Pablo Siqueira Meirelles, ou papai, nasceu na pequena cidade de Tacuarembó, no interior do Uruguai, às sete da manhã, no dia sete de julho de 1956. Este canceriano 100% cresceu em uma família de classe média católica uruguaia, com algumas pretensões aristocráticas, mas nem sempre com os recursos que deveriam acompanhá-las. Seu pai, Paulo Siqueira, era um proprietário rural. Quando eu, Renata, nasci, ele criava gado e ovelhas na fazenda Las Marias, em Yaguari. Sei que sua primeira infância, meu pai viveu na fazenda. Quem se incumbiu de sua educação, assim como de sua irmã mais velha, naquele momento, foi a mãe Antonia Margarita Lucia Meirelles, ou Lunela, como todos sempre conheceram nossa abuela querida, professora de música e pianista. Só depois, não sei se com sete, oito, ou nove anos ele foi para a escola pública de Tacuarembó. Temos fotos suas com o clássico jaleco branco e o laço azul – el moño – que vestem os pequenos estudantes uruguaios. Mas a vida no campo, ao qual sempre retornou para auxiliar o pai, mesmo quando já vivia em outro país, é sem dúvida, constitutiva de sua identidade. Um traço marcante é o seu amor pelos animais, com os quais ele tem muita facilidade de se relacionar.
De sua adolescência, o que me marca, em suas histórias, é a paixão pelos esportes de modo geral. Parece que diariamente ele jogava padel com os amigos. Sinto que não foi fácil para ele ser adolescente... mas também, para quem é né? Se há algo que me causa admiração no Uruguai, é o sistema de ensino. Não me digam que é por ser um “país pequeno”, é uma escolha política. Lá o ensino público, gratuito e de acesso universal existe da primeira infância à universidade. Ou seja, você termina o “preparatório”, equivalente ao nosso ensino médio, e se inscreve na faculdade que você quiser. Há o porém, dizem, de que a seleção é feita por dentro. É fácil de entrar e difícil terminar. Prefiro isso do que a certeza,...
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Pablo Siqueira Meirelles, ou papai, nasceu na pequena cidade de Tacuarembó, no interior do Uruguai, às sete da manhã, no dia sete de julho de 1956. Este canceriano 100% cresceu em uma família de classe média católica uruguaia, com algumas pretensões aristocráticas, mas nem sempre com os recursos que deveriam acompanhá-las. Seu pai, Paulo Siqueira, era um proprietário rural. Quando eu, Renata, nasci, ele criava gado e ovelhas na fazenda Las Marias, em Yaguari. Sei que sua primeira infância, meu pai viveu na fazenda. Quem se incumbiu de sua educação, assim como de sua irmã mais velha, naquele momento, foi a mãe Antonia Margarita Lucia Meirelles, ou Lunela, como todos sempre conheceram nossa abuela querida, professora de música e pianista. Só depois, não sei se com sete, oito, ou nove anos ele foi para a escola pública de Tacuarembó. Temos fotos suas com o clássico jaleco branco e o laço azul – el moño – que vestem os pequenos estudantes uruguaios. Mas a vida no campo, ao qual sempre retornou para auxiliar o pai, mesmo quando já vivia em outro país, é sem dúvida, constitutiva de sua identidade. Um traço marcante é o seu amor pelos animais, com os quais ele tem muita facilidade de se relacionar.
