Projeto: VLI – Estação de Memória: Porto & Pesca
Entrevista de Albacélia da Silva Santos
Entrevistado por Luiza Gallo e Ane Alves
São Luís, 03/10/2025 (Camboa dos Frades
Entrevista: VLI_HV019
Realizada por Museu da Pessoa
Transcrita por Miriam Allodi
Revisada por Ane Alves
P1- Primeiro, Dona Alba, eu quero te agradecer, por topar conversar um pouco com a gente. E eu queria que você começasse se apresentando, dizendo o seu nome completo, a data e onde você nasceu.
R - Eu me chamo Albacélia da Silva Santos, nasci em Vianas, mas fui registrada depois, aqui, como moradora da Camboa dos Frades. Porque meu pai se separou da minha mãe e cada um foi para um lado. Aí, depois ele encontrou ela, soube onde ela estava, que era no Tirirical, pegou, trouxe… Um colega dele, trouxe ela, aí foi que ele foi tirar os registros da gente. Mas já todo mundo maior. Maior assim, já grandinhos. Não era maior 18 anos. De 10 anos, pra frente. Aí, nessa faixa, que eu vim de Viana, que eu vim pequena pra cá, na faixa de uns 5 anos, aí meu tio me levou pra Escoivara, porque aqui não tinha aula para estudar. E ele achava que tinha que ter ao menos um para estudar. Levou. Aí, eu fui criada com minha avó. Quando chegou lá, pra mim ir pro colégio, tinha que ir de canoa e tinha muito búfalo no caminho. E era muito menino. Pra não morrer, aí meu tio pegou… Não dava pra levar. Aí, todo mundo voltava. E era casa de jirau, no campo, na Escoivara. Aí, o que ele fez? Quando eu estava com onze anos, aí ele disse: quer saber? Vamos embora pra onde teu pai. Aí, eu vim embora pra cá. Aí, eu não estudei. Aí, ninguém estudou. Na idade de 11 anos. Aí, fiquei. Aí, já nessa idade, de 11 anos, aí eu ia pescar com meu pai. Porque papai já tinha outros filhos. Aí, eu tinha outros irmãos, eu era a mais velha, aí eu ia pescar com meu pai. Quando chegava lá, que ele mandava eu soltar a rede, sabe o que ele fazia? Me dava com cabo de remo na minha cabeça, que saiam...
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Entrevista de Albacélia da Silva Santos
Entrevistado por Luiza Gallo e Ane Alves
São Luís, 03/10/2025 (Camboa dos Frades
Entrevista: VLI_HV019
Realizada por Museu da Pessoa
Transcrita por Miriam Allodi
Revisada por Ane Alves
P1- Primeiro, Dona Alba, eu quero te agradecer, por topar conversar um pouco com a gente. E eu queria que você começasse se apresentando, dizendo o seu nome completo, a data e onde você nasceu.
R - Eu me chamo Albacélia da Silva Santos, nasci em Vianas, mas fui registrada depois, aqui, como moradora da Camboa dos Frades. Porque meu pai se separou da minha mãe e cada um foi para um lado. Aí, depois ele encontrou ela, soube onde ela estava, que era no Tirirical, pegou, trouxe… Um colega dele, trouxe ela, aí foi que ele foi tirar os registros da gente. Mas já todo mundo maior. Maior assim, já grandinhos. Não era maior 18 anos. De 10 anos, pra frente. Aí, nessa faixa, que eu vim de Viana, que eu vim pequena pra cá, na faixa de uns 5 anos, aí meu tio me levou pra Escoivara, porque aqui não tinha aula para estudar. E ele achava que tinha que ter ao menos um para estudar. Levou. Aí, eu fui criada com minha avó. Quando chegou lá, pra mim ir pro colégio, tinha que ir de canoa e tinha muito búfalo no caminho. E era muito menino. Pra não morrer, aí meu tio pegou… Não dava pra levar. Aí, todo mundo voltava. E era casa de jirau, no campo, na Escoivara. Aí, o que ele fez? Quando eu estava com onze anos, aí ele disse: quer saber? Vamos embora pra onde teu pai. Aí, eu vim embora pra cá. Aí, eu não estudei. Aí, ninguém estudou. Na idade de 11 anos. Aí, fiquei. Aí, já nessa idade, de 11 anos, aí eu ia pescar com meu pai. Porque papai já tinha outros filhos. Aí, eu tinha outros irmãos, eu era a mais velha, aí eu ia pescar com meu pai. Quando chegava lá, que ele mandava eu soltar a rede, sabe o que ele fazia? Me dava com cabo de remo na minha cabeça, que saiam os pingos de ouro da minha cabeça. Assim, dos meus olhos, assim. Eu chorava, mas não deixava ele olhar, que ele era mau. Nojento. Aí, o que ele fez? Aí, eu tempo com ele. Só não ia com ele pra roça, que ele ia roçar para os outros, para ganhar dinheiro. Mas muito aperreadinho. Aí, quando chegava, já pensou… Ele trazia um passarinho pra dar comer para os outros. A minha mãe já tinha quebrado o coco, mas cortava o dedo. Eu via aquele sofrimento muito grande da minha mãe. Falou para ele fazer um carvão… Aí, tinha umas pessoas que moravam aí, comprava o material dele, comprava o que ele fazia. Ele trabalhava, ele era esforçado em trabalhar. Mas ele tecia as redes, a gente ia, ele pedia uma canoa, ia botar pra pegar alguma coisa pra gente comer. Mas quando chegava a hora de soltar a rede, era o sufoco. Aí, eu fui crescendo, crescendo, vendo aquilo ali. Acho que com 12 anos, eu já quebrava 5 quilos de coco. Aí, já quebrava o coco, já me virava. Aí, quando ele ia pra roça, aí eu pegava uma bacia, que era só areia, uma bacia de alumínio, ia revirando pedra, pedra, pegava umas moréia, assim. Quando ele chegou, tava cheio de moréia, para comer. Mamãe já tinha consertado, estava no sal. Perguntou: o que foi o comé? Aí, desse dia em diante, foi a alegria dele. Aí, ele teve a alegria já comigo. Aí, foi tendo, tendo, tendo, tendo. Fui-me embora. Aí, foi melhorando, melhorando. Ele foi fazendo curral. Aí, ele mandava eu ir olhar. Botava um tambor no mato, aí eu ia olhar pra nenhum tatu… Aí, já foi melhorando, melhorando, melhorando, melhorando, melhorando. Aí, pronto, eu fui ajudando minha mãe. Aí já fui… Que dizer, que na idade de 13 anos, eu já quebrava 10 quilos de coco. E não parei mais. Aí, todo tempo trabalhando. E eu tô aqui viva. Várias surras que eu peguei, que hoje eu ainda tenho marca de umbigo de boi nas minhas pernas. Mas sabe por que? As meninas que tinham aqui, gostavam de me bater. Eu era que nem um homem, batia nelas e batia em menino também.
P1- Por quê?
R1 - Porque eles me provocavam. E nós tínhamos o cabelo liso e elas tinham o cabelo seco. Hoje, até hoje, eu sou mal com uma. Eu ia pescar na porta dela, lá sempre… Aí, ela pegava, me batia, e eu batia nela, caía de pedra na casa dela. Aí, quando papai... Encontrava papai pelo caminho, papai dizia... Dizia pra papai, papai, ó... Botava o pé no meu pescoço, me dava com duas vassouras de juçara. Mas quando eu encontrava elas no caminho desse Bebedor, que era um balde por cima do outro, ia buscar água, eu mandava a outra, minha irmã, que era a medrosa, a mais nova, na minha frente. Eu mandava ela ir embora e passava a mão, pegava elas. Mas eu podia contar, que no outro dia eu ia pegar uma surra. Eu digo, eu posso apanhar, mas vocês me pagam. Me pagava. E até hoje eu sou mal com uma ali. Como eu dava muito nela, ela pegou, mandou, trouxe uma da Vila Embratel pra me bater. Hoje ela não mora lá. E aí, eu fui continuando.
P1 - E quando a senhora chegou aqui, como era aqui?
R - Ah, era uma praia linda, cheia de moradores. E a ia de canoa ou ia por aqui, pelo Mapaúra, passava os Porta Verde, ia sair lá no trem da Vale. Lá aonde é o trem hoje.
P1 - Mas antes não tinha?
R - Tinha, antes tinha... O trem, não. Não tinha o trem, só tinha os povoados. Aí, a gente ia, não tinha hora da noite pra gente vir. E eu continuo assim, quando vem alguma coisa pra sair, tomara que não saia… Porque hoje o que acontece? Todo o tempo pescando. Todo o tempo, todo o tempo. Nunca recebi uma coisa da pesca. Nossa, e da pesca… Nunca recebi um dia da minha vida. Nem meu irmão, nem meu marido. Nem meu filho. Aí, eu fui pro Anjo da Guarda, minha mãe invadiu um terreno no Anjo da Guarda, eu fui pro Anjo da Guarda, quando eu chego lá eu já estava com uns 14 anos. Aí eu, agora eu vou estudar. Agora eu vou estudar. Aí, quando foi na hora, meu pai disse que quem ia ser meu professor era ele. Aí, pronto, eu ia, pegava siri na lama, ajudava a minha mãe quebrar o coco lá no chicó, pegava siri na lama, e ia vender nas casas, torrado.
Aí, vendia, tudinho de noite. Aí, quando eu chegava... Pensa se eu não estava cansada? Ele tinha que me ensinar com um pedaço de perna manca, eu não podia errar uma palavra. Eu digo: rapaz, mas esse homem parece que ele não gosta de mim mesmo. Aí, eu ia tinha que estudar. Ele me ensinava. Mas o que eu aprendi um pouquinho, eu escrevo meu nome. Mas aí uma vez... Aí, eu conheci um rapaz, aí me casei. Pra quê? Fugi de casa.
P1 - Você tinha quantos anos?
R - Dezesseis. Mas eu passei por muito sufoco! Mas o que eu tinha mais medo da minha vida era de ficar solteira.
P1 - Ah é?
R - Era.
P1 - Por quê?
R - Porque eu achava que uma mulher não tinha valor. Aí eu me casei. Fiquei solteira com ele, me casei. Vou fazer 23 de casada. Vinte e três anos.
P1 - Com esse mesmo homem?
R - Com esse mesmo homem. E o que eu mais queria ser, quando eu via ele pescar… o que eu mais tinha, assim, que eu queria ter três filhos homens. E minha irmã um casal. Três filhos homens e ela um casal. E assim foi.
P1- Você teve três filhos homens?
R - Teve.
P1- E ela teve um casal?
R - Um casal. Um casal. A outra minha irmã, mas ela já morreu. Mas eu todo o tempo pescando, todo o tempo. E cada vez ficando mais ruim. Mas até em 2011, acho que em 2009, 2010, por aí, eu ainda pescava uma caixa de peixe rapidinho e dava pra meu filho vender, pra eles venderem, para também se sustentar.
P1- E onde que eles vendiam?
R - Eles vendiam, no seu Benedito, aí nesse povoado agora. Até nessa época ainda tava bom! Até em 2010.
P2- E nessa época a senhora pescava como?
R - De mão. Todo o tempo de mão.
P1 – Como que é?
R – De mão. A maré, a lama está seca, a gente vai nas locas, tirando os pacamã. Quando a Maré enche, nos corregos, que não estava essa porcaria hoje. A gente pegava nos corregos. Assim, quando chovia, menina, vinha um cardume de bagre, era só pegar na mão. Meus dedos são tudo deficiente, olha. As palmas da mão seca, só de furada de bagre, de arraia. Uma arraia me furou aqui, foi quatro horas, que eu fui pescar numa zangaria que vem não sei de onde. Quando cheguei lá, peguei o cofo. Quando foi no caminho, do tamanho de um grampo. A arraia entrou e furou assim, poxa! Eu xinguei os homens, xinguei. Quando cheguei em casa tomei um vidro de dipirona, a dor não passou. Aí, me levaram no carro de mão até naquela ladeira. Mas 24h doendo. Mas nem isso fez eu desistir. Ó, isso aqui foi o que? Um peixe me furou, aí eu mandei o rapaz lá onde eu estava para ele tirar o esporão, ele não tirou. Aí, eu fui para o hospital, aí afundou mais, tirou e ficou. Ah, é por isso eu vou deixar! Não deixo.
P/1 – Posso te perguntar uma coisa?
R – Pode!
P/1 – Você sabe como foi o seu nascimento?
R – Minha mãe teve eu na maternidade.
P/1 – A é?
R – É, lá em Viana. Eu e minhas outras irmãs. Agora esses outros, 8, 7, tudo foi… Só uma que foi na cidade, um. Os outros tudo foram aqui. O umbigo desse ali, tá lá em cima.
P/1 – E como que você descreveria a sua mãe? O jeitinho dela?
R – Ah, cabulosa que nem eu para trabalhar. A minha mãe. Sempre gostou de ter… Para nos ter também.
P/1 – E o que você aprendeu com ela?
R – Ah, o que eu aprendi… A ruindade. Que eu achava ela um pouco ruim. E papai, bom. Ela dava, nos puxava. E papai não puxava. Era isso mais que me coisava. Que ela dava e puxava. E papai dava e não puxava. E mandava ela dá. Mas nem tudo isso, eu digo assim, eu não estudei, eu fui pra cidade, me casei com 16 anos, ia fazer 16, não estudei porque eu não quis, que eu queria que quem se formasse, era meus filhos. Cansei de vir com meu marido do Anjo da Guarda pra cá, saía 4 horas, quando dava 7 horas a gente tava aqui, de pé. Cansei de vir nessa estrada de pé, nessa estrada nova aí. Cansei de ir pro Itaqui pescar, pra arrastar e voltar, de pé. Estou aqui! E agora, que depois dessa idade toda, agora que eu estou fazendo uma casa aqui, e agora, depois dessa idade, já com 58. Agora, já com 58, que eu tive um celular.
