Projeto: VLI – Estação de Memória: Porto & Pesca
Entrevista de Reinaldo Malafati Filho
Entrevistado por Ane Alves
Guarujá, 19/08/2025
Entrevista nº: VLI_HV005
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Arielle Oliveira Paro
Revisada por Ane Alves
P/1 - Seu Reinaldo, primeiro de tudo, muito obrigada por aceitar dar essa entrevista pra gente, estar aqui hoje. E eu queria iniciar com o senhor se apresentando, falando o seu nome completo, a data de nascimento, cidade e estado que o senhor nasceu.
R - Podemos começar?
P/1 - Pode começar se apresentando, por favor.
R - Meu nome é Reinaldo Malafatti Filho. Nasci em Santos, mais precisamente no Hospital da Santa Casa. Após isso, vim morar em Vicente de Carvalho, é o local que nós estamos hoje.
P/1 - E os seus pais chegaram a comentar com o senhor ou alguém da família como foi o dia do seu nascimento?
R - Foi um comentário que foi tudo tranquilo, que foi parto normal, no interior da Santa Casa. Após isso, meus pais moravam em Santos, mudaram aqui para Vicente de Carvalho e eu vim junto.
P/1 - Seus pais eram de Santos mesmo? Eles nasceram em Santos?
R - Não. O meu pai, ele era do interior, Casa Branca, não sei se vocês já ouviram falar.
P/1 - Interior de São Paulo?
R - Interior de São Paulo. A minha mãe era nordestina, Aracaju, mais precisamente.
P/1 - E você sabe por que a sua mãe veio para Santos?
R - Talvez por opção de vida. Porque a minha avó, o pessoal, estavam todos morando aqui, e ela veio. Até porque lá no Nordeste, naquela época, hoje já é difícil, naquela época era muito mais difícil. Então, vieram pra cá pra tentar uma vida melhor.
P/1 - Mas ela veio junto com os pais dela? Com seus avós?
R - Veio junto com meus avós.
2:48
P/1 - E o senhor chegou a conhecer os seus avós?
R - Sim, conheci minha avó, conheci meu avô. E hoje já são falecidos.
P/1 - Tem alguma lembrança deles que o senhor poderia me falar?
R - Tenho. A minha falecida avó ela todo final de...
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Entrevista de Reinaldo Malafati Filho
Entrevistado por Ane Alves
Guarujá, 19/08/2025
Entrevista nº: VLI_HV005
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Arielle Oliveira Paro
Revisada por Ane Alves
P/1 - Seu Reinaldo, primeiro de tudo, muito obrigada por aceitar dar essa entrevista pra gente, estar aqui hoje. E eu queria iniciar com o senhor se apresentando, falando o seu nome completo, a data de nascimento, cidade e estado que o senhor nasceu.
R - Podemos começar?
P/1 - Pode começar se apresentando, por favor.
R - Meu nome é Reinaldo Malafatti Filho. Nasci em Santos, mais precisamente no Hospital da Santa Casa. Após isso, vim morar em Vicente de Carvalho, é o local que nós estamos hoje.
P/1 - E os seus pais chegaram a comentar com o senhor ou alguém da família como foi o dia do seu nascimento?
R - Foi um comentário que foi tudo tranquilo, que foi parto normal, no interior da Santa Casa. Após isso, meus pais moravam em Santos, mudaram aqui para Vicente de Carvalho e eu vim junto.
P/1 - Seus pais eram de Santos mesmo? Eles nasceram em Santos?
R - Não. O meu pai, ele era do interior, Casa Branca, não sei se vocês já ouviram falar.
P/1 - Interior de São Paulo?
R - Interior de São Paulo. A minha mãe era nordestina, Aracaju, mais precisamente.
P/1 - E você sabe por que a sua mãe veio para Santos?
R - Talvez por opção de vida. Porque a minha avó, o pessoal, estavam todos morando aqui, e ela veio. Até porque lá no Nordeste, naquela época, hoje já é difícil, naquela época era muito mais difícil. Então, vieram pra cá pra tentar uma vida melhor.
P/1 - Mas ela veio junto com os pais dela? Com seus avós?
R - Veio junto com meus avós.
2:48
P/1 - E o senhor chegou a conhecer os seus avós?
R - Sim, conheci minha avó, conheci meu avô. E hoje já são falecidos.
P/1 - Tem alguma lembrança deles que o senhor poderia me falar?
R - Tenho. A minha falecida avó ela todo final de semana ela queria que eu ficasse na casa dela porque eu falava que eu… Todo final de semana, eu ia pra casa da minha avó, que era perto da casa dos meus pais. Naquela época, Vicente de Carvalho era tudo cheio de bequinhos, de vielas. E a distância que ficava da casa do meu pai para a casa da minha avó, era um negócio de menos de meio quilômetro, muito menos. Vamos botar assim, 250 metros. E eu ficava a maior parte do tempo com ela. Porque ela fazia o que eu gostava. Aquelas comidas nordestinas, eu adorava. E eu cresci nesse sentido aí. Fui crescendo. Sempre mais com meus avós do que com meus próprios pais.
P/1 - Fala uma comida que ela fazia que o senhor gostava.
R - Macarronada. Adorava macarronada com camarão. Nossa, gostava muito.
P/1 - O senhor tinha quantos anos, mais ou menos?
R - Mais ou menos uns quatro, cinco anos. Aí foi indo.
P/1 - E aí a família toda morava lá em Santos?
R - Mudou tudo pra cá.
P/1 - Os seus pais se conheceram lá em Santos?
R - A história do meu pai com a minha mãe, que a minha mãe era casada com um senhor que era estivador. O nome dele era Seu Pereira. Acontece que, não sei se era por ciúme ou o que que acontecia, ele batia na minha mãe. Aí minha mãe se afastou dele. Aí foi quando ela conheceu o meu pai. Mas antes dela conhecer o meu pai, ela teve um relacionamento com um senhor chamado Neco. Eu não lembro o nome dele todo, só das coisas que ela falava pra nós. E, inclusive, eu tenho um irmão, que a minha mãe teve uma gravidez desse Neco e nasceu um rapaz chamado… Espera aí, eu tenho que lembrar o nome dele. Ademir. É meu irmão de parte de mãe. Até uns anos atrás ele vinha aqui nos visitar, tudo. Ele, inclusive, trabalhou na Codesp, trabalhador de turma. Mas eu não tenho notícia de como ele está, mas eu sei que ele é vivo. Porque notícia ruim sempre chega logo. Mas é uma pessoa muito trabalhadora, honesta, tem uma família bacana. Sobre eles é isso que eu sei. Aí, depois disso, não sei como, não sei te explicar, ela conheceu o meu pai, e trabalhava na Santa Casa antiga, de Pedreiro. E aí, parece que ela tinha se separado desse Neco. Foi onde o meu pai entrou na história. Aí, já morando aqui em Vicente de Carvalho, como eu te expliquei, nasceu eu e a minha irmã Inês, que era professora. Inclusive, a minha irmã morreu de câncer aos 47 anos de idade.
P/1 - E a família do seu pai, que era do interior de São Paulo, o senhor conheceu os avós paternos?
R - Ah, conheci. Conheci, mas como eu vivia mais aqui do que lá. Eu ia esporadicamente, que o meu pai ia visitar os pais dele, eu ia. Eu me lembro que os avós do meu pai eram de descendência italiana. Chamavam ele de Joninho. Joninho, mais ou menos assim, Joninho Malafatti. E a minha avó era de descendência alemã. Entendeu?
P/1 - Os avós paternos?
R - É, paterno.
P/1 - Mas eles não chegaram a vir para Santos, para essa região?
R - Não, nós, esporadicamente, através do meu pai, nós íamos visitá-los.
P/1 - E o seu pai veio sozinho para cá, então?
R - O meu pai conheceu, como eu disse para você, ele conheceu minha mãe quando ele trabalhava, acho que na Santa Casa. Acho que era Santa Casa. Construindo lá. Foi isso mesmo. Ele era empreiteiro. Aí, quando ele conheceu minha mãe, ele ficou com ela. Ficou morando aqui, os dois. Aí, desse relacionamento, nasceu a minha irmã. E era um casal, eu e a Inês.
P/1 - E você e a Inês, como que era a infância? Como que era a época que o senhor era criança?
