Indígenas pela Terra e pela Vida
Entrevista de Brasílio Pripa
Entrevistado por Jonas Samaúma e Idjahure Kadiwel
Entrevista concedida via Zoom, 22/06/2021
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista número ARMIND_HV002
Transcrito por Lidiane Ramos
00:12
P/1 - Brasílio, eu queria pedir para você começar falando do seu nome completo e o lugar onde você nasceu?
R - Eu sou Brasílio Pripa, sou do povo xokleng, do Estado de Santa Catarina, é precisamente no Vale do Itajaí, vou fazer 63 anos agora mês que vem, sou do povo xokleng, vivi muito tempo dentro da área indígena, sai um pouco, fui trabalhar fora, mas a minha área é indígena, e hoje eu moro lá dentro da terra indígena.
00:47
P/1 - E como é que era a terra indígena no período em que você nasceu, o que você lembra do período que você criança?
R - Eu lembro muitos anos, primeiro que os povos indígenas foram classificados em 1914 pelo povo kaingang, Londrina no Paraná, até porque o dialeto era muito semelhante, então se usou o povo kaingang para fazer esse contato, e quem fez foi o bisavô que era kaingang, então fizeram esse contato com Eduardo Lima (1:25), eu tive a felicidade de conhecer esse cidadão, e assim lembro que quando eu nasci, era menino, eu tinha uns quatro anos, a comunidade indígena voltou novamente para o mato, tinha feito de contato depois de alguns anos, para tirar palmito para sobrevivência, porque daí já mudou aquela vida que se vivia no mato só de caça, já teria que ter algum recurso para comprar alguma coisa, roupa, eu tive essas coisas, eu tive esse prazer de acompanhar, essa liberdade, essa oportunidade. Eu me criei com meus avós, eles que me criaram, voltei para o mato novamente, menino com 4 anos, 5 anos, e a gente vivia no mato, depois o pessoal saíram de volta mas, assim era um trabalho, não tinha voltado novamente, era um trabalho, tirar o palmito e vender para comprar alimentos, essas coisas, roupa.
02:45
P/1 - A gente vai entrar mais nessa história do palmito. Queria saber o que você lembra, você disse que foi criado pelos seus avós, o que você lembra dos seus avós, o que eles te ensinavam?
R - Meus avós são pessoas que já são mortos, mas o qual tenho muito carinho por eles, muito, muito mesmo, sempre me ensinaram coisas boas, e sempre me ensinar a lutar pela terra, mostraram onde que era a terra que era para sobreviver, essa terra que está na CO 1.100, não tinha marco, não tinha nada mas, tinha marco original deles, com árvore, rio, com uma pedra, um pé de araucária, me ensinaram desde pequeno, que essa seria a reserva original, e o Eduardo Lima tinha deixado e explicado para eles que ali era para sobreviver, então é isso eles deixaram, mas isso já foi 60 e pouco, e essa terra foi tirada em 52, e a gente já nasceu sabendo que o original seria esse local, que já tinha tirado em 52, eu não vi porque eu não tinha nascido ainda, eu nasci em 58.
04:17
P/1 - Mas essa terra que vocês foram, você disse que com 4 anos voltaram para o mato para plantar palmito. Era a terra original da aldeia ou era uma outra terra?
R - Não, essa é a original, essa é a dos 14.156 hectares que nós temos hoje. Essa terra é a que nós temos hoje, 14.156 hectares, o que nós buscamos é 23.000 hectares a mais, daquilo que eu falei que foi tirado em 52, isso que girou no processo da CO 1,100 no processo do Supremo Tribunal Federal.
05:03
P/2 - Brasílio, você está comentando um pouco dos seus avós, dos seus pais, da sua criação. Você falava na língua xokleng com eles, você aprendeu a língua xokleng com eles?
R - Eu falo muito bem até hoje ainda, e falo um pouco kaingang também, porque a gente viveu também na área kaingang, meu pai falava kaingang, meu avô, então eu tenho as duas origens, tenho os dois sangues mas, eu sempre vivi dentro da área xokleng mas, está muito xokleng, a gramática xokleng, hoje ainda com os velhinhos a gente fala muito, essa tranquilidade eu tenho.
05:43
P/2 - Nessa transmissão da tradição você lembra algum tipo de ensinamento que te marcou na infância. Alguma coisa no início. Uma lembrança forte desse tipo de ensinamento mais tradicional?
R - Sim, marcou muito forte e é uma coisa que me emociona, por que os povos indígenas, ele é diferente do não índio, ele tem um carinho muito grande um pelo outro, e tudo se divide, todos são iguais. se você mata um bicho, se você mata um cetivit, você não é totalmente...isso é uma coisa que me marcou muito, eu me lembro tão bem que eu chamava ele de Jubei, uma vez ele matou 6 animais, 6 patinhos, ele chegou no rancho, eu tinha 5 anos de idade, eu nunca esqueci, ele chegou para cada chefe de família lhe deu um bicho daquele para se alimentar, eu me lembro no mato era umas 5 horas da tarde, eu tinha 5 anos de idade, ele chegou e entregou a cada pessoa, cada mulher estava ali, para minha avó e outras pessoas estavam ali para se alimentar, é um gesto muito diferente da sociedade moderna, isso me marcou muito, e o povo xokleng tem isso, o povo índigena em geral têm esse jeito mas, aquela coisa, aquele dia, me marcou muito e eu nunca esqueci. Hoje eu conto, eu me emociono, porque eu estava com meus avós, era muito feliz, muito tranquilo e assim me emociona, então é uma coisa que me marcou bastante.
07:29
P/2 - Qual o nome? Você pode deixar aqui registrado o nome dos seus pais e dos seus avós se você quiser falar também.