P1- E aqui, quando vocês chegaram aqui na Camboa, como era a casa de vocês?
R - De taipa, tapada de palha.
P1- E todos os filhos dormiam juntos?
R - Todos dormiam. A casa era comprida, todos de taipa, e meu pai pegava junco, enchia os sacos de estopa para fazer os colchões. Cada qual tinha sua cama botada de forquilha, pra dormir no jirau.
P1 - E eram quantos no mesmo quarto?
R - Era sete.
P1- E tinha muita bagunça?
R - Tinha, porque nós éramos nove. Tinha sete. Ah, porque uma foi… Veja, depois, já foi, essa aí… Umas ficaram num bercinho de ouro. Porque aí ele já foi daqui, já se empregou no Estado e tudo. Ele muito sabidinho. Ele sabia ler e matemática também.
P1 - Seu pai?
R - Voava. Papai era muito sabido. Mas só o que que aconteceu, ele investiu muito em oito. Ele investiu muito. Aí, depois, ele disse que queria ter mais filha mulher do que os filhos homens. Aí, já depois, ele disse que se arrependia… Não disse pra mim. Que ele se arrependeu porque não investiu em mim. Mas ele não disse pra mim! Mas ele disse pros outros, para as outras. Aí, esse daqui, ele não aprendeu porque ele não quis. Que esse daí ele botou de manhã, de tarde. E ele, papai, ganhava uma boa grana. Aí, os outros estudaram num colégio chamado João Alberto. O sonho que ele tinha era de ter um carro. Aí, já depois que foram coisar… Já tava tudo de maior, já era pra ter um carro. Só que era pra andar lá, não era aqui.
P1- E na sua infância, você tinha tempo pra brincar um pouco?
R - Ah, não. Não tive. Aí, teve uma vez, que uma moça aí, arrumou um Zé Caraolho, na Vila Maranhão. Aí, era um caminho lá por dentro, ele vinha uma vez dar uma aula, assim, no mês, tinha mês que vinha, tinha mês que não vinha. Teve uns que não aprenderam a escrever. Aí, como ele era nojento. Aí, ele acabava de comer, não lavava as mãos, limpava na roupa. Aí, mamãe não queria que ele viesse lá em casa. Aí, todo mundo soube um pouquinho, que aí aceitava a seboseira, aí nós, não pudemos. Aí, os meninos, não tinham como lembrar, assim, se a outra minha irmã mais nova, soube um pouquinho. Mas ele era um bom professor do mobral. Aí, tinham que buscar ele lá na Vila Maranhão de pé, aí ele vinha, nesse caminho. Ele pra ficar na casa de um, na casa de outro. Mas lá em casa era a última casa que ele não ia. Porque mamãe era muito limpa. Os copos dela, de alumínio, era tudo… tinha que… era no cofo, botava no cofo, era tudo limpinho. E ele era nojento, acabava de comer, não queria lavar a mão. Ela dava água, dava sabão, e ele não, ele limpava na roupa. Aí, ela ficava com nojo!
P1- Ô dona Alba, você lembra a primeira vez que você foi pescar?
R - Ah, eu me lembro, eu fui com 11 anos.
P1- Como que foi?
R - Ah, foi… Eu já falei essa história.
P1- Mas o que que você sentiu?
R - Ah, foi muito bom. Porque naquela situação, que meu pai chegava, e não tinha o comer para os meus irmãos. Aí, eu ficava triste. Aí, quer dizer, que todo mundo ia pescar e tinha o comer, e lá em casa não tinha. Aí, eu ficava triste. Aí, quando todo mundo ia, pescava no lavado, ia, trazia sua ruma de solha. Às vezes, a minha mãe ia lá, falar pra vender um peixinho, ninguém podia vender. Porque diz que papai quase não recebia o dinheiro de lá. Aí, sabe o que eu fiz? Fui, peguei essa bacia, como eu lhe falei, fui revirar pedra, peguei as moréia.
Desse dia em diante, já fui revirando mais pedra. Aí, vinha trazendo camarão, pacamãozinho, moréia, tudinho. Sirizinho, enchia a vasilha. Quando meu pai chegava, já ficava contente. Porque ele não tinha mais tempo de botar rede comigo. Porque ele tinha que chegar cedo nesse serviço, que ele trabalhava pros lados da Vila Maranhão, aí pra cima.
P1- Mas nessa época você ia sozinha?
R - É, sozinha. Todo mundo olhava assim… Assim, não tinha mangue na frente, era areia até… Aí, depois começou a ir um monte de molequinho, a gente ia pescar com as mulheres, lá na baixa, onde fica a maré. Aí, eu comecei a pegar Solha, aí pegava. “Bora ver quem pega mais?” Aí, essas maré, uma hora dessas, todo mundo ia. Aí pegava 50, pegava 100, 70 de mão, pacamão, solha e era tudo. Aquela fieira imensa. Aí pronto.
P1- E como você se sentia?
R – Aí, eu já fui levando meus irmãos, já fui levando eles. Aí, fui levando... Ah, o mais cabuloso era esse aqui, ele era mais pequeno, levava ele pra me ajudar. Aí, pronto. Aí, fui levando o outro mais velho. O outro mais velho sempre topado, que é o Rubens. Aí, fui levando... Aí, depois já fui... Aí, veio o Rildo, aí... Hoje teve o Alberoni. O Alberoni também ia, mas... Sempre mesmo pra pescar, até hoje, é só nós dois.
P1- Então, você que ensinou eles?
R - É, foi. Eles.
P1- Todos?
R – Todos, todos.
P1- E eles davam mais trabalho ou eles ajudavam?
R - Ajudavam. É como meus filhos, todos. Minha sogra disse que eu levei meus filhos muito pequenos pra pegar dinheiro. Mas se eu ia pescar, eles iam ficar em casa brincando? Tinha que vir pescar comigo.
P1- Eles tinham quantos anos quando você levou?
R - Quando eu levei eles pra pescar, meu filho levou o dele também, com dois anos. Já tava levando pra pescar de linha. E eu levava com cinco anos, seis anos, sete anos, todo mundo pescando. Não tinha idade, não tinha idade. E fora que a taca que não apanhava, eles. Pra também ficar direitinho. Pois é!
P1- Como que você pescava? Era sempre com a mão?
R - Nessa época era. Aí, também veio a fartura do camarão. Pra ter uma puçá, uma caçueira! Hum, era difícil. Meu pai não tinha condição de estar comprando essas coisinhas assim. A gente ia pedir...
P1 - O que é isso?
R - É uma de pegar tainha. Puçá, ele fazia, tudo ele fazia, tudinho. Aí, a gente ia, foi, foi, foi, foi, evoluindo, evoluindo, evoluindo, evoluindo, até que nós chegamos hoje onde nós estamos.
P1- E onde? Como é hoje?
R – Hoje, Ave Maria, é maravilhas, porque eu já tive várias canoas. Do primeiro emprego, já não posso mais assim, porque me acidentei no primeiro emprego, fui pra fora.
P1- Como que foi isso?
R - Eu tive um acidente vindo lá do Renascença, do serviço de rejuntar, em firma, que eu trabalhava na Flanelli, aí eu sofri um acidente. Aí, eu passei o quê? Mais de cinco anos, três anos e pouco sem andar. Mas todo o tempo eu pedindo pra São José. “São José, cura que eu quero pescar ainda.” Aí, eu fiz o pé, necrozo. Mas o médico queria cortar, mas não cortou. Aí, pegou, passei um tempão com a ferida aberta. Aí, depois tive que voltar pra fazer o enxerto. Fiz o enxerto. E até hoje, fere, mas quando fere, pensa numa coisa pra sarar. Eu pego o gongo de tucum e esfrego, que é ótimo.
P1 - O quê é isso? É uma planta?
R - Não, é o gongo do tucum.
P1- O quê é isso? É do babaçu?
R - Não. O do babaçu não presta. É do espinho, do Gongo do Tucum, daquele que a gente faz anel. É desse. Esse sara rapidinho meu pé. Porque aí chama, mas porque não tem força. Mas nem tudo isso deixa de eu pescar.
P2 - A senhora trabalhava com o quê lá? Que se machucou?
R - De rejuntar. Rejuntar cerâmica, na Franelli. Eu passei no primeiro emprego, em 1995.
P1- E como foi esse acidente?
R - O carro vinha na contramão. Aí me jogou lá. O carro, eu não via, eu tava esperando o que vinha na mão certa, e ele vinha na outra mão. Uma moça me arrumou um serviço. Eu fui e me inscrever no primeiro emprego, passei. Aí, eu digo: oba, agora eu vou ficar rica, vou saber ler, tudo. Fiquei rica! Três anos paralisada em cima de uma cama! Já pensou? E meus filhos pequenos.
P1- Você tinha quantos anos?
R - Estava com 32. Tinha vindo do Paraguai. Eu já andei. Já andei, eu já andei.
P1- Conta essa história do Paraguai.
R- Meu marido, era fichado em firma, era servente. Naquela época, eles levavam o peão. Aí, eu peguei, eu disse: olha, eu vou pra aí, eu vou conhecer também. Aí, fui. Fui de excursão. Minha irmã ficou com meus filhos, meus três filhos. Aí, já eu não morava mais aqui. Invadi um terreno no Mauro Fecury e fui pra lá, pra botar meus filhos pra estudar. Porque aqui não tinha condição, e eles não podiam ficar burros. Aí, me empreguei nesse serviço, tudo bem! Mas aí o serviço já veio depois que eu vim do Paraguai. Aí, eu fui, fui, de excursão, fui por Santa Catarina, por ali, fui indo. Passando em São Paulo, rodando, na Princesa Isabel, fui descendo, aí fui me embora. Quando eu cheguei lá… Eu fui foi sete dias de viagem. Aí, eu fiquei um bom tempo no Paraguai. Do outro lado do Paraguai, fazia compra, mandava para vender, nos carros de excursão. E meu marido trabalhava naquela ponte, Assunção. Fiquei lá, ó… Um bom tempo. Quando eu vim, estava fazendo um curso, do primeiro emprego. Eu digo: rapaz, eu vou fazer isso aí. Eu fiz inscrição. Eu fiz, passei. Aí, fiz pra rejuntar. Só que rejuntei mesmo, porque foi só 15 dias. Só 15. Pronto! Quebrou o pé, que eu não gosto de mocotó, ficou tipo uma unha de boi, toda cortada. Ficou desse jeito. Aí, ele me prestou socorro, foi Wagner Pessoa Lago.
P1- A pessoa que te atropelou prestou socorro?
R - Prestou, me levou para o UD hospital, no Jaracati, me deixou lá e sumiu. Aí, uma moça veio, no papel higiênico, pegou a placa do carro e botou dentro da minha calcinha. E alguém viu, quando chegou lá no Socorrão. Me levaram pro Socorrão, ele pegou e disse: alguém viu uma coisa dentro da calcinha dela. Uma moça botar dentro da calcinha dessa mulher. Botou. Ele pediu pra mulher lá, uma lá. Aí eu disse: mas o que tu tá mexendo aí? Aí não tem nada pra tu mexer. Aí, ela disse: não, mas você vai ser operada agora, e você vai ter que trocar de roupa e tudo. Tem que tirar essa roupa e se vestir. Aí, levou. Mas eu soube de tudinho depois, porque eu fui lá, e os rapaz que estava lá no balcão, tudinho eu conheci. Aí, ele me disse, que quem tinha sido... Aí, foi indo, foi indo, foi indo, aí foi uma moça e disse: que era irmão de Jackson Lago, tinha o pé de bola, e ele era de Chapadinha, era o prefeito de lá. Aí, contratei um advogado, o advogado foi, era só comendo, e dizendo que não encontrou. Aí, depois eu fui onde o advogado, descobri quem era o advogado, fui na OAB. Aí deu. Ele disse pro outro que eu arrumei, que ele já tinha pagado todos os custos, todas as despesas. Se não chegou onde mim, o problema foi do advogado, não foi dele. Aí, acabou. Aí, eu nunca passei na perícia, nunca, nunca. Porque uma tal de Doutora Oscarina, do IML, disse que isso não foi carro, foi queimadura. Eu, com laudo. Eu com o boletim de ocorrência, que o Calazar tinha me dado, o Doutor Calazar, que era o delegado.
P1 - E foi por isso que você voltou pra cá?
R – Aí, eu peguei, aí já tinha feito tudo isso, depois eu disse: sabe, meus filhos já estão grandes, já estão tudo casado, já estão tudo pronto lá. Aí, meu marido pegou e disse: ah, não quis mais trabalhar… Ele ficou trabalhando, que ele é armador. Mas sempre, como eu existia, minha profissão, todo mundo já estava aqui. Voltei. Minha casa todo tempo, todo tempo reformando de taipa. E aí, tô até hoje. E já andei meio mundo por aí, de pescar. Aonde tu fecha o olho, pra não voltar. [risos] Eu estava dizendo para as minhas irmãs, que a minha bunda está ficando pequena, que era grande, assim. Só de está nisso assim, ó, na canoa. Ela tá fazendo massagem, ó. Só do banzeiro. Banzeiro, amiga. Banzeiro. Poxa! É onda, é onda, é onda. Imagina? E a canoa é grande!
P1 - Eu vou querer saber da canoa, já vou te perguntar. Mas sabe o que eu queria te perguntar antes? Como foram esses tempos de você ter que ficar deitada, de repouso?
