Meu nome é Luiz Antônio Camargo de Melo, eu sou carioca da cidade do Rio de Janeiro, nasci em 7 de julho de 1960.
O nome do meu pai é Antônio de Melo, ele é aposentado mas trabalhou como motorista e minha mãe é Geni Camargo de Melo, que também está aposentada e trabalhou como professora.
Bom, eu acho que eu vivi no Rio no tempo que a gente ainda podia jogar bola na rua, soltar pipa e as minhas lembranças são as melhores possíveis. Eu ainda amo o Rio de Janeiro como se aquela cidade ainda fosse a mesma de 20, 30 anos atrás, onde a gente vivia, digamos, com grande tranqüilidade.
Eu nasci no centro da cidade e meus pais moravam na Ilha do Governador. Como eu fui o primeiro neto, o meu avô, pai da minha mãe, praticamente exigiu que o meu pai fosse morar perto da casa dele, então ainda pequeno, antes de 3 anos de idade eu fui morar na Baixada Fluminense em Duque de Caxias e lá vivi a maior parte da minha vida. Depois casei e saí de lá.
O que me levou a fazer Direito foi a expectativa de aliar a profissão, isto é, o exercício profissional com uma perspectiva de luta por uma questão social, pela defesa dos direitos das pessoas, que às vezes não têm quem faça essa defesa.
Essa opção pelo Direito traz com ela uma segunda opção que é a opção pelo Direito do Trabalho. Eu estudei na Faculdade Federal do Rio de Janeiro e já no segundo ano da faculdade eu já comecei a militar na área sindical, mesmo não podendo estagiar, porque o estágio só é feito nos dois últimos anos, no quarto e quinto ano do curso. Mas já a partir do segundo ano eu comecei a militar em sindicatos; então estagiei em vários sindicatos do Rio de Janeiro, e, depois advoguei para esses sindicatos e, em seguida, passei no concurso público para o Ministério Público do Trabalho. A minha vivência profissional no Direito do Trabalho mostra que é importante se estabelecer um exercício profissional em defesa do trabalhador. Isso acabou me levando ao Ministério...
Continuar leituraMeu nome é Luiz Antônio Camargo de Melo, eu sou carioca da cidade do Rio de Janeiro, nasci em 7 de julho de 1960.
O nome do meu pai é Antônio de Melo, ele é aposentado mas trabalhou como motorista e minha mãe é Geni Camargo de Melo, que também está aposentada e trabalhou como professora.
Bom, eu acho que eu vivi no Rio no tempo que a gente ainda podia jogar bola na rua, soltar pipa e as minhas lembranças são as melhores possíveis. Eu ainda amo o Rio de Janeiro como se aquela cidade ainda fosse a mesma de 20, 30 anos atrás, onde a gente vivia, digamos, com grande tranqüilidade.
Eu nasci no centro da cidade e meus pais moravam na Ilha do Governador. Como eu fui o primeiro neto, o meu avô, pai da minha mãe, praticamente exigiu que o meu pai fosse morar perto da casa dele, então ainda pequeno, antes de 3 anos de idade eu fui morar na Baixada Fluminense em Duque de Caxias e lá vivi a maior parte da minha vida. Depois casei e saí de lá.
O que me levou a fazer Direito foi a expectativa de aliar a profissão, isto é, o exercício profissional com uma perspectiva de luta por uma questão social, pela defesa dos direitos das pessoas, que às vezes não têm quem faça essa defesa.
Essa opção pelo Direito traz com ela uma segunda opção que é a opção pelo Direito do Trabalho. Eu estudei na Faculdade Federal do Rio de Janeiro e já no segundo ano da faculdade eu já comecei a militar na área sindical, mesmo não podendo estagiar, porque o estágio só é feito nos dois últimos anos, no quarto e quinto ano do curso. Mas já a partir do segundo ano eu comecei a militar em sindicatos; então estagiei em vários sindicatos do Rio de Janeiro, e, depois advoguei para esses sindicatos e, em seguida, passei no concurso público para o Ministério Público do Trabalho. A minha vivência profissional no Direito do Trabalho mostra que é importante se estabelecer um exercício profissional em defesa do trabalhador. Isso acabou me levando ao Ministério Público do Trabalho e uma vez no Ministério Público do Trabalho, tive a opção pelas áreas em que você tem a possibilidade de fazer com que o direito chegue a trabalhadores que são explorados, crianças que são exploradas e daí em diante.