R - Jeango Pripa, e ela Antônia Combo. Essa Antônia Combo, foi o Eduardo Lima e Silva que deu esse nome para ela, porque a minha avó saiu pequenininha do mato, ela saiu em torno de uns 7, 8 anos porque os pais foram mortos, saiu ela e outro irmão, então minha mãe era Antônia Combo.
08:15
P/1 - Eu ia perguntar isso, porque eu gostei muito dessa história do quati que você falou. Ia te perguntar se teve algum outro momento da infância, com seus avós, com seus pais, com seu povo que te marcou, que te emocionou e você quer compartilhar também.
R - É uma coisa muito importante também, primeiro que o povo indígena no geral e o xokleng também gosta muito, o alimento tradicional é o peixe, e eu me lembro muito bem, hoje todos eles já são falecido mas, tinha muito longe wandi, no português...eu esqueço o nome agora mas, é wandi fazia no rio, botava a taquara e os peixes iam entrando, eles dividiam um com o outro, deixavam um dia para um, uma noite para um outro ir lá pescar, essa é uma divisão que me marcou bastante. Eu me lembro que o meu avô, e eu ainda bem menino, tinha o indígena, até aqui no acampamento tem um filho dele, ele estava nú fazendo wandi, nuzinho assim, eu na minha curiosidade eu disse assim: - o pai ele tá pelado. Ele respondeu para mim. Está bom, você não viu nada, só com meias palavras ele disse, isso me marcou muito, chegamos lá, encostamos a canoa do lado, ele pegou, olhou para nós e jogou os wandi no rio Itajaí, na época, que passa dentro da reserva indígena, e jogou os wandi muito bonito para nós, a gente foi embora e ele continuou arrumando o wandi dele.
10:03
P/2 - Brasílio, você pode contar como você começou os seus primeiros trabalhos? Você falou que essa coleta do palmito é uma coisa que você lembra desde a infância. Você talvez participava nela desde a infância? Como foram seus primeiros trabalhos assim quando você foi crescendo?
R - Eu participei depois de menino, depois com 11, 12 anos a gente colhia, ajudava a colher palmito, era a parte financeira que nós tínhamos, a gente colhia palmito, vendia, também sempre plantava um pouquinho de feijão, mandioca, um pouco de milho, tinha uma criação, muito pouca, mas tinha só para gasto da família, a gente sempre viveu assim, esse era o nosso modo de viver, na época só tinha uma aldeia, era só uma aldeia na beira do rio, a qual hoje não tem mais.
11:07
P/2 - Por que ela não existe mais?
R - Ela não existe mais, por que na década de 70, foi feita uma barragem de contenção cheia dentro da área indígena, ela destruiu toda a terra da propriedade indígena, até porque era terra que se usava para plantio, os 14,156 hectares, 85% a 86% é mata atlântica, mata nativa, intocada, e depois a barragem veio e inundou aquela parte que a comunidade usava, então hoje essa aldeia não existe mais, tem outras aldeias, com outros nomes já fora dali, que a aldeia sede era aquela ali que nós morávamos na beira do rio, então existia só uma, e hoje já tem 9 aldeias, a barragem expandiu, ela abriu e acabou destruindo as nossas terras, e destruiu muita coisa, destruiu a comunidade no geral, o impacto foi muito grande, que até hoje não foi resolvido isso juridicamente, hoje ainda estão pensando, começaram a fazer o levantamento do impacto ambiental, cultural e social.
12:29
P/2 - Brasílio, naquele momento, ainda na juventude, como foi esse choque da barragem norte na verdade, como foi descobrir? Teve alguma coisa marcante nesse acontecimento? Porque mudou totalmente a vida do povo xokleng.
R - Sim, foi muito marcante, porque a primeira enchente que deu, foi um desvio que foram fazer do rio, chamava cercadeira, fechar um local para abrir outro, para começar a barragem, fixar a barragem na pedra, e aí fizeram uma cercadeira, eu me lembro também que na década de 80, no final de 81, dezembro de 81,deu uma chuva muito grande e inundou tudo, tudo que tinha, a comunidade, todas as casas que tinha na beira do rio, toda comunidade, a comunidade morava em 15, 20mts do rio, era um rio muito tranquilo, muito limpo, de peixe, era uma maravilha, uma coisa linda, maravilhosa, e a partir daquele momento se acaba o rio do povo xokleng, que é o rio Itajaí, que deságua ali na cidade de Itajaí no litoral, ali acabou. Eu me lembro tão bem, que aí eu fui embora muito triste, nunca esqueci, dia 23 de dezembro de 80 eu fui embora, eu fiquei tão triste, acabou com tudo, tudo foi acabado, acabaram as criação da comunidade indígena, as frutas, as plantinhas que eles tinham, tudo acabou, aí eu fui embora, foi uma tristeza para mim, até a minha roupa que sujou quando eu fui pela estrada, eu peguei, joguei fora, não quis nem lavar, eu tô contando uma história para vocês, que eu nunca contei para ninguém, muito triste para mim deixar minha avó, meu avô e ir embora, eles velhinho já, chegando aos 80 anos, e eu tive que deixar eles, uma coisa que eu nunca pensei, a comunidade índigena tem muito carinho pelo pai e pela mãe, e quando é avô, é muito maior o carinho que a gente tem, e eu sempre digo, é uma tradição do povo xokleng criar os seus netos, seus bisnetos, e tataranetos, eles criam como filho, é uma sociedade que vive junto, que é diferente da sociedade não indígena, do avô ficar separado e avó ir para o asilo, muitos contrário, e dou um exemplo, morreu uma senhora há uns seis anos atrás, ela tinha 101 anos, ela tinha uma criança de 6 meses, era filha dela mas, era uma tataraneta e ela criou como filha, o povo xokleng tem muito carinho, o qual eu também tenho. Foi aquela tristeza deixar meus avós para trás, naquele lodo, naquela lama sem saber o que fazer. É uma história muito triste, estou contando para você, é um segredo que eu guardei dentro de mim, e chorei quando eu fui embora, masdepois tive que voltar para morar novamente na aldeia, depois tudo foi modificando, a natureza foi modificando mas, na aldeia, na casa que nós morávamos, naquele local nunca mais deu pra ir, nunca mais fui lá.