R - Meu marido, ele fazia bico, trabalhava. Os meus filhos eram pequenos e eu queria que estudassem, na faixa de 10 anos, 12 anos, pra trás. Aí, eu queria que estudasse. Aí, eu ficava em casa, ele tinha que me carregar, pra levar lá… Eu morava no Mauro Fecury… Carregar, pra levar lá pro Dutra, pra fazer curativo, que só fazia lá, que necrozou. Eu fui tomar um mastruz, e eu não me dava bem com mastruz. Necrozou. Você sabe o que é necronizar. Necrozou. Só ele… Só nós que aguentava. E aí, vieram e cortaram o meu auxílio. O auxílio assim, que eu tinha direito de receber e tudo, por lá. Cortaram, pronto! Acabou. Porque era só 90 dias de emprego e pronto. Aí, eu fui viver como Deus quis. Meus pais me ajudando, minha família me ajudava. Aí, pronto.
P1- E aí recuperou?
R – Recuperei, recuperei. Fiz o enxerto, tudinho.
P1- E como foi voltar a pescar depois?
R - Ah, parece que era um buraco no pé, quando eu puxava na lama. Parece que tava abrindo tudo. Aí, eu digo, mas eu vou fazer. Aí, fastiei essa coxa. Ainda é um pouco fastiada. Não posso engordar que eu sinto. Aí, eu só enxergo de uma visão, que eu perdi bem ali.
P1- Como?
R - Porque aqui havia um moço que trazia pão… Vou voltar pra trás. Um moço que tinha um comércio, trazia pão, uma vez por mês. E aí, como papai não tinha dinheiro pra comprar… Aí, ele tava pra roça. Aí, eu vim juntar uns cocos bons que tinha, bem ali. Que era do pai daquele Ribamar. Que ele, a roça era dele.
E ele botava uns espinhos de pau pra ninguém entrar, passar no caminho. Aí, o que que fez? Eu entrei. Aí, o pau veio e bateu no meu olho direito. Aí, eu já estava grande. Aí, quando foi na hora… Acho que uns 12 anos. Aí, minha mãe estava parida desse meu irmão já, acho que era dos seis lá. Aí, o que que fez? Eu estava brincando com ele no berço. Aí, quando foi na hora, a mamãe disse que tava branco o olho. Eu não estava sentindo. Aí, depois eu disse assim: mamãe, mas tem um negócio assim. Papai botou tanto remédio, botou ostra, botou vassourinha, botou macaúba, com leite de peito. Não adiantou nada.
Mas eu quebrei o coco ainda, e comprei os pães. Todo mundo comeu. E o papai perguntou: quem foi que tinha comprado o pão? “Tu comprou pão fiado?” Aí, mamãe disse: não, foi Albacelia que caçou um fiado. Que era o olho doente. Aí, papai falou. Mas não me bateu, porque já estava de noite. Aí, falou, brigou e tudo. Aí, fez remédio, fez remédio, fez remédio. Quando foi com uns três dias, quatro dias, tava o olho assim. Ele foi levar mamãe parida, o bebê ficou em casa. Ele foi levar mamãe pela estrada, até o meio caminho. A mamãe foi pelo Apicum, molhada, parida, pisando salgado. Me levou pro “Geral”. Quando chegou lá, o médico disse que era só uma raspagem. Aí, foi passando cinco, dias, seis dias. Aí, o médico disse que ia arrancar o olho. Aí, mamãe foi e disse: deixa assim. Aí, eu fiquei até hoje assim. Aí, o que é que fez? Aí, com os tempos… Eu lutei, lutei, lutei, lutei pra enxergar. Aí, depois os médicos disseram que ia botar uma lente, agora, a última. Que tava já ruim esse aqui. Aí, passaram uns óculos e tudo, uns colírio, aí um óculos. “Rapaz, não vou usar óculos, que vai ser ruim pra mim pescar. Porque se maruim vir, vai cair óculos na lama, vai ser aquele sufoco. Aí, eu boto remédio do mato. Eu pego, às vezes, uma água de tucum, eu pego uma erva santa, uma água, eu tiro e lavo. Uma água também de coco, verdinha. É muito bom. Bota no algodão e boto. Eu boto primeiro no doente, pra depois botar no bom. Mas tem dia que eu tô com... Ontem eu tava com uma alergia nesse aqui. Eu não sei se foi uma babosa que eu peguei, assim. Que eu sou alérgica a babosa. Aí, eu tô... “Rapaz, essas folhas estão bonitas. Eu vou doar esse pé pra quem não é alérgico botar no cabelo.” Mas eu tava que tava por ali. Mas é assim. Aí, eu não botei a lente.
P1- E nada de parar pra pescar?
R - Não, nada. Não pode… [risos]. E eu dormir? Numa tauba, em cima de um plástico, com uma espuminha fininha, que é assim, como o meu dedo. Não me dói nada!
P1- Até hoje?
R - Até hoje. Eu durmo na tauba. Aí, uma vez, uma chuva muito grande que teve, aí meu marido foi atravessar do Itaqui pra cá, a rede. Eu mandei ele atravessar os igarapé. Aí, quando foi na hora, menina! Veio uma chuva, não aguentou o ferro da canoa. Eu tô dormindo no fundo da canoa. Tinha acabado de despescar a rede de um lado e mandado… E tinha um moço do Cajueiro, com a rede do outro lado, tirando pescada. Nessa época, ainda era boa. Aí, o que que fez? Não é que a canoa estava enchendo de água? Indo pro fundo, e eu dentro. Tudo indo embora. E chuva. E eu descendo, descendo. Aí, o meu marido gritando! Eu disse: calma! Ele na beirada do igarapé. Eu: calma! Calma rapaz! Calma, que não vai não. Por que que eu não ia? Por causa… A canoa não é pesada? O ferro tava enganchado na rede, aí não ia. Porque a corda dela… Até hoje eu uso umas cordas, na rede, as cordas dessa grossura, bem grossa, para não descer. Aí, o que eu faço? Eu compro, uso a 42, 36, 0100, 080.
P1- Essas são as redes?
R - São as redes. Porque a corda é mais… Bem grossa. Para segurar. E assim mesmo, os peixes furam elas direto. E eu remendo. Eu estava assim, com uma dor aqui, que eu estava fechando um buraco, depois eu larguei. Tem uma acolá, rasgada. “A gente tem que remendar essas redes. Tem que remendar.” Aí, eu vou passando batida. Porque tem outra.
P1 - Mas você sempre foi pra Alto Mar?
R1 - Não. A gente está indo agora. A gente ia aqui perto. A gente está indo agora, por causa que não tinha canoa suficiente. E o meu sonho... E agora, eu convidei esse aqui, todo dia ele vai. Porque eu já fui lá na Ilha dos Caranguejos, já fui no Mosquito, já fui pra cá, pro lado, de frente com a Japiona, a Ilha das Pragas. Pra aí tudinho eu já fui. Aí, quer dizer, que essa maré daqui, a lama é só aqui. Daqui pra lá, é só areia. Daqui no Ribamar, você não chega na baía, se torna tão pertinho. Aí, você vê em cima, só aqueles ranchos. Mas quando a maré enche, parece que é um trem passando. Não tem… Pra se segurar, tem que entrar dentro dos igarapés, pra dentro do mangue. Mas assim mesmo ainda vem quebrando. Aí, eu disse: menino... Aí, tinha um moço que era daqui, do Jacu, daqui do... Lá da Vila Embratel. Aí, do Jambeiro. Aí, tava cheinho. Eu disse: ixi, Zé, nós temos um vizinho. Aí ele: é mesmo, é? Aí, que eu fui ver, estava cheio de homem. Aí, eu disse: ah, mas eu só tenho um facão aqui. “Ah, nós vamos encostar aqui.” Aí, menina, ficou de uma tal maneira, que nós não sabíamos. Ele já tinha ido a muito tempo com esses aqui e esqueceu. Quando o banzeiro veio, parecia que ia quebrar a canoa. Aí, era só batendo, puxando por cima. Eu disse: se não quebrar hoje, não vai quebrar mais. Aí, ele disse: mas eu te falei que era pra gente ir pra ali. Eu disse: não, mas eu quero botar a rede aqui. Que era duro assim. Aí, quando foi na hora, nós já tínhamos botado a rede. Mas minha irmã… Eu disse: essa canoa não quebra mais, não. Aí, só segurando com as varas. E segurando, e segurando. Aí, quando foi, a maré foi crescendo. Aí, depois, o parceiro que veio e disse assim: rapaz, não era para vocês ficarem aqui, tudo. Eu disse: Pé de pano, por isso que tu tá com tua perna ferida, porque tu deveria ter avisado! Que tu já sabia. E ele se mandou daqui, mais longe do que no Ribamar. Sumiu a canoa. Aí, quando a maré encheu, a gente viu os homens. Daqui para o Itaqui. Aí, os homens… Eu disse: ó, lá está os homens, acendeu uma luz. Aí, nós fomos lá… Nós não fomos, nós tivemos que entrar nesse igarapézinho. Entramos, aí o homem disse... Esse lá, já tinha dito pra ele que tinha uma mulher. Ele disse: não, isso é uma sapatona… Aí, dentro desse mato. “Tu tá mentindo, isso é uma sapatona. Porque mulher não vem aqui. Não vem! Aqui não.” Aí ele disse: rapaz, é a mulher do cara. Aí, quando foi na hora… Não deu pra eles encostarem de manhã. Já tinha botado a rede mais cedo, na areia e tudinho. Não deu para encostar. Sabe o que ele disse, quando foi de manhã? Aí, veio um moço, com um cigarrão, assim, passou. Eu disse: ei, você quer um café? Já tinha aprontado um café. Aí, ele: ô, eu aceito. O meu banzeiro levou as panelas tudinho. Aí, ele foi embora, com um cofao de caranguejo. Tinha que pegar 40 cambadas de caranguejo. Aí, eu disse… Ele tomou o café e tudo, ele olhou, olhou assim. E o Zé estava dormindo, o meu marido. Porque a gente ia trazer uma carga de peixe, aí trouxe num pau de carga, que lá é areia mesmo. Mas minha irmã, longe, só com pescadona. Tu já pensou, carregar no seco. Aí, ele disse: por que vocês não saíram daí, de dentro do mangue? Aí, eu disse: não, não tinha precisão. Aí, ele disse: senhora, por isso que nós fomos embora para ali, porque tem tanta bicuda, tanta bicuda. Eu disse: aqui nós não tinha nenhuma, que nós dormíamos aqui em cima. Aí, ele disse: vocês estão brincando! Porque esse cigarro aqui, é pra mim poder tirar caranguejo. Aí, eu peguei e não disse o segredo pra ele. O segredo era o palito. Aqueles palitos, mais fortes, uns vermelhinhos. Não encostou nenhum. E Baygon, o Baygon, só você molhar a roupa. Molhou a roupa… Não deixa encostar no couro que assa. Molha a roupa e pronto. Pra ir, é só passar o Baygon. Aí, eu não disse pra eles, depois aquilo me doeu. Quando foi de manhã, no outro dia, aí ele encostou. Disse: dá para vocês me arrumarem um sal? Aí, o outro veio e disse: não, essa daí é um comércio. Eu disse: claro! Porque na maré, eu não tenho vizinho. Quando eu encosto num porto, que era para ir para o Arraial, para acolá. Por onde eu estive, por onde eu gostava de fazer a minha compra. Vendia meu peixe e fazia a minha compra. Aí, ele disse: mas por que você não leva dinheiro para casa? Eu disse: não, eu não tenho ninguém para mim ter despesa lá. Só tem o meu irmão e o pouco que eu levar… Ele tem lá. Eu dou um pouco para ele, mas não carece. Aonde eu encostar, eu tenho que levar minha despesa, porque na maré, eu não tenho vizinho. E eu levo do bom e do melhor. Aí, um pau entrou na perna do meu marido, ele tava com a perna desse tamanho, gritando de dor. E eu remédio, remédio, remédio. Aí, pegava folha de pião, folha de mamona, hibisco. Onde eu achava nas praias, botava na perna dele. Não deu erizipela. Depois ficou saindo as pontas de pau, em casa mesmo, porque ele nem foi pro hospital. É febre noite e dia. E eu, remédio nele. Mas eu ainda não vou pra casa. Ainda não vim. Passei mais de mês.
P1- No mar? Mais de meses?
R1 - Mais de meses. E se eu puder nem vim, eu não venho.
P1- Você gosta do mar.
R1 - Que pena, quando eu vou pra ir, o gelo acaba, às vezes, passa cinco dias. Eu confiro com a noite. Cinco, às vezes do dia, cinco da noite. Aí, o gelo acaba. Mas às vezes eu não quero nem vir. Ele já fica: ai, eu tô com saudade da minha cama, tô com saudade da televisão. Eu disse: então fica aí em casa. Tu não quer pescar? Me diz logo que eu acabo com isso!
P1- E o que vocês ficam fazendo quando vocês não estão pescando?.
R1 - Não, pescando todo tempo. Só pescando. Porque às vezes bota a rede aqui, aí às vezes da um peixe aqui, outros lá. Nesses lugares, praí, tem gente muito... que passa com as lanchas pra lá e pra cá, umas canoinhas fazendo zoada. O peixe já é arisco. Aqui, eu fui pescar agora, essa semana, dentro do igarapé. Menina, era uma lama podre, assim, uma folha podre. Sabe o que que eu fiz? Soltei os peixinhos tudinhos, da puçá. Porque como que eu vou dar para os meus irmãos? Eu disse: eu só vou pegar, levar o que dá na rede, na caçueira. De água limpa. Mas dessa folha podre… Não tem gosto. E sem gosto do peixe daqui. Tá sem gosto. Um peixe daí de cima, você come que é uma beleza. Mas esse daqui? Parece que está assim, entranhada a carne, assim, com gosto de bafo. Você tem que comer alguma coisa doce, algum café, alguma fruta, alguma… Eu sou assim, eu sinto logo. E eu recomendo logo para as minhas irmãs. Elas dizem: que nada, isso é porque… Não! A gente chupava uma cabeça de tainha, de bagre, era tão gostoso. Agora tu vê logo assim, um cheiro do óleo, de uma lama podre, assim. Tá ruim, ruim, ruim mesmo. Agora esses dias não tá descendo peixe podre, mas deixa chover. Morre é muito bagre. Bagre, pacamão, mete dó, solha, é tudo. A moreia, que eu tirava na loca, tudinho, lá onde eu tirava, não tiro mais. Não tiro no buraco mais.
