P/1 – João Paulo, você pode falar o seu nome completo, local e data de nascimento?
R – Posso, meu nome é João Paulo Melo Fernandes, nasci em Crateús, no dia 20 de junho de 1980.
P/1 – Seus pais são de Crateús?
R – Minha mãe é crateuense e meu pai era o interior de São Paulo.
P/1 – Crateús é interior do Ceará?
R – Interior do Ceará, já na divisa com o Estado do Piauí.
P/1 – Você sabe como o seu pai e a sua mãe se conheceram?
R – Foi bem interessante porque um sempre comentava, né, com o outro, minha mãe tinha ido para Campo Grande nessa época morar com a madrinha dela e o meu pai trabalhava como auxiliar de padeiro, que inclusive foi um dos muitos ofícios que o meu pai tinha. E eles se conheceram de uma forma bem engraçada, porque a minha mãe sempre dizia que ela não queria o meu pai, ela achava o meu pai muito pra frente, muito fresco, digamos assim, mas ele acabou conquistando ela e nasceram três filhas.
P/1 – Mas como é que eles foram parar na mesma cidade?
R – Meu pai era, teve que servir o exército e ele acabou indo trabalhar lá depois que ele largou a farda.
P/1 – Em Crateús?
R – Isso, em Campo Grande, e lá eles se conheceram e se casaram.
P/1 – Por que o seu pai saiu do interior de São Paulo e foi pra Campo Grande?
R – Ih, bom, meu pai teve um probleminha com o meu avô, meu avô era italiano, tinha uma, um modo de criar os filhos assim, era um pouco grosseiro, isso era o que o meu pai sempre dizia, e aos 13 anos ele acabou tendo que sair de casa e foi morar na casa da minha tia. Foi morar com a minha tia e quando ele atingiu a idade pra servir o exército ele abandonou a minha tia, foi morar, foi ter a própria vida dele, não é, e serviu o exército em Campo Grande e lá ele conheceu a minha mãe.
P/1 – E aí eles se casaram?
R – Aí casaram, depois se mudaram, foram morar em Lins e as minhas irmãs começaram a nascer uma atrás da outra, são três, e eu já sou cearense, depois de alguns anos o meu pai decidiu vir morar no Ceará, em Crateús, que foi a terra natal da minha mãe.
P/1 – Por que eles voltaram pra Crateús?
R – Por causa da minha avó, a minha avó, a mãe da minha mãe continuava morando lá e meu pai achou por bem, não sei exatamente qual foi o motivo que levou ou não, nunca ficou muito bem claro pra mim, mas quando eles chegaram, quando eles decidiram, né, vir pra cá, aí resolveram, estabeleceram a vida novamente, né? Ainda tava um pouco nebuloso as coisas por lá, eu posso até considerar que a minha família veio se estabelecer realmente como uma família, como uma estrutura familiar, em Crateús.
P/1 – Em Crateús você morou lá quanto tempo, até quantos anos de idade?
R – Desde o meu nascimento em 80 até 2002, quando eu...
P/1 – Ah, até 22 anos.
R – Quando eu comecei a trabalhar.
P/1 – Como que era Crateús na sua infância?
R – Crateús era uma cidade, pra mim a Crateús do João Paulo criança era uma cidade no qual a gente tinha muita diversão, porque cidade pequena, como não tem muita atração, como uma cidade grande, uma metrópole, então você acaba se divertindo com as coisas simples. Então a minha diversão era ir à praça, era brincar próximo da fonte, ir pra escola, as atividades, as brincadeiras de rua com os colegas.
P/1 – Quais eram as brincadeiras?
R – Tudo o que uma criança de hoje eu acho que sente falta, né, dessa diferença do que se fazia antes do que se faz hoje, pião, brincar de amarelinha, de pega-pega, de esconde, empinar pipa, essas coisas.
P/1 – Com quantos anos você entrou na escola?
R – Em, dois anos e meio pra três anos, comecei no maternal.
P/1 – Como é que vocês iam pra escola?
R – A gente ia a pé, geralmente a minha irmã, uma das minhas irmãs me levava e eu lembro que eu era sempre um aluno aplicado, agora, uma vez eu fiz uma travessura, porque quando era na hora de sair da escola pra voltar pra casa a orientação era sempre que eu esperasse uma das minhas irmãs, mas um dia eu resolvi tomar a iniciativa de ir pra casa sozinho. E quando eu cheguei em casa as minhas irmãs ficaram surpresas: “Como foi que você chegou aqui?” e aí a minha mãe disse: “Olha, eu não vou lhe dar uma surra dessa vez, não, porque foi a primeira, mas não faça mais isso” (risos).
P/1 – Como é que era na sua casa, quem exercia a autoridade, o seu pai ou sua mãe?