16:02
P/2 - Brasílio, obrigado por compartilhar essa memória tão densa na sua vida aqui neste momento, o Museu da Pessoa, é justamente um lugar para abarcar esse tipo de memória que marca a vida das pessoas, e agradeço muito você ter compartilhado uma memória assim com a gente, ela vai estar aqui conosco. Esse acontecimento da enchente em 1980 marcou profundamente a sua vida, você está contando aqui, compartilhando.
16:41
P/1 - Só queria perguntar um negócio. Como é que foi isso? Porque você deixou os seus avós? Você foi para onde? E eles ficaram lá com a terra inundada? Como é que foi? Porque você teve que deixar eles?
R - Eu tive que deixar, até porque, acabou o que nós tínhamos, o pouquinho que nós tínhamos acabou, eu saí para trabalhar fora, para ver se fazia alguma coisa para ajudar eles, porque na época, ainda não tinha essa aposentadoria que os velhinhos têm hoje, eles não tinham como se virar, eu decidi sair para trabalhar e ajudar eles em alguma coisa.
17:25
P/1 - Mas, você continuou vendo ele depois?
R - Sem dúvida, meus avós, meu pai, eu chamo ele de pai, sempre vinha visitá-los, nunca deixei, com muita dificuldade, mas sempre visitei, eu tinha muito carinho para minha avó, minha vida, e hoje, depois ela faleceu em 82, dia 8 de agosto de 82, e meu pai faleceu dia 8 de agosto de 87 mas, para mim eu choro hoje como fosse aquele dia, é uma tristeza muito grande, pelo carinho que eu tive deles, por tudo que me deram com muito carinho, talvez deram muito pouco para mim mas, me ensinaram a viver, me ensinaram a respeitar as pessoas, e me ensinaram a ter muito amor por aquilo que é deles, que eles deixaram, e por isso que eu trabalho, faço esse trabalho com os povos indígenas, que é meu povo com muito orgulho.
18:38
P/2 - Brasílio, continuando nesse momento, você saiu para tocar a vida, para seguir a vida de algum jeito. Você se pôs em movimento para além do Vale do Itajaí talvez. Como é que esse acontecimento da enchente motivou você? Você foi fazer o quê? Você foi lutar? Foi levantar uma bandeira? Você foi trabalhar? O que você pensou? O que você foi fazer a partir daquele momento?
R - Na verdade eu fui trabalhar numa empresa, porque primeiro para mim sobreviver, eu jovem ainda mas, comecei a ir trabalhar para mim sobreviver mas, foi assim bem rápido, dentro de 2, 3 anos eu voltei para aldeia, voltei a morar na aldeia, dali eu continuei sempre lutando, tinha umas liderança bem velha, bem assim já tradicionais, e me convidaram para sempre discutir nessa área problema da barragem, e a gente ia sempre lutando, eles têm muito respeito por mim, e eu por eles também, até porque falava a língua muito bem, falo a língua muito bem, então voltei a lutar junto com eles, foi uma luta assim meio cansativa, meio triste mas, com muita vontade.
20:02
P/2 - E tem alguma pessoa, alguma organização que foi importante nesse ensino? Porque assim, você aprendeu muito bem o jeito da luta, o vocabulário da luta, como se posicionar, a gente vai chegar lá até hoje, nesse momento que você está hoje, mas naquele momento teve alguma pessoa, alguma liderança que marcou assim esse aprendizado, reivindicação do direito?
R - Sim, sim, teve o Ritiá que faleceu agora, ia fazer 101 anos, faleceu, foi um cara que sempre me orientou depois do meu pai, e o Aristide Faustino, que era a pessoa também que sempre me incentivava, mostrando qual era a luta, qual era o desejo. eu peguei um gosto muito gostoso para esse trabalho, continuei até hoje lutando, tanto para os problemas da barragem, ou no problema das terras que hoje ele está aí.
21:13
P/1 - Brasílio, como foi então os seus primeiros momentos assim na luta? De onde você falou assim, não, eu vou entrar nisso? Como é que isso começou?
R - Começou assim, justamente a convite dessas pessoas que eram a liderança na época, a gente viu ali a dificuldade, e via que alguém tinha que continuar essa luta, porque nós olhávamos aquelas pessoas com aquela certa idade, a gente sabia que eles teriam dificuldade, o pouco que eu aprendi lá fora, nesse período que eu estudei fora, não me formei, mas estudei um pouco, eu pensei assim, eu vou ajudar eles nas ideias deles, e a forma que, o pouco que a gente conhece da sociedade, a gente vai lutar, então começamos lutar, buscando algumas casas na comunidade indígena, eu me lembro em 83, veio 63 casas de madeira para comunidade, com madeira muito ruim, muito péssima das piores que tinha mas, aí pintada fizeram as 60 e poucas casas, a gente foi lutando, lutando para trazer uma parte de energia mas, não mais onde é que nós estávamos mas, já não mais no alto um pouco, onde a água não pegava, então vamos lutando junto dessa forma, buscando saúde, buscando educação, aí a nossa luta continuou.
22:53
P/1 - E dentro dessa luta teve alguma memória que te marcou, que nem você contou aquela do começo, nessa briga por direitos, teve algum momento que foi marcante?