P1- Por quê?
R - Porque não tem, tá aterrado. Tá tudo aterrado. Não pode. Você para achar uma moréia... O pacamão, antigamente, a gente em vez de ir pro lavado, a gente ia rapidinho no mangue, tirava uma trochada de pacamão, rapidinho. Aí, agora você vai pro mangue, você não acha, tá tudo entupido. Onde passava, os córregos que passava as loca… Às vezes, olha, se eu fosse agora lá… Tu me encomendou uns pacamão, uns 5 quilos. Eu já sei onde eu vou buscar, naquele pé daquele mangueiro. Chegava lá, cortava com facão, fazia a minha carga, e ó, tirava, secava, tapava o córrego lá em cima, que fundo assim, tapava e acabar, só ia puxando, moréira e pacamão. Dava fogo pra mim trazer. Agora, vai lá. Tô entulhando tudinho. Não tem. Olha, eu fui pescar… O quê? Foi... Eu vim nessa semana agora, eu fui o quê? Fui sexta. Eu tô querendo ir agora de noite, porque a maré lançou. Mas não pra mim entrar por dentro pro cá…. Por quê? Porque é tanta lama que ele se afunda, vai embora, o pacamão, não dá pra apertar. Nem no xuxo. Eu tava dizendo pra ele, “meu irmão, nem que nós vamos com arrastão, mas não tem condição…” Agora, pra ir pra cima? Ah, é demais! E lá pra onde eu fui, pra de frente pro Cajapió… Assim, no lavado, que é só areia, é cada um camarão, uma tainha… Urubu se dá bem. Só o que urubu come. Aí, eu disse: rapaz, esse lugar aqui é pra mim vir. Aí, tinha um senhor que era daqui, da Barra, que ele ia, a canoa, minha irmã, era um barcão. Mas se tu visse como ia… Eu disse… Maré enchendo, e eu aproveitei também, e o outro, o guiador da gente… Maré enchendo… Minha irmã! Ele disse: olha, esse rapaz aí, ele faz é dá, para carregar pescada, porque é demais aqui. Mas é longe, é long! Tu torá por aqui, é perto, se torna, três horas, umas duas marés. Mas se tu arrodear, é longe. É de frente com Cajapió.
P1 - E dona Alba, pensa numa história muito marcante de você pescando.
R - Ah...
P1 - Qual que é? Lá no meio do mar.
R1 - Lá é quando eles batem na rede que eu vou tirar eles, que é só catingueiro assim, ó.
P1 - Como que é?
R - É um bagre. É uma pescada. É isso que é mais adrenalina maior.
P1 - Por quê?
R - Por causa que é gostoso. Deixa eu lhe contar essa daqui rapidinho. Eu fui aqui invadir um sítio, que a água aqui, tava parando o negócio de água. Aí, eu fui pra acolá, o rapaz me convidou. “Bora?”. Eu fui. Lá, o igarapé, é certinho com o cerco. Mas é muito bom lá. Tem coco, muito. Aí, eu cheguei. Eu vou buscar coco lá pra mim quebrar. Aí, meu marido, muita amizade, arrumou uma canoa de alumínio, e uma pequena. Aí, eu, ali no entroncamento, no Itaquizinho, eu disse… Quando a maré descia, era assim, ó…. Ô, adrenalina! A canoa ia descendo. Eu disse: rapaz, eu ainda vou nessa adrenalina. “Ainda vou nessa adrenalina.” Aí, um dia, um compadre, portou lá, nós arrumando umas amizades. Aí, nós fomos nessa canoa. Eu não fui lá, eu atravessei o Garapirá, tudinho, e voltei. Eu disse: compadre, essa canoa é legal, né? Aí, voltei. Olha, quando foi... Eu já estava com essa canoa grande. No dia 30 de... dia dos trabalhadores, vai fazer dois anos agora. Tu acredita que eu não tive uma adrenalina? Quando chegou no meio do cais, no meio do cais, o motor parou, era maré de lua. O motor parou. Aí, meu marido entrou em pânico. O motor parou, jogou o ferro, a corda era de mil metros, não segurou, ele jogou os ferro em cima lá. A correnteza é assim, ó! E a canoa rolando, e eu segurando aqui e ele passando mal. Eu estava com uma caixa de peixe e mais peixe na rede, que tinha tirado. Aí, ó, a canoa só foi rolando no peso da água. Quando chegou nos pilares do cais, ela ia fazer assim. Eu digo: porra, São José, desvia. Aí, ele: agora eu to morto! Aí, eu olhei assim pra cima e tinha um rapaz. Eu digo: ei, me salva. Ei, salva! Pede uma salva aí. E comecei a fazer coisa pra ele, aí ele ficou olhando. Filmou. E eu fui descendo. Quando teve o navio, aí chegou num navio, e passou. Aí, mais o meu marido, eu não sei se ele já tava todo cagado, ou mijado. Que ele tava todo assim, ó. “Culpada e tu, tu não tem amor na tua vida, mas eu tenho.” E tal e tal. Eu, serinha. Eu queria sorrir dele, mas ele lá, no pé lá sentado, e eu aqui no leme, ó, no leme da canoa, desviando ela. Aí, quando ele chegou no navio, ele foi segurando no navio. Aí, ela foi só descendo devagarinho. Mas eu passei a adrenalina mesmo. Aí, foi passando. Aí, quando chegou lá, ela jogou pra debaixo da correia de outro navio. Aí, os homens lá, no rebocador lá, só olhando, só olhando o estado que ele estava. Aí, veio uma lancha azul, grandona, aí prestou socorro… Aí, ele… O rosto dele… Ele é um homem preto. Mas o beiço dele, parece que estava assim, ó, amarelinho, amarelinho, se tremia. “Eu falo pra essa mulher de tudo, de tudo, de tudo, ela não tem amor…” Aí, eu disse: olha, isso foi uma fase. Ele está com medo. A canoa com bastante água dos banzeiros. E ele secando. Eu disse: isso é só uma fase. Você tá em cima do mar, você não tá em terra. Não é? Eu dizendo para os caras. Aí, o cara passou a mão na cara. Aí, chegou. Eu disse: dá pra tu passar um rádio para Alberon? Lá pra meu irmão, que trabalha na praticagem.
Aí, ele disse: dá! Aí, os outros, eles eram três, os outros dois, ficaram sorrindo, lá dentro, de ver que ele não conseguia ficar em pé, só sentado, como ele estava tirando água, ele ficou. Aí, ele disse assim, ele perguntou: vem cá, ele tá passando bem e tudo? Eu disse: não, ele tá só no estado de choque. Ele já não tá salvo? Ele já tá salvo! Ele está só num estado de choque. Aí, eu disse, assim: espera aí um pouquinho, que eu vou beber agora uma água. O beiço tava seco, seco, seco. Aí, ele… “Eu vou beber agora uma água, agora eu já me salvei e tal. Já passei por uma adrenalina.” Aí, eles disseram, assim: mas vem cá, por que tudo isso? “Não, foi o motor que parou ali e os ferros, ainda… Graças a Deus que eu não entrei debaixo dessa adrenalina mesmo, da correnteza que rodeava assim, porque o ferro era assim enrolado, a voga, e era aberto assim, Tinha abrido. Porque senão eu tinha visto o que era bom pra tosse. Mas nem por isso eu desisti. A canoa quebrou a cara, tudinho, tá lá! Aí, meu irmão, veio. Sabe o que ele disse? “Eu dei com aquele cara, veio, bêbado, quebrou minha canoa desse jeito.” Pregou umas tábuas assim. Aí, eu disse: olha, depois de salva, de tudo, ele ainda acha ruim. Não se lembra do que passou. Mas eu já fui pra lá direto pescar.
P1 - Sem medo?
R1 - Sem medo. E eu passo lá nesse lugar mesmo. Ó! Lá nesse lugar… [risos]
P1 - Você gosta do mar?
R - Eu gosto, eu amo. Eu não sei como vai ser a velhice, eu acho que eu tenho que ir embora pra um lugar... Assim, se eu for, eu fico pensando na Barra do Corda. Eu fui e gostei, porque é muita fruta, muita carne, eu gosto de carne de boi. Muita carne de boi, muita coisa fácil. Mas o dinheiro lá é... Não corre assim, não. Só se a gente tiver um estudo e tudo. Eu já tô aposentada, mas não é nada. Eu vou é pescar! Enquanto eu puder… Eu digo é muito para esse aqui. Às vezes ele está enferrujado. Eu disse: ó, meu irmão, luta, luta, que um dia essas dores vão passar. Mas não passa.
P1 - E às vezes você vai pescar pra acalmar a cabeça? Isso acontece? Ou não? Só dá mais dor de cabeça?
R - Não. Não, eu não sinto dor de cabeça.
P1 - Mas assim, quando você tá muito... As coisas estão difíceis assim, você vai pescar pra acalmar?
R - Não.
P1 - Não?
R1 - Não.
P1 - Você só vai pro mar pra...
R - Eu gosto. Porque eu gosto.
P1 - Porque você gosta.
R - Eu gosto. E eu não digo assim, eu não sei te dizer. Eu tive duas perdas de filho, perto uma da outra. Eu fiquei… Eu fui pro Diazepam, eu fiquei assim, assim ruim. Ruim. Pensa numa coisa… Mas não sei o que foi depressão. Eles falam em depressão. Mas eu não sei o que é depressão. Eu tenho uma dor de cabeça, que eu já tive acidente de carro, já caí… Indo pescar de noite, eu caí na laje, bati minha cabeça. Eu tenho uma dor de cabeça. Hoje eu tenho… Eu sou dependente mesmo, é que eu já tive, já escapei de asma. O asma. Mas assim mesmo, o que eu evito, é um plástico, queimar um plástico. E fiz tratamento por 25 anos no Dutra, não adiantou nada. Um moço que veio por aqui, conheceu, me levou lá para aquele hospital, de frente o João Paulo. Lá no hospital, aí eu fiz o tratamento. Aí, tomo remédio alérgico. Ele disse que não era cardíaco, era alérgico. É só esse alérgico que eu não deixo acabar! Todo tempo eu tomo. E também quando eu tô no mar, eu não tomo, mas quando eu tô em casa eu tomo, de dois em dois dias, de três em três dias.
P1 - E por que que no mar não toma?
R1 - Porque eu me sinto bem no mar. O arejume me faz bem. Aí, eu não tomo, pra nada. Cozinho na lenha. Tenho bujão, tenho fogão, mas cozinho na lenha. Ontem eu fiz carvão de coco, que a fumaça é terrível. Faço. Já tive, depois dessa navegação, essa última que teve dessa canoa, eu tive um problema de pulmão. Logo na Covid, eu digo: eita, eu vou morrer agora, que tá vindo essa daí. Aí, eu tava lá, me dava uma febre. As bombinhas, remédio e nada. Aí, eu cheguei: rapaz, eu vou é para o hospital. Uma dor na minha costela. Isso não é coração. Cheguei lá, a médica batia só assim, não batia assim, só batia assim… Eu digo: bate assim! Eu estou cansada de tomar essas injeções. Ela foi e bateu assim. “Olha, pnemonia.” Ah, colega, eu não passei mal, não, eu fiquei foi doida. Não, aplica injeção, aplica a injeção. Ela, começou, “não, você não precisa muito de injeção. Você precisa é de um remédio para expulsar o que está dentro.” Aí, “quanto é esse remédio?” Ela foi dizer pra mim que era cento e pouco. Eu digo: eu não vou tomar! Não, eu vou tomar, vou caçar outro remédio de casa. Aí, ela disse: não, quando vir amostra grátis, eu vou pegar pra lhe dar. Aí eu fui. Aí, eu tomei! Menina, eu tomei o remédio, era pra tomar cinco durante um dia. Quase eu fico louca. Eu digo: agora que vem a loucura mesmo. Porue eu passei dessa, mas sempre fé em Deus. Passei dessa pra essa outra. Aí, quando eu estava já levantada… Lá vem a Covid. Aí, eu já não ia lá onde mamãe. Aí, mamãe dizia: eu pensei que tu já tava morta. Eu digo: não. Aí, um dia, teve uns homens, uns crentes que foi lá em casa, disseram assim: a sua mãe disse que a senhora estava com câncer. “Câncer, câncer? Mas assim, mamãe não disse isso, não.” “Disse!” Aí, levaram assim, um pouquinho de arroz, um pouquinho de farinha. Levaram umas roupas velhas assim, sujas de tinta e tudo. Eu disse, assim: não, mas eu não vou brigar com mamãe. “Mas não vai atrás não, que eu tô é bem de saúde. Eu tô é bem!” Aí, meu marido testou o pano e a canoa. Aí, fizeram uma oração. “Aceito.” Longe, onde eles foram, era ruim lá o caminho. Aí, porque eles foram, aí eu disse, não. Não, não, não, não. Isso aí não passa. Não saio para acolá, mas até agora. E já passei seis anos.
P1 - O mar cura?
