Entrevista de Frankstone Vieira Dantas (Toninho)
Entrevistado por Jeanne Cunha Ramos e Samara Vitória Borges dos Santos
Maceió, 15 de junho de 2025
Projeto Memórias que não afundam
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0:55 (P1) - Obrigada! Toninho, me fala o seu nome, local e data de nascimento?
R - Frankstone Vieira Dantas. Local? Que local você quer saber?
(P1) De nascimento.
R - Arapiraca, dia 13 de abril de 1971.
1:22 (P1) - Qual o nome dos seus pais?
R - Francisco Vieira Santos e Valdeci Dantas.
1:30 (P1) - No que seus pais trabalhavam?
R - Pai era bancário e minha mãe professora.
1:38 (P1) - Como você descreve a sua mãe e seu pai?
R - Acho que era um pessoas além do tempo deles. Está entendendo? Tinham ensinamento e ao mesmo tempo deixavam os filhos em liberdade. Eu descrevo assim, dessa forma.
2:00 (P1) - E como eles se conheceram, você sabe?
R - Eles são penedenses, nasceram em Penedo e se conheceram lá. O meu pai ia ser padre, estudou 12 anos, seminário, aquelas coisas todas para ser padre, e quando saiu conheceu minha mãe, lá em Penedo mesmo. E foi assim.
2:21 (P1) - E você tem irmãos? Quantos?
R - Tenho irmãos, três irmãos.
(P1) - E o nome deles?
R - O Frankivaldo é mais velho, a Francineide faleceu esse ano, minha irmã. E Fredfrankison, que é o mais novo. Esses são os irmãos de mãe e pai. E tem uma irmã por parte de pai, que é a Marieta.
2:50 (P1) - E você sabe o motivo dos nomes parecidos, o começo dos nomes?
R - Cara, eles queriam fazer uma fusão dos nomes de família, de parentes deles mesmos. Por exemplo, Frankivaldo é a fusão do Francisco com Valdeci, botaram Frankivaldo. Francineide e de Francisco com Leide. E Frankistone seria Francisco com Antônio. Meu nome ia se chamar Frankistonio. Já pensou? Aí, a minha mãe: não, bota Frankistone. Aí, ficou Frankistone. Ainda teve os gêmeos, que era o Frankineves e o Frankinilton, e eles faleceram recém nascidos. E o Fredifranquison, que é o caçula.
3:32 (P1) - E vocês nasceram todos em Penedo?
R - Não, os meus irmãos Fanquinho, Frankivaldo e a Leidinha, que é Francileide nasceram em Propriá, Sergipe. E o Fred, nasceu em Maceió, e eu nasci em Arapiraca. Já os gêmeos nasceram em Maceió também.
3:55 (P1) - E vocês vieram para cá, para Maceió, quando?
R - A gente, no caso, a gente… Eu morava em Arapiraca com eles, aí a gente foi para Maceió no final de 74, de 1974. E a gente foi para Cambona, foi morar no bairro da Cambona, de aluguel. E depois meu pai conseguiu comprar essa casa num Pinheiro, e a gente se mudou, já no começo de 1976.
4:25 (P1) - Voltando um pouco, antes de seus pais, eram de Penedo, e depois casaram lá.
R - Casaram no colégio, no caso, em Porto Real do Colégio.
(P1) - E você sabe a origem mesmo da sua família?
R - Então, a maioria é de Penedo, tanto por parte de pai, como parte de mãe. Os pais dos meus pais eram de Penedo e os pais da minha mãe também de Penedo. E ali, ficavam naquela fronteira, de Sergipe e Alagoas, dentro do Propriá, que é de Sergipe, também tinha Neópolis, também de Sergipe, e Penedo do lado de cá, tinha Piaçabuçu, essas cidades assim.
5:14 (P1) - Então vocês vieram morar em Pinheiro. Assim, que saíram do interior, seu pai…
R - Não, aí foram para Cambona, no bairro da Cambona, aqui em Maceió.
(P1) - E como era a relação sua com os seus irmãos, com seus pais, aqui em Maceió?
R - Sempre uma família unida. Eu sempre considerei uma família unida.
5:37 (P1) - E quanto que você depois saiu do Cambona? Vocês ficaram lá quanto tempo?
R - Lembro algumas coisas. Acho que a gente ficou entre 6 a 7 meses lá na Cambona. E aí, se mudou para o Pinheiro.
5:55 (P1) - Você tinha quantos anos?
R - Cinco anos.
(P1) - E como foi a chegada no Pinheiro para você?
R - Novidade, porque não tinha ainda estradas asfaltadas, não tinha praça, não tinha nada disso, era mais o mato, rua de barro. Tinha já os prédios que era do Conjunto Jardim Acácia, e as casas, que naquela época eram as casas, primeiro da família Breda, que tinha, depois virou da Cohab, parece que a Cohab comprou. Mas aí continuaram vendendo as casas. Meu pai já tinha comprado a dele.
6:32 (P1) - Então, você viu o Pinheiro crescer?
R - É, de certa forma sim.
(P1) - E como era lá a brincadeira com seus irmãos? As suas brincadeiras, na época?
R - Brincadeiras de rua mesmo, pega pega, jogar bola, se esconder, essas brincadeiras.
6:50 (P1) - E a vizinhança, quando você chegou? Demorou muito pra fazer amizade com outras crianças?
R - Pois é, quando a gente veio morar tinha só a gente, do lado de cá da casa tinha os prédios, o pessoal dos prédios. Depois veio chegando gente também. Porque eram casas novas que estavam sendo vendidas. E aí, foram chegando os vizinhos um pouco tempo depois.
7:17 (P1) - Então, a casa que o seu pai comprou era de conjunto?
R - Era de conjunto, exatamente.
(P1) - Então, já tinha outros moradores?
R - Não tinha, tanto é que ele escolheu a da esquina. Aí, foram chegando, mas foram rápidos, assim, questão de semanas, meses, foram chegando os novos vizinhos.
7:34 (P1) - E a sua infância lá, você já tinha sonhos? Já pensava no que queria fazer?
