não. Totalmente diferente.
37:52 P/1 - Tem alguma coisa, assim, que você imagina que vai acontecer com aquela região?
R - Desde o início, eu pedia para os moradores, “Minha gente, não saia não, vocês vão se arrepender. Não saia, não! Isso é mentira. Isso é mentira que vai cair. Isso é um golpe. Isso daqui vai ser um condomínio de luxo. Eles vão vender dez vezes do valor que compraram da gente. Não saia, não.” Pedia ao povo. Para você ver, os últimos que eles botaram para fora, parece que foi 33 famílias, e eu estava incluído. Só me botaram para fora porque eu fui expulso. Eu não vendi a minha casa. Aliás, eu fui obrigado a vender. É como botar uma arma na minha cabeça, “bicho, tu tem que vender. Porque a gente está com a justiça.” Foi assim que os advogados da Braskem falou comigo.
38:57 P/1 - Paulinho, depois, já passando por tudo, quais foram as marcas que ficaram disso tudo, para você e para a sua família?
R - Revolta, muita revolta. Eu estou aqui conversando com vocês, mas é muita revolta. Não existe não, uma empresa… É inaceitável! Você vê no plenário lá, eu fico só olhando, o Alexandre de Moraes, porque uma mulher melou uma estátua de batom, 14 anos de cadeia, ou foi 17. Uma dessas punições, ele metendo no povo. E qual é a punição que essa Braskem tem aqui? Que ela fez pior, porque até hoje morre gente. Eu conheço uma senhora que tem um churrasquinho lá. Um churrasco muito antigo, ela tinha há 17 anos. Ela vive deitada numa cama, não tem vontade de trabalhar, desanimada. E não tem ânimo pra nada. Com o dinheiro desse churrasquinho, ela pagou duas faculdades para as filhas dela. Eu fico revoltado com a justiça, porque o Alexandre de Moraes, está punindo severamente aquele povo. Está errado o que eles fizeram, não concordo com o que eles fizeram, é como chegar na casa da gente e quebrar as coisas da casa da gente. Mas botar o povo pra pegar 17 anos, 15 anos. Não teve morte de ninguém. Não tem conserto? Botava o povo pra pagar o que quebrou, e botava uns seis meses de prisão, mas botava eles para pagar. Dividia, rateava para todos. E a Braskem, eu vejo o diretor do IMA [Instituto do Meio Ambiente de Alagoas], não teve punição. O prefeito que assinava para a Braskem tirar minério, nenhum teve punição. Ela teve autorização de todos os órgãos, e não teve punição nenhuma para essas pessoas. A gente que foi punido. O prefeito de Maceió arrastou um bilhão e setecentos, porque ele chegou no final da rua lá, “Não se preocupe não, vote em mim na eleição, porque eu vou resolver esse problema.” Eu não pensava que ele ia resolver desse jeito, não. Porque é uma situação que tem conserto. Ela está preenchendo os poços todos, vai consertar. Porque ninguém acreditava no Abel Galeno, aquele geólogo. E ele falava: não tem necessidade de tirar o pessoal do bairro do Pinheiro, não tem precisão. Só é preencher os poços, consertar direitinho, não tem precisão. Mas a prefeitura fez um bicho pra justiça, que fazia risco de cair. E preferiu fazer desse jeito, da gente vender para a Braskem. Só beneficiou prefeitura, o estado e a Braskem. Vai ficar com uma terra dessa, de vista para a Lagoa. E a gente levou banana. Praticamente a negociação da Braskem é como a gente fo i_____, “aqui o dinheiro da sua casa.” Viu? “Aqui o dinheiro aqui. Tá depositado. Vai lá pegar o dinheiro da sua casa, esta lá.” E é assim, é? Eu pra mim, esse dinheiro da Braskem era para ser incalculável o valor para a indenização da gente, pô! Que isso não foi indenização. A gente na verdade, foi tudo roubado. Foi um assalto. Foi obrigado a vender as casas para a Braskem, porque ninguém queria vender suas casas, não, ninguém. Eu conheço pessoas que moravam no Mutange, na ladeira