R - Sim, coisa que eu lembro muito bem, foi muito boa essa pergunta. Eu me lembro que junho de 75, eu vou voltar um pouquinho atrás, que eu esqueci, tinhas os policiais militares na época dos militares, tinha lá uns 6, 7 velhinho olhando, chegou uns militares assim, chegaram e bateram na cara deles, e os velhinhos nada estavam dizendo, só olhando lá uma atitude deles desagradável, e eles chegaram e bateram, eles estavam em 12 policiais militares, eles bateram e jogaram os velhinhos no chão, tinha chovido, aí eles caíram tudo no chão, saíram limpando o rosto, e foi uma coisa que me marcou, são coisas assim muito triste, eu me lembro como se fosse hoje, eu vejo aquela cena, os militares batendo naqueles velhinhos, a troco de nada. Sabe uma árvore parada você chegar e agredir! Isso me marcou muito, para o povo xokleng, foi muito marcante isso.
24:19
P/2 - Brasílio, esse tipo de violência, você acha que tem alguma diferença isso, você está falando de um momento assim do regime militar. Você acha que faz diferença uma violência como essa, com a violência, mas da chamada do período democrático? Teve alguma atitude desse tipo de violência? Mudou?
R - Eu acho que não mudou, eu até numa conversa com o ministro Thomaz Bastos, eu tive não sei se a felicidade, ou a infelicidade em dizer para ele que, a comunidade indígena era morta com armas, e se pagava com orelha,, e hoje educadamente de sapatinho alemão, de terno italiano, e com a caneta na mão, mata os índios muito mais que naquela época, e ele deu um murro em cima da mesa, levantou e saiu. Depois 2 meses depois ela assina a portaria 1.128, que é o processo da CO 1.100 hoje mas, ele ficou muito bravo, e realmente é uma violência muito grande, naquele tempo fazia a pessoa mas, hoje faz paras os povos indígenas do Brasil, e usando essa forma de violência, tem essa violência e não fica só na comunidade indígena, fica na sociedade brasileira, então o desrespeito à natureza de modo geral, rio e outras tantas coisas que nós devíamos respeitar, e hoje arrogantemente não se respeita, e usa outras palavras para destruir aquilo que é tão importante para o povo indígena e para a própria sociedade.
26:15
P/1 – Brasílio queria te perguntar se tinha uma interferência, não sei se interferência é a palavra, alguma presença de evangélico, de missionário. Se tinha esse processo de evangélico?
R - É uma coisa que eu esqueci de falar. O evangélico começou na década de 50, até porque eu estive em uma igreja, uma pedra lá, a igreja Assembleia de Deus, ela foi construída em 05/06/55 mas, antes disso eu já tinha o evangelho dentro da área xokleng, mas uma coisa que eu queria dizer para vocês que eu não falei, acabei esquecendo, eu me emocionei. A parte dos meus avós, era muito amigo do Eduardo Lima e Silva, o Hoerhann, que foi o pacificador do povo xokleng mas, em 54, 24 de agosto de 54, ele mata Brasílio Pripa quando foi denunciá-lo no Rio de Janeiro, é uma coisa que também faz parte do povo xokleng, justamente ele foi assassinado por que ele foi denunciar essa barragem que existe lá hoje, esse projeto dessa barragem é de 52, ela começou em 52, e ele vendo que a comunidade ia ser prejudicada, ele foi denunciar no Rio de Janeiro, e quando ele volta, ele vai entregar uma carta para o Eduardo Lima e Silva que é o pacificador, e ele acabou sendo assassinado, 24 de agosto de 54, eu nem existia ainda, e por isso que hoje o meu pai, meu avô, ele colocou o meu nome Brasílio Pripa, para dar sequência neste trabalho, hoje eu estou aqui lutando, justamente a pedido do meu pai, do meu avô, para que continuasse trabalhando nesse sentido, ele foi morto, na verdade ele acusou ele que a comunidade xokleng tinha invadido, e ele assassinou ele e, depois de 6 meses veio um capitão do exército Rio de Janeiro e fez a perícia e foi desmentido o que ele colocou ele tinha mandado para o Rio de Janeiro, veio a perícia que foi desmentido no Rio de Janeiro, que ele colocou que tinha sido atacado, a perícia viu que a bala tinha entrado na nuca dele, e ficou no queixo, então viu que não era mentira, depois o Eduardo Lima e Silva foi preso.
29:30
P/2 - Brasílio. É uma história muito interessante esta. Como esse Brasílio, que é o seu antepassado. Como foi ter o mesmo nome que ele. O que isso significa para você ao longo da sua vida. Você tem o mesmo nome desse Guerreiro? Ele era um parente seu? E como isso te motivou, você na sua vida?
R - Sim, é parente meu, e por isso depois de 4 anos que eu nasci, eu não era filho do velho Jeancó, e nem da Antônia mas, ele como meu avô, ele me adotou para colocar esse nome, aí colocou Brasílio Pripa. Brasílio Pripa foi assassinado em 54, e eu nasci em 58, 4 anos depois, mas então ele colocou esse nome, para dar sequência no trabalho que ele começou a fazer, mas infelizmente foi assassinado.
30:34
P/2 – Entendi! Então a sequência é esse caminho guerreiro que você está seguindo. Eu queria saber um pouquinho do que você já falou do ministro da justiça Thomaz Bastos. Eu queria saber um pouco, como você se aproximou dessa arena de luta que são os tribunais. Essa arena das leis. Você conversou com o ministro, mas como você começou a tomar conhecimento desse tipo de batalha, desse tipo de disputa, que inclusive perpassa as leis?