R - Ah, meu pai… Depois disso, meu pai conheceu os pescadores, aqui de Vicente… Aí, o meu pai, como ele gostava de pescar, ele pescava muito de vara, lá no Sobre as Ondas. Aí, como a gente morava perto da Colônia lá de pesca, ali na Salgado Filho, o meu pai teve muito contato com os pescadores, e ele se entusiasmou. E aí, comprou rede, comprou embarcação, não era esse tipo de chapa de alumínio, era canoas. Aí, ele comprou canoa, comprou redes, que na época não era esse fio polietileno, era esse fio normal. Era um fio diferente desse aí. Era nylon, a gente chamava de nylon. E ele comprou na época várias canoas e montou uma equipe de pescador que morava naquela área ali, pra pescar pra ele, e ele junto. E foi aí que começou a vida de pescaria. Agora, você veja, que hoje em dia está tudo diferente. Hoje em dia o pessoal pesca com chata alumínio, motor de popa. Naquele tempo era remo.
P/1 - E vocês saíam, você e a sua irmã, para pescar com o seu pai?
R - Não, não. Eu comecei a pescar, o meu pai me colocou na pescaria quando eu tinha 16 anos de idade. Mas por curiosidade, eu queria saber como é que era, e eu me entusiasmei. Aí o meu pai, por intermédio…
P1 - Seu Reinaldo, como que era a casa que o senhor passou a infância?
R - Era uma casa metade de madeira e metade de alvenaria, mais precisamente ali para o lado do Paecara, ali.
P/1 - E como que era o bairro? A cidade aqui de Santos quando o senhor era criança?
R - Era diferente, né? Era um pessoal que todo mundo se conhecia, porque não era tão populoso como é agora. As pessoas todas se conheciam, todo mundo sabia quem era quem. E, na época, foi assim, nós ficamos morando naquela casa, até que o meu pai… Como eu já tinha dito pra você, ele se envolveu com pescaria, ele abandonou a área que ele trabalhava, que era de construtor de obra, e se envolveu com os pescadores lá, e na época ele comprou rede, comprou embarcação, que naquele tempo não se usava a chata alumínio e nem motor, era remo. Os pescadores pescavam a remo. Naquele tempo dava muita quantidade de peixe. Era Parati, Carapeva, era Corvina. Na época do verão, era Bagre Cabeçudo, que eles pescavam dentro dos rios e na boca da barra. Era muito legal. E eles iam com aquelas canoinhas no remo e ficavam pescando por cinco, seis horas. E quando eles vinham, vinham com as embarcações cheias de peixe.
P/1 - E como eram as brincadeiras sua e da sua irmã nesse meio da pescaria? Vocês brincavam?
R - A minha irmã, ela estudava muito, tanto que ela, em matéria de estudo, ela foi mais do que eu. E eu parei, acho que foi no segundo colegial, nem cheguei a concluir. Mas a minha irmã continua estudando. Ela era professora de matemática, ciência e história. Mas ela foi estudando, foi estudando, foi ficando bem preparada. Ela dava aula aqui em Vicente de Carvalho, no colégio Marcindo Dias. Não sei se vocês já ouviram falar nesse colégio. É um colégio que fica aqui na Vila Alice. E a vida dela foi diferente da minha. Porque eu me envolvi junto com meu pai na pescaria. O meu pai me colocou na pescaria, eu tinha 16 anos. Mas ele não me colocou, assim, impondo. É que eu gostei também.
P/1 - Vamos falar um pouquinho antes, da escola. Você e a sua irmã, vocês estudavam na mesma escola?
R - Ah, no meu tempo de primário, eu e a minha irmã estudamos no Quarto Grupo, aqui no Paecara. O nome do colégio era Professora Filomena Cardoso de Oliveira. Era aqui no Paecara.
P/1 - E vocês iam para a escola juntos?
R - Sim. Aí estudamos, depois passamos para o período noturno, porque a minha irmã estudava muito e precisava ter a faixa do dia mais livre. E eu aproveitava pra pescar junto com o meu pai, com os pescadores. A mão da gente ficava toda calejada porque era no remo, como já disse.
P/1 - O senhor tinha 16 anos nessa época?
R - Nessa época, 16.
P/1 - Antes de pescar, o senhor trabalhou com alguma coisa ou já foi direto trabalhar na pesca?
R - Não, fui direto pra pescaria. Aí, depois, o tempo foi passando, eu fiz aeronáutica, fui soldado da aeronáutica.
P/1 - Espera aí, vamos lá na pesca com 16 anos. O senhor saia pra pescar com o seu pai, no barco a remo, iam os dois remando no barco?
R - Não, era assim, veja bem. Eles chamavam de parelha. Eram quatro pescadores. Ia eu, meu pai e mais dois pescadores, cada um numa canoa. E nós íamos remando aí por esse mundo afora, ia na Bertioga, por aqui pelo mar, aqui. Às vezes, ia para a Boca da Barra, era de acordo com o peixe. Onde estava dando peixe, a gente ia.
P/1 - E pescava de anzol?
R - Não, a princípio, quando meu pai se apaixonou por pescaria, ele ia aqui no Sobre as Ondas, no Guarujá, e ele pescava de linhada.
P/1 - Como que é pescar de linhada?
R - É jogar um anzol com uma isca e ficar lá. Aquela pescaria que eu não gosto muito, eu gosto mais de uma coisa mais ativa. Meu pai ficava cinco, seis horas lá pescando, ele pegava peixe, pegava caranha, pegava uma série de peixe lá. E ele ia daqui de Vicente de Carvalho, ele ia de bicicleta pra lá, naquele tempo não tinha estrada, tinha bananal de um lado, bananal do outro e a linha da máquina que tinha aqui em Vicente de Carvalho, um trenzinho, que ia daqui de Vicente de Carvalho. Já não se chamava Vicente de Carvalho, era Itapema, o nome era Itapema. Ele saía daqui do Itapema e ia lá pro Guarujá, no Sobre as Ondas, pescar de linha. Até que ele conheceu o pessoal da Colônia, como ele era um construtor de obra, ele ganhava bem naquela época. E ele entrou com tudo na pesca.
P/1 - Então, antes da pesca ele tinha outra atividade?
R - É, ele era construtor de obra.
P/1 - E aí quando ele começou a pescar, ele ficou ainda na obra e na pesca junto?
R - Não, porque ele se apaixonou tanto pela pesca que ele conseguiu formar um pessoal para trabalhar para ele e ele junto. Aí, ele comprou umas canoinhas, que naquele tempo, como já disse, não tinha chata alumínio nem motor, era tudo no remo, era artesanal mesmo, sabe? E aí, ele começou a ganhar até um dinheiro, porque dava muito peixe, tainha, parati, carapeva, corvina, era uma quantidade de peixe que hoje não tem hoje a quantidade de peixe que tinha naquela época.
P/1 - Ele comprou esses barcos e ele pagava para as pessoas pescarem para ele?
R - Não, porque funciona assim, pescador, ele ganha de acordo com a produtividade. Então, era assim, eles pescavam, chegavam no final do dia, eles vendiam o peixe, antigamente vendia no mercado aqui, eles atravessavam a remo, esse canalzinho que tem da Catraia, ia lá dentro e vendia para os peixeiros lá, entendeu? E ele ganhou dinheiro porque era muita quantidade de peixe, o pessoal começou a trabalhar junto com ele, e ele se afeiçoou e me jogou junto.
P/1 - E o senhor lembra a primeira vez que o senhor saiu para pescar com eles?
R - Ah, foi! Eu me lembro, eu pesquei a primeira vez, nós fomos pescar tainha, aqui no rio Jurubatuba, aqui. E o pescador que foi conosco se chamava Robalinho, chamavam ele de Robalinho, mas o nome dele era Rubens, mas o pessoal apelidou ele de Robalinho. E eu achei legal porque pegamos bastante tainha, sabe? Cada tainhona grande e aquilo me apaixonou.
P/1 - E o senhor já pegou peixe da primeira vez?
R - Fiquei com a mão toda machucada de remar, mas foi da primeira vez. Nasciam umas bolhas na mão, sabe? E o pescador falava assim: ó, passa a mão no cabelo que melhora. Eu passava a mão no cabelo, mas é tudo história, era só pra você não ficar sentindo muito. Depois que secava, ficavam aqueles calos. Depois que aquelas bolhas secavam, ficavam aqueles calos. Aí, a gente se intensificava mais nas pescarias. Depois veio os meus irmãos de parte de pai, que veio morar conosco aqui.
P/1 - Ah, o senhor tinha irmão de parte de pai também?
R - Tinha o Luciano, o Luiz e o Leônidas. O Leônidas era desenhista arquiteto, que fala? É, desenhista arquiteto. E ele ficou lá por São Paulo com meus avós paternos.
P/1 - Esses seus irmãos é de um relacionamento anterior que seu pai teve quando ele morava no interior de São Paulo?