mesmo, não era asfaltado, ali não tinha condições de ninguém morar, realmente não tinha, não tinha. Que não era asfaltado, nem nada, era de barro. Mas aquele povo dependia da lagoa para pescar. Eles pescavam ali. Hoje eles moram no Benedito Bentes, em Rio Largo, mora em interior. E hoje o pessoal sofre e está arrependido. Mas eu disse: não adiantava você se arrepender, porque você foi obrigado a vender. E eu soube que a Braskem hoje em dia fica falando que a gente vendeu por espontânea vontade. Mentirosa, tudo mentira. Não vi ninguém ter lucro com a Braskem. Só quem teve foi o morador que morava de aluguel, porque o morador que morava de aluguel, ele teve de ganhos morais R$20.000,00. E 20.000 foi para o dono da casa de danos morais. Que vergonha, um danos morais de R$40.000,00, R$20.000,00 para o morador, o inquilino, e R$20.000,00 para o proprietário da casa. Isso é uma vergonha, pô! Aí, eu pergunto, o cara botar o governador para fora, “tome R$20.000,00 para você sair da sua casa.” Ou R$40.000,00 de danos morais. Isso é uma vergonha, pô! E a justiça fazer esse acordo, de aceitar. “Não, tá aqui o acordo, R$40.000,00 mesmo para o povo, e pronto!” Por exemplo, na minha casa moravam seis pessoas. Aí, você pega R$40.000,00 e divide para seis pessoas. Se eu não me engano, dá quase R$8.000,00, ou é R$7.000,00 e pouco. Isso é uma vergonha, rapaz!
45:20 P/1 - O que você sentiu dos impactos? O que causou de impactos na cidade? Essa situação que a Braskem causou aí. O que você sentiu, você como morador também da cidade inteira, como geral?
R - A verdade é que a Defesa Civil, ela mente para o povo maceioense. Mente, mente, mente. Porque essa cidade, Maceió, ela está toda perfurada, tirada o sal embaixo, está tudo oco. Eles são mentirosos, eles não falam a verdade para o povo. Não fala a verdade. Todo o canto eles tiraram aqui o sal e deixou, é uma empresa irresponsável, a Braskem é irresponsável. A Braskem era pra consertar tudinho, e devolver os imóveis tudinho do povo. Construir e devolver terreno por terreno do povo. O dinheiro que ela comprou, que ela fica dizendo que é uma indenização, ela não fala que é uma indenização? Então, pronto! Ela tem que construir os imóveis do povo e devolver.
46:31 P/2 - Esse processo de indenização. Como foi? Você tem que fazer o que para ser indenizado?
R - Eles falam essa conversa de indenização, mas não é indenização, a gente vende. A gente vende para ela. A gente é obrigada a vender. A Justiça pegou todos os moradores e botou para negociar com a criminosa, e ficou de fora, a justiça. Jogou a criminosa assim, “olha aqui, toma aí nos seus peitos, resolva com eles.” Foi assim que a justiça fez. O acordo é desse jeito. Pega a assinatura de todo mundo, pegaram até dos meus netos, eles deixam tudo amarrado, para você um dia não vim reclamar, um parente vir reclamar. A terra é dela. O governador várias vezes falando, que ali vai ser uma floresta, vai ser um parque. Isso é mentira, rapaz. É da Braskem. você chegou a fazer parte de algum grupo para ir atrás de algum direito de reivindicar?
47:31 P/1 - Você chegou a fazer parte de algum grupo para ir atrás de algum direito, de reivindicar. Ou você ficou individual?
R - Eu fui não. Fui não. Ela é muito poderosa, a Braskem, tem muito dinheiro, ela manda em todo mundo aqui, manda em tudo. Ela tem dinheiro pra pagar, tranquilo, Maceió aqui todinho. Se um geólogo vir de fora, daqui não, brasileiro, é bom vir de fora. Se fizer um estudo aqui em Maceió tudinho, praia de Ponta Verde, praia de Pajuçara, bairro de Pitanguinhas, Gruta, Rio Largo, tudo. Tá tudo tirado, rapaz, minério. É 50 anos. Aí, fica mentindo para a população. Essa empresa não era para estar aqui mais não.