R - Eu acho que como todo filho homem, queria ser jogador de futebol. Mas não deu para ser jogador de futebol. Então, veio a música também, né? Já na infância veio a música. Tanto é que quando eu morava na Cambona, o primeiro show que eu assisti na vida foi o Luiz Gonzaga. Tive essa dádiva de assistir o show do Luiz Gonzaga, em plena Praça dos Martírios, que era perto ali da Cambona, e perto da nossa casa. Que a nossa casa ficava perto do Sesi, o Sesi lá da Cambona.
8:20 (P1) - E como foi essa experiência de assistir um show? Você tinha quantos anos?
R - Cinco anos. Foi incrível porque parecia, sei lá, uma romaria, veio ônibus de várias cidades do interior, para poder… Porque o Luiz Gonzaga era um ícone, né? Tanto é que eu me lembro que o meu pai me botou nas costas, para poder ficar vendo, porque era criança, né. E foi assim. A praça lotada, topada de gente, não tinha mais lugar para ninguém ali.
8:52 (P1) - E no caso, para estudar, você começou a estudar aonde? Você e seus irmãos.
R - O pré escolar eu fiz ainda no Dom Vital, que era perto da Centenário, e depois eu consegui… por conta da idade, eu consegui entrar no Jardim já no CEPA [Complexo Educacional de Pesquisa e Assistência]. Pronto, aí do CEPA eu fui do jardim até o segundo grau, que é o ensino médio.
9:23 (P1) - E você lembra as pessoas que foram marcantes para você na escola, professor?
R - Eu lembro da primeira professora no Jardim, que era a Benedita, eu lembro bem dela também.
9:39 (P1) - E você tem alguma história marcante dessa época de escola?
R - Não, eu fui um aluno, como é que se diz? Quieto. Era aquele aluno que tentava aprender realmente. Tinha muita bagaceira dos pivetes, mas eu não estava nessa bagaceira não. Acho que era por conta também dos meus pais, eles ensinavam. “Fique quieto, não vá fazer bagaceira, bagunça.” Era só estudar mesmo, me concentrava pra poder entender os assuntos, das coisas.
10:08 (P1) - E como era o percurso da sua casa para a escola?
R - Logo no começo, como eu era pequeno, aí ia primos, os primos maiores levava a gente, irmã, a minha irmã mesmo, ela me levava. E eu acho que dava uma faixa de cinco ou seis minutos caminhando. Era perto do CEPA.
10:27 (P1) - E você terminou lá?
R - Terminei lá.
10:32 (P1) - E como foi a sua juventude? Sua adolescência?
R - Tudo muito bem saudável. Eu até comentei com uns amigos da época, que a nossa época foi uma época feliz, vamos dizer assim. Que a gente podia ficar na rua, não tinha medo de ser assaltado, não tinha esse negócio, quando alguém dizia que ia assaltar a gente chamava de trombadinha, carteirinha, sei lá! Bate carteira, alguma coisa assim. Ninguém chegava armado para dizer: “É um assalto!” Então, era uma infância feliz, a gente podia brincar, saia na chuva, jogava bola até de noite, soltava pipa, papagaio, sei lá como chama hoje em dia. Ouvia música, os discos, fitas cassete, essas coisas.
11:14 (P1) - Quer falar mais um pouco sobre essa parte da juventude, de como era já o bairro que você estava morando? Porque você chegou com cinco anos.
R - Pois é! Então, aí era tudo de barro, as ruas, servia pra gente jogar bola, porque também pra passar um carro, demorava um ano pra passar um carro por ali, dava pra jogar tranquilamente, correr, brincar de se esconder, de tudo, de todo tipo, de bicicleta. Enfim, foi uma infância muito feliz. Infância e juventude junto.
11:49 (P1) - E nesse tempo, como é que estava o bairro? O que ele tinha?
R - Ele estava crescendo, exatamente. Já tinha uma padaria na frente, já tinha um projeto de fazer a praça em frente a nossa casa, que ia valorizar bastante a casa. Tinha o projeto de asfaltar, porque tinha a rua de cá, ia ter a praça no meio, a rua de lá para chegar na padaria. Aí, já tinha uma farmácia já próxima, ponto de ônibus também próximo. Estava crescendo o bairro. Isso nos anos 70.
12:18 (P1) - E pra você ver isso tudo, o bairro crescer. Como era a sua amizade, já tinha bastante amigos?
R - A gente se torna família, porque todos os dias vendo as mesmas pessoas, aí vira uma família, os vizinhos já se torna uma família. Era um tempo que a gente entrava na casa dos outros tranquilamente, chegava já entrando. “Cadê fulano?” Já estava no quarto. “Vai lá no quarto. Almoça aqui hoje, rapaz.” Aí, almoçava lá, tomava café lá, essas coisas. Era como se fosse família. “Vamos dormir lá em casa hoje?” Pronto, dormia.
12:53 (P1) - E nessa época você já namorava? O que você fazia com seus amigos?
R - No final da adolescência que eu comecei a namorar, tinha namorada.
(P1) E gostava de fazer mais o que com seus amigos na rua?
R - Ai, começou as festinhas, pra dançar, chamar as meninas pra dançar, essas coisas. Tinha muita. Aquele negócio de assalto também. “Vamos organizar um assalto aqui.” Assalto pra quem não sabe, cada um levava uma coisa, leva salgado, doce, leva bebida, e tem o som lá, e alguém oferece a casa: “Eu ofereço a casa, vocês trazem as coisas.”
13:34 (P1) - E depois que você terminou o colégio, já na fase adulta?
R - Antes de terminar, eu já estava apaixonado pelo rock'n roll, que era música. E aí, eu já tinha determinado, eu só vou fazer o ensino médio, terminou eu já parto para a música, seja lá o que for. Seja lá o que der.
13:58 (P1) - E como foi que entrou a música pra você?
