Meu nome é Moacir de Oliveira Filho eu nasci em São Paulo no bairro do Brás no dia dois de agosto de 1953. O meu pai se chamava Moacir de Oliveira e a minha mãe Marília Barreiros. O meu pai era marceneiro. Ele trabalhou a vida toda numa fábrica de móveis como marceneiro e a minha mãe era funcionária pública. Sou nascido e criado em São Paulo. Como eu disse eu nasci no bairro do Brás um bairro tradicional classe média baixa de São Paulo na época ainda muito marcado pela imigração italiana. Era um bairro com características italianas que depois foi se misturando com os nordestinos. Estudei num colégio de padres do primário ao ginásio e depois fui no colégio estadual. O segundo grau era um colégio inovador, um colégio revolucionário pra época, o Colégio Estadual Vocacional no Brooklin. Passei no vestibular na Universidade de São Paulo em Economia, me matriculei, cursei alguns anos e, em 1972, eu fui preso político na época da ditadura. Quando eu saí da cadeia eu fiquei meio sem ambiente porque a Faculdade de Economia da USP, na época, ela era muito dominada pelo pessoal do Delfim Neto, né? Do ponto de vista do corpo docente, né? Embora tivesse entre os alunos um núcleo forte do movimento estudantil de várias correntes. E aí depois que eu saí da cadeia fiquei meio sem ambiente e acabei meio por acaso virando jornalista. Uma vez eu estava num bar e um amigo meu falou: “Ah, você escreve bem, é antenado nessas coisas de cultura então vou te arrumar pra fazer uma coluna num jornal de bairro.” Eu comecei fazendo uma coluna num jornal de bairro em Santa Amaro chamada Tribuna de Santo Amaro e eu fazia uma coluna sobre variedades e o nome da coluna era Baralho a Quatro. Aquela idéia de, né, de integração e tudo, né, um trocadilho. E a partir daí fui convidado pra ir pra Folha comecei a trabalhar na Folha. Na época a legislação profissional permitia que um percentual de profissionais não tivesse diploma e virei...
Continuar leituraMeu nome é Moacir de Oliveira Filho eu nasci em São Paulo no bairro do Brás no dia dois de agosto de 1953. O meu pai se chamava Moacir de Oliveira e a minha mãe Marília Barreiros. O meu pai era marceneiro. Ele trabalhou a vida toda numa fábrica de móveis como marceneiro e a minha mãe era funcionária pública. Sou nascido e criado em São Paulo. Como eu disse eu nasci no bairro do Brás um bairro tradicional classe média baixa de São Paulo na época ainda muito marcado pela imigração italiana. Era um bairro com características italianas que depois foi se misturando com os nordestinos. Estudei num colégio de padres do primário ao ginásio e depois fui no colégio estadual. O segundo grau era um colégio inovador, um colégio revolucionário pra época, o Colégio Estadual Vocacional no Brooklin. Passei no vestibular na Universidade de São Paulo em Economia, me matriculei, cursei alguns anos e, em 1972, eu fui preso político na época da ditadura. Quando eu saí da cadeia eu fiquei meio sem ambiente porque a Faculdade de Economia da USP, na época, ela era muito dominada pelo pessoal do Delfim Neto, né? Do ponto de vista do corpo docente, né? Embora tivesse entre os alunos um núcleo forte do movimento estudantil de várias correntes. E aí depois que eu saí da cadeia fiquei meio sem ambiente e acabei meio por acaso virando jornalista. Uma vez eu estava num bar e um amigo meu falou: “Ah, você escreve bem, é antenado nessas coisas de cultura então vou te arrumar pra fazer uma coluna num jornal de bairro.” Eu comecei fazendo uma coluna num jornal de bairro em Santa Amaro chamada Tribuna de Santo Amaro e eu fazia uma coluna sobre variedades e o nome da coluna era Baralho a Quatro. Aquela idéia de, né, de integração e tudo, né, um trocadilho. E a partir daí fui convidado pra ir pra Folha comecei a trabalhar na Folha. Na época a legislação profissional permitia que um percentual de profissionais não tivesse diploma e virei jornalista e acabei em Brasília. Vim fui convidado em 1977 pra vir pra Brasília passar seis meses e estou aqui há quase 30 anos. A minha chegada a Brasília ela é curiosa porque ela coincide com um momento histórico interessante, né? Isso foi em 1977 no governo Geisel. O governo Geisel foi na época da ditadura, foi o primeiro governo que começou uma política de abertura, né? Chamada abertura, na época se falava “abertura lenta e gradual.” E uma das medidas do governo Geisel foi o abrandamento da censura à imprensa. Com esse abrandamento as sucursais dos grandes jornais em Brasília começaram a se reforçar porque durante a censura o noticiário