Eu estou em Brasília há pouco tempo, há quase 2 anos e meio. Antes de Brasília eu trabalhei 10 anos no Mato Grosso do Sul, uma experiência muito rica, nós tivemos uma intensa atuação de combate ao trabalho infantil e ao trabalho escravo em carvoarias, de regularização do trabalho dos indígenas nas destilarias de açúcar e álcool lá no Mato Grosso do Sul. Esse trabalho me propiciou um amadurecimento profissional muito grande e uma promoção que me trouxe pra Brasília.
Hoje eu tenho uma atuação intensa no Ministério Público, na Procuradoria Geral do Trabalho. Eu coordeno a Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo, coordeno uma segunda coordenadoria nacional que é a Coordenadoria de Recursos Judiciais e sou membro eleito do Conselho Superior do Ministério Público do Trabalho. Isso já me dá uma agenda bastante concorrida, então não me deixa muito tempo pra pensar em outras coisas. Mas a expectativa profissional é extremamente gratificante no Ministério Público do Trabalho.
Na Primeira Coordenadoria de Erradicação do Trabalho Escravo, nós participamos de todas as operações de resgate de trabalhadores. Há um grupo organizado pelo Ministério do Trabalho e Emprego, grupo de auditores fiscais, chamado Grupo Móvel, e os procuradores do Trabalho participam ativamente dessas operações. Nós recebemos denúncias e juntamente com os auditores fiscais, nós procuradores do trabalho, vamos aos locais onde há denúncia de trabalho escravo, de exploração de trabalhadores, de trabalho degradante. E quando essas denúncias são confirmadas, nós participamos do processo de retirada, de resgate desses trabalhadores e além disso entramos com ações, as chamadas Ações Civis Públicas da Justiça do Trabalho pleiteando direitos desses trabalhadores, principalmente as indenizações por dano moral, que é uma forma de punir aquele que explora o trabalhador, fazendo com que ele pague uma indenização pelo fato de manter trabalhadores em condições análogas à de escravo.
É um erro acreditar que quem pratica trabalho escravo no Brasil é uma pessoa que não tem informação. Isso é um erro. Nós encontramos na maior parte das vezes grandes empresários, grandes empresas, grandes latifundiários. Eu costumo dizer que quando se trata de discutir trabalho escravo no Brasil tudo é grande, principalmente a impunidade. Talvez a impunidade seja a maior de todas as grandezas, não é? Mas você entra numa fazenda que é do Rei do Feijão, você entra numa que é do Rei da Castanha do Pará, você entra numa fazenda que é do rei disso, rei daquilo, ou seja, o Rei da Exploração dos Trabalhadores. É isso que a gente tem encontrado
Acontece o trabalho escravo no Brasil como acontece em vários lugares do mundo, isso não é um privilégio nosso, por conta da impunidade principalmente, por conta da ganância, aquela ânsia do lucro fácil. É muito fácil explorar o trabalhador; e o trabalhador é uma mão-de-obra que é muito facilmente substituída. Veja que no período da escravidão imperial, o escravo custava caro, era muito caro trazer um escravo da África para o Brasil, então o próprio senhor do escravo tinha muito interesse, claro que ele exercia o seu poder. O escravo não era considerado uma pessoa, era considerada um bem, então ele apanhava, trabalhava à força. Mas hoje o trabalhador é descartável, custa muito barato. Se você procurar chegar a mandar um representante, o fazendeiro manda um representante em vários municípios do interior, alguns desses municípios já estão perfeitamente identificados, não é? E é uma forma muito fácil de conseguir trabalhadores e inclusive ludibriá-los levando-os para outros municípios onde eles vão prestar serviços. Então, você chega em cidades onde há uma miséria absoluta, uma desesperança, não há emprego, não há forma de prestar serviços, não há forma, inclusive, de sobreviver, então, há toda uma conversa, um engodo no sentido de levar o trabalhador para um outro município pra prestar serviços com a promessa de uma remuneração boa, de boas condições de trabalho, de poder voltar, de garantir a subsistência própria e da sua família. E, na maior parte dos casos, o