R - É. Então, aí quando eles vieram pra cá, quiseram vir, que o meu pai, quando ia lá, falava das pescarias, tudo, eles se entusiasmaram e quiseram vir. Ficaram aqui e se apaixonaram também pela pescaria. Meu irmão Luís, que hoje é morto, Deus que o tenha em bom lugar. E o meu irmão Luciano, que era jogador de futebol e jogava nos times amadores aqui, chegou a ser profissional também, mas aí... Veio pra cá e ficou jogando mais assim no sentido de... A colônia de pesca tinha um time chamado Colônia Z3. E o meu irmão jogava lá.
P/1 - E quando os seus irmãos de parte de pai vieram pra cá, eles foram morar junto com vocês?
R - Foi. Foi morar tudo com nós. Nós tínhamos um quintal grande ali na rua Senador Salgado Filho, aqui, que existe essa rua até hoje. Inclusive, a casa também. Lógico que diferente, porque meu pai construiu lá, fez uma meia-água, depois fez uma casa na lateral, assim, ficou tudo diferente. Mas fomos todos morar juntos.
P/1 - E como que era a convivência?
R - Era muito boa, era muito boa. Depois o meu irmão Luiz conheceu a minha cunhada, se casou com ela, ficou na pescaria. Mas depois ele foi trabalhar na Codesp. Mas ele ficou bastante anos pescando com a gente.
P/1 - E nessa época que vocês moravam todos juntos, vocês comemoravam festas? Tinha festa?
R - Sim, nos anos novos, natal... A gente ficava... Aquele ambiente familiar, né?
P/1 - O seu irmão de parte de mãe também participava?
R - Todos. Minha irmã, meus irmãos, todos participavam. Menos o que mora em São Paulo, que ele ficou...
P/1 - São quantos? Contando os de parte de pai e de mãe, são quantos e o senhor fica onde nessa escadinha?
R - Olha, veja bem. O mais velho é o Luiz. Depois veio o Leônidas. Depois o Luciano. Dos três era o mais novo. E depois vinha eu, quatro. E depois a irmã Inês. Éramos cinco por parte de pai, né? Só que a Inês já era da minha mãe, que estava morando atualmente com o meu pai. Que só saiu eu e a Inês. Mas ficou toda uma família só.
P/1 - E quando eles foram morar na mesma casa, o senhor lembra quantos anos o senhor tinha?
R - Ah, quando eles foram pra lá eu estava na faixa de 16 para 17 anos.
P/1 - E nessa época o senhor já saía para festas?
R - É, eu gostava muito de futebol e os meus irmãos jogavam na Colônia Z3. Era o time da Colônia de pesca. E eu acompanhava eles para ver o jogo deles. E o meu irmão Luciano era um craque, porque ele jogava muita bola, marcava muito gol e eu gostava de ver ele jogar. Depois eu também comecei a jogar, mas o bom mesmo era ele, eu só era mesmo... Eu me adaptei melhor na pescaria. Na pescaria eu gostei, acho que dos meus irmãos eu fui o melhor de todos. Na pesca, porque eu me apaixonei muito por pesca, e eu fui pegando o ritmo de como eles trabalhavam e eu fui me adaptando. ]Até que chegou a época de eu entrar pra Codesp. Aí, eu fui para a guarda-portuária. Fui trabalhar na guarda-portuária, entrei na guarda-portuária eu tinha... Foi quando eu saí da aeronáutica. Tinha um cabo da aeronáutica que era muito meu amigo.
P/1 - Ah, conta a história pra mim da aeronáutica? A gente acabou pulando.
R - Então, a aeronáutica foi o seguinte: quando eu fiz 17 para 18 anos, eu me alistei na Força Aérea Brasileira, aqui. É aqui na Bocaina, você já conhece lá, né? E conheci um Cabo, na época, ele era Cabo, depois ele foi a sargento. Então, esse Cabo era muito meu amigo, gostava muito de mim, porque ele gostava de vender o trabalho dele. Ele queria que alguém fizesse o trabalho dele. Como eu era uma pessoa que já tinha feito o curso para Cabo, aí eu, como soldado de primeira classe, eu podia trabalhar como cabo na guarda. E ele vendia o trabalho dele para mim. Em contrapartida, ele falou, que quando ele saísse, ou naquela mesma época, me lembro, ele me levaria na Codesp, porque ele tinha um amigo lá chamado Enio, o Doutor Enio, e ele conseguiria... Ele falava assim: que lugar da Codesp você quer trabalhar? Aí, eu falei para ele, “eu queria ser guarda portuário.” “Por que você quer ser guarda-portuário?” Eu falei: porque eu acho legal, as viaturas, o esquema de trabalho deles. E ele cumpriu a promessa dele. Ele me levou, eu me inscrevi lá e fiz um teste na época, que era um teste de campo. Você tinha que correr com uma pessoa nas suas costas.
P/1 - Me explica o que faz um guarda-portuário.
R - O guarda-portuário, ele toma conta do Porto. Agora, hoje em dia tem guarda-portuário. Na minha época, não. Na minha época, o guarda-portuário fiscaliza no posto fiscal a entrada de estivador, entrada de trabalhador de turma, você tem que identificar todo mundo, entendeu? Evitar que aconteça a entrada de vagabundo no cais para fazer coisas que não deve. E era isso. E eu gostava da guarda-portuária. Fui trabalhar de cara, por conta de eu ter saído da aeronáutica, eles me colocaram para trabalhar em viatura. Eu trabalhei muito tempo como reforço. Cheguei a ser motorista também da viatura da Codesp. Aí, nesse ínterim, eu conheci uns colegas que hoje já estão aposentados, inclusive tem uns deles que já faleceram, e eles me ensinaram o trabalho. E eles falavam muito para mim assim: Seu Reinaldo… Lá me chamavamde Malafatti. Eles falavam assim: ó, você está vendo que o cais tem muita curva. Você não pode andar reto aqui que você cai na água. Eu me lembro disso até hoje. E era uma informação que eles estavam dando para mim, para mim não querer levar lá como aqui fora. Lá era diferente. Então, eles me davam esse tipo de conselho aí. Inclusive, tinha um guarda, chamava ele… Já faleceu. Era seu Roque, Roque do Amor de Zino. E ele que falava para mim essas coisas, para mim não ficar com leva e trás, o que você vê, você fica quieto, a não ser que você esteja defendendo você. Numa situação que você tenha que se defender.
P/1 - Mas por que eles falavam isso? Aconteciam muitas coisas?
R - Não, acontecia que tinha muito guarda que gostava de leva e trás, entendeu? Ficar fazendo fofoquinha, esse tipo de coisa. E eles falavam para mim, porque eles falavam, “não, você tem que ver, observar e ficar quieto. A não ser que seja para você se defender.” Porque tinha guarda… Eu não gosto nem de falar sobre isso, porque às vezes, eu nem vou citar nome, mas tinha guarda que permitia que entrassem pessoas alheio ao trabalho, que deixava sair com coisas tipo contrabando, entendeu? E eu nunca gostei desse tipo de coisa, eu fazia a minha parte. E essas pessoas me orientavam nesse sentido. Mas eu fiz os meus 25 anos lá, muito bem, trabalhei bem. E chegou a época de me aposentar.
P/1 - Nesse tempo que o senhor estava lá, nunca chegou ninguém querendo subornar o senhor a alguma coisa assim? Para liberar a passagem de alguma coisa?
R - Ah, sim, chegava. Mas aí depende muito... Eu falava sempre assim: olha, eu quero chegar na minha casa, deitar e dormir tranquilo, porque não quero ficar preocupado com um tipo de ocorrência que vá comprometer a minha vida. E eu segui esse esquema aí, graças a Deus, cheguei até a aposentadoria.
P/1 - O senhor trabalhou quantos anos lá?
R - Quase 25 anos, 24 anos e alguns meses. Porque lá era especial, entendeu? Você podia se aposentar. Agora não. Agora é outra fase. Mas naquele tempo você podia se aposentar com 23 anos, 24 anos de trabalho. E eu me aposentei com 24 anos e alguns meses.
P/1 - E o senhor falou que, para fazer o teste, ficou correndo carregando o negócio?
R - Ah, sim. Para entrar, você tinha que atravessar o campo do portuário com uma pessoa nas tuas costas. Aí, faziam uma fila de vários concorrentes ao cargo. E ficava com a perna aberta, você tinha que vir correndo e passar por todos eles. Eu sei que eu consegui, viu? Naquela época eu era mais forte. Hoje em dia eu tô meio... Como eu disse pra você, tô com... Até esqueço o nome. Que dá nos ossos. Osteoporose.