R - Na verdade eu comecei... porque na verdade eu fui morar em Curitiba para trabalhar. Eu estava morando em Curitiba, o pessoal achou um documento, eu tenho aqui na minha bolsa do dia 3 de abril de 1926, o Cão Viana que era o vice vereador do Estado de Santa Catarina, tinha assinado e dado essa terra para a comunidade indígena, achando esse documento no final de 97, eles pedem para fazer o levantamento antropológico. Eu morava em Curitiba. Toda equipe para fazer o levantamento, em 98 eles começaram, me convidaram para trabalhar na empresa privada, e vendo que talvez eu entendia um pouco mais da discussão da sociedade, e arrumaram um cargo de confiança na FUNAI, eu entro na FUNAI dia 05/05 de 98, eu comecei a acompanhar as lideranças nesse processo. Tive uma oportunidade muito boa, não só para mim, como para o povo xokleng, eu tinha liberdade na FUNAI de viajar, levar de graça as lideranças para Brasília, me aproximei de várias pessoas, autoridades... Drª Débora do Prado da 6ª câmara federal, Drª Era Castilho subprocuradora na época, Thomaz Bastos que era ministro da justiça, acabei entrando e ajudando a minha comunidade, usei essa minha liberdade para ajudar o meu povo trabalhando na FUNAI, eu tinha muita responsabilidade, muitas vezes meus tios morreram, e eu não pude ver porque estava fazendo um trabalho, e toda minha família, os mais velhos morreram, e eu não pude ver porque eu estava na luta, eu estava fora, e eu não podia voltar. Isso é uma coisa que eu sofri, eu sofri bastante, eu cobro de mim mesmo. Porque eu fiz tanta coisa, mas ao mesmo tempo eu lembro que é para o meu povo, é para o futuro e faço com muito gosto isso. Essa foi a história desse processo, eu acompanhei praticamente 23 anos esse processo, e onde ele está hoje, que é da terra xokleng, como também acompanho a situação da barragem hoje.
34:00
P/2 - Então você foi morar em Brasília quando você foi trabalhar na FUNAI?
R - Não, eu morava em Curitiba, mas eu só morava mas, eu ficava mais dentro da aldeia, porque tinha briga da marcação de terra, tinha algumas violências, tinha umas grandes empresas, lá tem 8 empresas, são pessoas um pouco perigosas, não juridicamente mas, violência mesmo, eu sempre acompanhava o meu povo, eu sempre digo, estou vivo hoje porque é para eu viver, não era para eu morrer igual o outro Brasílio Pripa, ele morreu muito novo, eu estou com sessenta e poucos anos e continuo na luta com meu povo.
34:39
P/1 - Isso que eu ia te perguntar. Se houve alguma violência, alguma ameaça durante a sua luta?
R - Era uma violência, eu entendo como uma violência, até porque teve um grande empresário que é envolvido, um dos maiores grileiros, Manoel Marchetti, ele me chama justamente agora em 2019 para me comprar, para que eu desfizesse tudo aquilo que eu disse que era a terra xokleng, ele queria a parte reflorestada, queria dar a outra terra, em outras palavras, falou que ia me ajudar, que ia me dar o que eu queria, mas na verdade eu só dei um sorriso, disse para ele que eu não podia fazer isso com o meu povo, eu tenho uma linha de discussão, uma linha de pensamento, e o direito é direito de cada um ser respeitado dentro da forma da lei eu respondi, claro que é uma violência mas, assim fisicamente nunca aconteceu comigo mas, em palavras já aconteceu.
36:12
P/1 - Mas, com parentes seu acontecia, com os amigos, você já viu casos de violência?
R - Sempre existe essas violências, sempre existiu com meu povo, algumas pessoas são agredidas, usando outras coisas, agride pensando que é por causa da terra mas, diz que é por outra coisa, nós temos essa infelicidade, na região são policiais que pertencem aquele povo não indígena, juízes também, promotores também, então nós estamos cercados por uma cidade italiana, uma alemã, uma polonesa, nós estamos muito bem cercados com quatro municípios, essa violência ela é bem visível mas, as autoridades usam outras palavras e outros modos.
37:13
P/1 - Brasílio, eu queria perguntar quais foram as coisas mais importantes que você sentiu, que você ajudou na luta do povo xokleng?
R - Uma das coisas que está colocado hoje, uma quantidade de casa de alvenaria de 90m², são 188 casas de alvenaria do povo xokleng, 10 de madeira para os guarani, um colégio de 2.000m² para a comunidade xokleng, em torno de 100 Km de rede de luz e rede de água, e 6 tratamento de água de 80.000lts para a comunidade xokleng, isso foi uma das coisas que a gente conseguiu no governo federal, para que seja atendido. Nós hoje temos 6 postinhos de saúde como base para o povo xokleng, tem vários carros para atender o povo xokleng, são conquistas com muita dificuldade mas, a gente conseguiu isso, e agora recente, a gente conseguiu com o estado politicamente, na verdade foi uma barragem da União, e a União nunca quis fazer o levantamento do impacto, para não ter que pagar nada para a comunidade indígena, a gente conseguiu com o governo do estado, ele pagar uma empresa especializada para fazer o levantamento do impacto, começam a fazer, esse mês agora, para levantar o impacto social e cultural do povo xokleng na barragem, nos últimos 45 anos.
39:27
P/2 - Atualmente vai ser feito esse levantamento, o impacto da barragem que já tem muito tempo, e você está em Brasília também, e ao mesmo tempo do julgamento no STF. Queria chegar nesse momento. Quando você começou a participar desse tipo de audiências que estão discutindo entre outras coisas, o marco temporal.
R - Na verdade eu venho acompanhando a terra há 23 anos, eu passei em todos os momentos, da FUNAI, ajudei, acompanhei, porque tem a parte administrativa na FUNAI, até a portaria 1.128, que foi assinado dia 3 de agosto de 2003 junto com Thomaz Bastos, Reitiá já falecido, o Bâi que já é falecido, sobrou só eu e mais outra pessoa participando desse momento da assinatura da portaria 1.128 para o Thomaz Bastos no ministério da justiça.
40:48
P/2 - O que significou essa portaria, essa assinatura do ministro da justiça?