trabalhador quando chega ao local de trabalho, vê que não é nada daquilo. O empregador, esse que explora o trabalhador, esse chamado escravocrata moderno, ele tem um lucro muito grande, ele não recolhe nenhum dos impostos, ele não recolhe o Fundo de Garantia, ele não recolhe INSS, ele não paga salário. Trabalhador troca sua força de trabalho pela comida, que além de tudo é superfaturada. Então é um bom negócio, além de tudo, há impunidade, não se prende ninguém. Hoje você tem punição efetiva, eficaz, só mesmo as autuações dos auditores fiscais que, infelizmente, são autuações em valores muito pequenos, as condenações obtidas pelos procuradores do trabalho na Justiça do Trabalho, as indenizações de dano moral, essas sim têm sendo em valores cada vez mais elevados, é a grande forma de punir, além da restrição a crédito do dinheiro público. Quem acaba envolvido nesse crime tem seu nome incluído no cadastro de empregadores mantido pelo Ministério do Trabalho e Emprego, conhecido como Lista Suja. Mas esse cadastro de empregadores é uma grande arma, não é? O sujeito que pratica o trabalho escravo, ele acaba, não por determinação do Ministro do Trabalho, mas pela própria sistemática do Sistema Financeiro, então, se você vai emprestar dinheiro pra alguém, o Sistema Financeiro quer garantias, né, como é que o Sistema Financeiro vai emprestar dinheiro pra quem não pode dar garantias, para quem amanhã pode ter sua fazenda desapropriada ou ser condenado pela Justiça a uma indenização de grande montante, não é? Então essa é a lógica que nós queremos, que o Sistema Financeiro observe isso e não financie quem explora trabalhador, principalmente com dinheiro público.
Participei de inúmeras ações de resgate, na verdade eu já ando com saudade... Porque há pelo menos uns 3 anos que eu não participo de operação de campo. Nesse período que eu estou em Brasília, a gente acaba coordenando e você não tem chance de se coordenar, não é? Mas eu participei de inúmeras operações, eu posso destacar algumas envolvendo adolescentes, algumas envolvendo crianças, você encontrar crianças de 8, 10 anos trabalhando em forno de carvão, você encontrar um guri indígena de 12, 13 anos cortando cana como se fosse um adulto. Aí você quer tirar aquela criança indígena, aquele adolescente do corte da cana e, você se depara com uma situação interessante porque às vezes um garoto de 13 anos já tem uma mulher e um filho pra sustentar, dentro de uma comunidade indígena onde os valores culturais são diferentes dos nossos. Eu já enfrentei algumas situações dessas, já enfrentei cara feia, já enfrentei ameaça, já enfrentei porteira trancada, já enfrentei coisas misteriosas, como o dia em que estava voltando de noite do meio do mato pra cidade e a roda do carro se solta Inexplicavelmente descobri que os parafusos foram afrouxados A gente enfrenta situações desse tipo, mas é um trabalho, repito, gratificante.
O que é que mais me apaixona de ir a campo, até parece uma propaganda Tem um comercial que vem sendo divulgado nesses últimos dias que estabelece que tal coisa custa tanto, outro coisa custa tanto, mas uma terceira coisa, não tem preço. Então, você observar um cidadão de 50 anos, de cabeça branca com o rosto profundamente marcado por uma vida duríssima, sem dentes, receber 500, 600 reais e achar que está recebendo uma fortuna porque ele nunca viu tanto dinheiro junto, esse cidadão nunca tirou uma fotografia, nunca teve um documento de identificação, então você chega num lugar como esse, fazer com que esse cidadão seja identificado, dar cidadania a esse cidadão, dar uma carteira de trabalho pra ele, tirar uma fotografia - ele vai botar o dedão porque ele não sabe assinar o nome, nem desenhar o nome como o Mobral ensinava ele não sabe - e você faz com que o empregador pague ali na hora os direitos que ele tem direito porque ele trabalhou ali 2, 3, 4, 5, sei lá quantos anos e nunca viu dinheiro, trabalhava pela comida que era superfaturada. Então você vê o sujeito abrir uma boca completamente vazia e dizer que ta feliz da vida, aí, isso não tem preço É disso que eu tenho saudade.