R – Bom, durante um certo tempo o meu pai trabalhava como caminhoneiro também e ele viajava bastante, então a minha mãe na verdade, ela é a pessoa que era mais presente, mas o meu pai também exercia o seu papel de autoridade às vezes, só que, bem, durante um certo tempo, né? Na infância eu não lembro, assim, muito da presença dele, por conta das inúmeras viagens, mas depois que ele desistiu, começou a trabalhar em outra coisa, aí ele se tornou uma presença mais constante em casa, mas ele receber um pouco da herança do, a herança paterna dele, né, ele foi um pouco autoritário com a gente, mas de uma certa forma eu vejo que foi pro meu bem, eu vejo que os valores que eu carrego dentro de mim foram dados pro ele, pela minha mãe, pra mim foi importante.
P/1 – Você teve algum tipo de formação religiosa?
R – Bem, eu fui criado num ambiente católico, mas na verdade eu nunca fui muito, digamos assim, fiel, né, mas eu sou uma pessoa, eu me considero uma pessoa de fé, tive uma experiência religiosa durante, aos 17 anos me converti ao protestantismo, permaneci durante uns quatro, cinco anos, e a minha fé não mudou, ainda que eu não freqüente mais nenhuma igreja, eu me considero cristão.
P/1 – Quando você era pequeno, adolescente, você tinha algum desejo: “Quando eu crescer quero ser tal coisa”?
R – Bom, tive vontade de fazer tanta coisa, eu já pensei em ser médico, já pensei em ser advogado, já pensei em ser diplomata, só que na verdade quando a gente é criança a gente fala sem uma noção real do que aquilo representa, né, da sua atividade. Você acha bonito porque as pessoas falam, mas depois de um tempo, quando você ainda tá na adolescência você fica por decidir e depois de um outro tempo, quando você já está mais maduro você, pelo menos comigo, né? Na minha experiência posso te dizer que eu tive realmente uma convicção, uma certeza daquilo que eu queria ser, e eu posso dizer pra você que o meu encontro é com a literatura, eu gosto de escrever, essa é a minha paixão, né, meu amor.
P/1 – Desde quando?
R – Tive experiências até poder chegar até essa consciência.
P/1 – Quando você era pequeno?
R – Enquanto criança eu gostava de escrever, rabiscar, quando adolescente eu cheguei a escrever um livrinho, era um trabalho de Geografia, mas eu procurei fazer com muito amor aquilo ali, me renderam umas 70 páginas mais ou menos, e uma colega foi quem teve o trabalho de datilografar e o trabalho foi bastante elogiado. Mas depois disso ficou latente e quando eu comecei o curso de Letras, já depois de quase 15 anos dessa primeira experiência, é que eu pude ver que eu realmente tinha jeito pra coisa, que eu queria trabalhar com isso e é o que eu quero desenvolver até o fim da minha vida.
P/1 – Você prestou vestibular pra Letras?
R – Sim.
P/1 – Foi aí que você saiu da sua casa, não?
R – Não.
P/1 – Com quantos anos você saiu de casa?
R – Saí de casa com 22 anos.
P/1 – Você não tinha feito faculdade ainda?
R – Tinha feito já, essa é a minha segunda formação, eu sou pedagogo também.
P/1 – Mas você continuava morando lá?
R – Enquanto fiz o curso de Pedagogia sim, entre 1998 a 2002.
P/1 – Por que você escolheu, você já trabalhava fora, alguma coisa?
R – Não, até então trabalhava na minha cidade e trabalhava como professor.
P/1 – Foi o seu primeiro emprego?
R – Foi o meu primeiro trabalho.
P/1 – Com quantos anos?
R – Dezoito anos, era muito jovem, inexperiente pra muita coisa, e hoje eu vejo que eu faria muita coisa diferente também.
P/1 – Tem algum professor que tenha te marcado na tua formação escolar?
R – Muitos, eu tinha uma professora de História que eu gostava muito, e gosto, ela não morreu, né, tá lá em Crateús, uma pessoa que eu admiro e que sempre que eu tenho a oportunidade de vê-la a gente se abraça, se cumprimenta, foi uma relação que saiu, assim, da sala de aula, se tornou uma amizade mesmo.
P/1 – E aí você escolheu por que Pedagogia?
R – Bom, na realidade a Pedagogia, eu sabia que eu queria dar aula, mas fazer Pedagogia não era bem, assim, a minha ideia, a minha primeira opção, não, mas lá em Crateús a única universidade que a gente tinha era campus avançado da Universidade Estadual do Ceará, e o único curso que nós tínhamos era Pedagogia, era um curso noturno. Então como eu não tinha condições financeiras na época de poder sair da minha cidade, ou vir pra Fortaleza, então foi o que eu tive que fazer, mas fiz com muito carinho, fiz com dedicação também, porque apesar de tudo era pra dar aula, era algo que eu queria. Era algo que me encantava e até hoje me encanta, apesar de que eu redescobri outras coisas, né, talento pra fazer outras coisas também.
P/1 – Que anos que você prestou concurso? Por que você decidiu prestar concurso pros Correios?