R - A portaria 1.128, como qualquer outra portaria reconhecida pelo ministro, ela reconhece o levantamento antropológico daquele povo, no momento em que o ministro assina essa portaria 1.128, ela reconhece que, tudo que foi levantado, realmente é terra tradicional, terra originária dos povos indígenas.
41:22
P/2 - Desde a assinatura do ministro Thomaz Bastos, o que foram as outras etapas? (41:29) R - O juiz federal de Joinville, ele caçou a portaria, nós estivemos lá conversando com ele, ele foi insensível, ele disse que não reconhecia a comunidade indígena, não sabia, e a gente contou para ele, ele queria saber como que nós queríamos essa terra, e nós dissemos para ele que a nossa terra era longa, no Paraná, no Rio Grande do sul, era cinco milhões de hectares, nós vivíamos ali a 5 mil anos mas, o que nós estávamos querendo, era só aquele pedaço que já estava documentado e roubaram essa terra de nós em 52, aí ele sensibilizou, e visitou no ano seguinte a área indígena, e fez a reunião com todos os colonos, me lembro tão bem, que ele fez essa reunião em 2004 para 2005, ele fez quatorze reuniões com todos esses colonos, que são 486 família de colonos, fez a reunião em quatorze lugares diferentes, e eu acompanhei a pedido da liderança na época. Ele fazia a reunião, chamava os colonos e dizia “Quem é o representante dos colonos“, vinha uma pessoa e falava que tinha comprado a terra em 52, do SPI do estado, e realmente foi, então ele virava para mim na presença de todos aqueles colonos e perguntava. É verdade? Eu dizia assim, pode até ser que eles compraram, mas são terras originárias, são terras tradicionais, mas aqui os índios viviam (43:42) e voltavam para o rio Itajaí para pescar, se compraram eu não sei, se pagaram mas, são terras originárias, tradicionais do povo xokleng. Dessas quatorze reuniões eu me expus muito a serviço da comunidade, dentro da legalidade, sem muita preocupação, sempre tinha um procurador, a polícia militar também acompanhando, porque era tenso, até hoje eu me preocupo da minha própria vida, porque a gente não sabe, dentro de 486 família alguém pode pensar besteira, eu sou muito exposto e sempre tenho falado na imprensa, afirmando o que é terra tradicional, o que deve ser terra da comunidade índigena, eu fico bem exposto.
44:40
P/1 - Brasílio, eu estava vendo que uma das primeiras terras que foi contestada já era demarcada era do povo xokleng, foi isso, de tentarem retirar uma terra que já estava demarcada?
R - No século passado, houve três momentos de diminuição da terra indígena, foi na década de 20, depois na década de 30, última tragédia que tiraram foi em 52, então a comunidade indígena xokleng, perdeu as terras dela em 52, e todos os povos do sul do Brasil, dos três estados, foi uma época que os militares sacrificaram os povos indígenas na retirada de terra.
45:38
P/2 - Brasílio, essas reuniões que você estava contando que houve 2004/2005 com 400 famílias de colonos, 6 empresas, você tem alguma memória assim forte desse tipo de encontro que você pode compartilhar para gente, me parece uma coisa delicada mesmo esse momento.
R - Sim, muito delicada, porque ali é uma região que são pessoas que você é diferente da gente, e nada impede eles de fazer qualquer coisa para qualquer indígena, e muito menos para mim que estou na frente, tanto é que a polícia federal foi lá para fazer um levantamento, eles em dez policiais federais, eles invadiram e fizeram os caras correr, a polícia federal correr, imagina eu, uma pessoa, o que eu sou para eles, eles podem fazer qualquer coisa, então essa é uma das coisas que me preocupa, eu não tenho medo mas, eu tenho família e preciso me preocupar com isso também.
46:57
P/2 - Seguindo esse reconhecimento que o juiz federal fez, teve algum outro episódio, alguma outra página neste processo da demarcação da terra, de reconhecimento da terra xokleng?
R - Quando o juiz cassa, essa portaria vai para Porto Alegre na 4ª instância, e em Porto Alegre eles continuam com a portaria cassada. O estado de Santa Catarina entrou contra a comunidade indígena também, porque o levantamento pegou um pedaço da área de sassafrás, que é a área de preservação de sassafrás, hoje já mudou o nome, mas na época era sassafrás, quando ela pegou uma parte, ela pegou 444 hectares, de uma área de 5.000 hectares da Fátima, que é a área de preservação que foi criado em 86, ontem né, mas aí dizia que não era indígena, o estado entrou com a comunidade indígena, e o que aconteceu. Como nós tínhamos perdido lá em Porto Alegre, o juiz já tinha cassado em Joinville, e lá continuou cassado, porque disseram que o juiz estava certo, quando dá essa briga do estado, que é uma briga federativa, o supremo puxa esse processo direto do supremo tribunal federal, que como é uma briga do estado com a comunidade indígena, quem pode decidir é o Supremo Tribunal Federal, veio rapidamente para o supremo, e hoje está aí a uns oito anos no STF.
48:52
P/2 - Dentro dessa página do Supremo Tribunal Federal, alguns acontecimentos foram postos sobre esse processo da terra xokleng, que amplificam isso em várias dimensões. Eu queria perguntar para você, que é sobre esse caso. O que você pensa sobre essa tese do marco temporal, que recai sobre esse caso também.