P/1 - Mas vocês faziam esse teste porque tinha que carregar muito peso quem trabalhava lá?
R - Não, é porque eles queriam ver a agilidade da pessoa. Porque sabia que nós íamos deparar com um vagabundo. Então, você tinha que estar preparado.
P/1 - E nesse tempo que o senhor trabalhou lá, o senhor, em paralelo, também fazia pescaria?
R - Sim, vamos entrar nessa parte agora. Como eu disse para você, eu vinha acompanhando o meu pai nas pescarias, e na época que eu trabalhei na guarda portuária, eu tinha as folgas, e nas folgas eu ia pescar. E aí, fiz um trabalho paralelo.
P/1 - As folgas eram só final de semana ou era dia de semana?
R - Teve uma época que nós trabalhávamos 6 por 12, trabalhava 6 horas, folgava 12. E depois mudou. Depois mudou. Passamos a trabalhar, porque fazíamos dobra, continuava. E nessas dobras aí passamos a ter mais horas de folga. Aí, chegamos a ter setenta e... Quando saía da… Era da 12 às 18, 18 às 24, 6 às 12, depois a noite era de zero às 6, depois você tinha 72 horas de folga. E era nessas horas de folga que eu aproveitava pra pescar. Ficava 72 horas, dá quase 3 dias. E eu aproveitava pra pescar. E naquela época que nós pescávamos, a diversidade de peixe era muito grande. Nós pegávamos muito peixe. Inclusive tinha amigos da guarda portuária que quis aprender a pescar comigo. Foi pescar comigo um colega meu chamado Natalino, uma pessoa muito bacana. Ele era rondante da guarda portuária. Que fica rondando os postos para ver os guardas, tudo. E ele gostou também. Tanto ele quanto eu fizemos um trabalho paralelo, guarda-portuária. Mas, naquele tempo, o canal era raso. Só o canal profundo é onde passam os navios. Mas lá para dentro, Ilha do Barnabé, para o lado da Bertioga, aquele canal que vai para a Bertioga, a fundura era mais ou menos 5, 6 metros. Então, você podia largar a rede ali, tranquilo, não se matava muito. Mas foi evoluindo. Os pescadores foram se aparelhando mais, saíram dessa vida de pescar no remo. Foi quando apareceu as lanchinhas de alumínio, com motor de popa, e nós fomos se adequando. Só que teve um problema. Como a draga vivia cavando, para dar mais profundidade, aí foi o que aconteceu, o que não podia acontecer comigo. Em função de ter que largar a rede em lugar mais profundo, eu tinha que puxar a rede, de tão profundo que era, tanta força que a gente fazia para puxar a rede, a gente se arcava assim e vinha puxando. E eu comecei a sentir. Em decorrência disso me surgiu essa osteoporose, com o tempo. Apareceu essa osteoporose, que depois de alguns anos passou para ser um mieloma múltiplo. E passou para um câncer da coluna. E eu pulei algumas coisas, mas...
34:25
P/1 - Não, a gente vai voltando, não tem problema. Essa época que o senhor está falando, você trabalhava lá no Cosipa e pescava também, mas essa pesca também era com renda?
R - Sim, era, a gente vendia os peixes.
P/1 - E no mercado ainda?
R - No mercado. Depois fizeram um mercadinho ali, o cara pagava um pouco mais, aí. Mas quando era muito, a gente tinha que ir para lá mesmo, porque grande quantidade eles não compravam. A gente tinha que ir para o mercado, porque lá o cara arrematava tudo.
P/1 - O que era a grande quantidade que vocês pescavam?
R - Por exemplo, 200, 300 quilos de peixe. O que eles conseguiam comprar aí era 30, 40 quilos de peixe. Então, a gente deixava um pouco aqui, para dar um pouquinho mais de dinheiro, e o resto levava para lá. Depois, lá também passou a não comprar mais. Aí, a gente começou a levar lá para lá para a ponta da praia. Mas nessa época já tinha os motores, não ia no remo. Essa fase de ir lá para a ponta da praia, foi uma fase mais para cá, que o pessoal tinha motor de popa. Porque se naquele tempo...
P/1 - O senhor lembra mais ou menos quando começou o motor de popa?
R - Mais ou menos uns dez anos para cá. Eu posso te dizer que começou em 1980. Aí, começou a aparecer aquele motor catarinense, a gasolina. Depois veio o motor de popa, que o pessoal se adequou ao melhor. Era menos trabalho. Até na Bertioga nós íamos vender peixe. Quando era grande quantidade, a gente ia lá pra Bertioga e vendia lá. Uma peixeira que tinha lá chamada Mikiko, ela comprava qualquer quantidade de peixe. E aí, a gente, com esses motores de popa, rápido, a gente conseguia ir pra lá em uma hora e vinte, uma hora e trinta, porque era muito rápido. E com as chatinhas cheias de peixe.
P/1 - Senhor Reinaldo, o senhor estava me falando que antigamente tinha mais peixes, né?
R - Tinha, a diversidade de peixe era maior.
P/1 - Isso em quantidade e em espécie também?
R - Em quantidade e em espécie. Como eu te falei dos mosquitos, que na parte da manhã era o pólvora, na parte da tarde, o borrachudo, na parte da noite, o pernilongo. Os peixes são assim. Na época, digamos assim, na época do calor, é corvina, bagre cabeçudo, carapeva. E na parte do inverno é tainha, sororoca. Tu conhece o peixe sororoca? É um peixe grande, muito gostoso. E tainha. Tainha a gente pegava muito naquela época. Agora, no tempo do inverno, como nós estamos agora, no rio da Bertioga, dá muita tainha. Inclusive, os pescadores aqui, não sei se estão… Agora, os pescadores aqui, parece que diminuíram também. Em função dessa modernidade que estão fazendo aí, os pescadores que pescavam lá naquele Porto, têm a dificuldade, que pra vim para cá, tem que passar de lá para cá. Parece até que estão querendo vir para cá, alguns. Fica tudo aqui. Mas isso aí o Luciano tem que ver ainda como é que vai fazer, porque está dependendo deles aumentarem aqui, fazer uma parte superior, para poder adequar a todo mundo.
P/1 - E por que o senhor acha, assim… Qual é a explicação que o senhor pode me dar de antigamente ter mais peixes, mais espécies e estar diminuindo?
R - É porque, naquela época, tinha mais peixe porque não era tão caçado, não era tão pescado, digamos assim. Hoje em dia é muito pescador.
P/1 - Esse negócio do canal tá mais fundo, não interfere?
R - Interfere. Interfere porque a quantidade de peixe que você pega é menos. Muito menos. E você pra pegar esses peixes nesse canal profundo aí, você tem que fazer isso, você tem que largar a rede e... Aquele esquema, era melhor botar um guindaste. Mas aí tem que puxar em dois. Puxa o proeiro, que é o que pesca na parte da frente da embarcação, e o popeiro. Aí, tem que puxar os dois, porque um sozinho não consegue. E na minha época, na época que eu pescava, a pescaria artesanal de canoa, era um só. Um ficava no remo e o outro na rede. Mas não tinha tanta profundidade, a gente trabalhava tranquilo.
P/1 - E por que está ficando mais profundo o canal?
R - É porque a draga tem que dragar por conta dos navios. Porque onde está sendo dragado é onde os navios passam. E é onde a gente pescava, que era lá para o lado da Cosipa. Antes de chegar na Cosipa, tinha as pedreiras. E aquilo tudo a draga foi cavando, senão não tem como os navios passarem por lá para a área da Cosipa. Você entende?
P/1 - E aí, cada vez ficando mais profundo.
R - Mais profundo. Inclusive, os pescadores de camarão, com essa profundidade dificulta para eles. Mas quem pode te falar melhor sobre a pesca do camarão é o Barriga. Conhece ele?
P/1 - Conheci hoje.
R - Ele é que tem condições de te explicar melhor da dificuldade que ele tem e as pessoas que vivem dessa pescaria tem, para conseguir pegar alguns peixes, alguns camarões. E ele batalha, porque ele tem que ir… Inclusive, ele está com problema de saúde também. Osteoporose. Não sei se é osteoporose. Acho que é osteoporose, sim. Mas ele gora, ele pega mais os camarõezinhos para vender, para fazer isca. Os pescadores que vêm para ficar pescando de vara, aí ele vende, mas é difícil.
P/1 - Uma curiosidade que eu tenho, os pescadores que pescam de vara, o que eles usam de isca?