R1 - O mar cura. Às vezes, eu tô com umas dores no joelho e tal. Eu vou na lama. Lá vem eu me matando com a caixa de peixe de 30 quilos, 40 quilos. Tenho peixe na geladeira ali, ó. De lá, lá de cima. Eu não fui lá em cima agora, lá em cima que eu te digo assim, lá onde esses banzeiros, porque a canoa estava fazendo água, e minha água de beber era pouca, de banhar. Porque eu não encosto nas beiradas para pegar água. Eu já levo água daqui. Como agora eu vou levar água daqui. Tem que levar cinco bujões de 21 litros.
P1 - Você vai ficar quanto tempo no mar?
R - Se for para ficar até mês, eu fico. Olha, a época boa de pescar é agora, no inverno. Porque no inverno, é chuva fora do limite. E tem o trovão. Eu digo, pra meu irmão, “meu irmão, o bom de pescar é no verão.” É só um vento. É só um vento.
P2 - Mas o trovão não é perigoso, quando está em Alto Mar?
R - É, é perigoso. Por isso que eu digo, que eu gosto de pescar no verão. No inverno é muito perigoso.
P1 - Você já passou por uma tempestade?
R1 - Muita.
P1 - Qual que foi a que foi difícil pra senhora?
R1 - Menina, foi difícil. Ela fez dois anos agora. Teve uma agora que foi bem... Fora essa do cais, fora essa que eu naufraguei, tudinho. Essa mais difícil, foi uma que eu vinha da Ilha dos Caranguejos.
P1 - Como que foi?
R - Aí, veio um vento, lá numa tal de ilha… Bolota do Toá. Nós não tava nem daqui lá pro porto. Veio um vento assim, rapidinho, da Ilha dos Caranguejos. Menina, veio assim ó, fazendo… Aí veio certinho pra minha canoa, foi raspando tudo que tava em cima. E a canoa foi pra lá e pra cá. Aí, eu disse: Zé, um negócio me estremeceu agora. E aí, a chuva, menina, a chuva com vento! Deus me perdoe! Eu fiquei com tanto ódio desse dia. Tive que ir tirando água da canoa. Aí, eu: chama Pé de Pano, Zé, pra encostar o barco dele, pra rebocar, que eu vou passar pro barco dele. E eu, não vai dar, não vai dar! Me estremeci nesse dia. Aí, minha irmã, tirando água. Aí veio. Mas também, ele é bom de guiar, ele é bom mesmo. Mas minha irmã… Aí eu passei pra essa outra canoa. E passou um menino de 11 anos. O menino: deixa comigo. Eu disse: ô meu filho, Deus é com você! Aí, foi! Eu passei para essa outra canoa. Eu dizia: Pé de Pano… E meu marido, sempre, o banzeiro puxando ele pra cima do farol que tem no Toal, uma divisa que é de pedra. Eu disse: pé de pano, chama, dá um jeito, bota esse motor pra guiar que eu pago o óleo quando chegar no seco, eu peço pros meus irmão e te pago. Bota essa canoa pra cima de Zé. Ele disse: não, larga de estar com tanto exagero, que ele vai sair. Minha irmã, mas era chuva, era vento. Era vento! Essa canoa ficava… Quando vinha, ia lá embaixo e voltava. Ele disse: é Biana. É Biana. E a que eu vinha também, era grande. Mas a chuva vinha arrebentando. E ele devagar também, ele devagar, o Pé de Pano. Porque ele viu uma garça lá no Itaquezinho, em cima d'água, ele foi, pegou a garça, deu no berço da canoa, o sangue espirrou na perna. O sangue da garça, da cabeça. E disso, virou uma empolinha, e essa empolinha virou uma ferida braba e uma úlcera na perna. Com 30 anos. E ele sofre até hoje. Agora, ele já está com 50. Porque quando nós fomos pescar, vai fazer o quê? Três anos, dois anos. Ele ainda não tinha essa idade. Mas a cabeça dele tava alvinha, mas assim mesmo ele metia pra tirar caranguejo, a perna na lama. Quando era de noite, ele disse: acordei e fiquei assim. Ele disse que desde os cinco anos que ele pescava também. Ele sabe pescar. Mas ele deu um AVC novo, novo. Mas ele já têm os filhos todos formados, tudinho, a família é pouca. Mas eu vou te dizer uma coisa. “Pé de Pano, ajuda Zé lá, por favor.” Ele: tenha calma, uma hora ele vai pra cá, pra beirada. E eu tava na canoa grande, mas eu com meus coletes. Mas Zé não tava com colete. Não deu tempo de botar o colete.
P1 - E aí?
R - Aí, ficou sem colete. E ali, no aqui, na hora que eu desci na canoa, nas duas vezes, eu não tava de colete. Eu esqueci do colete. Outro dia eu ia atravessando acolá, aqui o rio da Alumar, aí a Marinha quis… Eu fui caçar os coletes, cadê os coletes? Só tinha um e era furado. Eu digo, agora eu tô multada! Que a canoa do meu irmão, ainda não pegou os documentos. Aí, eu disse: não, mas eu vou deixar na mão, deixa ele vir. Peguei, soltei o cabelo aqui. Para ele saber que é uma mulher. Soltei o cabelo. Deixa ele. Mas, menina, ele veio bem pertinho assim. Eu digo: ah, mas ele vai pensar que a gente é daquele povoado. Mas tem que atravessar com colete, porque é muito banzeiro! Vai molhando a frente da canoa, ó. Eu digo: eita, lá vem, lá vem. Aí, esse daqui sempre me fala. Mas ele sabe, todo trechinho que eu fui, que eu queria ir, eu já fui, já sei. Quando ele me diz, bem daqui do Porto. Eu digo: olha, eu fui lá naquela ponta. Ele diz: é a outra ponta? Mas eu já sei por outro. Aí, esse rapaz que ia nessa canoa grande, ele tinha uma escora lá. Aí, o Pé de Pano disse assim: ó, esse daí, não vende essa escora por menos de R$5.000,00. Eu digo: nesse quebra-mar horrível? Ele disse: menos de R$5.000,00, esses paus aí e essa escora, ele não vende. Eu disse: por quê Pé de Pano? “Dona Maria, é porque ele tira por mês aí, mais de R$10.000,00, é só camarão grande. Aí, não vende por menos de R$ 5.000,00. Aí, como que vai vender. E só dois. Aí, depois eu fui dizer para o meu irmão quem era. Ele disse: ah, minha irmã… E o barco é do tamanho daquele que tá ali no cerco. Aquele barcão que tá ali. E o moço me disse, que aí eles vão, quando vai, se vai muita gente, e ele não dá conta de pegar, carregar o tanto de pescado. Quando a maré chega, ele dá pra outros barqueiros.
P1 - E Dona Alba, não tem idade nenhuma que faz você parar de ir pro mar, né?
R1 - Olha, eu cheguei essa semana, eu tô imaginando, que eu já fiquei esses dias tudinho. Aí, o que que faz? Diz que pra mim fazer uma... Comprei material para fazer uma casa e já veio... A mulher achou de mandar o cimento antes, que eu dei até uma... Falei pra ela: poxa senhora, a senhora mandou esse cimento agora? Eu já ia era desmanchar o negócio, porque me empatou, colega! Me empatou demais esses dias em casa. A maré está puxando e eu preciso… Eu já sei lá, como é… Agora, a cabeça de lançante, o peixe lá… Tu vê quebrar dentro do mangue. Quebrando, quebrando.
P1 - Você sabe de longe?
R - A gente escuta. De dia mesmo, de dia mesmo eles tão quebrando, lá. É longe. Outro dia, eu tava com a rede, agora, esse mês, que passou logo no começo de setembro, eu tava com a rede, atravessei dentro de um igarapé pra pegar umas pescadas, em cima. Aí, minha irmã, a rede arrastou. Aí, eu deixei ele dormir aqui, que ele que tava cansado. Eu disse: quando terminar, eu vou te dar um serviço, malandro! Meu marido. Só pesca Deus e nós dois. Aí, com a rede arrastou, a rede daqui lá no Porto. Menina, foi descendo um peso d'água e tal. Porque eu disse pra ele, que era pra ele descer… Ele com medo, porque viu um tubarão passando assim, em cima das tainha, ele ficou com medo de cair. Foi enfiar a vara. Aí, veio a rede de lá, a canoa subiu debaixo do ovo, veio e arrancou a rede. Aí, só ia soltando, os peixes já estavam meio inchado, só de uma enchente, uma vazante. A rede dentro d'água. Aí ele: ô, que coisa, ô, que coisa! Digo: coisa não é essa, coisa é a perda, que tá perdendo esses peixes, pra pegar eles de novo. “Ai, tô cansado de puxar.” Eu calada estava, calada eu fiquei. Aí, depois ele virou. “Mas tu viu tudo isso?” “Eu vi tudo isso? Eu vi! Pensa que eu vi. Vi mesmo. Eu não vou te negar, eu vi mesmo, mas eu te chamei na hora certa, você não levantou. Agora, você tem que ter sua responsabilidade.”
P1 - Ô dona Alba, como é? Os homens ficam olhando? Ficam de cara vendo você? Você sendo uma mulher pescadora, o que os homens acham?
R - Ah, eles ficam de olho. Quando passa uma canoa perto, fica logo olhando. Quando passa um homem, eles ficam com os olhos… Olhando. Ficam, ficam! Agora, esses dias, eu tava com umas pescadas. Que eu ainda tenho lá em casa. Tava com umas pescadas dentro da canoa, encostei no Cajueiro. Porque ele fuma. Aí, “rapaz, vamos embora, deixa chegar lá em casa. Bora chegar!” Aí, quando foi na hora, ele, “não, vamos encostar logo aqui.” Encostou. Aí, veio três homens, quatro homens, vieram. “Que que esses homens querem?” Fiquei dentro da canoa, só governando a canoa, pra ela não bater de banda, que lá no Cajueiro bate forte. Deixando ela assim, ó, de frente pro banzeiro. Estou segurando. Ele disse: esse homem está muito seco pra tá aguentando essa canoa. Esse menino. O que esse menino faz contigo? Disse pra meu marido. Aí, meu marido veio… Já tinha subido na canoa. Aí, eu virei… Eu só virei assim. Aí, depois eu virei de frente. Eu disse: quem foi o menino que tu tá vendo aqui? Esse menino te carregou na barriga, gaiato. Procura respeitar. Quando você chegar perto de uma canoa, assim, num Porto, você presta atenção. Porque senão você se dá mal. E eu tenho peixe, mas desculpa, mas não vou te vender nenhum. Pode não encostar na beirada da minha canoa! Ele ficou daqui pra aí... “Não encosta!” Meu marido está puxando o ferro! “Tu gosta de me fazer vergonha.” Eu disse: fazer vergonha? Tu conhece eles? Mas eu não! Na minha canoa eles não encostam. Não é pela coisa deles. É porque eles vieram… Como eu disse pra ele, “tu sabe quem são esses homens?” “Ah, eu sei, dali e dali.” Eu digo: mas aqui não encosta! Não encostou nenhum. Foram pegar uma canoa pra encostar na minha. Que aí eu fui puxando a minha mais pra fora, pra eles se molharem, que eles estavam com celular no bolso, tudo. Aí, eu fui puxando mais pra eles se molharem. O banzeiro estava legal. Fui puxando. Deixei até o meu pra nadar. Mas aí quando ele já vinha, eu soltei. “Vou voltar pro seu banzeiro mesmo.” Tava legal. Aí, fui puxando. Os caras vinham. Aí, eu digo: ó, tenho peixe, eu tenho! Todo peixe, tem isso, isso e isso. Mas não vou vender. Pois é! Por quê? Porque já vem com uma saliência. Porque lá eles tudinho sabe… Só pesca nós dois. Por que ele vem com uma piadinha dessa? Volte, respeite!
P1 - E tem outras mulheres que pescam?
R1 - Eu já vi! Já vi lá perto de Rosário, vindo de Rosário. De Rosário, com um homem. Eu vi uma mulher. Era zangaria. A canoa vem andando dentro de um pneu de moto, aí é botado numa tábua. A lama, o fogareiro, botado, e vem fazendo a comida. Aí, a canoa vem tremendo no peso da água. Eu vi essa senhora. Aí, eu perguntei, “Pé de Pano, por que essa senhora pesca com ele?” Aí ele disse assim: olha, minha véia, é porque eles tiveram os filhos, os filhos já foram embora, e eles já se aposentaram e pescam nessa canoa pros outros. Por aí muita gente não tem canoa. Aí, eles pescam pros outros, pra ganhar o quinhão. Aí, eu disse: rapaz! Aí, eu não quis ir muito mais pra cá, pra Estiva, pra cá pro lado do quebra-pode, pra cá. Porque quando encosta no porto, as mulheres perguntam logo, “essa canoa é tua?” Aí, o Pé de Pano foi e me alertou. Na Estiva, teve uma canoa que veio de longe, e sumiu, que o cara disse que não era dele. Era dele e de outro parceiro. Sumiu e nunca ninguém achou. Na beira, cheia de rede. Aí, se tudo vai dizer... Ah, meu Deus! Eles vão dizer que nós não temos precisão, que nós somos turistas. Aí. eu digo: não fala isso! Não fala, por favor” Diz que nós trabalha é para os outros. Pois é! Nós temos muitas praias aí, rígida, rígida, minha irmã.
P1 - E você que fica muito tempo na água, você tem histórias de encantados?
R1 - Tenho! Mas só que tem muita coisa que eu não gosto de dizer.
P1 - Mas você já viu, já sentiu?