R - Primeiro que o marco temporal é uma coisa criada ontem. Como que se cria um marco temporal, em uma terra tradicional onde os índios viviam 5 mil anos. Antes desse povo que criaram o marco temporal, e aí vem essa forma de querer tirar o direito dos povos indígenas, eu sempre digo para sociedade, o marco temporal e a PL 490, ele veio para destruir a comunidade indígena, veio destruir o meio ambiente no Brasil, eu falo, isso é uma vergonha para sociedade, para os próprios deputado, não são todos, mas a maior parte. A Pl 490, ela veio na mesma linha do marco temporal, então eles querem destruir a comunidade indígena, destruir o meio ambiente, e destruindo o meio ambiente, não é só a comunidade indígena, é a sociedade brasileira, eu acho que o é momento da sociedade brasileira repudiar isso, de uma forma ou de outra, ela deve dar um retorno para esses deputados, eles não devem fazer isso, eles não estão prejudicando só as comunidades indígenas, mas sociedade brasileira, nós precisamos de uma água boa, nós precisamos de ar, de vento, nós temos que sobreviver, agora, não é a sociedade que está fazendo isso, são algumas pessoas, e muito pouco, os gananciosos querem destruir o país, se você destrói o meio ambiente, você destrói o país, você destrói a vida, você destrói os alimentos dos povos indígenas, e isso precisa conscientizar a sociedade, que nós perdemos sim mas, que eles também vão perder, não só o Brasil mas, o universo, porque aqui nós estamos preservando, tentamos preservar da melhor forma possível.
51:32
P/2 - E ainda tem outro fator Brasílio, sobre esse caso ocorreu esse dispositivo da repercussão geral, significa que o caso do povo xokleng vai definir o destino no fim de todas as terras sobre isso, e você como uma liderança que vem desde o passado, uma vida de luta, como você se sente sendo uma pessoa que é uma liderança indígena, que tem a possibilidade de tomar parte, tomar voz no processo que é uma repercussão nacional?
R - É uma responsabilidade, o direito, e não tem como fugir disso. Eu acho que a repercussão geral, ela veio para nortear todas as demarcações de terras indígenas, ela precisa ser isso, ela não vai só beneficiar o povo xokleng, mas todos os povos do Brasil, nós precisamos lutar para que a repercussão geral seja aprovada, é onde derruba marco temporal 490, para que se dê sequência nesse país, uma demarcação de terras justa, coerente com o povo brasileiro, eu volto a dizer não é só a sociedade brasileira mas, é alguns de muitos deputados gananciosos que, de uma forma de outra quer aprovar a 490, e também algumas pessoas para o marco temporal, acho que isso é uma vergonha. Como você tira o direito de uma pessoa assim descaradamente, tirar o direito dos povos indígenas com o marco temporal, que os povos indígenas é o Brasil gente, é a terra Brasileira, é a floresta é os rios, é o ar do povo brasileiro. como é que você vai tirar. Não, o marco temporal tem validade hoje, não, que ele não estava em 88. Todas as terras no Brasil, a última vez que foi tirada em 52. Como ficariam os povos indígenas em 88 em cima dessas terras! Isso é descarado, é uma coisa ridícula, vergonhosa, é muito triste, eu tenho até dó dessas pessoas, são pessoas que não tem caráter nenhum, “falaram, vamos criar um marco temporal, para tirar o direito dos povos indígenas”. Todas as terras indígenas nos três estados do Brasil, tanto xokleng, kaingang, e o próprio Guarani. A última retirada foi em 52, foram mortos, o povo xokleng também foi morto no século passado. Para nos lembrar o século passado, em agosto de 1904, foram mortos 244 pessoas de uma vez só dos xokleng, isso foi anunciado pelo jornal O Estado de Santa Catarina na cidade de Itajaí ontem, e como que hoje nessas terras têm Blumenau, tem Pomerode que é a cidade mais alemã do Brasil! Esse foi um crime contra a sociedade indígena, um crime contra a sociedade xokleng, estou falando de um caso só. Martin Bugreiro era o matador dos xokleng, para abrir espaço para os não índios virem para aquela região do Vale do Itajaí,ele ganhava por orelha da comunidade indígena, então isso não pode, o governo brasileiro ele tem que ter consciência, ele tem que ter respeito pelo Brasil, tem que ser reconhecido o direito desses povos, o Supremo Tribunal Federal ele tem obrigação de respeitar o direito dos povos indígenas, o direito do povo xokleng, nós somos o Brasil, nós representamos o Brasil, nós somos originário desta terra, nós precisamos dessa terra, essa terra é nossa. Esse país é grande, tem lugar para todo mundo, nós só queremos um pouquinho daquilo que é nosso, não estamos querendo tudo, só um pouquinho. É um desrespeito muito grande o governo brasileiro, principalmente o Congresso Nacional. Nós estamos acreditando no Supremo Tribunal Federal, que é a última instância que faz com que a lei se cumpra, esperamos que isso seja respeitado.
56:44
P/1 - Muito obrigado Brasílio por estar compartilhando sua trajetória, a gente está caminhando para encerrar, que eu sei que você ainda tem muita luta para fazer hoje ainda, e queria saber se teve algum momento que você viveu na sua história, que você não partilhou e gostaria de partilhar, alguma coisa que você acha que é importante.
R - Tem alguma coisa que eu queria deixar, foi uma coisa que também me marcou, eu estive aqui em Brasília, trouxe duas lideranças, (57:29) o nome dele, já falecido também, eu estive aqui dia 17 de agosto de 2010 às 4 horas da tarde no Supremo Tribunal Federal, com Ricardo Lewandowski, Drª Era Castilho e Drª Deborah Duprat na sala VIP, quando Reitiá olhou pro ministro do Supremo, depois de algumas conversas ele disse assim: - Ministro, posso falar alguma coisa? O ministro disse, pode. Ele disse assim “ministro, eu estou velhinho, eu vou morrer, mas essa terra é minha e do meu pai. Ali eu vivi em 52, ali eu colhia pinhão, e ali meu pai me criou em cima dessa terra, colhendo esse pinhão e peixe no rio Itajaí. Então o Srº pode dar essa terra para outros, os não índios mas, o Srº lembra que vai tirar a minha terra”...aí ele chorou, isso foi em 17 de agosto de 2010 às 4 horas da tarde.