De sua adolescência, o que me marca, em suas histórias, é a paixão pelos esportes de modo geral. Parece que diariamente ele jogava padel com os amigos. Sinto que não foi fácil para ele ser adolescente... mas também, para quem é né? Se há algo que me causa admiração no Uruguai, é o sistema de ensino. Não me digam que é por ser um “país pequeno”, é uma escolha política. Lá o ensino público, gratuito e de acesso universal existe da primeira infância à universidade. Ou seja, você termina o “preparatório”, equivalente ao nosso ensino médio, e se inscreve na faculdade que você quiser. Há o porém, dizem, de que a seleção é feita por dentro. É fácil de entrar e difícil terminar. Prefiro isso do que a certeza, de saída, de que a universidade não será para todos, como ocorre no Brasil. Pois bem, papai cursou o preparatório na cidade de Paysandú. E depois disso, Pablo matriculou-se na faculdade de engenharia de Montevidéu e cursou o primeiro ano. Certamente ele teria concluído o curso se não tivesse adoecido gravemente, ao contrair febre tifóide aos dezoito anos. Aliás, papai passou por alguns problemas de saúde desde cedo. Foi internado várias vezes com pneumotórax. Lembro disso muito bem, pois quando eu era pequena ele não podia encher as bexigas nos aniversários.
Mas vejam só as voltas que o mundo dá. Quase podemos dizer que houve um lado bom nisso. Pablo deixou os estudos por cinco anos e, quando resolveu voltar, decidiu que ia para fora. Na Argentina ou no Brasil. A princípio, tentou algo em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, mas pintou uma oportunidade bem mais longe, na Universidade Estadual de Campinas, e ele abraçou. Acho que ele se mudou para o Brasil em 1980. Lá, cursou a graduação e o mestrado na Faculdade de Engenharia Mecânica, onde leciona até hoje. E o mais importante de tudo, lá conheceu nossa mãe, então Lídia Orlando Monteiro, uma estudante de biologia. Mamãe também vinha de outro lugar, bem mais perto, Itapetininga, de uma família de menos recursos que meu pai. Seu avô, nosso bisavô “Tilando” foi um dos muitos imigrantes que vieram da Itália no início do século passado pra trabalhar na lavoura. Sei que os dois se apaixonaram e muito rapidamente eu, a primogênita, cheguei. Eles se casaram um pouco antes, no dia 28 de julho de 1984. Passaram apertados os meus primeiros anos de vida. Mas no início dos anos 1990 papai ingressou no programa de doutorado na École Centrale de Lyon, na França e para lá fomos todos nós – ele, minha mãe, eu, com sete anos, e minha irmã mais nova, a Paula, com dois-quase-três anos. O caçulinha, Rafael (o nome eu que escolhi) não teve muita chance de viver essa experiência, que nos marca tão profundamente, pois ele nasceu no último ano em que moramos lá e quando voltamos, em outubro de 1995, ele tinha apenas seis meses. Ele foi depois, acompanhando meus pais em um de seus retornos para lá.
É difícil presentear meu pai. Gastamos uma fortuna (do dinheiro dele) comprando um tablet da Apple que o irrita pois “qualquer coisa que você queira fazer tem que pagar”. Eu lhe dou razão. No natal passado nós demos uma garrafa de vodka russa. A ideia foi minha e foi muito ruim. Ele mal bebe. A única vez que eu acertei foi um termômetro – isso mesmo – que mede as temperaturas interna e externa. Jesus. Por isso, nós, os filhos, decidimos homenageá-lo nesse dia dos pais – data para a qual ele não dá a mínima – contando um cadinho de sua história e compartilhando algumas das nossas memórias gostosas com esse paizão, desses que vivem a paternidade com proximidade e paixão, coisa tão rara.