R1 - Já, já vi, já vi, já vi. Já vi assim… Eu já vi, outro dia, teve um neto meu que queria me perguntar, indo e vindo, indo e vindo. Eu disse: não, não. Aí, teve um dia… Que eu ainda vou pra esse lugar, eu passo por esse lugar. Aí, lá na Ilha dos Caranguejos… Que eu sou rígida para fazer o número dois na maré. Aí, colega, eu cheguei lá nessa Ilha lá, do Mosquito, onde o navio quebrou lá. O colega, eu tava ruim, desde daqui, já do lado dessa baía daqui, pra lá. Aí, eu: quando chegar naquele mangue, eu vou saltar naquela praia e vou. Aí, fui-me embora, de carreira, pra dentro. Quando chegou, menina, assoviou… Tava assim, no descampado, o mangue lá era baixo. Mas pra dentro, o mangue é alto. Aí, eu fui lá pra dentro do mangue, pra cobrir. Ai, minha irmã, eu vi uns assobios muito feios. Mas aí, eu digo, agora pronto, vou voltar com a mesma precisão. Aí, eu voltei mais depressa, com a canoa. Corri daqui lá no porto. Que era pra mim não ficar na beira d'água, pra mim ir pra dentro do mangue. Porque, poxa, aqui vai passar um peixe. Pra ser outro tipo de maré. Mas pra mim tava poluindo. É isso que é a minha coisa, ia poluir. É isso que mais me coisa, essa número dois na maré. Que é só quando eu chego. Eu passo cinco dias, às vezes, eu tenho que encostar numa beira de mato, pra mim ir. E até hoje! Até na minha casa, até hoje eu não tenho vaso, é sentina mesmo. Às vezes, vamos indo, vamos voltando. Esse daqui, gosta até hoje, de limpar o forebis com palha. Eu falo pra ele, “olha, olho, nós estamos ficando velhos. Tem que mudar. Mas ele atende mal. E até hoje a gente faz… A privada da gente é um buraco só, ali. Porque dá doenças, e polui. Pra mim, se fez o peixe está comendo. Assim, olha, até a Siricora, eu digo assim, outro dia eu vi ali... A Siricora do mato, eu olhei, menina, ela saiu do buraco assim… Eu digo: égua! Tanta Siricora que eu já comi. Essa siricora já comeu tantas fezes por aí. Tanto que eu gostava. Aí, eu acabei… Eu estava dizendo pra meu filho, meu filho… Aí, meu filho mora na Barra do Corda. Aí, eu tava dizendo pra ele. Aí, ele disse: mãe, deixa... Aí, ó, mostrou. Ele matou… “Aquele bicho que eu te mostrei, Cam?” Não, ele matou esse… Nambu. Nambu. Lá, eles fazem… Porque tem muita roça, muita, assim, soja, os campos. Desmataram tanto, minha irmã. Eu andei daqui pra cidade de moto, era tanto mato, a coisa, chapada. Agora tá tudo devastado. Tu vê as Emas, com os filhotinhos, aquelas coisas. Ainda bem que tem lá a soja pra eles comerem. Eles vão limpar, fazem as arapucas, pegam uns Nambuzinhos. Uns Nambu pra comer. Minha irmã, eu vou te dizer, que aqui a gente tem um estrago em todo lugar. Em todo lugar. Aqui, eu tô vendo que daqui a pouco nós não tem mesmo pra pegar mais…
P1 - Mudou muito?
R1 - Mudou. Acabou. Fez foi acabar. Aqui acabou. Pra tu pegar... Olha, eu pegava 10 dúzias de sirí, há 10 anos atrás. Tá com 10 anos. Agora eu não pego mais 10 dúzias de siri. Pra mim pegar uma dúzia de siri… Antigamente, eu botava a linha aí, eu ia na lama, rapidinho eu tirava 10 dúzias de siri. Agora, pra gente pegar um siri, minha irmã… Eu fui pescar um siri pra uma moça, que disse que estava desejando, eu fiquei até com vergonha dela. Eu disse: minha irmã, tá aqui, eu te dou esses dois siris, que eu peguei na rede. Fui na lama, não peguei. Não tem! Não tem! Todo mundo foi embora. Todo mundo. Pois é… E aí, cada vez… Por causa de quê? Como meu filho disse: mamãe, vem esse adubo, desce, tudo desce, eles aterrando, o óleo.. Aí, acaba o marisco, afasta.
Olha, eu fico ali, aí, eu digo que eu fico coando é água. Gastando mais tempo. Por isso que eu vou lá pra cima. É por isso que eu vou pra esses banzeiros brutos.
P1 - É por isso que você sobe?
R - É por isso que eu vou lá pra cima.
P1 - E qual é o lugar que você mais gosta de pescar?
R - Eu gosto de pescar no Jacamim, lá perto da Ilha dos Caranguejos, pra lá.
P1 - Por quê?
R1 - Porque lá o peixe é mais fácil. É muito, tudo mais fácil. Olha, você vê uma escora perto da outra. Os caras levando camarão todo dia. 20, 30 puçá. E aqui… Só que eu não vou arrastar com meu marido, porque não tem tempo. Mas quando eu tô no igarapé da pedreira, perto do Cajueiro, eu arrasto. E quando eu tenho tempo, eu corro aqui. Mas aí, às vezes, a gente vai andando, a folha do fundo, vai saindo podrezinha. Aí, cai tudo na puçá. Se você for subindo, aí não cai. Mas se você descer, aí já que tá lá embaixo, se você subir de novo, ela vem pra dentro da puçá. Aí, não presta o camarão. Não presta mais. E é essa que é a minha história. Já acabou, não é? Pois é.
P1 - Sabe o que eu queria te perguntar? Dos seus filhos?
R1 - Ah, dos meus filhos. Hoje eu me encontro, só tenho o meu mais velho. Já perdi dois. Perdi um com 21, perdi um com 28. Mas tenho. Tenho muito neto. Esses me amenizam.. E eu liguei, eu tinha 21 anos, eu disse que eu ia só ter esses três filhos homens, liguei, o Geral caindo aos pedaços. Aí, eu fiz logo! Liguei e fiz períneo. Fiz logo o períneo, pra mim não parir mais. Porque meu pai disse que eu ia ficar fora da casa do meu irmão, na estaca da miséria. Que eu ia parir que nem uma cachorra. Eu disse: eu vou te mostrar. Que não! E também não vou ser uma cachorra. Olha, tinha uma boate Guarani. Ele dizia: se eu ficasse solteira, ele ia jogar... Que é lá onde é o trem da Vale. Ele ia jogar meu balaio. Nessa época era balaio. Ele ia jogar o meu balaio lá na boate. Aí, eu só na minha mente. “Eu não vou ficar solteira.” Três vezes, meu irmão aqui… Uma vez, ele veio falar pra mim. Aí, eu disse pra ele, eu tive três filhos homens, pra resolver meu problema. E não fiquei… E eu não sou tua filha, porque tu botou oito no colégio, e não me botou. Aí, ele queria me torar de facão. Pois é! Eu disse: tu vai torar, mas eu já tenho meus filhos. Quase eu morro mal com ele, porque eu passei muito tempo sem falar com ele. Uma vez ele me deu uma surra já, depois de velha, de novo. Aí, eu peguei e disse: ah, tu me deu uma surra? Mas ele gostava de me humilhar mesmo. Aí, eu digo: é! Mas eu disse pra ele que eu não fiquei no critério dele. Mas, eu pareço com ele. Só pareço o nariz, os olhos e o rosto. Meu pé também parece. Agora, eu não cresci… Porque, minha irmã, para gostar de quebrar coco bom. Eu ia buscar muito longe. Quando vocês saía daqui, que deixava, trazia na cabeça. A água… Hoje, você sabe quantos caminhos de água eu já botei? 10. 10 caminhos na cabeça. 10 baldes daqueles grandes assim. Na cabeça. Ó, aqui eu já faxiei… Nesse acidente, faxiei a clavícula aqui. Aí já não tem mais… Mas assim mesmo ainda quebro cinco. Se for para quebrar cinco quilos de coco, dez quilos. Quebro! E sento cedo e largo cedo. Não tem coisa mal, coisa assim. Não sei! Não sei pra frente. Não sei pra frente também, meu olho. Eu não sei, porque eu imagino muito mexer com ele. Imagino demais.
P1 - O tempo passa e nada te para de ir para o mar e de fazer suas coisas?
R1 - Eu vou, porque eu tive esses três filhos homens, porque era para eu viver a minha vida. Mora Deus, eu e meu marido. Meu filho mora para lá, já é a segunda mulher. Aí, tem esse outro filho, que tem três filhos, mora eles lá. Ainda agora ele ficou triste por uma coisa, ele pegou, mandou, “vó!” Meu coração dói.
Eu peguei e disse pra ele, “ó, quem é a sua avó sou eu. A sua avó, sua mãe e seu pai. Seu pai que lhe fez, meu filho, seu tio é irmão da sua mãe, certo? Que sua mãe que te pariu. Não liga para seu tio. Ele ainda não sofreu. Enxerga sua frente a mais. Não enxergue pra trás.” Porque ele está em São Paulo, tá lá dentro. Então, o tio dele passou ele pra outro encarregado, e veio embora. Não disse nada pra ele. E ele que levou ele. Aí, ele foi pedir conta também, ele disse: não! O homem disse que ano que vem vai analisar se dá as contas dele. E ele só tá com nove meses. Mas podia dar. Que ele tá pedindo e tudo. Aí, ele ficou triste. Eu disse: não! Não, senhor! Não tem nada que ficar triste. Eu tenho um celular aqui e eu lhe consolo. A mãe dele não tem esse diálogo. Porque era pra ter um diálogo. Você ir pra igreja e botar a oração de Deus. Outro dia ela veio aqui… Parece que vem domingo. Porque ele veio, vai chegar, vamos beber, vamos passar o dia. Eu disse pra ela: ó… Ela: ah, eu tô com uma dor no estômago e isso aquilo. “Você tem que parar, você tem que olhar pra frente, não é pra trás. Para que você tem um adolescente, se você tem um adolescente hoje direitinho e tudo. Ele não gostava de tatuagem e tudo, mas como o tio tava cheio, ele foi e fez uns dois sete aqui. Eu disse: você já olhou a tatuagem que ele fez? “Não!” “Isso você tem que prestar atenção! Você tem que apoiar seu filho. Você não é só trabalhar, trabalhar… “Ah, mas eu converso…” “Você é a grade de casa. Não tem pai.” Mora com o padrasto, mas não adianta nada. “Você, é de dentro de você.” Aí, depois ele botou... “Vovó, só a Senhora mesmo para me preencher. Eu falei: meu filho, você tá trabalhando, você vai ter seu dinheiro. Ele não quer, porque ele não gosta mais de ficar desempregado. Ele fez 22 anos. Com 18 anos já estava de carteira assinada. O meu neto, do meu filho do meio. Agora, do meu mais velho, agora que fez 21 anos. Meu filho mais velho teve outro. Tenho um com 43, meu mais velho, eu tive com 17 anos. O do meio eu tive aqui. E o mais velho eu tive no hospital. O do meio eu tive aqui, fui daqui até na pista, naquela pista, mas ela não estava feita, voltei e tive em casa. Aí foram chamar uma mulher. Eu tive sozinha. Aí, meu marido…
P1 – Sozinha?
R – Hein, hein! Meu marido foi chamar uma mulher pra cortar o umbigo, quando chegou, ele já tinha nascido, o do meio. E o caçula eu tive em casa também, sozinha, que não deu tempo…
P1 - Como foi isso?
R - Que atacou a dor de noite. Eu vindo do Anjo da Guarda de pé, de receber alimentação num clube de mãe que dava. Aí, quando chegou lá na Madureira, lá onde é do Denílson lá. Eu comecei… Porque eu tinha um fato de comer arroz cru. Aí, comi arroz cru, comi. Porque eu tava com fome. Comi arroz cru. Eu digo: poxa, meu filho tá com fome também. Vinh na estrada com um pacote de arroz comendo, comendo. Quando eu cheguei lá, nessa casa, que o papai estava mais mamãe. “Mamãe, não tem um café aí?” Aí, mamãe disse: tem! “Mamãe, me da logo um café farinha, que eu tô com fome como o que. Já era… Ia dar sete horas. E o papai ainda não tinha ido pra pegar serviço. Aí, eu peguei… Aí, mamãe preparou o café, eu tomei com farinha, e eu disse: eu vou me embora, que parece que eu tô sentindo uma dor aqui nos meus quartos e tudo. Mamãe, “isso já não é pra tu parir?” Eu não sabia quando eu... Só sabia a data que eu ia parir, quando já tava assim… Um menino largou de mamar, 11 meses. Aí, eu engravidava. Por isso que eu procurei ligar. Aí, pra também tá parindo demais. E aí? Nessa vez não tinha condição. Aí, o marido, já tava de maior, já tava trabalhando. Mas ele queria também trabalhar braçal. Aí, era pescar com meus irmãos, papai.
P1 - Mas aí você parou sozinha.