É mais difícil identificar o trabalho escravo na cidade porque a caracterização do chamado trabalho escravo contemporâneo ela se dá em duas vertentes. A primeira delas é a absoluta supressão da liberdade e isso é difícil de ver na cidade porque na cidade os meios de locomoção são vários e facilitados. Quando o trabalhador está numa fazenda e não tem condição de sair a pé de lá no meio do mato, no meio do nada. Às vezes esse trabalhador é levado de noite, por estradas vicinais, ele não sabe nem onde está. Às vezes há o fornecimento de cachaça, água ardente para a viagem e esse trabalhador vai embriagado para não ter como identificar o local onde está trabalhando. Então, essas situações, aliadas à violência, à coação psicológica, ameaças, servidão por dívida, acabam restringindo a liberdade do trabalhador. Ele não tem como sair, essa é uma das características do trabalho escravo. Agora, há também o trabalho degradante, esse pode ser observado mais facilmente nas cidades, pois a supressão da liberdade é mais difícil, mas as condições degradantes acontecem até com uma certa regularidade. É aquela situação em que o trabalhador não tem acesso aos direitos garantidos pela legislação trabalhista, previdenciária, pela legislação de saúde e segurança do trabalhador. Então o trabalhador não tem um equipamento de proteção, é um trabalhador que não tem água potável, não tem sanitários, não tem um alojamento descente. Isso nós encontramos no campo, mas podemos encontrar na cidade também, já a supressão de liberdade é mais difícil de encontrar na cidade.
Em relação ao trabalho infantil, eu gosto de dizer que enquanto a gente acreditar que essa é uma questão da sociedade, mas a sociedade acredita que o trabalho infantil é solução, que é muito melhor você colocar a criança pra trabalhar pra não deixar que ela fique cheirando cola, ou então praticando pequenos furtos nos sinais de trânsito ou nos calçadões, a sociedade acredita que vai evitar um mal muito grande que é a criança delinqüente, então ela pensa que o melhor é colocar a criança pra trabalhar. Não é essa a solução Trabalho infantil não é solução, trabalho infantil é problema Enquanto a gente ficar imaginando que trabalho infantil é solução, nós não vamos acabar com o trabalho infantil no Brasil. É preciso saber que o trabalho infantil é um problema, você não pode deixar a criança delinqüir, mas você também não pode deixar a criança trabalhar. A criança precisa se formar, pra se formar ela precisa brincar, isso faz parte da formação. Pra você ter uma idéia, equipamento de proteção individual não existe pra criança nem pra adolescente, porque só foi feito pra adulto, porque se você colocar uma criança, um adolescente trabalhando numa situação de risco que precise do equipamento, por exemplo, pra proteger os olhos da faísca de um maçarico, não tem, por que? Porque o óculos é grande, foi feito pra um adulto, então você não tem nem como proteger, quer dizer, é um absurdo se imaginar que o trabalho infantil é solução. Aí se cria histórias de aprendizagem onde você pega um guri de 12, 13, 14 anos e põe numa padaria pra aprender a fazer pão e diz: “Não, isso é uma aprendizagem, ele está aprendendo a fazer pão, ele está aprendendo uma profissão.” Aí você vai botar um menino de 12 anos pra fazer pão numa padaria, trabalhando na beira do forno, você vai conseguir que ele se queime, porque não pode fazer parte daquele processo. O processo de aprendizagem obriga a que? Escola regular, atividades lúdicas de entretenimento da criança pra favorecer a formação e o direito à aprender uma profissão. Isso não pode acontecer antes dos 14 anos. Dos 14 aos 16 é possível que se tenha uma relação de aprendizagem, mas não é o guri que pede um emprego na padaria e o sujeito bota ele pra fazer pão pra pagar 10 reais por semana, isso é abuso, isso é exploração. Então a aprendizagem ela tem um processo próprio, né, regulamentado, observado, regulado pra que a criança se desenvolva e aprenda um ofício.