48:37 P/1 - Paulinho, esse impacto, ela causou um estrago muito grande no seu trabalho, não foi?
R - Oxi, demais! Demais! Eu não tenho ânimo para trabalhar não. Minhas filhas me dando força, querendo. Eu estou ajudando elas a abrirem o passaporte, mas é delas. Eu mesmo… Elas usam o meu nome, Passaporte do Paulinho, porque eu sou muito conhecido. Eu dou uma ajudazinha a elas, eu faço os molhos para elas, tudo. Mas eu, em si mesmo, não tenho animo. Teve uma vez, “vem pra cá Paulinho.” Mas eu não tenho animo. É diferente o pique que eu tinha. Eu era muito dedicado ao meu passaporte. E hoje eu não tenho animo. E eu fico mais revoltado também, que a Braskem quando expulsa a pessoa da casa da pessoa, pega as coisas da pessoa e guarda num guarda volume, numa transportadora chamada Transportadora Vitória. Me entregou meus equipamentos tudo quebrado, cama, geladeira queimada, televisão quebrada. Quando me entregaram, eu não tinha visto direito. Quando eu olhei, já vi logo a cama quebrada, eu mostrei para a moça da empresa Diagonal, que ela vem com o pessoal do caminhão, digo, “está quebrada.” “Pronto Senhor Paulo, relate aqui a sua reclamação, passa a filmagem e daqui sete dias vamos resolver isso”. Já está com vários meses, acho que está com mais de cinco meses que eu me mudei, e não resolveram. Liguei para ela, ela disse assim: “Fala com o seu advogado.” Eu não estou nem querendo mais procurar o advogado. Eu não estou. Porque eu fiquei chateado também com ele. Porque nessa história de Braskem, os advogados e tudo empurrando para você fazer negócio, porque ele quer saber da comissão dele. Você é pressionado pela Braskem, a Braskem pressiona o seu advogado. É tudo uma quadrilha. Eu chamo de quadrilha. É uma quadrilha. Mas a justiça divina está aí, Deus é justo. Esses advogados não têm sentimento nenhum. Nenhum familiar dele morou lá, só pensa no dinheiro.
51:19 P/1 - Paulinho, fala só um pouco mais sobre o passaporte? Suas filhas agora que estão tomando conta, é isso?
R - Elas chegaram para mim. “Pai, eu vou comprar.” Elas estavam desempregadas. “Pai, eu vou comprar os equipamento e eu vou alugar um canto e vou abrir um passaporte. Posso usar o seu nome?” Eu digo: Pode, minha filha, vá! “O senhor pode me ajudar a fazer os molhos, o que o senhor fazia.” “Faço sim!” Aí, elas abriram direitinho. Para você vê, quando foram me expulsar, roubaram as coisas dentro da minha casa, os vândalos entraram. Entraram na minha lanchonete, roubaram meus equipamentos da lanchonete. Eu cheguei para a Braskem e falei que foi roubado, que levaram as minhas coisas tudinho, quebraram meus equipamentos. E a Braskem disse que não pagava, só pagava a indenização do meu prédio mesmo. E eu queria resolver aquilo, eu aceitei, mas não me pagaram o que os vândalos roubaram do meu Passaporte. Eu tive muita perca, muita perca.
52:27 P/1 - Paulinho, para a gente finalizar, eu queria que você falasse se você quer acrescentar mais alguma coisa, ou alguma coisa que você esqueceu de falar? Um momento seu, para você falar o que você quiser. Uma história interessante que você queira contar, um desabafo, o que você quiser.