R - A minha irmã, ela ganhou um disco da Rita Lee num programa de televisão. Ela foi leva uns tipo… Como é que pode chamar hoje em dia? Enfim, uma cesta básica, vamos dizer assim, pra doar. Eu acho que era aquele lance da criança, não era ainda Criança Esperança, era alguma coisa criança para doar para a Rede Globo, mas aqui tinha a TV Gazeta. E quando ela foi doar, ela recebeu o disco. “Você ganhou um disco.” Como se fosse um brinde. Aí, chegou em casa, ouvi aquele disco, me encantou. Digo, puxa, isso aí é sensacional. Que era o disco Babilônia, da Rita Lee. Aí, daquilo ali pra frente eu não consegui mais parar de ouvir aquilo ali, ficou uma coisa viciante.
(P1) Só você?
R - Só era eu. Ela gostava também, mas ela gostava de diversos artistas, Maria Bethânia, Caetano Veloso. Eu não, só estava querendo naquele estilo. Isso aqui que é bom, aquele negócio de violão, essas coisas não dá não pra mim.
15:09 (P1) - E depois, quando você descobriu a Rita Lee, o que foi que você…
R - Aí, começava a fazer show no quintal. “Vamos fazer os nossos shows também no quintal.” Eu e o meu primo Vinícius, que tinha chegado da Bahia, passou uns tempos lá. “Vamos montar, rapaz!” Aí, montava lá as bateria de lata e começava a fazer o show. E a garotada ia, da vizinhança pra assistir o nosso show lá de quintal. Tanto é que a gente passou a fazer shows nos quintais dos outros também. Já era uma turnê, tá vendo. O pessoal: “Vamos fazer show lá no quintal de casa também, rapaz!” [risos] A gente levava o material todinho pra fazer o show lá.
15:46 (P1) - Isso foi da adolescência até…
R - Da infância até… Já foi por aí. Por isso que eu tinha esse projeto, de quando terminar o ensino médio, não fazer mais nada, a não ser se dedicar a música.
(P1) - E quando isso aconteceu?
R - Quando eu terminei, aí a banda já estava em andamento também, e eu fui me dedicar à música, fui fazer isso. Claro que tinha os trabalhos paralelos pra entrar um dinheiro, porque a música em si não entra dinheiro.
16:19(P1) - Então, fale da sua banda!
R - Então, aí a gente desde criança, o nome da banda, já era Morcegos. Eu estava na porta de casa, aí vi no por do sol assim, uma revoada de morcegos. Eu digo: pô, um nome interessante, bem assim, obscuro. Aí, eu falei com a galera: vamos botar o nome Morcegos? “Bora! Morcegos ta massa!” Aí, ficou Morcegos. E até hoje é Morcegos.
(P1) - Qual o estilo?
R - Metal, metal pesado. Tem isso também, a gente não queria um rockzinho assim, a gente queria um rock barulhento, pesadão.
17:00 (P1) - E vocês faziam, claro, shows?
R - Sim, aí passou a ensaiar em casa, comprou os primeiros instrumentos, porque não tinha instrumentos ainda. A gente fazia shows onde chamasse a gente. Naquela época tinha as cartas, a gente se correspondia bastante, era a nossa internet, era as cartas manuscritas, botar no correio, botar com selo e tudo mais, esperar as respostas. Demorava dois meses para chegar uma resposta, mas chegava. Pra gente, incrível, pra gente não tinha essa dimensão de tempo, naquele tempo. Passar um ano, era uma coisa nova. “Foi um ano atrás.” “Então, é novo.” Tipo assim. Está entendendo? E aí, foi surgindo os convites pra gente fazer shows, tanto em Maceió como fora de Maceió, como fora do estado também.
17:51 (P2) - Toninho, conta pra gente como foi a sensação do primeiro show profissional de vocês? E como foi?
R - É um registro histórico, né? Porque a gente fez num local chamado Abrantes, que era na Rua Abrantes, lá no bairro de Chã da Jaqueira. E foi um show assim, memorável. Porque tocou a gente, uma banda punk, que na verdade, naquela época, punk e metal não se davam bem, e a gente não tinha isso, a gente já se dava bem com os punk, que era o Leprosário, o nome da banda. E foi um show muito agradável, porque o pessoal que foi assistir já acompanhava os ensaios, então já sabia as músicas, já sabia de tudo que ia rolar. Então, foi um show agradável. Agora, no final do show, como era uma casa de reggae, era uma discoteca de reggae, tinha um público de reggae já chegando pra assistir o show de reggae, não tava gostando daquela barulheira não. Então, quando a gente saiu, jogaram pedra na gente. Não o público que foi assistir a gente, mas o que estava do lado de fora para assistir… E a sorte foi a caminhonete do nosso baterista, do Alexandre, que todo mundo pulou em cima da caminhonete e foi embora. Mas o show em si, foi sensacional, foi muito bom mesmo.
19:16 (P1) - Me fala das cartas que você falou que fazia. Era pra quem essas cartas?
R - Pra divulgar o nome da banda em si, e tentar vender… Que era em fita cassete, as demo tapes, pra fazer a divulgação, pra galera conhecer. Já que o som que a gente fazia, era difícil de tocar em rádio ou de alguma gravadora contratar, estava tudo começando. Pra situar a coisa, você vê uma banda chamada Sepultura, é o estilo que a gente fazia também, tá entendendo? Mas eles já eram de Minas Gerais, daquele eixo Rio, São Paulo, Minas, lá tinha gravadora, essas coisas, quem era do Nordeste, afastado, era muito mais difícil. Então, a gente era através de cartas, as outras regiões também, os caras também entravam nessa. E chegava até combinar de fazer shows. “A gente paga as suas passagens.” Às vezes, a gente viajava dois dias de ônibus pra fazer um show. Aconteceu várias vezes. “Vocês vão tocar em Belém.” Vamos tocar em Belém.” Dois dias de show, tocava em Belém, voltava. Era assim, foi assim.
20:23 (P1) - Quer dizer, então, que você chegou a conhecer o Brasil fazendo shows?
R - Sim, verdade isso. Foram 80 cidades, em quatro regiões. A gente só não tocou no Centro-Oeste, até agora. Não tocamos em Brasília, por exemplo.
20:39 (P1) - E você disse que fazia também uns trabalhos extras. E o que seria?
