Toda vez que participo de algum encontro e/ou reunião em Brasília repito uma máxima inerente aos Correios na Região Norte. “Fazer Correios na Amazônia é um milagre.” Essa afirmativa se origina nas múltiplas singularidades naturais da Região, cujas dificuldades só são superadas pela vontade e comprometimento de cada colaborador da ECT. Neste sentido, tive uma experiência dentro dos Correios que simboliza minha afirmação acima.
Quando éramos responsáveis pela organização das eleições aqui na DR/PA, tínhamos que botar em prática uma operação de Guerra. Nada poderia sair errado sob pena de sermos chamados ou conhecidos como a última Diretoria/Estado que terminou a apuração. Ninguém queria ser responsável pela demora na conferência dos votos. Assim, em 2002 fui convocado a participar da operação eleições daquele ano, era minha primeira experiência daquela natureza.
Desloquei-me, junto a outros cinco colegas de Belém, para o município de Abaetetuba, distante de Belém a 120 km (via rodoviário) e 40 km (via fluvial). Chegando lá, nos reunimos com o gestor da agência e os colaboradores daquela localidade e fomos informados que ficaríamos responsáveis pela entrega e coleta das urnas na zona das ilhas, cujo percurso seria realizado em lanchas com auxílio de um barqueiro/condutor.
No outro dia, eu e mais os cinco colegas de Belém, fomos as 05:00hs à Comarca Eleitoral e fizemos o carregamento das urnas nos veículos para que fossem transportadas até o porto/cais, de onde sairíamos para a entrega das urnas nas ilhas. Chegando ao porto, transferimos as urnas para as lanchas e fomos apresentados para os barqueiros que conduziriam as lanchas. O escolhido para acompanhar-me nesta “aventura” foi Rosivaldo, um sujeito tímido, uns 50 anos, calado, que começou a viagem me chamando de “doutor”.
Apesar de falar pouco, Rosivaldo transmitia segurança e experiência, onde fez questão de informar que navegava por...
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Toda vez que participo de algum encontro e/ou reunião em Brasília repito uma máxima inerente aos Correios na Região Norte. “Fazer Correios na Amazônia é um milagre.” Essa afirmativa se origina nas múltiplas singularidades naturais da Região, cujas dificuldades só são superadas pela vontade e comprometimento de cada colaborador da ECT. Neste sentido, tive uma experiência dentro dos Correios que simboliza minha afirmação acima.
Quando éramos responsáveis pela organização das eleições aqui na DR/PA, tínhamos que botar em prática uma operação de Guerra. Nada poderia sair errado sob pena de sermos chamados ou conhecidos como a última Diretoria/Estado que terminou a apuração. Ninguém queria ser responsável pela demora na conferência dos votos. Assim, em 2002 fui convocado a participar da operação eleições daquele ano, era minha primeira experiência daquela natureza.
Desloquei-me, junto a outros cinco colegas de Belém, para o município de Abaetetuba, distante de Belém a 120 km (via rodoviário) e 40 km (via fluvial). Chegando lá, nos reunimos com o gestor da agência e os colaboradores daquela localidade e fomos informados que ficaríamos responsáveis pela entrega e coleta das urnas na zona das ilhas, cujo percurso seria realizado em lanchas com auxílio de um barqueiro/condutor.
No outro dia, eu e mais os cinco colegas de Belém, fomos as 05:00hs à Comarca Eleitoral e fizemos o carregamento das urnas nos veículos para que fossem transportadas até o porto/cais, de onde sairíamos para a entrega das urnas nas ilhas. Chegando ao porto, transferimos as urnas para as lanchas e fomos apresentados para os barqueiros que conduziriam as lanchas. O escolhido para acompanhar-me nesta “aventura” foi Rosivaldo, um sujeito tímido, uns 50 anos, calado, que começou a viagem me chamando de “doutor”.
Apesar de falar pouco, Rosivaldo transmitia segurança e experiência, onde fez questão de informar que navegava por aquelas “marés” a mais de 40 anos, conhecendo cada rio da região de olhos fechados. Falou-me que seu pai sempre o levava para navegar na região, seja para pescar ou para transportar passageiros.