R - Camarão. Camarão. E de preferência camarão vivo, que é o caso do Barriga, que vende para eles. Ele já é tão famoso que os caras vêm comprar aqui dele, que ele tem um viveiro aí. Mas quem pode te dar uma orientação melhor sobre isso é ele.
P/1 - Senhor Reinaldo, o senhor estava contando que aqui antes era tudo de madeira, né?
R - Sim. Vamos voltar ao tempo. Quando nasceu a ideia de fazer essa Colônia aqui, que era muito pescador, ficou uma parte lá, outra parte veio para cá. Então, aqui era tudo barracão de madeira, e as canoas naquele tempo, como eu já te disse, era pescaria artesanal, de remo. E aí, o que aconteceu? Os pescadores que vieram para cá, fizeram os barracãozinhos, os barracãozinhos que guardavam as suas redes. Depois, o meu falecido pai, juntamente com o Senhor Otaviano, que foi um dos presidentes da Colônia aqui, o Senhor Ernesto, foram vários presidentes que teve aqui. Aí, surgiu a ideia de arrumar aqui. Ai, meu pai juntamente com alguns deles, foram fazendo isso aqui de forma não artesanal, é…
P/1 - Alvenaria?
R - Alvenaria.
P/1 - Qual que era o nome do pai do senhor?
R - Reinaldo Malafati.
P/1 - Ah, sim, filho, né?
R - Sim, Filho.
P/1 - Ele foi um dos fundadores, então, da Z3.
R - O fundador mesmo foi um senhor chamado Otaviano, que já morreu. Inclusive, a filha dele, não sei se você já a conheceu, ela trabalha lá com isso ainda, fazendo documento de pescador, tudo. Ele que foi o pioneiro nisso aí. Depois veio o Sehor Ernesto, que já faleceu. E foi mudando aí, teve vários presidentes.
P/1 - E como que funciona uma colônia?
R - A Colônia funciona da seguinte forma, tem os pescadores, que paga a Colônia. E para que eles pagam a colônia? Justamente para fazer essas coisas, para angariar melhor posição, arrumar o que tem que arrumar, arrumar comprador de peixe que pague melhor, entendeu? Isso ai. Eles têm que pagar a Colônia, porque a Colônia trabalha com os pescadores.
P/1 - Aí todo pescador que participa da colônia, ele dá uma contribuição mensal?
R - Tem que dar. Tem alguns que não pagam. Mas pescador de boa consciência, ele paga, porque ele sabe que é para o benefício dele.
P/1 - E para participar de uma colônia tem que ter o documento?
R - Tem que ter o documento de pescador.
P/1 - Como é o nome do documento de pescador?
R - Tem a carteira de pescador profissional e tem uma com a Colônia emite. Inclusive, os meus... não sei se o Luciano vai encontrar alguma ainda, porque faz tantos anos que eu não trabalho mais com pescaria.
P/1 - Mas o senhor foi pescador profissional quantos anos?
R - Até mais ou menos 1978, por aí.
P/1 - E o senhor…
R - Como já disse, eu era pescador e era guarda-portuário.
R - Que eu entrei na guarda-portuária em 1970... É, foi 1972, 1971, não me lembro bem. Na época que eu entrei na guarda-portuária. E fiquei lá, como já te disse, fazia as duas partes, né? Eu saí da Guarda Portuária em 1900 e... Eu sei que eu fiquei 24 anos.
P/1 - 24 anos.
R - 24 anos e alguns meses.
P/1 - E aí, trabalhando na COSIPA e nas folgas o senhor pescava.
R - Na COSIPA não, na guarda portuária.
P/1 - Desculpe, na guarda portuária. E nas folgas o senhor pescava. E aí sobrava tempo para diversão? O que o senhor fazia para se divertir?
R - Sobrava. Eu ganhava meu salário da CODESP. Porque quando eu entrei na guarda portuária, não era a CODESP, era a Companhia Docas de Santos. Depois passou para a CODESP. O Estado pegou. Mas eu trabalhei e me aposentei na CODESP. Juntou os anos do tempo de... Falei agora… juntou o tempo das DOCAS, companhias DOCAS, com o tempo da CODESP, aí onde o pessoal do sindicato fez a contagem lá e chegaram à conclusão que eu já tinha condição de me aposentar. Eu me aposentei, aí fui trabalhar de síndico, fui síndico profissional.
P/1 - Tá, mas nesse tempo que o senhor trabalhava como guarda costeiro e o senhor pescava, o que o senhor fazia de lazer, pra se divertir?
R - Naquele tempo a gente ganhava um dinheirinho bom, eu viajava, ia pra São Paulo ver meu irmão que ficou pra lá, o Leônidas, ver os parentes. Daí a gente passeava, ia na... Onde ficam os animais, no Zoológico. Passeava, ia com a minha esposa.
P/1 - E quando que o senhor se casou?
R - Eu me casei com Maria Lúcia da Silva Malafati. Que é a mãe das minhas três filhas e um garoto. São quatro filhos. E depois...
P/1 - Mas conta pra mim como que vocês se conheceram.
R - Ah, nós nos conhecemos nos parquinhos aí de festa junina. A gente se conheceu, namoramos bastante tempo e depois nos casamos.
P/1 - Ela era daqui mesmo?
R - Era, ela morava aqui na rua José Bueno Camargo de Assis, perto do quarto grupo lá.
P/1 - Mas você lembra o dia que conheceu ela no parquinho? Como que foi?
R - Eu não sei te precisar o dia que foi, eu só sei te precisar que foi na festa junina. Nós começamos a se paquerar. E ela era uma loira muito bonita, depois eu vou te mostrar a foto dela. Quer que mostre agora ou não?
P/1 - Não, pode mostrar depois, depois a gente vai ver as fotos.
R - Tá. E ela era a minha esposa, mas como eu era um homem muito mulherengo, aí conheci outras mulheres. E a minha esposa, mãe dos meus filhos, não aceitou. Porque teve uma delas que é a mãe da minha filha. Dessa que mora comigo.
P/1 - Não, peraí. A Maria Lúcia é a mãe de todas as suas filhas?
R - Dos meus quatro filhos.
P/1 - E com ela o senhor casou, vocês casaram na igreja?
R - Na igreja e no civil.
P/1 - Lembra um pouco como foi o dia do casamento, para me contar como foi a emoção de casar na igreja?
R - Porque os pais dela eram católicos, apostólicos, romanos, assim como ela, e eu também. Eu fui até coroinha quando era pequeno. E a gente casou na igreja e no civil. Mas aí, na época de guarda portuária, tinha os horários de lanche, a gente ia na hora de folga ver striptease.
P/1 - Aonde vocês iam ver striptease?
R - Nas boates que tinha no cais. E conheci algumas mulheres. Eu era uma pessoa bem afeiçoada. Não tive dificuldade de arrumar algumas mulheres. Aí, foi que eu conheci, primeiro, a Giselda, que morou comigo 10 anos. Com ela não tive filho.
P/1 - Senhor Reinaldo, só vai mais devagar para eu entender. O senhor era casado com a Maria Lúcia?
R - Isso.
P/1 - Aí conheceu... Já tinha filhos na época que conheceu a Giselda?
R - As minhas filhas, com ela, com a Maria Lúcia.
P/1 - Já tinha as meninas na época que o senhor conheceu a Giselda? As filhas?
R - Já tinha. Já tinha. Mas como eu disse para você, eu ia levar minhas filhas no colégio, cheguei lá e conheci umas mulheres. Em todo lugar que eu ia, arrumava mulher. Aconteceu que eu conheci a Giselda, que era uma loira muito bonita. Ai, ela tinha se separado do marido e ela cismou de morar junto comigo e eu aceitei. Porque a Lúcia já estava saindo fora, porque ela não aceitou o jeito que eu era. Aí, fez o divórcio. Aí, depois, veio essa que é a mãe da minha filha, que é jornalista e publicitária, que eu paguei a faculdade dela do começo até o fim.
P/1 - Como que é o nome dessa?
R - Vitória. Depois vou te mostrar a foto. Mas nesse ínterim ficou uma mágoa grande dos filhos, tinha que mentir, falar uma coisa para uma, falar uma coisa para outra, porque eu gostava dos meus filhos todos. E essa senhora aí, que é mãe da Vitória, ela deu o golpe da barriga, porque eu só saía com ela. Aí, ela chegou um dia na casa do meu pai, que eu morava com meu pai ali na Salgado Filho, ela falou: eu estou grávida. Eu falei assim, “dá um jeito aí, eu não tenho condições de assumir a tua gravidez.” Aí, ela falou: não, você tem sim. Ela ficou enchendo o saco lá na casa do meu pai, e o meu pai falou: dá um jeito aí, vê o que você vai fazer, não pode ficar… Que ela ficava na porta da minha casa me chamando. E o meu pai falava: não, você não pode ficar assim, dá um jeito. Eu tinha comprado um apartamento, que é esse que eu moro hoje. Ela pegou e entrou lá para dentro. Ficou até hoje lá. Só que eu tive a intenção de voltar para a minha mulher, que era a mãe dos meus filhos, nos finais de ano eu ia passar o Natal com eles e tudo. E as minhas filhas iam também. Entendeu? Aí, a Vitória ia. Mas depois ficou esse clima de ciúmes. A mulher daqui, a mulher de lá, as coisas foram se complicando.