Hoje nós temos nossa procuradora geral, a Doutora Sandra Lia Simon; ela estabeleceu metas institucionais e teve o grande mérito de transformar essas metas institucionais em coordenadorias nacionais. Ela criou a Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo. Então o Ministério Público do Trabalho criou coordenadorias nacionais de erradicação de trabalho escravo, de erradicação de trabalho infantil, de combate às fraudes na legislação do trabalho, de combate a todas as formas de discriminação no emprego e na profissão, e outras, fraudes na administração pública, trabalho portuário, são sete coordenadorias públicas. Então, nós estamos trabalhando dessa forma, esses grandes assuntos, eles acabam sendo canalizados para as coordenadorias nacionais, procuradores do Brasil inteiro vivem reunidos discutindo formas de melhor enfrentar esses problemas e, desse jeito, nós também nos articulamos com outros setores.
Porque uma coisa nós aprendemos cedo é que ninguém resolve esse problema sozinho, seja o trabalho infantil, seja o trabalho escravo, seja discriminação, qualquer tipo de discriminação, contra o negro, contra a mulher, contra a pessoa portadora de necessidades especiais. É imprescindível a atuação, a intervenção articulada, então você procura o poder público, o governo municipal, o governo estadual, o governo federal, os organismos desses governos, você procura os demais ramos do Ministério Público e você também vai atrás da sociedade civil que é o grande avanço que nós experimentamos, né? É a sociedade civil organizada, as ONGs, os sindicatos que participam junto conosco e nos auxiliam, trazem as denúncias, trazem as cobranças e ajudam, auxiliam no enfrentamento dessas situações. É um grande avanço.
Hoje nós temos a maior incidência na área rural nos estados do Pará, do Mato Grosso, no Tocantins, de Rondônia, na Bahia, principalmente na chamada área de expansão da fronteira agrícola, não é? Então é muito comum observar um processo muito grande de desmatamento e casos de exploração de trabalhadores, necessidades da expansão da fronteira agrícola, ou seja, a destruição da mata nativa para plantar soja e outros insumos agrícolas ou para a criação do gado. Primeiro vem o desmate, depois a formação do pasto, então nesse primeiro momento de desmate, de destruição, é muito comum encontrar a exploração de trabalhadores.
Porque num primeiro momento na atividade de pecuária, não se encontra muito o trabalho escravo, é difícil, mas no preparo do pasto que antecede a atividade pecuária você encontra. Agora, na área agrícola, você encontra antes, durante e depois. Você encontra antes, na preparação da terra, você encontra durante o plantio, você encontra depois, inclusive, na colheita. O algodão, por exemplo, é uma cultura em que você encontra a exploração de trabalhador principalmente pelo curto espaço de tempo que tem determinadas tarefas na cadeia produtiva do algodão, na parte de plantio e colheita. E aí há muitas situações interessantes e que merecem uma atenção maior pra você interferir e evitar a exploração do trabalhador.
Quando eu digo que é imperativo atuar de forma articulada é porque você não pode abrir mão dessa intervenção junto com os organismos públicos, privados e não governamentais também. Isso porque você tem uma linha de atuação que é voltada pra solução de problemas. Não adianta você ficar fazendo oba-oba, então eu entro numa fazenda, tem lá 100 trabalhadores, vou lá e faço uma operação pirotécnica, dou entrevista pro rádio, pra televisão, pro jornal e deixo os trabalhadores lá? Então eu preciso tirar o trabalhador. Aí eu tiro o trabalhador, o que é que eu faço com esse trabalhador? Eu preciso dar a esse trabalhador uma forma com que ele não volte mais, então nós elaboramos um plano que foi entregue ao Presidente da República no início de 2003, o Presidente lançou esse Plano Nacional de Erradicação de Trabalho Escravo e já está quase todo concluído, a maior parte das metas previstas no Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo estão cumpridas ou estão sendo cumpridas. São poucas as metas, e principalmente as metas que dependem, assim, digamos das áreas mais sensíveis do governo, que é o do Orçamento, eles são extremamente sensíveis, então essas metas nós temos um pouco mais de dificuldade, mas de uma forma geral a articulação está crescendo. Ano a ano nós estamos avançando na erradicação do trabalho escravo e isso é muito bom Você vai dizer assim: “Ah, vai erradicar até o final do ano?” Acho muito difícil, mas é possível dizer que houve um avanço, isso é claro Já desde o último governo, o último período do Presidente Fernando Henrique Cardoso é que nós viemos apresentando sensíveis avanços, né. Nós últimos quatro anos do Presidente Fernando Henrique Cardoso houve um avanço e nos 3 anos do governo do Presidente Lula o avanço foi muito maior.