R - Eu acho que a justiça devia expulsar a Braskem de Maceió. Ela está consertando aí, mas vai chegar um momento que ela vai continuar tirando. Que essa região, Nordeste, ela é muito rica nesse minério. E ela já mostrou que ela é uma empresa irresponsável. Ela é irresponsável, ela tirava o minério, e não preenchia, preenchia com água. Ela é irresponsável. Ela tem que ser punida, tem que ser expulsa de Maceió, pô! Hoje é com a gente. Mas muita gente vai sofrer também. E tem que rever esse pagamento das casas do povo tudinho. E dar uma indenização verdadeira. E não deixar ela construir nada ali, devolver os imóveis do povo. Ela dando os imóveis do povo, botando o povo para ter aquela convivência de novo, vai ser uma felicidade pra todo mundo. Porque o povo está espalhado, espalhado. E gente morando em Colônia Leopoldina. Eu conheço pessoas que não querem nem passar aqui em Maceió, na revolta que está, não querem nem vir em Maceió. Tem gente que não quer nem passar nos eixos viários que tem entrando no bairro do Pinheiro. Não quer, tem revolta. Porque é inaceitável, uma empresa vim da Holanda, que é holandesa. Vim aqui em Maceió… E como diz assim, ali é uma terra sem lei, quem manda sou eu, foi assim que a Braskem fez com todo mundo. E a justiça na mão dela. Tudo por dinheiro. Agora, quando chega no dia da votação, vai para a porta do povo pedir voto. Tem vereador que eu fui olhar uma audiência pública na Assembleia Legislativa, Cabo Bebeto, chegou no plenário lá, pegou o microfone, falando que foi bem indenizado, que a avó dele também foi bem indenizada. E ele ainda disse assim: Eu acho assim, que alguma das partes tem que perder, que é uma negociação, tem que perder. Aí, ele acha justo. Porque tem gente ali que não sabe nem o preço da casa direito. Não sabia. Não tinha nem condições de pagar um avaliador. E a Braskem, “é tanto!” “Não quero não.” “É melhor pegar.” Aí, o advogado, é melhor pegar, porque essa mineradora vai quebrar, vai decretar a falência, não vai ter…. O povo pegava. Eu conheço um monte de gente. Eu conheço uma mulher, que a residência dela valia uns quatrocentos mil, a residência dela. Ela deu por R$81.500,00. Eu conheço essa senhora. O advogado incentivou ela a pegar. O advogado, “Pega que essa empresa vai quebrar, ela vai decretar falência, não vai pagar.” A mulher pegou R$81.500,00. Eu levei essa mulher ao Ministério Público Federal, disse que não tem jeito, já fechou negócio, não tem jeito. Então, a justiça jogou a gente com a criminosa. Jogou a gente na mão de uma criminosa, e se vira aí.
56:27 P/1 - Paulinho, a gente está se encaminhando para o final da nossa entrevista, nossa conversa. E eu queria que você falasse um pouquinho sobre… Você teve uma vivência muito boa no bairro, toda a sua história, todo o seu comércio. Como é que você vê o seu legado tudo que você fez para frente? Seus filhos, seus amigos, como é que você construiu para frente, que foi que aconteceu com isso?
R - Não foi boa coisa, não. Mexeu muito no meu psicólogo. Eu não ando bem, não ando bem, não ando bem de jeito nenhum. Não tenho vontade de ir para médico, não tenho. Mexeu muito comigo, mexeu muito mesmo, que me expulsaram da minha casa. Fui obrigado a vender minha casa. Fui obrigado com força mesmo. É só revolta.
57:28 P/1 - Paulinho, como foi para você contar toda essa sua história?
R - Hoje eu estou mais aliviado, assim, mas quando eles me tiraram, a polícia me tirou tudo. Eu sofri muito. Eu passei uns cinco dias sem comer. Eu passei cinco dias sem comer, com uma raiva.
57:53 P/1 - Paulinho, a gente agradece. Muito obrigado pela sua disponibilidade de participar com a gente desse projeto.
R - Conte comigo!
P/1 - Obrigado!
R - Para o que precisar. Estou aqui junto. Se precisar de mais gente, eu arrumo também mais gente.
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