R – Bom, o meu encontro com a empresa Correios, ela se deu por conta da inexperiência mesmo do meu fazer docente, né, do meu trabalho como professor, porque eu não sabia realmente se era o que eu queria, ainda que eu pudesse dizer assim: “Não, eu quero ensinar”, mas depois de um certo tempo você fica pensando: “Será que realmente é isso que eu quero?”. Eu gostaria de experimentar uma outra coisa e na época eu comecei a prestar concurso pra várias instituições, INSS, os Correios, e a primeira oportunidade que eu tive foi os Correios, fiquei em quinto lugar na época pra trabalhar na região próxima à minha cidade. E foi uma experiência, digamos assim, difícil, porque foi quando eu tive que sair de casa, tive que abandonar os amigos, as pessoas que me eram próximas, e tive que aprender a conviver sozinho, a fazer as minhas coisas, a me alimentar por conta própria, arrumar um local pra morar, cuidar de mim mesmo, pra mim foi meio chocante, mas hoje eu vejo como uma coisa boa, que foi necessário pra que eu pudesse crescer como pessoa.
P/1 – Você entrou pra fazer qual trabalho nos Correios, qual que era a vaga?
R – O meu trabalho era pra ser atendente comercial, que hoje mudou, hoje tem outro nome, é agente de correio, mas você trabalha dentro de uma agência atendendo clientes, né, pessoas que têm necessidades diferentes, que têm naturezas diferentes, e você tem que ter paciência. Você tem que ter disposição, você tem que gostar de trabalhar com o ser humano pra você se dar bem num emprego como esse, e graças a Deus eu tenho conseguido levar durante esses quase 11 anos.
P/1 – Você tem algum causo marcante de trabalho pra contar, deixar registrado aqui pros 350 anos?
R – Olha, um causo interessante que me fez rir muito foi quando eu trabalhava numa agência no interior ainda e o cliente era uma pessoa muito simples, mas a gente que já tem um conhecimento maior, a gente acaba rindo de coisas simples, pra ele era uma coisa difícil, mas pra mim era tão simples que me gerou o riso e ri incontroladamente. Que foi justamente um cliente que queria fazer uma segunda via do CPF e, bem, não foi eu quem o atendi, foi uma colega que estava ao meu lado, eu apenas presenciei a cena, e ele perguntou: “Quanto é pra tirar uma segunda via do CPF?”, ela disse o preço, na ocasião eu não me lembro quanto era, na época. E ela disse: “É tanto”, e ele: “E quanto é pra tirar a primeira?” (risos), sendo que a primeira, poxa, você já tinha tirado, então eu ri muito, ri muito, até a colega se irritou um pouco, porque ela podia pensar que, não sei, que eu tivesse falando, zombando do trabalho dela ou fazendo pouco caso, mas não era isso, né, esclareci, mas foi bem interessante, foi bem marcante.
P/1 – Nesses 11 anos você mudou de cargo, você continua no mesmo?
R – Continuo no mesmo, na mesma função, agora, assim, de uma certa forma, em relação às minhas aspirações eu não posso considerar que os Correios vá ser o meu destino final, não sei, eu tenho lutado pra fazer outras coisas da minha vida, eu tenho desenvolvido outros projetos, não é? Um deles é o meu livro, não é, esse meu reencontro com a literatura durante o curso de Letras, ela me fez desenvolver um projeto que foi um romance histórico, né, que se chama Condessa de Assis, deve tá sendo publicado agora pra janeiro por uma editora lá de São Paulo. E eu to muito entusiasmado com o trabalho e eu gostaria quem sabe de um dia ver o meu trabalho adaptado pro cinema, pra televisão, nunca se sabe, não é, mas o meu trabalho já tendo, assim, um certo prestígio, uma certa repercussão, pelo menos aqui a nível de Fortaleza, na universidade.
P/1 – Sobre o que é o trabalho?
R – É um romance histórico ambientado no Rio de Janeiro e, como eu era um leitor de clássicos, li muito José de Alencar, Machado de Assis, Bernardo Guimarães e outros, eu me senti estimulado a escrever um romance que fosse de época, resgatar um pouco da nossa própria história, a nossa identidade. Eu acho que esse trabalho, ele vem num bom momento, numa época em que a gente tá vendo muita movimentação política e a gente faz movimentos políticos muitas vezes sem entender o porquê. E eu não gostaria que os nossos cidadãos, as pessoas que são nossos irmãos, né, somos todos brasileiros, que a gente tivesse consciência política, que a gente tivesse consciência crítica, conhecesse a nossa identidade enquanto país, e eu acredito que o meu livro, ele vem pra colaborar pra que a gente possa ter uma identificação cultural, uma identificação enquanto nação. Eu acho que esse é o propósito maior, mais do que meramente um entretenimento, mas conscientizar, estimular a reflexão da nossa realidade.
P/1 – Qual que é o seu maior sonho?
R – Meu maior sonho? Me tornar um escritor renomado, ganhar o Prêmio Nobel de literatura, quem sabe, né? Essa seria pra mim uma concretização de um sonho.
P/1 – Obrigada, eu queria agradecer a sua entrevista.
R – Obrigado você.
FINAL DA ENTREVISTA
Recolher