de Brasília era praticamente o noticiário oficial. Então as sucursais eram muito pequenas, né? Porque não tinham espaço pra se fazer um jornalismo de verdade. Com o abrandamento das censuras as sucursais começaram a se fortalecer a partir daí contratar novos profissionais formados em Brasília e daí surge uma grande geração de jornalistas hoje famosos oriundos da Universidade de Brasília e trazer profissionais de fora, principalmente do Rio e de São Paulo. Um belo dia eu estava na redação da Folha e o chefe do sucursal de Brasília, o Rui Lopes, estava lá procurando dois jovens repórteres que tivessem dispostos a mudar pra Brasília. Eu fui indicado e acabei aceitando e vim pra cá. Como eu disse, o combinado era que eu tinha que ficar no mínimo seis meses, quer dizer, você não podia ir embora antes de seis meses e estou aqui até hoje. Bom, eu cheguei junto com um amigo meu. Nós morávamos juntos em São Paulo numa república, vamos dizer assim, como se chamava na época. Quatro jornalistas e eu vim com um amigo que trabalhava na Folha e morávamos na mesma casa e chegamos juntos. Lembro-me que descemos aqui num final de tarde em abril de 1977. Eu já tinha estado em Brasília há uns anos antes, mas rapidamente só durante um dia a trabalho. E a impressão foi, como toda naquela época, muito chocante, né, que Brasília era uma cidade completamente diferente. Na época, há quase 30 anos atrás, então a cidade muito pequena ainda muito provinciana, tinha várias coisas que hoje já existe na época não tinham, era muita poeira, né? E nós ficamos na primeira morada nossa foi uma pensão que ficava na W3, uma pensão de se eu não me engano ela era basicamente uma pensão de funcionário do Banco do Brasil que vinha pra cá fazer curso, tal. Nós ficamos lá foi ele quem nos colocou naquela pensão e era uma coisa muito estranha, né? Aqueles espaços, aqueles espaços vazios. Eu me lembro que nós fomos uma vez até o supermercado que ficava no Conjunto Nacional parecia uma eternidade andando por aquelas avenidas, né? Era uma sensação muito estranha, tanto que nós não agüentamos nessa pensão. Nós ficamos dois dias e fomos procurar deputado amigo nosso que era deputado federal nós já conhecíamos ele de São Paulo e ele naquela época, já naquela época, né, os deputados só ficavam em Brasília de terça à quinta. Então ele falou: “não, você fica aqui comigo e tal.” Nós fomos morar no apartamento dele na 302 Norte, foram as nossas duas primeiras residências em Brasília, né? E muito estranho, né, porque vindos de São Paulo a gente estava completamente desacostumado com o espaço urbano em Brasília mesmo, né? Mas aos poucos a gente vai se ambientando e vai começando a construir relações. Brasília é uma cidade cativante. Acho que o que mais me chamou atenção em Brasília, acho que foram basicamente dois, né? Um é os espaços, né, a gente não estava acostumado a essa amplidão de espaços urbanos, né, ainda mais quem morava em São Paulo, nasceu, foi criado nascido e criado em São Paulo, né? Aqui não tinha congestionamentos, na época não tinha congestionamento o trânsito fluía fácil. Eu me lembro que uma das coisas que chamavam atenção é que você não via pessoas nas ruas pedindo esmolas, engraxates. Uma das maiores dificuldades que eu tive nos primeiros meses foi engraxar os sapatos por causa da amplitude do espaço urbano. E a segunda que é realmente a marca registrada em Brasília é o horizonte, o céu, né? Tem uma frase que eu não tenho muita certeza de quem é que diz que “o céu é o mar de Brasília” e é com certeza, quer dizer... A visão que você tem nessa cidade do céu e do horizonte é única, é única, realmente. Então as duas coisas que mais me impactaram assim no momento da chegada. Brasília cresceu muito, né? Nesses quase 30 anos que eu moro aqui. E infelizmente cresceu de uma forma desordenada, né? Eu acho que esse é o maior problema que a cidade enfrenta hoje. Esse crescimento inevitável, né, ele provocou uma antecipação dos problemas urbanos. Então hoje Brasília já tem os problemas urbanos de trânsito, de violência, ainda, embora que ainda numa escala menor do que das grandes cidades, mas já tem, já convive com eles. Isso fruto dessa ocupação desordenada, né? Principalmente depois dos meados da década de 80 houve uma migração muito grande e a cidade rompeu todos os seus parâmetros que tinham sido projetados, né? Brasília cresceu de forma desordenada, eu acho que esse é o maior problema que a cidade enfrenta e as novas gerações vão viver isso com maior intensidade. O que permaneceu de Brasília