Saímos do porto às 07:00hs e Rosivaldo me falou que se a maré “ajudasse” terminaríamos a entrega lá pelas 13:00hs. Achei estranha aquela informação, pois a lancha utilizada tinha um motor muito potente, mas como ele era conhecedor da Região, não questionei aquele dado.
Levamos 1h30min para chegarmos a primeira comunidade ribeirinha, a qual recebeu duas urnas. De lá para a segunda comunidade, levamos mais 45 min e deixamos mais duas urnas. Percorremos mais três comunidades num total de 8h somando a saída do porto até a última escola, com paradas para o descarregamento e orientações aos recebedores das urnas, até o retorno ao porto de partida.
Não tivemos nenhum problema, mas ao chegarmos ao porto Rosivaldo exclamou “hoje foi trabalho para criança, no domingo será um pouquinho mais complicado”. Não tinha a clareza de que aquela frase era o prenúncio do que viria.
No domingo, nos deslocamos ao porto às 15h, pois a eleição terminaria às 17hs, então resolvemos chegar cedo a primeira comunidade para coleta das primeiras urnas. Ao chegarmos lá, houve atraso nos procedimentos de fechamento e coleta das urnas pelos representantes. Saímos da primeira comunidade no início da noite e a visibilidade daqueles paraísos naturais deu entrada para a escuridão e o receio da pouca visibilidade. Mesmo assim, Rosivaldo parecia muito tranqüilo, pedindo poucas vezes para eu ligar o holofofote na viajem. Ao sairmos da segunda comunidade começou a cair um temporal e a viajem “aparentemente” tranqüila, deu espaço para um temor que tomava conta de mim, mas que estranhamente não afetava meu companheiro de viajem.
Rosivaldo me avisou que a maré estava vazando e que isso iria prejudicar nossa navegação, por isso ele seria obrigado a entrar em outros braços de rio menores, mas que eu não ligasse o holofote em hipótese alguma. Quando entramos no atalho proposto por Rosivaldo, percebi que era um braço de rio pequeno, cujas margens estavam distantes apenas uns 4m. De repente, Rosivaldo desligou o motor, pediu-me para não fazer barulho e começou a remar lentamente. Fiquei muito tenso, pois o ruído vindo dos galhos das árvores e da margem do rio era muito “estranho”. Assim, quando estávamos próximos de sair daquele rio, algo bateu na proa da lancha, então de forma automática, liguei o holofote e direcionei para o local do barulho. Nessa hora, os galhos se balançaram assustadoramente e houve uma revoada de morcegos. O susto foi tão grande que encolhido com a capa de chuva, apenas esperando aquela situação passar.
Assim que Rosivaldo ligou o motor, falou que aquilo não era nada e que se quiséssemos não atrasar a entrega das urnas na comarca eleitoral de Abaetetuba, teríamos que fazer algumas escolhas mais adiante. Fiquei muito preocupado com aquela situação, temeroso, mas procurei manter-me calmo, até porque Rosivaldo personificava e transmitia confiança.
Ao chegarmos na última comunidade os responsáveis pelas urnas já estavam nos aguardando no trapiche daquela comunidade. Eles estavam preocupados, pois tinham acabado de receber a notícia de que uma embarcação que fazia a coleta das urnas tinha virado no meio de um rio e, para piorar, havia suspeitas de piratas estarem atuando na região naqueles dias. Minha aparente calma virou desespero, muito mais temeroso pela ação dos piratas, do que propriamente pelas condições climáticas. Rosivaldo me propôs que seguíssemos por um rio conhecido pela periculosidade de sua navegação, mas que não teríamos problemas em nos deparar com bandidos. A decisão era minha. Pensei, pedi para Rosivaldo dar sua opinião e concordamos que iríamos encarar o rio.