R - Vendia cachorro quente. Fui sorveteiro. Trabalhava em banca de revista, hoje não existe mais banca de revista. Que mais eu posso dizer? Vender fogos no tempo do São João. Essas coisas. Era bico que a gente chamava. Até aquele lance, hoje em dia é Alagoas dá Sorte, mas antes era Poupa Ganha. Ficava balançando a bandeirinha o dia todo, Poupa Ganha, ali na Fernandes Lima, pra ganhar um trocado. E assim foi.
21:14 (P1) - Aí, você ainda morando no Pinheiro? Como era a sua casa?
R - Casa boa. E foi crescendo também a casa, porque meu pai fez um primeiro andar na casa, aí ele já fez quartos lá em cima também. Uma casa agradável, muito boa, de esquina. Casa que a gente podia botar as cadeiras na porta e ficar até de madrugada tranquilo, conversando. A minha mãe mesmo gostava disso, de ficar ali na porta. Os vizinhos vinha, sentava também, conversava. Muito agradável mesmo. Por exemplo, a minha mãe foi embora e ela nunca viu um assalto ali no nosso bairro. Mais de 40 anos que ela viveu lá e nunca teve.
22:02 (P1) - Você nos falou que quando você chegou, a praça demorou um pouco, mas estava em construção. Quando ela terminou de ser construída? Você lembra da inauguração, como que aconteceu?
R - Sim, eu lembro sim. Botaram, tipo um monumento de cimento, dizendo o porquê da praça e tudo mais, e veio o prefeito da época, para inaugurar. E também as ruas já estavam asfaltadas, quando inauguraram a praça, foi em 1985 que inauguraram a Praça. Então, tá na memória. Teve brincadeiras, teve brindes, brinquedos para os meninos, essas coisas.
22:51 (P1) - Você chegou a tocar lá na praça?
R - Tocamos algumas vezes na praça.
(P1) - E como foi?
R - As primeiras vezes, a gente mesmo botava as caixas de som da gente, puxava a energia lá de casa e fazia o show na praça. Já as últimas vezes, não, foi com uma estrutura melhor, profissional. Mas tocamos sim.
23:13 (P1) - Na época que aconteceu o tremor, vocês lembram onde estava? Para você, o que foi as primeiras informações?
R - A gente estava fazendo um show em Palmeira dos Índios. E a esposa do baterista, que também tinha ido, recebeu um telefonema da filha. Disse: “Mamãe, tremeu tudo aqui, que a cama saiu do lugar e bateu na parede.” A gente: “Nossa Senhora, em nosso bairro, um terremoto. Como é que é isso?” A gente ficou sem entender. Eu lembro até que a Mércia, que é a esposa do Orlando, do baterista, ficou querendo voltar naquela mesma hora. “Vamos voltar, porque o que aconteceu? Se der um desse de novo?” Então, a gente ficou assim, meio apavorado, porque foi uma notícia que chocou a gente. E depois da filha dela, outras pessoas começaram a comentar também. “Olha, tremeu tudo aqui que rachou.” Teve lugares que rachou na mesma hora. Eu digo: “porra, o negócio foi sério”. Até que a gente descobrisse o que foi, foi complicado.
24:21 (P1) - E quais as informações que chegaram para você? Do que se tratava esse tremor? R - Então, aí começaram a vir pesquisadores para entender. Porque terremoto não era. Era algo causado por alguma coisa. Aí, foi muita especulações até chegar à conclusão que era de uma mineradora, que tinha causado as rachaduras, o tremor, e por conta disso, as rachaduras que já existiam… E até bom essa parte, por exemplo, essas rachaduras… O tremor foi em 2018, mas desde, sei lá, 2013, a gente já via rachaduras lá no bairro e lá em casa também. A minha mãe mesmo mandava o pedreiro ajeitar as rachaduras, pensando que era raiz de uma árvore que tinha do lado de fora. “Eu acho que é a raiz, tá rachando aqui.” E depois foi ver que era isso. Tanto é que ela dizia: “Rapaz, você ajeitou isso aqui, dois meses atrás, já está rachando de novo, você não está fazendo um bom serviço.” Mas não era culpa do cara, o bairro estava se abrindo, sei lá, alguma coisa ali estava em movimento, o tempo todo, por isso que dava rachadura.
25:39 (P1) - E no caso, quando foi que você viu que era sério, que vocês iam precisar sair, se retirar?
R - O prédio ao lado da gente, que era o bloco 15, já tinha dado sinais de afundamento, já tinha afundado questão de 15 a 20 centímetros, e os técnicos iam lá… Mas ninguém falava… Não tinha tido ainda o tremor, e ninguém falava nem de mineradora. “Esse prédio aqui deve ser problema do solo.” Tanto é que eles conseguiram, entraram na justiça para reformar o prédio, aí fizeram a reforma do prédio. Mas não era esse o problema, o problema já era da mineradora. Entendeu? E o prédio tinha afundado cada vez mais. Tava, sei lá, 50 centímetros pra baixo, entendeu? E era tudo da mineradora. E quando eu senti que estava sério mesmo, quando chegou à conclusão de que disseram: “Foi causado pela mineradora, o bairro está afundando, vocês vão ter que sair.” Aí, eu vi que a coisa era séria.
25:53 (P1) - Chegou pra você eles, os técnicos, ou você…
R - Defesa Civil. A Defesa Civil, que chegou avisando. “Vocês vão ter que sair porque o bairro está afundando. Estamos em estado de emergência.” Foi isso que eles disseram.
(P1) - E como foi você e sua família ouvir isso?
R - Foi um choque. A minha irmã mesmo, nem esperou, ela mesmo se mudou por conta própria, ela foi logo embora. Eu fui o último a sair. Já tinha saído os prédios tudinho, já tinha tirado a energia dos prédios. Mas eu fiquei lá. Digo, eu só saio daqui amarrado, não vou sair do meu bairro de jeito nenhum. Tanto é que veio a Defesa Civil, com caminhão, pra me retirar, fui expulso do bairro.
27:32 (P1) - E para onde você foi?
R - Eu fui para o próprio bairro, eu fui para o Mutange. No Mutante ninguém está sendo retirado, vou ficar por aqui, porque aqui eu conheço os mercadinhos, as farmácias, sei onde é as padarias. Aqui eu conheço todo mundo. Aí, fiquei lá no Mutange.