P/1 - O senhor no total tem três filhas e um filho?
R - Eu tenho quatro filhos com a Maria Lúcia.
P/1 - Que são três meninas e um menino.
R - Isso.
P/1 - E depois tem a Vitória.
R - A Vitória com a Helena Mello de Freitas, que se separou do marido dela pra ficar comigo. Agora, você pode perguntar mais alguma coisa que você acha que eu pulei? É muita coisa, minha cabeça já não tá…
P/1 - Deixa eu ver... E como que eram esses natais que você passava as duas mulheres junto com as filhas? Só as filhas que o senhor reunia?
R - Não, só com as minhas filhas, porque eu priorizava mais a família da Maria Lúcia, que eu considerava a minha família e considero ainda até hoje. A Helena, eu achei que ela foi uma aproveitadora, que ela se aproveitou de entrar na minha vida, conseguiu, através dessa barriga que ela pegou, e a família dela chateada também, porque ela largou o marido para ficar comigo. Quer dizer… Até ela falou outro dia para mim… Que o marido dela está na UTI, está com problema de coração, está na UTI, aqui. Aí, ela falou assim para mim, “você foi culpado.” Eu falei: eu? Por que eu fui culpado? Se você que se separou do teu marido, você foi lá na casa do meu pai. O Ciro foi lá na casa do…” O marido dela. “Te chamar para você ir para a casa dele, você quis ir. Agora, você diz que eu sou culpado? Eu não sou culpado. Tenho a minha consciência tranquila.” Falei para ela. Ela hoje fez uma... Porque diz que ele tá com um… Ele não quis ir para o Parque da Aeronáutica, porque ele tem direito de ser internado lá na… Porque ele é oficial, ele era taifeiro e foi promovido a oficial. Com esse problema no coração dele, parece que vai ter que colocar uma válvula, que chama-se válvula mitral. Mas segundo os médicos aqui de onde ele está, não tem condição de locomover ele, porque ele está muito debilitado. Então, eles estão tentando fortalecer ele mais, porque ele não quer ir para lá, porque ele disse que teve uns amigos dele que foram para lá e não veio. E ele chora quando tentam falar para ele que ele tem que ir. Agora estão tentando fazer uma transferência dele aqui para o Hospital Santo Amaro, quando ele estiver mais reabilitado.
P/1 - Seu Reinaldo, em todos esses anos de pesca, eu queria que o senhor me contasse algumas histórias de pescador.
R - De pescador?
P/1 - É.
R - É, veja bem….
P/1 - Alguma lenda, alguma história?
R - Então, de pescador o que eu posso te contar é que tinha pescador que tinha fama de pegar bem peixe, e eu era um deles. Então, eles me chamavam de o guarda pescador. Como a gente pescava de parelha, para levar as parelhas dos guardas, porque ficou mais uns guardas trabalhando comigo, que era o Natalino, o Zé Antônio, e tem um outro, o Melo. E aí, começaram a colocar o nome da parelha dos Guarda Portuário. É um negócio até… E tinha outras histórias também, que tinha pescador que ia pescar nos riozinhos que tinha aqui, e teve uma lenda de uma mulher que traiu o marido e ele voltou da pescaria e pegou ela no flagrante. Aí, o que ele fez? Levou ela para um rio que tem aqui dentro, como quem vai para Bertioga, amarrou ela lá e ela ficava misericórdia, misericórdia. E o nome do rio ficou Misericórdia. É lenda, mas é uma lenda de pescador. Então, o nome do rio passou a ser Misericórdia, Rio da Misericórdia. Essa é uma das coisas mais marcantes que eu lembro.
P/1 - E o senhor tem algum dia de pescaria marcante que aconteceu alguma coisa, alguma história engraçada, alguma história trágica?
R - Não, trágica, graças a Deus, não teve nenhuma. O que aconteceu foi que nós fomos pescar lá para Bertioga com os meninos que eram guarda portuário e trabalhavam junto comigo na pescaria, que eles denominaram aqui como a parelha dos guardas, quando a gente ia, uma lancha de porte grande, o cara acho que não conhecia bem o canal, ele subiu em cima de um galho que sai de dentro do mangue para fora. No que ele subiu ali, a lancha ficou encalhada ali. E aí, menina, era uma maré de mosquitos, e ele estava com as meninas, tudo de fio dental, criança, todo mundo chorando, gritando. Aí, a gente parou, eu e os meninos paramos, chegamos lá, o tronco que entrou entre o leme e a hélice, era de uma grossura mais ou menos, assim, mais ou menos. “E agora, como é Natalino?” Que ficava mais comigo, mais próximo de mim. “Natalino, como é que nós vamos fazer para ajudar esse pessoal?” Nós estávamos ali tentando ajudar e o mosquito estava deixando a gente louco, entrando no cabelo, as crianças chorando. Não sei se chega a ser trágico, mas é bem chato. Aí o Natalino, “olha, o Monte Cabrão é aqui.” Você sabe onde é o Monte Cabrão, ali? É uma área de pescador também. “O Monte Cabrão é ali, lá tem estaleiro, lá a gente consegue um serrote, alguma coisa pra cortar esse galho.” Aí, nós conseguimos arrumar dois serrotes. Aí, entramos na água. Água aqui pelo peito, porque a lancha entrou entre o leme e a hélice. E onde a gente desceu não era profundo, era quase que encostadinho. Passamos quase duas horas ali cerrando aquele... Mas conseguimos. Conseguimos, aí a pescaria aquele dia acabou, não fomos mais. Só que o cara da lancha era rico. Aí, ele pegou, trouxe nós até aqui o portinho, aí deu um dinheiro, na época, não posso te falar quanto que foi, mas vamos falar no dinheiro de hoje. Deu mil reais. “Isso aí é o trabalho de vocês.” Eu falei: olha, não é nem pelo dinheiro, é pela sua família. Aí, tomou o meu endereço, ficou meu amigo. E toda vez que ele vinha pescar aqui, aí ele ficou aprendendo como é que era. Porque eu falei, o senhor não pode andar encostado, o senhor tem que andar pelo canal. Aí expliquei para ele que quando vai passar por um lugar, tem a coroa, que a gente chama de coroa, que é o lugar baixo. Aí o senhor tem que cair para cá, que é o lugar mais fundo. Aí ele aprendeu e depois ele ficava... “Pô, Seu Reinaldo, aprendi tudo isso com o senhor, mas precisei sofrer.” E eu fiquei com uma pena das crianças dele, ficaram tudo encaroçado, meu Deus, foi terrível. Essa fase aí foi... Foi muito chato isso aí.
P/1 - Eu queria que o senhor falasse um pouco dos seus filhos, né?
R - Dos meus filhos, o que eu poderia falar pra você, é que a Vitória… Porque as minhas filhas, as minhas filhas estudavam aqui, a CODESP pagava pra elas estudarem aqui no Domingos de Moraes. Elas estavam estudando lá. Só que elas não tiveram tempo de esperar para eu pagar faculdade para elas. Volta e meia, a mulher do Luciano, a Carla, fala assim: pai, você não pagou faculdade para mim. Por quê? Ela conheceu logo o Luciano e pularam a cerca. Não teve jeito. E a Sheila também conheceu o meu genro, que tem uma mobiliária e ele mesmo botou ela na faculdade e se formou dentro da área deles lá. E o meu filho Reinaldo, eu quis colocar ele na pescaria, mas a Maria Lúcia não aceitava. “Não, não quero meu filho no meio dos pescadores, não sei o quê.” Aí, o menino entrou para a área deles lá, foi trabalhar em imobiliária. E nos finais de ano a gente se reunia e foi mais para a época agora, que eu te mostrei aquela foto, que a Maria Lúcia é aquela de verde. Como ela estava com aquela cirurgia dela, que foi feita por pura vaidade, quis fazer, porque ela sempre teve o corpo bonito, ela quis fazer a cirurgia para tirar um pouco de gordura. Aí, fez essa... Como é o nome que eles dão para essa cirurgia? Bariátrica. Aí, ela fez. Fez, mas depois de algum... No começo, o médico que fez a cirurgia nela, ele sempre foi um médico muito bom, tanto que ele me operou também das duas hérnias que eu tive.