Eu acredito que a grande lição é sempre a lição democrática, é a da intervenção articulada. Eu cheguei no Mato Grosso do Sul em setembro de 1993, eu fui pra lá pra ficar 25 dias e fiquei 10 anos, né, e tomei conhecimento de um fórum que tinha sido organizado seis meses antes da minha chegada que era constituído de organismos do governo estadual e federal e de entidades da sociedade civil, ONGs etc. Então, num primeiro momento eu senti um impacto, né? Sou procurador, sou membro do Ministério Público, sento à mesa com várias entidades, com várias pessoas pra tomar conhecimento do problema e discutir soluções e aí, naquele primeiro momento, o que é que eu encontro? Encontro dedo em riste, acusando o Ministério Público de não tomar providência, né? Olha, nós acabávamos de nos instalar no Mato Grosso do Sul, nós não existíamos no Mato Grosso do Sul, né, e aí você vê que num primeiro momento você tem vontade de dizer: “Olha, já que é assim eu vou embora Eu vou voltar pro meu gabinete, vou fazer o meu trabalho, não preciso ficar aqui ouvindo desaforo” Mas aí você pára e pensa e diz que aquele ali, vê que aquele ali é um sentimento justo da sociedade. A sociedade quer que o problema seja resolvido. E você aprende, primeiro, precisa ouvir, é preciso receber a informação, é preciso trabalhar essa informação e resolver o problema, e você aprende que você também não resolve sozinho porque eu vi uma criança uma vez, uma criança de 3 anos dormindo dentro de um forno de uma carvoaria, ela dormia no chão, já tinha com 3 anos a respiração, parecia que seu aparelho respiratório já estava comprometido, não sou médico, não posso garantir mas me pareceu isso pela forma como respirava, de uma forma quase que ofegante, dormindo, né, e ela não estava trabalhando, estava dentro do forno, aquele forno todo sujo de pedaços de carvão, a mãe estendeu um saco, era o saco onde eles colocavam o carvão para transportar, o saco estava estendido no chão; aquele forno de carvoaria parece um iglu, né, então a criança estava deitada lá no forno dormindo Do lado de fora, tomando conta dos outros fornos, né,uma bateria grande, estava trabalhando o pai, a mãe e o irmão mais velho, que devia ter uns 10 ou 12 anos, o irmão do meio tava por ali e a menorzinha estava dormindo dentro do forno. Você diz, olha: “Aquela criança está trabalhando?” Não, você viu que ela estava dormindo, vai dizer, vamos inventar história, dizer: “Não, estava aqui.”, não, não, tava dormindo O que é que você faz com uma criança dessa? Você vai deixar lá? Não pode, então é preciso do que? É preciso você articular uma escola na área rural, transporte pra essa escola, vai envolvendo um sem número de pessoas e de entidades porque tirar a criança dali é um problema complexo, eu poderia fazer um pedido e interditar a carvoaria. O auditor fiscal do trabalho tem poder para interditar de imediato. Eu poderia fazer um pedido judicial e pedir ao juiz para interditar, mas isso não resolve o problema, você vai criar é um problema maior porque aqueles trabalhadores que estavam tirando sua sobrevivência dali iam pra onde? Pra periferia, ia criar ao longo do tempo uma favela ao redor das cidades, não é? Então é preciso trabalhar de forma articulada, é preciso ter sensibilidade, ter espírito democrático e ouvir também, porque a gente também erra. Eu acho que essa é a grande lição. Pra mim é uma grande lição, intervir de forma articulada, respeitar os parceiros, trazer cada vez mais parceiros que tenham responsabilidade e que possam auxiliar na solução dos problemas.
Recolher