58:40
P/1 - O ministro chorou?
R - Não, o próprio cacique velho chorou. O ministro respondeu para ele, a lei vai ser cumprida, a constituição garante a sua terra cacique. Ele abaixou a cabeça, e correu lágrima nos olhos dele. É uma coisa que me marcou, um velhinho de quase 100 anos, nós viemos de Santa Catarina que dá 1.800 km, de carro sem ar condicionado, mas ele cantando e assobiando por que vinha discutir com o ministro, pedir que demarcasse sua terra, essa data também nunca esqueci, 17 de agosto de 2010 às 4 horas da tarde, com o Ricardo Lewandowski.
59:24
P/1 - Hoje o que você espera conseguir? O que você ainda almeja alcançar com a luta, não só você, mas seu povo?
R - É uma coisa que nós estamos lutando, aquilo que eu falei que era do levantamento do impacto da barragem, é uma luta grande, depois vai ficar tudo pronto, provavelmente vai durar próximo de 1 ano, vai ser mais uma briga em 1ª instância, 2ª, 3ª, e parar no Supremo também, e é o direito do reconhecimento do levantamento cultural e social da barragem mas, vai ser uma luta ainda, está sendo feito, e que as terras indígenas do povo xokleng seja demarcado, não só dos xokleng mas, de todo povo que precisa de terra, porque as terras são da comunidade indígena de todo Brasil.
1:00:18
P/1 - Brasílio, antes de fechar, eu queria voltar uma pergunta que eu fiquei pensando. Você falou que lá atrás, quando você saiu da sua terra na barragem, deixou seus avós. Eu imagino que você não viveu só da luta. O que você fez para viver assim na vida?
R - Eu trabalhei um pouco fora, plantava alguma coisa, colhia um palmito, sempre fazia alguma coisa para sobreviver, era mais jovem, depois quando fui pegando o gosto também, que eu já tinha essa responsabilidade, continuei só na luta, tanto é que hoje eu só estou na luta, hoje eu estou desempregado, há cinco anos, mas eu estou na luta, eu tenho maior carinho, eu tenho aqui três filhos junto comigo, uns estão na universidade, o Cris e a Daira, tem o Júnior também que não está na universidade mas, estão na luta, são meus filhos, estão pegando o gosto pela luta, os direitos dos povos indígenas.
1:01:27
P/1 - Muito obrigado Brasílio, queria agradecer você pela entrevista, e perguntar o que você achou de contar um pouquinho da sua história hoje aqui.
R - Eu que agradeço, eu contei uma história que eu nunca contei para ninguém, acabei contando para vocês, mas eu que agradeço, eu acho que é uma oportunidade para gente dizer o que a gente sente, dizer o que a gente fez, e dizer também o que a gente quer fazer mas, estou aí, se um dia vocês precisarem de outra, podem me procurar que eu dou outra entrevista, sempre a gente esquece de alguma, a gente acaba se emocionando mas, é muito bom a gente contar alguma coisa assim que fica registrado, eu com já 63 anos, eu espero, sempre eu brinco mais 100, é difícil mas, até os 100 é quase garantido mas, é uma luta boa, eu gosto muito, eu tenho paixão pelo meu povo, cada vez que eu falo com qualquer autoridade, a gente tem falado com Fachin, da área jurista que se aposentou, Celso de Mello, Napoleão Filho, a gente vem buscando essa conversa, vem lutando com governadores, tudo no sentido de buscar o direito e o respeito pelo meu povo xokleng, e por todos os povos que eu tenho um carinho muito grande.
1:02:54
P/2 - Brasílio, eu queria agradecer também, vou falar na língua da minha avó, (1:02:59) muito obrigado, foi uma emoção muito grande poder ouvir o senhor de verdade, foi muito especial e enfim...eu queria só deixar a última pergunta também, a gente está nesse final de ciclo. Você falou dos seus filhos, e o que você espera, sonha? O que você vê assim para o resto da vida deles nessa continuidade?
R - Eu espero que eles se formem, eles estão na federal de Florianópolis, eu espero que eles se formem, mas nunca esqueça dos avós, do pai e continua, eu também tenho uma neta na luta, você deve ter visto aí, ela e um menino, em uma liderança na frente do Supremo Tribunal Federal segurando na mão, se você não tiver eu vou passar, é uma coisa muito bonita, me emocionou bastante, tem 8 anos de idade, lutando em frente o Supremo Tribunal Federal, o outro menino de 8 anos, por reconhecimento o Caiapó ontem à tarde batizou ele pela vontade, pelos gritos, pelo pedido para o Supremo Tribunal Federal, e uma neta minha junto também 8 anos, ali lutando com os braços, e segurando pelas mãos de uma liderança Caiapó, foi muito bonito, foi emocionante, Isso me traz uma vontade de que tudo melhore para frente, e que eles tenham um país melhor, mais tranquilo, que o povo brasileiro respeite mais os povos indígenas, e principalmente as autoridades, falando do Presidente da República, que tenham esse carinho verdadeiro por esse Brasil tão grande, tão lindo, maravilhoso, e o povo xokleng sempre existiu.
1:04:54
P/2 - Maravilha Brasílio, muito obrigado mesmo pelo depoimento, foi uma emoção muito grande, uma honra estar aqui hoje nesta manhã conectado, e estamos juntos, desejo muita força para os nossos povos nesse momento, a gente fez um ciclo de conversa muito bom, e o presente continua.
R - Um abraço, eu agradeço a todos de coração mesmo, e fico agradecido em nome do povo xokleng, de todos os povos, nosso muito obrigado a todos vocês que fizeram essa conversa com a gente, porque a gente mesmo falando do povo xokleng, a gente fala também dos povos indígenas que a situação é Idêntica em todo país.
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