de 30 anos atrás pra Brasília de agora, acho que foi o céu, os espaços, e eu acho que uma sensação de liberdade que a cidade dá, apesar de todo o seu crescimento. Eu considero que Brasília teve dois governadores no passado que não se dá muita importância pra eles, mas que na minha opinião são fundamentais para o que a cidade é hoje e, principalmente, para o que ela não é de ruim: o primeiro foi um governador da época da ditadura chamado Elmo Serejo que construiu o parque da cidade, né? Eu acho que a construção do parque da cidade que é um pulmão verde de Brasília teve uma importância muito grande do ponto de vista da preservação da qualidade de vida. E o outro foi o governador Zé Aparecido que conseguiu que Brasília fosse tombada como patrimônio cultural da humanidade, histórico cultural da humanidade, tombada, né, impedindo com que a especulação imobiliária alterasse o traçado original, principalmente do plano piloto. Não fosse isso Brasília hoje estaria à mercê dos gangsters aí da incorporação, da especulação imobiliária e, com certeza, o plano piloto não estaria tão preservado como está hoje. Eu acho que esses dois governadores pouco reconhecidos lançaram a semente da preservação de Brasília, nós devemos muito a eles o pouco de qualidade de vida que é a melhor do Brasil. Um pouco que eu digo é em função dos problemas, mas nós ainda temos hoje na cidade. Eu sou fundador de um bloco carnavalesco. Como eu disse, nessa época no final dos anos 70 no governo Geisel houve um começo de abertura política, né? É o fim da censura e tal. E no caso dos jornalistas esse movimento de fortalecimento das sucursais, a vinda de pessoas de outras cidades, a entrada de jovens recém-formados pela Universidade de Brasília criou um ambiente de efervescência política e cultural muito grande. Então pela primeira vez em 1977 a oposição conseguiu ganhar as eleições pro sindicato dos jornalistas derrotando a diretoria pelega que estava lá desde o golpe de 64, né? Essa eleição foi em 77 e a chapa de oposição era presidida pelo Carlos Castelo Branco, o famoso Castelinho, um dos grandes jornalistas brasileiro já falecido, né? Com a retomada do sindicato retomou-se também o Clube da Imprensa que é um clube social que existe até hoje e que era abandonado jogado às traças. Com e eleição do castelo, quer dizer, o clube se transformou num pólo de convivência social, de convivência política, de convivência cultural, né, todo mundo freqüentava o clube. Havia uma atividade cultural intensa com a realização de festas, de shows, de bailes, de debates. No clube se recebeu os primeiros anistiados que voltavam ao Brasil, né? Leonel Brizola, Ulisses Guimarães, que na época era um político de oposição, freqüentou o clube, fez palestras, enfim. Havia uma atividade muito intensa cultural e política. Na esteira dessa atividade um grupo de jornalistas resolveram criar um bloco de carnaval, né? Vários colegas que tinham chegado de outras cidades e tal gostavam de carnaval. Gente do Rio, gente de Recife, eu vim de São Paulo já mexia com carnaval em São Paulo e isso propiciou então a criação desse bloco de carnaval por um grupo de jornalistas no final de 77 pra 78. Na época o governo Geisel tinha editado em abril exatamente de 77 o famoso Pacote de Abril que foi uma das últimas medidas autoritárias da ditadura. Fechou o Congresso Nacional e tal, ficou conhecido como o Pacote de Abril. E por conta disso nós resolvemos dar o nome do bloco de Pacotão, né? Quando surgiu, foi com o Pacote de Abril que surgiu essa expressão pacote que hoje está incorporada ao vocabulário político brasileiro. Então nós demos o nome de Pacotão e fizemos um nome bonito chamado Sociedade Armorial Patafísica, que é um ramo da filosofia que isso veio de Recife, né, lá havia um bloco antes do Pacotão chamado Siri na Lata que tinha esse nome, Rusticana por conta do, esse período também o fim do governo Geisel e já havia sido indicado o general Figueiredo pra ser sucessor, né? E o general Figueiredo era da Arma da Cavalaria então daí o Rusticana e o Pacotão em homenagem ao Pacote de Abril. Sociedade Armorial Patafísica Rusticana, também conhecido como Pacotão. E o símbolo do bloco era uma tartaruga bêbada. Tartaruga porque representava a política de abertura “lenta e gradual” do governo Geisel. E esse bloco surgiu sem nenhuma pretensão. Um grupo de jornalistas a única pretensão era brincar o carnaval, né? Brasília na época não tinha nada de carnaval de rua. Tinha as escolas de samba que já existiam e que faziam os seus