Algumas pessoas, apesar de feias, têm um coração de ouro e custa muito a acreditar que elas realmente existiram. Este é o caso de uma pessoa maravilhosa que conheci na infância.
Eu era um garoto doente, vivia sempre com o pescoço inchado e dores insuportáveis no ouvido direito, provenientes de uma inflamação que me acompanhava desde os quatro anos de idade, quando meu pai morreu. Andava sempre com a cabeça inclinada para o lado porque, quando tentava ficar em posição normal, as dores eram muito maiores. Passava a maior parte do tempo lendo, depois de ser alfabetizado até a quarta série primária. Daí para frente, meu estado foi se agravando e tive que deixar a escola, que freqüentava quando morava com uma tia de segundo grau e com umas primas, no bairro de Rocha Miranda.
Tendo ido morar com minha mãe no longínquo subúrbio de Barros Filho, passava a maior parte do tempo lendo, "viajava" pelo mundo inteiro através dos livros que ganhei de uma irmã mais velha, uma pilha enorme de livros de autores do mundo inteiro, desde Balzac a Tolstói.
Também lia o jornal que o senhorio italiano da casa em que morava me emprestava todos os dias, ao chegar do trabalho, à noite. Toda semana ia com minha mãe a uma clínica de otorrino na cidade, a Clínica Prof. José Kós, ao lado do Hospital Moncorvo Filho, na praça da República. Era estabelecimento particular, administrado por uma família de médicos especializados e minha mãe tinha que pagar consulta, o que fazia com muita dificuldade.
O médico que me atendia sempre era enorme e ainda mais enorme era seu nariz, todo empolado e furado. Minha mãe, talvez para me distrair das dores que sentia, pois estava sempre sério e com dentes cerrados, falou: - Olha, Geraldo, aí vem o Dr. Nariz de Batata.
Mesmo quase gemendo com as dores, não consegui evitar rir e, a partir daquele dia, o meu médico passou a se chamar "Dr. Nariz de Batata".
O Dr. Sérgio, este era seu nome, gostava muito de mim, e ao...
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Algumas pessoas, apesar de feias, têm um coração de ouro e custa muito a acreditar que elas realmente existiram. Este é o caso de uma pessoa maravilhosa que conheci na infância.
Eu era um garoto doente, vivia sempre com o pescoço inchado e dores insuportáveis no ouvido direito, provenientes de uma inflamação que me acompanhava desde os quatro anos de idade, quando meu pai morreu. Andava sempre com a cabeça inclinada para o lado porque, quando tentava ficar em posição normal, as dores eram muito maiores. Passava a maior parte do tempo lendo, depois de ser alfabetizado até a quarta série primária. Daí para frente, meu estado foi se agravando e tive que deixar a escola, que freqüentava quando morava com uma tia de segundo grau e com umas primas, no bairro de Rocha Miranda.
Tendo ido morar com minha mãe no longínquo subúrbio de Barros Filho, passava a maior parte do tempo lendo, "viajava" pelo mundo inteiro através dos livros que ganhei de uma irmã mais velha, uma pilha enorme de livros de autores do mundo inteiro, desde Balzac a Tolstói.
Também lia o jornal que o senhorio italiano da casa em que morava me emprestava todos os dias, ao chegar do trabalho, à noite. Toda semana ia com minha mãe a uma clínica de otorrino na cidade, a Clínica Prof. José Kós, ao lado do Hospital Moncorvo Filho, na praça da República. Era estabelecimento particular, administrado por uma família de médicos especializados e minha mãe tinha que pagar consulta, o que fazia com muita dificuldade.
O médico que me atendia sempre era enorme e ainda mais enorme era seu nariz, todo empolado e furado. Minha mãe, talvez para me distrair das dores que sentia, pois estava sempre sério e com dentes cerrados, falou: - Olha, Geraldo, aí vem o Dr. Nariz de Batata.
Mesmo quase gemendo com as dores, não consegui evitar rir e, a partir daquele dia, o meu médico passou a se chamar "Dr. Nariz de Batata".
O Dr. Sérgio, este era seu nome, gostava muito de mim, e ao chegar à clínica, eu era quase sempre o primeiro a ser atendido por ele, que ainda reservava alguns minutos para conversar e brincar comigo. Durante mais de seis meses fui atendido por ele que, era um dos sócios da clínica.
O pior aconteceu. No dia de São Cosme e São Damião, à procura de doces de casa em casa, na rua em que morava, tudo se apagou. Havia desmaiado na rua e acordei em um quarto do hospital. O diagnóstico: meningite aguda. Após três meses internado, voltei para casa e recomeçou a rotina semanal de ir a clínica para ser atendido pelo "Dr. Nariz de Batata",
O meu estado havia se agravado e o médico falou para minha mãe que se eu não fosse operado logo, talvez não tivesse mais de um ano de vida. Minha mãe ficou aflita, a operação era cara, não podia pagar, e a casa de saúde era particular. Foi aí que descobri que tinha ganhado um grande amigo e nem sequer suspeitava.
O Dr. Sérgio tranqüilizou minha mãe. Ele ia fazer a operação e ela não pagaria nem um centavo. As consultas posteriores também passariam a ser de graça. Porém, eu poderia ficar completamente surdo, pois ele teria que raspar completamente meu ouvido direito.
E foi feita a operação. Os cinco dias internado na clínica foram os dias mais agradáveis de minha infância. Nada de dores, coisa a que já estava acostumado. Havia sempre o que ler: livros, revistas e, à noite, quando estava sem sono, as enfermeiras me chamavam para ficar um pouco com elas na sala de recepção, onde ganhava sorvete e era paparicado.
No dia da alta fiquei muito triste. O tempo passou, cresci, e hoje, com 60 anos, a lembrança do "Dr. Nariz de Batata" jamais saiu de minha mente. O anjo que salvou a minha vida já se foi há muitos anos, mas a imagem dele ficou gravada em meu coração como exemplo de bondade e solidariedade, o que eu aprendi a admirar.
(Depoimento de julho de 2008)
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