27:54 (P1) - Toninho, você viu o bairro crescer. É como foi pra você ver todo mundo sair e ver o bairro…
R - É uma coisa assim, surreal, porque a gente nem acredita no que está vendo. O Seu Antônio, Dona Terezinha, Seu Feitosa, Dona Nelma, os vizinhos, a dona Zezé, o seu Cícero, Dona Manza. Para onde vai esse pessoal? Casas enormes, gigantes, que eles tinham feito. A nossa casa tinha mais de 5 quartos, 5 banheiros, enorme. Vai pra onde esse pessoal, se Maceió está toda tomada? Não vai mais pra lugar nenhum, tá entendendo? Numa moradia boa dessa, como é que a gente vai? Foi terrível.
28:44 (P1) - Você acabou de citar muitas pessoas. Você ainda mantém contato com algumas ou não?
R - Alguma sim, mantenho contato sim.
28:54 (P1) - Me fala um pouco sobre a busca por reparação. Você se juntou a algum projeto, participou de algum protesto ou não?
R - Só o advogado, que é meu amigo também, o Júlio Afonso, o Doutor Júlio Afonso, que ele disse: “Vamos recorrer para tentar danos morais, um preço mais justo.” Porque a gente foi aceitando tudo que a mineradora ofereceu, porque era uma emergência. Tanto é que quando eu fui morar no Mutange, quatro meses depois disseram: “Você vai ter que sair daqui porque também está em risco.”
29:40 (P1) - E como foi isso? Você tem que sair de novo?
R - De novo. Foi terrível. Aí, eu disse: agora eu vou para a parte de baixo. Porque eu fiquei traumatizado com a parte alta da cidade. Aí, fui morar de aluguel no Poço, que a própria mineradora pagava o aluguel, dava um dinheiro para a gente pagar o aluguel, que era o aluguel social. E fiquei no Poço até que saísse a indenização para a gente comprar a própria casa. Foi assim.
30:08 - Você nos contou um pouco antes, que você foi um dos últimos a sair. Você sentiu algum impacto, demora em reparar alguma coisa? Os impactos, como é que foi?
R - Não, cada pessoa ia dizendo: “Eu já fui indenizada.” Tanto é que no nosso caso, tinha que estar com as casas em dias, não tinha que estar devendo IPTU, essas coisas. Digo: “oxente, a gente precisa quitar uma coisa pra eles indenizarem a gente?” Eu achei errado isso aí. Porque indenização, é indenização. Ali está comprando o nosso imóvel, por um preço totalmente diferente, inferior ao que ele valia.
30:54 (P1) - Então, você, moravam, os seus irmãos, todos ficaram separados?
R - Todos ficaram separados. Era tudo perto, a minha irmã morava na parte de baixo da casa, o meu irmão mais novo na parte de cima, e o outro meu irmão no apartamento do Jardim Acácia. E eu atrás, numa quitinete. Morava numa quitinete lá atrás.
31:15 (P1) - E vocês não conseguiram se juntar?
R - Não tinha mais locais com os valores que foram dados para a gente, para a gente morar tudo no mesmo lugar de novo. Não teve.
(P1) - Você voltou depois na sua rua, para ver sua casa?
R - Eu não tinha mais interesse de ir para ali, porque é como se tivesse vendo o caixão de alguém que morreu, que era uma pessoa querida. Está entendendo? Então, só ia sentir tristeza.
31:47 (P1) - Você falou um pouco do processo da saída. E a questão da negociação?
R - Então, a própria mineradora, ela já oferecia o advogado, e dava o valor das coisas. Não tinha muita negociação nesse caso não.
(P1) Teve burocracia nisso?
R - Não, até que… No nosso caso teve porque era com herdeiros, teve que entrar em juízo para poder sair o dinheiro para os herdeiros.
32:23 (P1) - E aí, você foi morar… Quando você recebeu o dinheiro, você foi para onde?
R - Eu fui para o Pontal da Barra, estou lá até agora.
(P1) - E como foi a chegada lá?
R - Tudo estranho. Um lugar estranho. Um estranho numa terra estranha. Fazer o que? Era isso ou ficar no meio do nada, no relento. Tinha que comprar algum teto, em algum lugar para morar. E eu queria sempre na parte de baixo, porque eu não queria mais saber de negócio de rachadura, não estava mais aguentando esse papo de rachadura na minha vida.
32:56 (P1) - Você busca a reparação?
R - Busco sim. Eu acho que tudo o que eles pagaram foi muito pouco. Cada coisa que puder ter a mais deles, eu ainda acho pouco, entendeu? Busco sim. O advogado está numa questão coletiva para conseguir mais danos morais, mais um aumento nesses danos morais que foram dados de primeira. Até então, estou nesse processo aí.
33:28 (P1) - Para você o que deveria ser reparado?
R - São tantas coisas. Porque afetou o psicológico de todo mundo. Eu mesmo tive muitas crises de pânico, para poder me estabelecer mesmo foi complicado, porque estava assim, em qualquer lugar que eu ia e voltava, eu queria ir pra casa, minha casa era o Pinheiro. Não era mais o Pinheiro, não podia mais ir para o Pinheiro, entendeu? Então, isso é complicado na cabeça da pessoa, a pessoa fica… Além do trauma, fica com o psicológico diferente. Tem pessoas que se matou, não aguentou, se jogou do prédio, deu um tiro na cabeça. Se matou. Não aguentou. Teve pessoas que adoeceram, está tomando remédio controlado. E nenhum dinheiro vai reparar isso. É uma questão triste, vamos dizer assim. É como se fosse o apocalipse para a gente aqui. Aquilo ali, o nosso mundo acabou. A gente está vivendo ao léu, vivendo onde pode, como pode, tentando seguir a vida, é assim que tem que ser.
34:42 (P1) - E a sua família, como ficou a saúde mental? Você poderia contar para a gente?
R - Pois é, nessas questões eu perdi muita gente, perdi meu tio, minha irmã faleceu esse ano. Não estão legais. Além da perda do local da nossa referência, que era o Pinheiro, teve perdas de parentes, de amigos, muitas pessoas. Ainda veio a pandemia junto. Assim que a gente teve que sair do Pinheiro, veio a pandemia, ninguém podia mais sair. Ficou um tempo sem poder sair. Ficou complicado demais. Isso tudo afetou o psicológico de todo mundo, acredito eu.