R1 - Aí, me deu a dor, aí eu fiquei na rede assim, ó… Tomei só esse café com farinha lá com mamãe. Aí vim. Quando chegou umas 10 para 11 horas, a dor atacou. Aí, eu peguei lá a estrada, fui até na beira pista. Aí, uma moça, pegou e me disse, assim… Camila. “Minha filha, tu vai ficar nessa pista, que não foi nem inaugurada? Vai pra casa, ter o teu filho em casa. Aí, chama alguém. Isaura, pra ir cortar o umbigo.” Aí, as dores veio. Eu vou ter aqui! “Zé, pega esses plásticos, essa mensaba, bota aí fora, eu vou ter esse menino aí.” Aí, botou a mensaba. Eu já sabia. Aí, ele foi. “Vai chamar lá, menino! Vai chamar a mulher.” Ele ficou pra lá e pra cá, que sempre ele tem esse problema de nervoso. Ele foi chamar a mulher, chegou lá, tava bêbada. Aí, ele foi chamar a outra, o dia vinha clariando. E eu com pena do meu filho. A placenta sem querer vir. Aí, a mulher foi socar o pilão no canto da casa, não sei o quê. Foi que ela veio. Mas eu queria que ela cuidasse do meu filho. Aí, que era homem, e tudo. Aí foi. Menina, essa mulher que ele foi chamar, cortou o umbigo, agora, quando foi ontem o umbigo caiu, eu digo, pronto, esse não é meu. Vai ser pouco. O menino, ela cortou quase de manhã, quando foi de tarde, o umbigo já tinha caído. Isso não era estranho? Que o umbigo de criança custa cair. Aí, eu fiquei… Saradinho, o umbingo fundo, não deu nadinha. Porque botou a palha do tucum, a pomada foi a palha do tucum, torrada, fininha. Ela botou o pó do tucum no umbingo. Por isso que caiu.
P1 - Mas ficou tudo bem?
R - Tudo! Tudo bem, tudo bem. Tudo, tudo, tudo, tudo, tudo. Com 15 dias eu já estava quebrando o coco, de parida, fazendo, carregando água. Só ainda não estava pescando, com medo do salitre.
P2 - Carregando água?
R - Carregando água, que sempre a gente carregou água aqui. Aí, outro dia eu tava dizendo pra essa daqui, que eu vim daí, do bebedor, com a lata d'água. Aí, eu caí assim, buchuda dele. Caí aqui, escorreguei, uma lata caiu aqui, o meio dela caiu em cima, quebrou uma grana. Aí eu disse, rapaz, eu aperto e nem me dói. Ela me dói assim. Hoje ela me dói, mas não larguei de dar mama. Mas não tem nada, não! Não tem nada. Agora que eu vou resolver, quando eu tirar a minha carteira. Que agora, disse que a minha irmã marcou uma consulta, mas eu nem vou. Fazer minha carteira, tirar minha carteira, pra eu poder fazer a ultrassom da mama. Agora, eu vou ver se vai dar certo numa maré quebrada. Quando a maré tiver morta, que não vim no Porto, que não dê pra mim pescar, eu vou prestar atenção tudinho pra poder…
P1 - E hoje? O que você vai fazer, hoje?
R - Não dá mais pra pescar, que eu já vi o rapaz passar ali. Eu só vou quebrar um coco. Quebrar um coco rapidinho lá em casa, pra enterar, pra fazer um azeite. Porque a fumaça, assim, do coco, hoje, pra me torrar, eu gosto de quebrar. Mas a fumaça, ela me dá um pigarro. Eu não me dou certo com coco, com azeite de coco. Porque eu comi muito. Naquela época era tudo azeite de coco, leite de coco. Hoje eu sou doente do fígado. Se eu comer um comer... Ó, ontem, eu queria comer uma galinha no molho pardo. Eu comprei ela no dia primeiro. Aí, eu fiz ela ontem, já de noite. Comi, botei na geladeira, logo. Mas eu já não pude comer ela hoje. Porque se eu comer ela, requentar, ela faz mal pro meu fígado. Aí, eu sinto logo aquele ardor. Mas não fora de remédio que eu não tome. Mas é porque eu tô aqui, mas eu já tomei o quê? Dois comprimidos. Porque eu tô em casa, é poeira. E eu limpo tudo, é tudo coberto, mas a poeira é demais. Aí, eu fui pra ali, voltei e parecia uma dor aqui. Uma dor, uma dor. Mamãe estava no hospital. Vai fazer cinco anos, vai fazer agora no dia 20 de outubro. Menina, uma dor que eu gritava dessa dor. Eu disse: rapaz, mas eu pescava menstruada. Sempre pesquei menstruada, menstruada, menstruada, menstruada. Eu não tive menopausa. Não sei o que foi menopausa! Tanto remédio que eu fiz caseiro, que eu não sei o que foi menopausa.
P1 - Mas muitas mulheres não pescam menstruada?
R1 - Não, mas eu pescava menstruada.
P1 - Por quê?
R1 - Porque eu me acostumei. Me acostumei a pescar menstruada. Muita mulher não bebe salgado, porque diz que dá hemorragia, não sei o quê, não sei o quê. E eu não. Sempre pesquei menstruada, buchuda, buchuda. Nunca nada... Eu tô te falando, só teve lá essa adrenalina. Eu nunca… Aí, foi que eu bati uma bicha lá grandona, por dentro do computador, e a moça disse que deu uma pedra na minha bexiga. Aí, eu estava pra operar lá, já tudinho, direitinho. Aí, minha mãe tinha falecido, aí eu peguei e vim. Aí, Doutor Sebastião disse: você vai voltar. Vou lhe dar tudinho, todo o contato, você vai voltar. Eu voltei? Eu tô aqui ó. Ainda não fiz. Ela tá lá, de vez em quando ela… Mas o remédio caseiro.
P1 - O que você toma?
R - Eu tomo chá de mato. Aí, eu tomo gervão, eu tomo São Caetano, aí eu tomo uma folha de graviola. Tudo que eu sei que é bom pra isso, eu tomo. Tomo um comprimido. Eu tomar aquela Neuzaldina. A Neuzaldina, ela é boa pra tudo. Mas não me acostumo com remédio assim. Nem também, nem todo chá eu não posso tomar, porque doi meu estômago. Outro dia eu fui tomar ali um chá de erva cidreira. Eu estava sentindo uma gripe por dentro… Que eu não deixo, depois dessa pnemonia, desse negócio que teve do pulmão. Não foi uma coisa grave, foi uma pequena. Mas esse pequeno você tem que cuidar. Não deixar… Aí, eu passei a mão, peguei uma erva cidreira, bastante. Menina, assim, doeu a minha cabeça, eu fiquei com uma tontura. Meu marido tava fazendo ali uma casa para minha nora. Eu disse: e rapaz… Ele disse: ixi, tu não foi lá? Eu disse: não, porque eu fiquei bêbada aqui, com esse chá de cidreira. Eu acho que ele baixou a minha... Como é? Subiu a minha pressão. Menina, eu fiquei cega, tonta, tonta, tonta. Depois, joguei lá no mato, nunca mais. Eu tomo chá, resolve. Tomo hoje, tomo amanhã. Tomei de urucum ontem. Ontem, logo, eu tomei umas quatro vezes. Também já joguei fora. Para a vista também. Pra imunidade, ele muito bom. A semente de urucum, do corante. É assim. Eu digo pra esse daqui. Mas acho que esse daqui não se dá com esses negócios. Acho que tem muita coisa que ele não se dá. Eu trouxe esse gervão, esse mato, que ele é muito bom. Eu trouxe daqui do lado, de Imperatriz. A gente morou lá, acho que uns seis anos. Ele fazendo aquela ponte de Imperatriz, aí a gente morou lá, que ele é armador. Mas o que ele gosta de fazer é pescador, não quer se aposentar de pescador com um salário. Até hoje ainda não se aposentou, está com 60 e não se aposentou.
P1 - E quais são os seus sonhos, dona Alba?
R - Meu sonho agora? Agora eu estou até imaginando já… Sair daqui. Meu sonho é assim. Meu quarto arrumado e minha cozinha. Que minha preferência da minha casa, que eu tô fazendo ela é, sempre eu gosto, coisas arrumadas. Pra mim, é onde você relaxa, onde você faz a sua alimentação gostosa, não é? Pra você saber que está fazendo uma alimentação gostosa. É a sua cozinha… pra mim, sala, banheiro, é depois. Mas tem que ter a sala. Mas arrumado, é o seu quarto, é onde você relaxa e suspira. E sua cozinha, onde você faz a sua alimentação, tudo ali. Tem que tá arrumada. Mas tá difícil. Eu não sei... Deus é que sabe, se daqui pra dezembro eu vou. Vou passar dentro da casa, porque já secou o poço e só tem o do meu irmão, para eles trazerem água de lá, eles vão ficar dizendo… “Eu te disse pra tu ficar em casa, pra fazer tua casa em dezembro. Porque a outra estralou. Aí, os caibros estavam todos... Se eu estivesse em casa, ela tinha me matado. Deu cupim. Aí, ficou estralando, estava tudo favadiiinho. Esse daí… Mas ele tirou outros caibros e botaram nessa de taipa que eu moro. Que era de palha. Ontem eu toquei um fogo por ali, pra matar, porque tinha uma jiboia lá, que eu só vi ela tá pegando os ratos. Aí, eu botei o fogo pra ver se... Menina, eu vi o fogo pegar na casa. Eu digo: pronto, lá vem! Aí, eu fiquei! Ele: sai desse fogo, dessa fumaça. “Isso aqui não é nada!” Aí, molhei por lá. Pra não ver, porque eu vi queimar.
P1 - Sabe o que eu queria te perguntar. Quando você sabe que é a hora certa de ir pro mar?
R1 - Ah, eu sei.
P1 - Como?
R - Como? Está nas horas. Sabe como eu faço? Ó, a maré já está vazando. Tu tira uma diferença, ou que tu vê lua, ou que tu não vê, você vai tirando no horário, que a maré puxou, ou que a maré quebrou. Quando a maré passa 11 horas, 11 horas ela já puxou. Já puxou fora da quantia. Quando ela já vai para duas, duas e meia, ela já quebrou nas horas, e já quebrou… Não quebrou no tamanho, quebrou nas horas. É assim que você tem que saber. Ela já está vazando, e muito ó.
P1 - Como você sabe?
R - Ó a lua! Já está vazando muito, muito. E ela já puxou bastante.
P1 - Como que tá a lua?
R - Tá quase cheia, quase crescente, ela já puxou. Mas depois dela cheia… Agora, como é começo de mês, é começo de lua nova, é rápido pra ela ficar grandona. Aí, eu vou aproveitar essa cabeça de... Antes de chegar dia de lua, que dia de lua o peixe, a maré é grande, ele se espalha no mangue. Ao invés dele passar aqui na tua rede, ele já passou por acolá, já foi, largou tua rede aqui. Aí, tem que, você tem que saber a rotina. Às vezes, esse aqui sai pra pescar e tudo. Outra coisa, você sai, você tem que levar farinha, sal… Tá vendo? Se você não tiver um limão, mas leva um fogo. Um fogo, uns pauzinhos, uma coisa. Porque você vai sentir fome. Leva umas casquinhas de folha de mato, alguma coisa dentro. Porque se você leva sal e farinha, você tá com fome, faz uma água de sal ali, assa um peixe e come. Isso que eu disse pro moço. O moço era do Pará, e eu tava lá, num lugar lá, aí eles encalharam o barco. E ele disse que tava pra dar uma coisa. Eu vi, “Zé, lá vem um homem ali na lama.” E ele lutando pra chegar na nossa canoa, numa lama. Aí, ele... “Zé lá vem um homem.” “Será que esse homem morreu naufragado? Se alagou?” Aí, eu fiquei pensando… Não, mas ele não passa ali porque ali tem muito tubarão e tudo. “Zé, esse homem tá fugindo da polícia, de alguma coisa, de facção.” Aí ele disse: é, deixa ele chegar. Aí ele foi chegando. Quando ele chegou no berço da canoa, assim, eu tava costurando roupa. Aí, ele pegou e disse assim: ô, gente, vocês não estão se lembrando de mim? Eu disse: não, moço, se o senhor não disser quem você é… Aí, ele disse: eu sou aquele rapaz que é do Pará, e tudo. Eu disse: do Pará? Ele disse: Hein, hein! Que você estavam lá no Itaquizinho, que vocês me deram uns peixes pra nós comer e tudo. Que eu dei aquela laranja. Aí, eu digo: ah, hein, hein! Ah, sim! Se você não se identificar... Aí, eu lutei pra ele comer, ele não quis comer. Ele disse: não, eu tenho que voltar antes da maré atravessar aí nesse baixo. Eu vim aqui atrás de um fósforo, porque todo mundo tá bêbado lá, e eu não bebo, não fumo. E eu sou do Pará. E eu tô com fome. Eu disse: então o senhor vai tomar um gole de café. Porque a gente só faz de comer com maré seca, com maré cheia, ninguém faz comida. Porque o banzeiro não deixa. Aí, ele pegou e disse: não, eu vou aceitar. Aí, ele tomou o café e voltou. Aí, eu disse: eu vou olhar no celular que hora é. Aí, era umas 14:30. Minha irmã, ele chegou na beirada, ia dar umas 16h, a maré já estava enchendo. Aí, que eu olhei pra maré, o banzeiro já tava branco. Digo: Eita Zé, tome Deus, é de dá força pra esse homem chegar. Ele com a chinela na mão, ele tava todo lycra. Mas ele não sabia andar na lama. Aí, Zé disse pra ele: o Senhor não quer esperar a Maré? Ele: não, eu tenho que ir, porque eu que dirijo o barco. E eu tenho que chegar lá. Eles estão bêbados. Pra não bater. Aí, eu fiquei assim. “E o senhor vem em casa?” “Não, eu vou em casa de 6 em 6 meses. Aí, eu disse: porra, meu neto ainda tá bom. Depois que ele foi embora. Porque vem de 3 em 3 meses. E ele só de 6 em 6 meses, pra ir bem ali no Pará. Aí eu fiquei falando pra Zé. “Zé, ele pode pegar o trem. Que o trem fica lá em Paraopeba, no Pará.” Pegava o trem e ia em casa. Mas a empresa não libera, minha irmã. Aí, já outro dia ele encostou lá, pediu uns peixes lá no Itaquezinho. Cadê os peixes, tudo? Aí eu disse: lá ele vem com a lancha. Que ele faz sondagem. Aí ele veio bater, eu digo: tu presta atenção aí. Tu também já tá amassando a minha. Aí ele: cadê o peixe? Aí, ele pegou, me deu feijão preto. Aí, veio me dar arroz, não sei o que. Eu digo: rapaz, não quero, deixa isso aí! Não quero não! “Zé pega uma boia de peixe aí pra ele.” Aí, Zé pegou, deu pra ele. Porque, não moro aqui, com essas dificuldades. “Se você tiver um pouco de óleo, eu aceito.” Porque o que eu mais cois, é óleo, na minha canoa. Eu vou pra i, eu tenho que levar ao menos 20 litros. Às vezes, pra ir, é só 5 litros. Aí, às vezes, eu tenho que levar ao menos, menos, menos, 20 litros. Quando eu fui pra lá, pra ilha, eu levei 40 litros, ainda faltou. Porque o banzeiro come demais. É o banzeiro que come muito óleo. Que aquele sobe e desce. Tem que estar diminuindo e aumentando, diminuindo e aumentando. Por isso que eu gosto de viajar de manhã cedo ou vim noite. Agora de noite, meu marido está mais cego do que eu. Dois olhos, disse que de noite ele não está enxergando nada. Pronto, aí eu tenho que ficar com a lanterna na frente. Atravessa os recifes. Agora que um cara veio, um bujão preto caiu. O cara vinha de São João Batista. Quando chegou lá na Boa Razão, lá que é uma croa de pedra, bate. Diz que caiu o bujão, ele foi, maré vazando, foi assim, ó, pra pegar o bujão, a barca bateu na pedra! Ele foi… Meu irmão achou uma boia lá no Boqueirão. E os outros se salvaram. A canoa tá lá no seco, só os cascalhos, se acabando. Por causa de um bujão.