desfiles, mas esse pessoal gostava mesmo dos blocos de rua, dos antigos blocos de sujo e tal e ele surgiu despretensiosamente como um bloco de jornalistas, né? Tanto que no primeiro ano o desfile do Pacotão tinha no máximo 100 pessoas no meio da W3 naquela época parecia um bando de malucos, né, com aquela amplitude da W3 e um grupinho lá de jornalistas desfilando na contramão. É uma coisa de maluco, né? E passou. Acontece que em 79 houve a revolução iraniana com a queda do xá do Irã Reza Pahlevi e a ascensão ao poder do aiatolá Khomeini e foi um assunto muito comentado e tal. E aí nós resolvemos fazer em 79 uma brincadeira com os aiatolás e surgiu uma música que até hoje é a mais conhecida do Pacotão chamada a Marcha do Aiatolá que fazia uma comparação do aiatolá Khomeini com a ditadura, né? A marcha é assim: “Geisel você nos atolou Figueiredo também vai atolar, aiatolá, aiatolá, venha nos salvar que esse governo já ficou gagá.” E aí emenda: “ga, gagá, gagá...” E essa música eu sou um dos autores dela, dos compositores junto com o Samuca, fotógrafo da época era da Veja, hoje mora em são Paulo, e essa música explodiu, né? Caiu no... Foi um sucesso absoluto, o que era 100 já virou cinco mil e aí a partir daí o Pacotão foi assumindo essa característica da crítica política. A música ganhou a mídia, saiu no Fantástico, enfim, e a partir daí o Pacotão cresceu, cresceu, cresceu, virou uma as marcas registradas do carnaval de Brasília sempre com grande, o fato da gente ser jornalista facilitava, os jornais locais davam muita cobertura, né? Foi adotado pela cidade até que no ano das Diretas foi o ápice do Pacotão ele conseguiu reunir no domingo de carnaval cerca de 50 mil pessoas. Virou uma febre. O bloco sobrevive até hoje, embora o pessoal da velha guarda fundadores mais nenhum participe e hoje é um bloco da cidade, né? Ele não tem mais a graça, o talento que tinha naquela época, mas ta aí até hoje continua uma referência no carnaval de Brasília. A Aruque é a escola de samba mais antiga de Brasília, ela foi fundada em 1961 praticamente junto com a cidade, né, um ano depois. Ela foi fundada por funcionários públicos vindos do Rio de janeiro pra trabalhar em Brasília, a maioria deles cariocas, né? E é claro que a primeira coisa que eles fizeram foi fundar uma escola de samba, né? No bairro do Cruzeiro a Aruque é filiada da Portela você tem as cores azul e branca e tal. E até hoje é a escola mais antiga, né, não tem nenhuma escola em atividade fundada naquela época. Ela vai fazer agora 45 anos e é a maior vencedora dos carnavais de Brasília. Ela ganhou 26 títulos de campeã do carnaval. Quando nós fundamos o Pacotão, nós resolvemos procurar a Aruque que na época o presidente era o Sabino, o Sabino é uma grande personalidade do samba de Brasília, já falecido, é uma espécie de Natal da Portela: negro, alto, muito simpático era uma liderança muito forte tanto não só no Cruzeiro como em toda cidade no meio do carnaval. E nós procuramos a Aruque pra pedir apoio da Aruque pro Pacotão. O Sabino na mesma hora aceitou e desde o primeiro ano o Pacotão sempre desfilou com a bateria da Aruque. E a partir dali nós começamos alguns de nós já freqüentávamos, já freqüentavam a Aruque e tal e começamos a freqüentar e eu sempre gostei de carnaval, né? Desde em São Paulo, em São Paulo em participava do Vai-Vai e essa coisa foi a gente foi se aproximando. Existe uma área da imprensa na Aruque, né, e eu fui me enturmando até que passei a participar da diretoria da Aruque mais efetivamente. Fui presidente da entidade duas vezes, né, e estou lá até hoje. Essas duas coisas, tanto o Pacotão como a Aruque, elas dão pra nós uma sensação que é difícil você ter em outras cidades, né? Como Brasília é uma cidade muito nova aqui a gente tem um sentimento de que a gente está fazendo história. É muito mais fácil você perceber que essas pequenas coisas do cotidiano fazem parte hoje da história da cidade, né? Isso numa cidade de 500 anos é mais difícil, né? Brasília nos permite isso. Eu tenho certeza de que movimentos como esse são importantíssimos pra história da cidade. Daqui a 100 anos quando se contar a história de Brasília é impossível não falar do Pacotão, impossível não falar da Aruque, é impossível não falar do sindicato dos jornalistas, do Clube da Imprensa, quer dizer, são pequenas coisinhas que aqui nos dão com muito mais força essa sensação de que você está participando da história de uma cidade que está sendo construída devagarinho.
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