P/1 - Das duas o quê?
R - Duas hérnias, da direita e da esquerda. Eu fiz com ele e correu tudo bem. Só que a Maria Lúcia não deu sorte, porque sempre que ela ia se alimentar, ela colocava para fora. Aí, ela falou com ele para voltar a fazer a cirurgia. Só que ele falou: Lúcia, você está um pouco magra, não dá para fazer. Porque ela ficou muito debilitada em função disso. Comia, vomitava, comia, vomitava. Aí, ele pediu para ela, para dar um tempo. “Não, eu quero, o senhor fez isso aí, o senhor tem que consertar.” Ela era terrível, viu! “Tá bom, vamos fazer os exames.” Aí, fez os exames. Aí, constatou que ela ia fazer a cirurgia por... Aquela que enfia… Tem um nome, deixa eu ver se consigo lembrar... Por laser. Ela ficou mais segura. Só que aconteceu o seguinte, naquela de fazer, porque tem um cano que enfia e eles vêem tudo dali, só que ela tinha uma bola aqui e perfurou. Aí, não teve jeito, sangue foi pra cabeça, acabou falecendo.
P/1 - Faz tempo isso?
R - Já está com dois anos que ela faleceu. Inclusive, meu filho ficou.. “Porque nós temos que ir para a justiça, porque ele é médico, é chefe da Santa Casa.” Que ele é da parte de cirurgia, ele é o bom lá, o Doutro Cirineu. Mas eu não acredito que foi falha dele, aconteceu porque tinha que acontecer, ele tentou. Médico não mata porque quer, porque acontece alguma coisa que…. Tanto que ele me operou, minha operação correu tranquila. Mas o meu problema, do mieloma que eu tenho, foi por conta de trabalhar nesse canal aí, puxando rede do fundo, que aí veio a osteoporose, aí passou para o mieloma. E eu adorava pescaria, eu gostava de pescar porque ganhava um dinheirinho.
P/1 - Hoje em dia o senhor não consegue mais pescar.
R - Não, não. De jeito nenhum.
P/1 - E como que é a vida do senhor hoje em dia?
R - Hoje em dia é fazendo exame de 4 em 4 meses. Fazendo exame de 4 em 4 meses para ela ver como que está o grau do mieloma. E ela, na última vez, falou: o seu mieloma está... “Meu não, doutor, esse é um mieloma aí…” Ela: ele está dormindo, é a notícia boa que eu posso te dar, ele está dormindo, só que a gente tem que continuar investigando.” Então, dia 28 agora, eu vou voltar nela, com os exames que eu já fiz, que ela vai ver como é que está o progresso. Mas ela falou assim: Senhor Reinaldo, eu vou ter que ver outras áreas também. Porque eu falava para ela que eu tinha dificuldade para fazer necessidade fisiológicas. Aí ela falou: então, eu vou pedir uma colonoscopia. E pediu. E está para fazer agora dia 29 do 10. Eu vou fazer essa colonoscopia. Eu já fiz uma vez. Só deu um pólituzinho, mas saiu tudo tranquilo. Vou repeti. Porque ela falou que, como é uma doença do sangue, pode ir para outra área, entendeu? Mas eu estou preparado, minha querida. Eu não nasci para viver a vida toda.
P/1 - E o senhor tem netos?
R - Tenho. Tenho o filho do Luciano, que a gente chama de Lucianinho. Tenho o filho da Sheila, que só vai dar para te mostrar vendo a foto. E a Vitória optou em só estudar. Eu falei: filha, está na hora de você me dar um netinho ou uma netinha. “Não, pai, eu quero concluir meus estudos.” Ela se formou publicitária e depois jornalismo. Só que aqui em Santos está muito, como é que se diz, muita gente na área. E ela tá numa agência aí, mas ela fica um pouco em home-office e outro pouco ela vai pra lá, fica lá cinco, seis horas. Tá ganhando, mas não está ganhando o que ela quer. Porque ela com duas faculdades, ela quer ganhar mais. Aí, ela veio com essa história de ir pra São Paulo. E aí que tá me tirando a noite de sono. Porque São Paulo é perigoso, né, querida? E eu falei: filha, fica por aqui mesmo, ganhe um pouco menos, mas está aqui com a gente. Aí, eu coloquei esse ponto de vista lá para a minha oncologista, ela falou: Senhor Reinaldo, eu vou pedir uma psicóloga para o senhor, porque o senhor está muito… E o senhor pode trazer sua filha, que aí a psicóloga já vê vocês dois. Ela disse que eu estava… Quando a gente fica muito pensando naquilo, como é que é o nome que dá?
P/1 - Ansioso?
R - Ansioso. A ansiosidade do senhor está muito grande, o senhor pode ter um infarto.
P/1 - Senhor Reinaldo, e vocês se reúnem em datas comemorativas, aniversários, natal?
R - O que aconteceu foi o seguinte, a Vitória, ela não gosta muito de... Ela ia quando era mais criança. A gente ia, ficava junto lá, tudo. Mas agora a mãe dela fica com ciúme. Aí, ela quer ficar com a mãe dela. Aí, eu vou sozinho pra lá. Até porque, como eu já te disse, pra mim, minha família é eles lá. Entendeu?
P/1 - E todo mundo mora aqui na região?
R - É. A família da Lúcia mora todo mundo lá na Enseada. Meu filho, todo mundo. A família da Helena é tudo aquilo em Vicente de Carvalho. Mas fica uma guerra de família, entendeu? Mas se você quiser perguntar alguma coisa a mais de pescaria...
P/1 - Eu queria saber se tem alguma coisa que eu não perguntei e o senhor gostaria de falar.
R - Da pesca?
P/1 - Pode ser da pesca ou da família, ou pode ser dos dois.
R - Como eu já te disse, foi uma vida dupla né, profissional. Na guarda portuária e aqui na pescaria. Mas o fato que foi mais, foi esse aí que eu te falei da lancha lá, que subiu em cima do galho, deu um trabalho. Uma pena das crianças, as crianças gritavam.
P/1 - E essa lancha, depois, ela conseguiu sair de lá normalmente?
R - Ela foi lá para o… Aonde fica aqui o negócio de lancha? Ali na ponta da praia, ali. Ela foi lá para aquele estaleiro lá. Lá eles colocam a lancha lá. Roberto Carlos tem lancha lá. A lancha do Roberto Carlos, que é a Lady Laura, que tem lá.
P/1 - Ah, eu queria fazer uma pergunta. O barco do senhor, tem nome? Tinha nome?
R - Tinha.
P/1 - Qual que era o nome?
R - Uma era Sheila, botei o nome da minha filha, a outra era Carla, que a filha, é a mulher do Luciano, que é a Carla. E tinha a Giselda, que foi a mulher que morou comigo, morou 10 anos. A embarcação era de motor, mas era um motor tipo catarinense, era um motor de centro. Inclusive, quando a gente se separou, eu vendi essa embarcação e dei o dinheiro todo pra ela, porque ela ficou dez anos comigo.
P/1 - E mais uma pergunta que quero fazer. O senhor pesca de rede, né? Aí, quando joga a rede, já veio com o peixe, assim, um lixo, alguma coisa?
R - Veja bem, tem diferenças. A pescaria de parati, ela é feita, efetuada no baixiu, lugar baixo, tipo ali atrás da ilha do Barnabé, entendeu? Já a pescaria de tainha, já é num lugar um pouco mais profundo, que a gente fala sobre caceio, quando a gente larga a rede e deixa ela ir caceando. Isso se efetua muito lá na Bertioga. Ali a profundidade é de quatro, cinco metros. O que passa muito ali é lancha. Então, a gente fica esperto, atravessa a rede e deixa a rede correr. Chama-se pescaria de caceio. E o que vem? Vem tainha, vem bagre, porque o bagre à noite ele boia, entendeu? Aí chama-se pescaria de caceio. Durante o dia, o bagre aprofunda. Aí a gente tem que largar a rede no canal mesmo, para pegar ele, carapeba, corvina, aí já é no canalzinho. Mas não como aqui na área, como quem vai ali para Cosipa, ali os pescadores que pescam sofrem porque tem que puxar a rede em dois, porque é muita profundidade e o cara acaba ficando doente mesmo, que nem o Barriga está. Eu acho que o Barriga... Pergunta para ele o dia que você… Você vai entrevistar ele, não vai?