35:28 (P1) - Toninho, me falem como foi o processo de você ficar na casa sozinho?
R - Foi assim, eu estava acostumado, ali era o meu local, minha casa, então por mais que não tivesse vizinhança… Na praça, sempre tinha a noite, os barzinhos, da Raquel, do seu Manoel, que também, saudoso Seu Manoel. E iam pessoas pra lá, que até então o pessoal do Mutange não estava pra sair de lá, o pessoal do Alto do Céu podia ficar morando lá. Tanto é que depois eu fui morar no Mutange, quando sai de lá, pra mim, estava de boa, o pessoal ficava madrugada adentro, e eu ia dormir tranquilo. Durante o dia fazia as minhas coisas. Fiquei. Eu disse: “eu vou ficar, porque isso vai…” Na minha cabeça, isso não vai dar em nada, daqui a pouco vão reestruturar aqui as ruas, vai ficar tudo certinho, e as pessoas vão poder voltar. Sempre tinha essa ideia de que as pessoas poderiam voltar.
36:33 (P1) - Porque as casas estavam intactas?
R - Sim. Até hoje não caiu uma telha. Que eu saiba não caiu uma telha. Rachar, rachava. Aí, consertava a rachadura, rachava de novo. Mas, digamos, para cair alguma coisa, não caiu nada.
(P1) - Eu digo quando todos já saíram e que você ficou. As casas, como elas ficaram quando os seus vizinhos saíram?
R - Na época, teve muito roubo, porque não teve ainda essa ideia de você pode primeiro vender as suas coisas, ou até levar suas coisas para outra casa. Então a galera roubou. Tanto é que quando eu me mudei pro Mutange, eu ficava dando uma olhada na minha casa. Na primeira noite que eu me mudei, levaram a porta da minha casa, levaram a porta e a janela. A gente botou tijolo, fechou com tijolo, mas não tinha jeito. Na outra semana levaram o telhado completo, telhas, tudo, viga, as madeiras. E assim foi. Se a gente soubesse antes, podia anunciar para vender, né? Portas, janelas, essas coisas. Tudo foi roubado.
37:48 (P1) - E como foi reconstruir sua vida em outro lugar?
R - Ainda está sendo. É um processo… Não sei explicar, porque, por exemplo, não sou mais jovem para recomeçar. E teve pessoas bem mais velhas do que eu, vai recomeçar o quê? Não vai recomeçar mais nada. Todos já estavam certos, dali eu vou pra cova, daqui para o cemitério. Todo mundo ali já tinha a sua casa própria, o sonho desejado de todos. Chegar ali num lugar que é agradável, que todo mundo se conhecia, que podia mexer na sua casa quantas vezes você quisesse. Então, as pessoas já estavam com isso na mente. “Daqui, só quando eu morrer, não vou mais pra nenhum lugar. E aí, de repente, isso acontece, e você tem que recomeçar a sua vida da idade que tiver, em outro lugar. Não é recomeçar, é sobrevivência, é uma espécie de sobreviver. Não tem que recomeçar. Vou recomeçar o que? Não tem! Pra mim não.
38:58 (P2) - Você fazia parte de uma banda, faz ainda. Como é que impactou a sua banda, o seu trabalho?
R - Em tudo. Porque a gente ensaiava na minha casa, os vizinhos já estavam acostumados. E também não era tão perto de outros vizinhos assim, já que dos dois lados eram prédios, e a minha casa um pouco mais afastada, mais junto da casa da minha mãe, que era um quitinete separado da casa. Então, a gente chegava em casa, não tinha que pagar estúdio, já economizava nisso, as baterias, as caixas de som dentro de casa. E os vizinhos já estavam acostumados, desde criança batendo nas latas, e depois que passou a fase adulta, era nas guitarras, já estavam ali… Quando não tinha ensaio, os caras: “Oxi, não fizeram zoada hoje não?” [risos] Então, o primeiro impacto foi esse. Pra gente fazer um ensaio hoje em dia, tem que pagar a hora de ensaio, que não é barato, tem que se deslocar. Porque o baterista morava perto, morava vizinho. Teve uma fase da banda que era só família. O irmão mais novo era o baterista. Então, era tudo em casa, muito tranquilo. A gente chegou a montar o estúdio em casa, separado da casa, já chegou um tempo a ter um estúdio para ensaiar, para gravar, para todo. E hoje em dia não tem mais como fazer isso. Então, já impactou daí. Impactou também dos moradores ficarem mais distante. O baterista, Orlando, que morava lá no Jardim Acácia, agora mora no Antares, eu estou morando no Pontal, o Júnior está morando na Serraria, ou seja, ficou complicado.
40:32 (P1) - E a relação de vocês, quando eles começaram a morar longe, como ficou?
R - Perde o contato, aquela coisa de ter ali todo os dias, ver, conversar, jogar conversa fora, não tem mais. Para a gente ir na casa de alguém agora… O meu irmão mesmo, o mais novo, mora no Paripueira, não conseguiu casa em Maceió, foi para outra cidade. Ele sempre fica chamando. “Rapaz, do Pontal, para eu chegar no Paripueira, vou gastar um dinheirinho bom. Sempre que eu vou lhe visitar”. Eu digo assim: “Hoje vai ter festa, hoje vai ter aniversário.” Está certo, vamos ver o que vai dar aí.” Porque pegar Uber daqui pra lá, é um rim. Não dá, né? Então, ficou tudo muito difícil. Essa que é a verdade.
41:22 (P1) - E você sente que houve justiça no processo?
R - Não houve justiça alguma, ao meu ver. Nem que eles pagassem um dinheiro vitalício para cada um, não ia resolver. Todo mês, até você morrer, você vai ter um dinheiro vitalício. Não vai resolver, cara! O que que resolveria. “Você vai voltar para a sua casa, morar no seu bairro.” Aí, resolvia tudo [risos]. Mas isso não vai acontecer.