Entramos em outro braço de rio bastante estreito e Rosivaldo alertou que independente de qualquer barulho, para eu não ligar o holofote. Larguei o holofote e peguei um dos remos. Pensei comigo mesmo que se algo encostar na lancha, eu teria como me defender de imediato. Estávamos a uns 80m da saída do rio, quando novamente houve um barulho debaixo da lancha. Rosivaldo pegou o remo e mediu o nível do rio. Percebemos que a maré estava muito baixa e que estávamos encalhados.
Falei pra ele que não iríamos ficar esperando 4h para a maré voltar a encher e que teríamos de dar um jeito. Tentamos carregar a lancha, mas o peso das urnas e dos outros utensílios nos impedia. Rosivaldo então pegou o facão e falou-me que teríamos de buscar um galho robusto que serviria como “roda” para empurrarmos a lancha até o rio.
Não sabia o que era pior. Se entrar no mato ou ficar ali esperando a maré voltar a encher, mas decidir entrar no mato e resolver logo aquela situação. Ele cortou dois galhos bem grandes com o facão e voltamos pra lancha. Cavamos com as mãos a areia, colocamos os galhos embaixo do casco e começamos a empurrar. Fizemos isso com todo cuidado e conseguimos levar a lancha de volta a parte do rio mais profunda. Estava exausto, com fome, com medo e rezando pra chegarmos ao porto no horário pretendido (10hs).
Ao chegarmos no final do braço de rio, fui informado que iríamos entrar no rio perigoso, numa parte conhecida como Baia do Ajuaí. Rosivaldo me olhou e falou “Mauro, te segura, fica calmo e evita te mexer muito”. Aquela baia já é perigosa, com chuva, torna-se mais ainda, mas demos início ao último obstáculo da viagem. Tínhamos uns 5km de baia a percorrer.
Logo no começo a pancada da maresia dava a impressão que a lancha ia partir-se ao meio. A força da maré era tão grande que subíamos éramos jogados a uns 2,5m pra cima. Algo muito assustador. Quando chegamos no meio do caminho, a batida da maré chegou em seu ápice. As urnas estavam prestes a serem jogadas pra fora da lancha e eu sentado no meio delas, tentando impedir que alguma caísse na água. Rosivaldo pediu-me pra esquecer aquilo, apontou para um ponto de luz e falou que se a lancha virasse, teríamos que nadar até o ponto, pois era a casa de alguém que ele conhecia.
Fui envolvido por uma das piores sensações de temor da minha vida. A lancha virou uma caixinha de papel. As urnas só não foram jogadas para fora porque por precaução tínhamos amarrado-as ao casco da embarcação, mas os utensílios que estavam soltos, todos foram jogados pra fora. Segurávamos-nos como podíamos. Até que saímos do epicentro da Baia e começamos a chegar na parte mais tranqüila. Quando chegamos ao trapiche, o conhecido de Rosivaldo estava sentado aguardando nós dois e falou acompanhou toda nossa agonia no meio da tempestade. Que também acreditou que a lancha ia virar e que estava preparando a embarcação familiar dele para nos socorrer.
Ele convidou a gente para entrarmos em sua residência que, apesar de humilde, transbordava calor humano e gentileza. Agradecemos a receptividade e partimos para o fim da viajem.
No meio do caminho encontramos um dos colegas que também estava coletando urnas em outras localidades e ele informou que havia notícias de uma embarcação ter naufragado num dos rios. Seguimos juntos e chegamos ao porto lá pelas 00hs.
Havia pessoas nos aguardando no porto para fazer o transporte das urnas até o Fórum Eleitoral. Ao chegarmos lá, fomos informados que uma das lanchas não tinha voltado ainda e que não tinham notícia. Ficamos aguardando notícias até às 04hs da manhã e fomos ao hotel tomar banho, comer alguma coisa e descansar.
Pela manhã, graças a deus, o colega e o acompanhante apareceram. Relataram que a embarcação naufragou numa região onde eles teriam que navegar, então eles resolveram parar numa comunidade e aguardar a tempestade passar e o dia amanhecer. O mais absurdo é que ao chegarem ao Fórum Eleitoral, o juiz ameaçou prendê-los por terem atrasado a contagem dos votos no Estado.
Isso é fazer Correios na Amazônia.
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