P/1 - Não, entrevistar não, mas eu vou encontrar ele mais vezes que a gente combinou uns passeios de barco.
R - Pergunta para você ficar mais fundamentada nos tipos de pescaria.
P/1 - Mas eu queria saber se quando puxa a rede já veio alguma coisa sem ser peixe.
R - Às vezes quando a maré está correndo, a maré corre, a maré não é parada. E o fundo do mar não é limpinho. No fundo do mar tem galho, tem pedra, aí engata. Aí, você tem que fazer força para tirar, para desengatar. Aonde que às vezes a rede rasga, aí tem que ir remendar. E esse menino aí, o Luciano, o meu pai ensinou ele remendar rede, ele sabe tudo de rede. Ele entralha, ele remenda, ele faz um monte de coisa.
P/1 - Mas sempre foi assim ou o senhor sente que agora tem mais sujeira que vem junto?
R - Não, sempre foi assim. Só que o pescador, em função do profissionalismo dele, ele já sabe onde ele vai largar a rede que tem menos risco. Porque, tanto que ele efetua aquele trabalho, ele já sabe. “Bom, esse lugar aqui é sujo, muito sujo.” Então, vamos procurar um lugar mais limpo. Entendeu? Já o caso do Barriga, ele pesca de jeriva. É uma rede que passa lá embaixo, com uma malhazinha bem pequenininha, que é que captura os camarões. Chama-se jeriva, pescaria de jeriva, que eles pescam com o motor ligado, a chata começa a andar de ré, o jerivá vai na frente e vem arrastando lá embaixo. Aí, quando eles sentem que têm camarão, porque dá sinal, aí eles puxam e vem quatro, cinco quilos de camarão em cada puxada daquela. Mas aí estou entrando na área dele, mas como eu tenho conhecimento, eu estou falando. Chama-se pescaria de jerivá. E a de rede que casseia é de casseada. Aí, você perguntou se sente quando vem peixe. Sente, porque o peixe dá tranco. Aí você sabe se é peixe pequeno, se é peixe grande. O bagre-cabeçudo, por exemplo, dá uns trancos fortes na rede, aí vai vir peixe grande aí. Aí a gente fica até animado.
P/1 - E o que o senhor vai deixar de legado?
R - De legado, o que eu tinha que deixar, eu já deixei para os pescadores que pescaram comigo na época. Eu pesquei com vários pescadores aqui. Agora, de legado para a minha família, eu vou deixar a minha honestidade, a minha personalidade. A minha filha, por exemplo, fala que quer ser igual a mim na parte de honestidade, porque eu sempre fui um homem muito honesto. Esse é o legado que eu vou deixar para elas. E eu sinto de não poder ter dado, na época, faculdade para todas elas, que eu queria dar, mas não deu, só deu para a Vitória. Porque a Vitória foi o... Como é que fala? A rapa do tacho. Ela foi estudando, foi aproveitando, e eu fui... Inclusive, dei inglês para ela também. Agora ela quer tirar a carta de motorista. Porque ela falou: pai, não tem como uma jornalista não ter carta de motorista. Eu falei: filha, tudo bem, só que agora você vai ter que ajudar. Porque ela diz que fica na faixa de dois, três mil reais para tirar uma carta, mas diz que eles parcelam. Eu falei: tudo bem, se fica tudo isso, eu te ajudo, mas você tem que ajudar também, porque o pai já… Não posso mais trabalhar de síndico. Eu trabalhei de síndico profissional, porque eu fui síndico do meu... O Luciano hoje é síndico também. Eu fui síndico no meu prédio, logo assim que eu acabei com essa atividade de pescaria e tudo, eu fui síndico no meu prédio, três anos. Aí, a equipe que trabalhava lá na portaria quis me conhecer, tal. Aí, o chefe deles me convidou se eu queria trabalhar de síndico profissional. “É, dá para ganhar um dinheiro?” Ele falou: dá. Aí eu fui. Fiquei quatro anos lá. Só saí por conta dessas dores que eu sentia. Eu não conseguia, tinha que fazer relatório, tinha que ficar muito tempo sentado. A dor é imensa, filha, é imensa. Você viu quantos comprimidos eu tomei? E daqui um pouco eu vou tomar o analgésico que eu estou evitando de tomar o analgésico, que é para não atacar muito os rins. Porque o analgésico, ele te ajuda de um lado, mas prejudica do outro. Às vezes eu aguento a dor ali, mas não tomo. Agora, como eu fiz os exames agora, a médica vai dizer como é que está a situação, né? E ela está esperando a colonoscopia, só que eu não quis fazer, porque eu fui no dentista que está me assistindo aqui, e ele falou, o senhor está com sapinho na boca, Seu Reinaldo, o senhor está com imunidade baixa. Aí, eu falei: o que eu faço? Eu estou com um exame de colonoscopia. “Não, não vai fazer não, o senhor vai passar mal.” Aí, liguei lá para o lugar que era para fazer, expliquei a situação, e ele me receitou um remédio, Nistatina, que eu uso. Está vendo? É sapinho, isso que dá em criança. Eu faço quatro vezes. “Se o senhor for fazer a colonoscopia do jeito que o senhor está, o senhor vai passar mal.” Mas a minha filha não gostou, porque elas que vão me levar. “Não pai, O senhor ia fazer num lugar bom, lá na Beneficência Portuguesa, qualquer coisa já estava ali mesmo, não ia dar problema nenhum.” Mas me meteram o medo, eu fiquei... Ninguém quer morrer, né? A gente sabe que um dia vai, mas ninguém quer.
P/1 - O senhor tem algum sonho?
R -
Insônia?
P/1 - Sonho.
R - O sonho que eu tenho é de ver minha filha formada, ganhando o dinheirinho dela, mas aqui. E as outras… As outras estão bem, a Sheila, a Carla. Ela sofreu um acidente, a mulher do Luciano, ela teve uma fratura aqui na perna, e o meu sonho era ver ela curada disso, que ela sente muita dor também. Aí, ela tem que fazer um tratamento, E ela sente, quando ela trabalha com a minha outra filha lá, que ela se movimenta um pouco, que ela tem que mostrar imóvel, ela tá na área imobiliária da minha… É da minha filha, porque o marido dela que é o dono. Aí, ela tem que mostrar, tem que... os apartamentos, entendeu? Aí, ela fica com a perna bem inchada, e é uma filha maravilhosa. Ela não sabe o que faz por mim. Ela me leva para passar o dia lá na casa do sogro do Luciano. Eu já me familiarizei lá. O pessoal todo lá gosta de mim. Aí, a gente fica junto lá. Ela, “paisinho, o que o senhor quer comer?” “Filha, o que você comer o pai come.” Só falta botar na minha boca, a mulher dele. Mas é uma menina maravilhosa, viu!
P/1 - Seu Reinaldo, como foi contar um pouquinho da sua história pra gente hoje?
R - Foi maravilhoso. Eu revivi várias coisas, inclusive da época de pescaria. Como já disse pra você, a função paralela da guarda portuária e da pesca. E é onde eu fiz amigos que eram guarda, que quis também entrar no esquema que é o Natalino, o Zé Antônio. Esse Zé Antônio acho que agora é motorista de caminhão. Não sei se ele já aposentou, que eu nunca mais vi. O Natalino eu sei que tá aposentado. Mas era uma turminha legal.
P/1 - Você não tem mais contato com eles?
R - Tenho, volta e meia ele liga pra mim. Mas ele tem problema de diabetes. Você vê, eu tenho problema de mieloma e não me atingiu a diabetes e nem a pressão alta. Eu só fico com a pressão um pouquinho alta quando eu vejo o Santos jogar. Aí, eu fico, cara! Inclusive o técnico do Santos é parecido com ele. Não é? Fala a verdade.
P/1 - Senhor Reinaldo, muito obrigada por contar um pouco das suas histórias para a gente. Agradeço em nome do Museu da Pessoa, em nome da VLI. Muito obrigada.
R - Está bom! Eu fico feliz de ter passado essas coisas para vocês, que naquele tempo aqui era tudo barracão, e a modernidade veio trazendo isso. E o Luciano ainda quer progredir mais, quer fazer a parte de cima lá, que é para angariar os pescadores daquele porto lá, que estão numa situação muito ruim. Eles, para vir trazer o pescado deles, têm que dar uma volta, passar por cima. Você viu já a obra que estão fazendo lá? Você vai ter que ir lá, porque você vai ter que entrevistá-los. Aí você vai ver a situação deles lá. Mas vai ser difícil trazer aquele pessoal todo pra cá, porque tem muitos pescadores lá. Eu vou ver se eu consigo mostrar.
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