41:54 (P1) - Você é músico, sua principal profissão. O impacto do Pinheiro, serviu como uma inspiração?
R - Sim, a gente lançou um disco chamado “Under and Over”, que a gente foi tirar as fotos nos buracos que estavam lá. Os caras, “Você é doido, bicho, o bairro está afundando e você vai tirar fotos lá.” Não, é lá mesmo que a gente vai tirar as fotos. Foi fotos promocionais, também serviu para botar no encarte do disco, e a gente falou sobre isso. “Under and Over”, em baixo e em cima. A parte que estava em cima, agora está embaixo, está afundando e em todos os aspectos, afundando socialmente, afundando monetariamente, afundando psicologicamente, só afundando.
42:41 - E o que você achou da postura dos órgãos responsáveis por tudo?
R - Olha, vou ser sincero. Eu cometo um crime, eu tenho que ser preso, né? Cometi o crime, vou ser preso. Aqui, cometeu o crime, não é preso, e continua exercendo o crime. Não dá para entender isso aí. Por aí você já tira. Tudo errado. Se é o criminoso, se a causa foi detectada de X, foi uma mineradora que causou. Então, a mineradora é presa, e parar de fazer o que tem que fazer, o que estava fazendo. Mas não, não é presa, e continua fazendo… Como diz um amigo meu, ainda vão ser chamados de heróis. Porque tiveram vidas salvas. Ainda vai dizer isso. Conseguimos manter as pessoas vivas, ninguém morreu, tipo assim… Do desabamento, de alguma coisa assim. Que até agora não desabou nada.
43:47 (P1) - Quais são as marcas que ficaram em você e sua família?
R - Ficou uma coisa desolada, uma coisa assim que você… Como eu comentei, surreal. Não tem como a gente descrever, porque era uma vida boa, uma vida feliz, aquela coisa, que se faltasse café lá em casa, eu dava um pulinho na casa da minha mãe, tinha café. “Bora tomar café aqui.” Hoje em dia, falta um café lá em casa, mal conheço os vizinhos para pedir alguma coisa, não tem mais essa conexão. Perdeu o vínculo tanto familiar como de vizinhos, amigos, que também era, na minha concepção, eram parentes também da gente. Era rostos familiares. Que tanto a gente podia ir num mercadinho. “Bicho, vou pegar aqui X coisas, só pago para você mês que vem.” Os caras: “De boa, bicho, pode levar, tá tranquilo, sei onde você mora, sei quem é você, desde 20, 30 anos que eu conheço você, vai ficar me devendo.” Está entendendo? Se eu chegar no mercadinho lá onde eu moro. “Bicho, dá para eu pagar para o mês?” O cara: “Não veio, não sei nem quem é você, que doidice é essa?” Então, tem esse porém. Antes era isso. A minha mãe devia farmácia, tranquila, pagava meses depois. E dizia: “eu vou pagar só uma parte, para amortecer, depois eu pago o resto”. E assim ia, tranquilo. “Vai pegar ali remédio.” Eu pegava remédio sem dinheiro nenhum. Você está ali sem dinheiro nenhum. “Vai pegar os remédios.” Pegava. Está entendendo? “Vai pegar pão.” Pegava pão. O que fosse. Onde é que a gente vai encontrar isso agora? Não faz mais, né? É diferente, tudo diferente, tudo mudado, e muito difícil.
45:43 - Você acabou de nos falar de comércios que tinham no bairro. Desses lugares, quais os lugares marcantes para você?
R - Tinha o Mercado Pilar, que era também conhecido. A farmácia do lado, que mudou alguns nomes, até virar a Farmácia do Trabalhador. Acho que todo mundo conhece a Farmácia do Trabalhador. Tinha a padaria, primeiro era do Seu Luís, depois ficou do Seu Manoel, que é um português. E todo mundo conhecido. Tinha o Estercio, também falecido, saudoso, que tinha um mercadinho, também podia comprar lá bastante para pagar depois. De vez em quando ele dava uma canetada a mais. “Tá pagando aí…” Eu digo: “tá botando juros, é?” [risos] Tinha essas coisas. “Não, para poder sair ganhando, cada um sai ganhando.” “Tá certo, botar um jurozinhos tá bom, faz sentido.” E assim era.
46:40 (P1) - E hoje, vendo que tudo ficou pra trás, como é que você vê o futuro dessas regiões afetadas?
R - Eu passei algumas vezes, eu vejo o pessoal trabalhando lá, o pessoal, deve ser das mineradoras, trabalhando lá. Agora, fazendo o que eu não sei. Tem especulações. Tem gente que diz que ali vai virar um condomínio luxuoso. Aí, vai ser cara de pau demais, fazer um condomínio luxuoso. Quer dizer, isso a gente podia estar morando lá. Eu não sei o que dizer dali.
47:13 (P2) - Então, o que mudou para sempre?
R - O ponto de referência, a questão de você dizer: eu moro ali, ali é minha casa. Não vai poder dizer isso mais, onde quer que eu vá morar, não vai ter mais esse gosto. Antes tinha orelhão, eu ligava: “mãe, eu estou aqui. Sei lá, Cruz das Almas”. “Vem meu filho, pra casa.” “Tá certo, estou chegando aí.” Que era a minha casa? O Pinheiro. Essas coisas. Quando viajava com a banda, sabia que quando voltar, voltava pro Pinheiro, tranquilo. Agora não dá mais pra fazer isso.
47:56 (P2) - O que você gostaria que as próximas gerações soubessem?
R - Caramba! Ali onde a gente morou, para você ter uma ideia, assim que a gente chegou, estava saindo Djavan, que morava lá no bloco 21, no Jardim Acácia. Aí, morou ali, o Beto Maceió, que era um grande violonista, o Roberto Beckér, que é um grande artista, cantor, compositor. E várias bandas de rock também surgiram ali. Artistas também de telenovela, cinema, como o Chico de Assis, que morava atrás da casa da gente. E todos esses caras iam pra lá, pra casa. Radialistas como o Lauthenay Perdigão, ia lá para dentro de casa, ficava lá conversando com o meu pai. Meu pai fez o prefácio do primeiro livro do Lauthenay Perdigão. Tinha, poxa, artistas que a gente vinha assim, na televisão, eles estavam lá, do nosso lado. Conhecia gente assim... Carlos Moura, morava lá também, por um bom tempo. A gente se encontrava em mercadinhos, essas coisas, sempre conversava. Era bom as próximas gerações saber que ali teve um eixo de artistas, não só da música, como da arte cênica, e de várias outras facções assim, e pessoas de bem, pessoas que eram boas no relacionamento e boas no que faziam profissionalmente também.