RENATA
Eu sou a primeira e, portanto, sou a única, entre os três, que teve o papai só para si (sim, ciumenta e possessiva, faço análise). Sei das coisas que me contam e das coisas que me lembro. Das que me contam: ele cortou a barbona quando eu comecei a puxá-la. Até hoje sou difícil de desligar e de pequena não era diferente. Meu pai me embalava no colo, me mostrava a rua deserta e me contava que todos os bichinhos – o cachorrinho, o macaquinho, o gatinho, a ovelhinha... estavam nanando. Parece que eu às vezes ficava de olhos bem abertos e perguntava por algum bichinho que ele esqueceu de mencionar. Do que eu me lembro... tem muita coisa, mas vou compartilhar algumas que aquecem meu coração. O teatro de fantoches com todos os meus bichinhos de pelúcia – meu pai brincava muito comigo. Um dia dos pais de talvez 35 anos atrás ou mais, quando ele foi me buscar na escolinha e eu estava vestindo uma camiseta dele. Lembro de passar do colo da “tia” para o dele. As histórias hilárias que ele lembrava e inventava. Lembro especialmente de nós quatro – eu, ele, minha mãe e minha irmã – na barraca, quando íamos acampar nas férias de verão, no tempo da França. A gente morria de gargalhar e sempre pedia para ele repetir alguma outra história do repertório muito vasto que ele tinha. Ai, adolescentona, a paciência que ele tinha em me explicar física e matemática enquanto eu dava um chilique porque não conseguia entender. E tem a vez que eu decidi cursar arquitetura, com oito anos. Eu estava sozinha com ele, eu no banco de trás do Seat prateado que a gente tinha em Lyon. E ele me disse que arquitetura era muito legal porque estudava de tudo: física, artes, história e que no Uruguai, ao concluir o curso, os alunos davam uma volta ao mundo. Acho que eu só ouvi história e viagem, mas foi por isso que eu prestei arquitetura, me formei, mestrei, doutorei e pós-doutorei sem nunca ter assinado um projeto. Nem quando construímos a edícula eu ajudei. Sei que tem muito de meu pai nas minhas escolhas, sempre com o toque do que é meu, da minha subjetividade e meu desejo. Às vezes ele entende, às vezes não. Mas ele me respeita. Obrigada por estar pertinho de mim todos esses anos papito. Te amo!
PAULA
Oi Papi!
Você parece ser a pessoa que menos se importa com datas comemorativas e sempre me mostrou o valor das coisas pequenas que compartilhamos no dia a dia. E sem dúvidas, são essas as coisas que mais marcam as lembranças que tenho dos nossos melhores momentos.
Que sorte a minha ter crescido tendo você como pai. Você,
que tinha a paciência de inventar mil histórias para contar antes de dormir...a história do macaquinho que queria andar de bicicleta merece estar entre os clássicos da literatura infantil! Você, que tornou nossas férias acampando em momentos de risadas inesquecíveis com piadas sobre papagaios e concursos de vôo acrobático. Você, que nunca fez cara feia para me levar ou buscar a lugar nenhum, e de quebra levava uma penca de amigas minhas junto. Você, que torna uma viagem longuíssima de carro em um passeio gostoso, contando casos da sua infância ou comentando letras do Raul Seixas. Que sorte a minha, ter você como pai. Que privilégio ver você ser o vovô da Carol. Dizem que animais e crianças sabem em quem confiar. E você é adorado pelos dois. Que felicidade a nossa por ter você em nossa vida. Te amo infinito,
Paula
RAFAEL
Quando lembro de nossa vida juntos, o que mais me vem à cabeça são as pequenas coisas e os momentos que tivemos juntos. Me lembro de quando eu era criança e você me ensinou a jogar truco uruguaio depois da aula; de quando estávamos na fazenda e você me levava a cavalo para passear ou juntar os animais; de nós voltando de noite do basquete; das idas de raft… hoje em dia cada momento que tenho com você é algo que eu tento aproveitar o máximo. Cada incerteza que tenho, sei que posso conversar com você, (mesmo que você diga que não é infalível, ainda estou esperando algo que prove isso) e tenho a certeza que você vai me ouvir e me dar uma opinião que sem dúvidas é sincera e cuidadosamente pensada. São diversos momentos que tivemos, e muitos que ainda teremos, e sou grato por cada um deles. Todo cuidado, carinho e paciência que teve comigo ao longo dos anos são exemplos que eu tento levar em meu ser para vida. Eu te amo e obrigado por ser um pai espetacular em tantos sentidos. Feliz dia dos pais!
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