Cintura Fina era um sujeito que marcou história em Belo Horizonte, nos anos 1950. Era um homossexual que habitava o baixo meretrício, a zona boêmia da cidade. Era brigador e usava a navalha para se defender e agredir os adversários. Quase todos os dias estava ele nas páginas do Diário da Tarde. Ora batendo, ora apanhando e às vezes preso. Era duro prendê-lo, dizia a polícia.
Um dia, quis o destino que ficássemos lado a lado. Era o ano de 1956. Eu tinha 12 anos e estava internado com tétano no Pronto-Socorro Policial de Belo Horizonte, na época localizado num sobrado na Rua dos Otoni, hoje, anexo do Hospital São Lucas.
Belo Horizonte era referência nos estudos da doença. As primeiras vacinas produzidas no Brasil estavam sendo testadas exatamente no Pronto- Socorro de BH. Havia contraído a infecção no dedo do pé, por causa de uma unha quebrada numa das peladas diárias de rua, na Pompeia. Mais precisamente, na Avenida Alphonsus de Guimarães.
Para melhorar o ferimento, eu coloquei sobre ele polvilho antisséptico Granado. Hábito popular, antigo e perigoso de se medicar por conta própria. Não se ia ao médico à toa. Também não havia médicos à vontade e nem dinheiro para consulta. Só emergência. Passados três dias, o dedo ficou roxo e de repente todos os órgãos do corpo foram enrijecendo. Fiquei duro e esticado como uma tábua.
O primeiro exame foi improvisado, no Lactário da Pompeia, na Rua Iara, esquina com Mário Martins, ambulatório mantido pelos capuchinhos, que atendia crianças recém nascidas. Davam leite aos subnutridos.
Ignácio, meu irmão mais velho, entrou comigo no ônibus. O motorista, vendo a gravidade do fato, mudou o itinerário e parou na porta do Pronto Socorro. Ali, ainda me lembro quando na cama, havia mais dois internos no quarto com tétano também. Um garoto como eu, e um adulto que suplicava por água. A morte chegando, disse a enfermeira, uma freira.
Ambos faleceram no dia...
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Cintura Fina era um sujeito que marcou história em Belo Horizonte, nos anos 1950. Era um homossexual que habitava o baixo meretrício, a zona boêmia da cidade. Era brigador e usava a navalha para se defender e agredir os adversários. Quase todos os dias estava ele nas páginas do Diário da Tarde. Ora batendo, ora apanhando e às vezes preso. Era duro prendê-lo, dizia a polícia.
Um dia, quis o destino que ficássemos lado a lado. Era o ano de 1956. Eu tinha 12 anos e estava internado com tétano no Pronto-Socorro Policial de Belo Horizonte, na época localizado num sobrado na Rua dos Otoni, hoje, anexo do Hospital São Lucas.
Belo Horizonte era referência nos estudos da doença. As primeiras vacinas produzidas no Brasil estavam sendo testadas exatamente no Pronto- Socorro de BH. Havia contraído a infecção no dedo do pé, por causa de uma unha quebrada numa das peladas diárias de rua, na Pompeia. Mais precisamente, na Avenida Alphonsus de Guimarães.
Para melhorar o ferimento, eu coloquei sobre ele polvilho antisséptico Granado. Hábito popular, antigo e perigoso de se medicar por conta própria. Não se ia ao médico à toa. Também não havia médicos à vontade e nem dinheiro para consulta. Só emergência. Passados três dias, o dedo ficou roxo e de repente todos os órgãos do corpo foram enrijecendo. Fiquei duro e esticado como uma tábua.
O primeiro exame foi improvisado, no Lactário da Pompeia, na Rua Iara, esquina com Mário Martins, ambulatório mantido pelos capuchinhos, que atendia crianças recém nascidas. Davam leite aos subnutridos.
Ignácio, meu irmão mais velho, entrou comigo no ônibus. O motorista, vendo a gravidade do fato, mudou o itinerário e parou na porta do Pronto Socorro. Ali, ainda me lembro quando na cama, havia mais dois internos no quarto com tétano também. Um garoto como eu, e um adulto que suplicava por água. A morte chegando, disse a enfermeira, uma freira.
Ambos faleceram no dia seguinte.
.Durante 13 dias permaneci em coma, e a cada momento de visitas, meu pai e minhas irmãs vinham me visitar e tomavam um susto ao verem nomes apagados no quadro negro na porta do quarto, que indicava quem de lá tinha saído, com alta ou morto. Mas eu resistia.
Houve um dia, porém, que o susto delas foi maior. Ao chegarem para as visitas, viram que na cama ao meu lado, estava nada menos que um dos mais temidos marginais de Belo Horizonte: o Cintura Fina. Todo enfaixado, da cabeça aos pés. Parecia uma múmia. Tinha entrado numa briga na zona boêmia, e numa luta de navalhas, fôra todo retalhado.
Embora todo enfaixado, ele conseguia falar e andar e foi pelas mãos dele que, após 13 dias de coma e paralisado, eu comecei a caminhar pelo quarto, reaprender a andar. Condição para receber alta logo. E durante mais de uma semana, nas visitas diárias, ele conversava com minhas irmãs. No fundo, ele era uma pessoa de bons sentimentos.
Mais tarde, já falecido, de bandido virou celebridade. Sua história foi resgatada em 2005. Cintura Fina apareceu na minissérie televisiva Hilda Furacão, de Roberto Drummond, interpretado pelo ator Matheus Nachtergaele. Enorme semelhança. Grande interpretação. Sucesso de audiência.
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