49:28 (P1) - Você acabou de nos falar de pessoas marcantes do Pinheiro, que podem se dizer, entre aspas, famosas. Poderia nos contar uma história? Você teria alguma história para nos contar?
R - Várias histórias. O Roberto Beckér mesmo, ele faleceu, eu estou até pensando nisso, ele disse: “Tem uma letra que eu vou dar para você.” Nunca terminava essa música. Mas sempre que ele dizia: “Vou dar essa letra para você.” E quando a gente lançava os discos, a gente botava agradecimento para ele na contracapa do disco, ele botava os agradecimentos pra gente também nos discos dele. E ia passando, assim, trocando ideias de como fazer gravação. O quarto dele era um estúdio de gravação, tinha a cama de casal, e o resto era só equipamento de som. “Entra aí!” Aí, eu entrava na casa dele, ficava lá. Então, poxa! A gente jogava botão, time de botão, tinha campeonato. Eles eram meio ladrões. “O campeonato é na minha casa.” Os caras sabiam roubar. Mas aí teve uma vez que o meu primo, o Vinicius, ele ganhou. Foi difícil eles darem a taça, eles não queriam dar a taça não [risos]. Mas o cara ganhou, poxa. Sempre eram eles que ganhavam. Então, tinha isso também. Campeonato de botão. Hoje em dia não se joga mais botão. Era muito interessante essa parte.
50:47 (P2) - Um pouco antes, você nos falou da briga entre o punk e o metal aqui em Maceió. Você poderia nos falar um pouco como era a relação de vocês?
R - O punk e o metal no Brasil. Acho que no mundo todo, não se davam bem, apesar da sonoridade ser parecida, as ideologias eram diferentes. O metal, na verdade sempre falava de negócio de guerreiros, de sei lá. E o punk, não, era uma coisa social. Aí, nisso eles não se juntavam. E aqui não, a gente via isso como irmandade. Vai somar. O nosso relacionamento era esse. Apesar de que alguns shows que a gente fazia com as bandas punks, a plateia em si brigava, as bandas não, mas o público, até o público se educar e entender que tinha a ver um estilo com o outro, demorou um pouco. Mas era uma rixa realmente que tinha entre as tribos, vamos dizer assim.
51:52 (P2) - Você chegou a fazer algum projeto de metal no Pinheiro, algum projeto marcante? R - Sim. Lá em casa, todas as bandas que existia de metal ensaiava lá em casa. Só para você ter uma ideia. Então, ficava lá o dia todo ensaiando. Terminava uma banda, começava outra, lá no quintal de casa mesmo. Todos eles ensaiavam lá.
52:21 (P1) Toninho, a gente já está concluindo aqui. Eu queria saber se você tem algo que gostaria de falar?
R - Tipo assim, de certa forma, a mineradora, ela já sabia o que ia acontecer. Então, os governantes que deixaram elas fazerem essa extração de sal-gema, essas coisas, foram os primeiros culpados, porque eles tinham a ideia de que a coisa ia ser, ia ter causas. Então, vamos dizer o seguinte: a mineradora estava ciente, os governantes também estavam cientes, mas seguiram em frente, até que um dia a coisa estourou. Não é isso? E a agonia que dá é essa… Como eu falei, o criminoso continuar exercendo o seu crime, não ser preso, não ser punido, e continuar exercendo. Ter o direito de continuar exercendo. Isso aí para a gente não tem lógica nenhuma. Qual é a lógica? Se eu sou o criminoso, eu tenho que ser preso. Acabou! E o certo é tentar me reeducar para não cometer mais crime. Mas não acontece isso em Maceió. Então, quer dizer, não tem juiz para defender essa classe, até agora não apareceu. O prefeito local recebeu quase 2 bilhões, não sei para quê, para que recebeu da própria mineradora 2 bilhões. Para fazer o quê? Se não direcionou esse dinheiro para os ex moradores em nada. Comprou um hospital não sei aonde, e o Eco Parque, e acabou. Não dá para entender essa ligação entre a empresa e o prefeito. O governador não fez nada, os órgãos competentes não fizeram nada. E a empresa continua danificando, porque cada dia surge uma coisa nova. Agora mesmo eu estava assistindo um vídeo que estava saindo, sei lá, umas bolhas de debaixo do Bom Parto, saindo tipo areia, sei lá! Rachando o chão e saindo. E aí, vai continuar assim? Teve aquela explosão de uma mina que acabou com os peixes, danificou, quem podia viver da pesca, não pode mais. Vai continuando cometendo os crimes e as autoridades competentes não fazem nada. Isso é que dói ainda mais. Cadê as autoridades competentes? Recebe quase 2 bilhões e pronto. Não serve mais para nada. Não foi para beneficiar nenhum ex morador, aquilo ali. Então, é isso que eu tenho a dizer.
55:14 (P1) - Quem foi o Toninho antes e depois da tragédia?
R - O Toninho de antes, ele era seguro, era tranquilo, sabia o que fazer. Tem uma música, eu acho que é do Engenheiros do Havaí, que diz: antigamente eu sabia exatamente o que ia fazer. Hoje eu não sei mais. É uma incógnita. Não tenho certeza das coisas. Está entendendo? Há uma insegurança total.
55:44 (P1) - E a sua reparação maior hoje seria o quê?
R - Uma coisa impossível, Voltar a morar onde a gente morava. Hoje em dia é impossível. Mas seria sensacional. Está aí a sua casa reformada, pode voltar a morar. Sensacional.
56:06 (P1) - Bem, Toninho, agradeço demais. A entrevista foi maravilhosa. Obrigada mesmo!
R - Obrigado vocês!
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