P1 - Ô dona Alba, como que vocês fazem fogo?
R1 - Ah, quando eu faço fogo, eu faço com óleo diesel. Molho um pano e faço. E deixo debaixo do vento. Porque e vap, vup. Se não virar a boca contra o vento, o carvão acaba rapidinho.
P1 - E você falou que estava costurando roupa na canoa?
R1 - Eu costuro.
P1 - Você leva a roupa para costurar?
R1 - Eu costuro. Eu costuro, roupa, costuro. Faço ______ para botar as redes. Costuro roupa, na agulha. Eu enfio a agulha certinho, sem ajuda.
P1 - E você gostaria de contar alguma coisa da sua vida, alguma história, falar de algum momento importante que eu não tenha te perguntado? Que você ache importante deixar registrado?
R - É, eu tenho um importante. A minha vontade era passear, já passeei. A minha vontade era ir em Caxias, já fui. Que eu dizia, só pra mim… Papai falava tanto, tanto. “Um dia eu vou lá.” Só comigo, na minha mente. Aí, eu queria ir nesse lugar. Eu fui. Eu disse pro meu sobrinho. Pro filho dela aqui. “Meu filho, é gostoso, tem muito peixe, você sobe na vida. Mas fica em terra. Fica em terra. É mais seguro. Eu vi muita gente, assim, eu vi um rapaz, que foi tirar… Ele veio com o caranguejo, e tava longe, ó, gritando com o cofo de caranguejo. E muito tubarão dentro das raíz, pra comer ele. Aí, eu fiquei triste. Aí, eu disse: Zé, vamos lá! Ele disse: esses rapazes têm que ir, têm que buscar eles. Porque se eles não vão buscar, tu filma eles, nós vamos entregar eles. Aí, eles sem querer, botaram a canoa dentro do mangue, porque o igarapé já tinha terminado. E tava o mangue, e a maré bruta. E ele com o cofo. Esse primeiro… Era dois cofos de caranguejo. Um, era pra canoa. E o outro era dele. Aí, o rapaz pegou e disse pra mim, “Rapaz, e agora?” Chicó, o nome do senhor. “Poxa, Chicó, vamos lá. Vamos lá, vamos embora.” Eu disse: vem cá, Chicó, o que que tá empatando? Tu quer amarra pra tua canoa? Vem aqui que eu te dou. Que sempre tem a mais. Eu tenho corda na minha canoa de sobra. Ele disse: não, é porque minha canoa tá fraca. A canoa dele fraca mesmo. Eu disse: é, Iemanjá tá segurando. Você via as tábuas, assim ó, com brecha de fora. “Não pode ir nesse mangueiro aí, que se bater nesse mangueiro as brechas…” Aí, vai ser pior pra ele. Aí, eu disse: mas o senhor vai ter que ir lá, né? Aí, Zé disse: rapaz, tu tá te metendo em conversa de homem. Eu disse: não, eu vou me meter mesmo, porque é bem um pai de família. Aí, tinha um rapaz lá, novo. Aí disse: senhora, a gente já veio umas dez vezes, mas a gente não vem mais, porque eles estão sendo ruins com a gente. Nós gostamos da nossa profissão, mas não vem. Aí eu quis, assim, ficar assim. Eu disse: Zé, bora levar eles. Aí, Zé disse: não posso tomar a atitude dos outros, eles têm que escolher, se eles aceitarem. Nós levamos. Mas eu vou lhe dizer, eu fiquei… E o outro… É que eu queria ser alguma coisa na vida. Eu queria ser alguma coisa. Assim, estudar para mim ser alguma coisa mal. Mal, pra quem fez mal para mim. Como essa menina, brigou, por causa desse pedaço lá que ela não mora. Ela ia me pagar de que jeito hoje? Como eu tô viva. Na justiça. Se eu fosse alguma coisa, ela ia me pagar sim! Porque a morte não adianta. A morte, morreu, acabou. Acabou. Você não sofreu. Tem que ficar vivo. Olha, tem um rapaz no Anjo da Guarda, que a sogra dele, cortou o umbigo do meu filho. Do meu filho caçula, que eu tive em casa. A mulher dele não quis mais ele, que ele era mau. Então, ele matou ela, nesse mato do São Raimundo, só de pesada, estrangulou, chutou, fez tudo. Aí, ele foi preso, nessa época. Luiz Moura, não achou, mas…
P1 - Quem é esse?
R - Um rapaz do Anjo da Guarda. Antiga essa é a história. Em 1985. Aí, o que ele fez? Hoje… Ele foi preso, foi julgado, foi tudinho. Mas você vê, como do lado que ele matou a mulher dele, virou uma ferida, a coisa mais feia do mundo, do lado direito. O que ele fez? Ele anda se arrastando numa cadeira de rodas. Ele ficou gordo, nem aguenta as muletas. Porque as outras pernas estão inchando. Eu, quando era moça, vendia Siri pro irmão dele. Quando eu era moça. Uma moça ali conhece. Aí, ela tava me contando. Ele está pagando vivo. E, assim como aquela ali. Hoje ela fez conta do que era dela ali, porque eles moravam lá, e eu não podia pescar na porta dela, que ela ia me bater, eu batia nela. E eles iam dizer pra papai, e papai me batia. Não era pra ela estar na justiça hoje? Era. Mas eu passo por ela, ainda olho pra ela assim, ó! Olho, olho mesmo. Ela nunca me diz nada. Ela já falou com o meu marido. E ela fala com o meu marido. Eu não proíbo não, não proíbo. Ficar falando. Agora, falar comigo... Falar comigo? Se ela falar comigo, eu não sei nem o que seria! Pois é! Mas não perdoo. Eu não perdoo, porque ela não vai ser enterrada lá. Ela já deu meia volta no mundo e tá ali. Uma vez o filho dela, com outro, deu umas pedradas no meu marido, pegou nas pernas e tudo. Eu fui na delegacia, fiz a ocorrência, mandei meu marido pra fazer o corpo de delito, e tudo. Meu marido, “não, larga isso de mão.”
Aí, disse que ela veio atrás ali, depois sumiu. Porque eu gosto assim, você sabe? Tu sabe? Diz pra mim. Pessoalmente. Mas não vem rodeando, que não adianta. Quero ver, quero que diga. Direto. Tem que ser... não é por tamanho. Tamanho não é documento. É coragem.
P1 - Dona Alba, antes da gente terminar...
R - Estudar, estudar pra ser alguma coisa. Era isso que eu queria. Mas não quero mais!
P1 - Você já é muita coisa!
R - Não quero mais.
P1 - Não quer mais?
R - Não. Não quero mais por causa do meu olho. Meu filho sempre me diz: mamãe, era pra senhora aprender a ler, a senhora não aprendeu porque não quis. Porque pra quê que tem... “A senhora já não tem um celular?” Ele fica falando. Não, porque eu sabia tirar dinheiro, assim, digitar, tudo, tudo, tudo. Mas depois que eu fui perdendo os meus filhos e tudo, depois do acidente, aí eu fui esquecendo. Já esqueci a metade. Só que eu não posso, como eu digo, não posso me entregar. Aí, minha adrenalina é na maré. Já fui esse mês, dia primeiro já passei lá no Homem da Pesca Companhia. “Cadê as redes?” Ele disse: ainda não tá barato, no atacado. Quando eu venho, eu já trago linha, eu trago tudo. É, porque é o que eu gosto. Ainda vou quebrar um coco. Agora só dá para quebrar coco.
P1 - Quando você vai entrar no mar, você tem algum ritual? Pede alguma proteção?
R1 - Ah, não. Eu só me benzo. É só isso. Não tenho não.
P1 - E você gostaria de deixar alguma mensagem para os mais novos que estão pescando aí?
R1 - É, só quero que… Ontem… Ontem foi o primeiro. Teve um menino, eu fui comprar uma farinha, gosto de comprar uma farinha boa. Aí, o menino me disse que ele era pescador do Boqueirão. Aí, eu perguntei para ele: como você é pescador? Ele disse: eu pesco com os meninos. Ele teimando com uma moça mais velha. Aí, eu disse assim: como você é pescador, adolescente? Ele disse assim: eu sou pescador. Eu sou! Eu disse: como? Você pescou com seu pai, com sua mãe, com quem? Ele disse: não, eu vou com os meninos arrastar camarão. Eu disse: então você não é pescador. Você é só por influência que você vai. Você não exerce a função. Você tem que fazer… Quando eu vou por aí, eu vejo muito adolescente pescando. Os pais vêm numa canoa, que vem assim, o banzeiro, eles vem trazer eles para o colégio, aqui no Porto Grande. Mas eles vão para lá pescar. Aí, eu digo assim: Zé, aqui ainda tem negócio de escravo, de adolescente, de crianças. Porque os pais, era para fazer um jeito de ter um cantinho em algum lugar. Do outro lado daquela baía e tudo. Não, aí passa aquelas mulheres com aquelas meninas, naquelas canoas. Eu me preocupo. Porque como vai ser a vida desse adolescente, vai ser pescador, no fim, né? Uma moça me disse, lá do Jacamim, que os dela tudinho, não estudaram. Tudo são pescador. E tá entrando os bisnetos. Eu fiquei, poxa, por que tu não estudou? De lá é perto da Estiva, por que tu não deixa eles irem de canoa por dentro do rio, pro colégio? Ela disse: mas tem uns que vão! Eu disse: você não era pra ter feito isso. Eu disse pra ela. Aí, ela disse: não, isso de estudar, é de menos, basta você saber, não tem necessidade de sair daqui. Eu disse: é isso que tu pensa! Quando foi um tempo desse aí, minha cunhada disse que teve uma reunião, que lá já era da Ponte_____, eles tão dizendo que é deles. Eu não sei como que chegou, disse que foi Roseana que botou energia lá. Porque minha irmã, o lugar é cruel.
P1 - E dona Alba, como foi pra senhora contar, lembrar de todas essas histórias e contar aqui pra gente?
R - Porque eu tenho na mente, muita. Muitas, não, mas a metade eu tenho. Tem vezes que eu fico me procurando assim. Porque eu durmo cedo. Pode estar na maré, pode não estar. Eu durmo cedo. Mas eu tenho, assim... Se tiver na hora de despescar a rede, eu acordo certinho. “Zé, tu já encheu as vasilhas pra se banhar?” Quando eu vim reparar a rede. Aí, ele disse: já! Às vezes, ele já levantou primeiro. Aí, eu fico aqui deitada porque eu tenho receio de pegar o sereno de 2 horas. Eu tenho que amarrar a minha cabeça. Eu tenho muito medo de AVC.
P1 - Por quê?
R1 - Porque o AVC, ele, se você...
P1 - Não, mas pega AVC?
R1 – Às vezes, pega. O meu marido já teve duas vezes. Se você não se cuidar, o sereno da madrugada, ele é muito forte. Aí, eu tenho uma lona, a gente bota… Que agora tenho uma lona. Eu boto uma lona, aí eu deixo o corpo esfriar, aí eu levanto, amarro a minha cabeça e levanto. Mas eu tomo pílula contra, durante cinco dias, dentro da maré. Aí, suspendo. Aí, no outro mês, passa esse mês, no outro, eu torno tomar. Porque já tive muito baque na cabeça. Aí, eu fico com receio. Minha mãe não teve. Mas tinha. E agora já aparece pressão. Mas não tomo remédio. Porque se você sabe de uma coisa… É pra mim comer salgado, então, eu como salgado, um pouquinho. É salgado pra pressão? Então, é salgado. Os dois são com problema, depende de sal, então é de sal. Ele não gosta muito sal. Mas muito salgado também…
P1 - Querida, muito obrigada. Foi muito gostoso ouvir suas histórias. E se a gente puder agora fazer umas imagens suas. Você vai quebrar coco na sua casa?
R - Eu vou.
P1 - A gente pode ver um pouquinho?
R - Pode.
P1 - É? E fazer umas imagens da senhora lá? Então vamos?
R - Vamos. Eu não sei se esse Cam tem coco aí. Mas o machado dele não tá aí.
P1 - Ah, vamos ver então.
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