P/1 – Gabriela, para deixarmos registrado, por favor, seu nome completo, data e local de nascimento.
R – É Gabriela Prócida Raggio, sou nascida em São Paulo.
P/1 – Quando?
R – Quatro de janeiro de 79.
P/1 – Fala um pouquinho da sua trajetória escolar e o começo de sua infância.
R – Ah, infância de paulistano, não é? Eu nasci e morava na Zona Oeste de São Paulo, numa casa. Era uma casa que, aliás, eu tinha medo, que já tinha tido um pequeno assalto na rua que tinha tido tiro, eu morria de medo de casa e muito pequenininha, com cinco anos, acho, fui morar em prédio, que eu amava e me sentia muito segura por lá. E assim foi a minha infância. Era em prédio, um prédio que tinha muita gente mais velha, então eu tinha só uma amiga de um prédio vizinho. A grande alegria era quando íamos para praia, pois tínhamos casa no Guarujá e minha vó também morava na praia. Lá é que eu lembro dos momentos mais gostosos da infância, eu tinha liberdade, e me sentia segura para isso. E contato com natureza, mar, essas coisas. Estudava num colégio particular da Zona Oeste de São Paulo, que entrei já no pré e saí no segundo colegial, quando mudei para um outro, o Objetivo, que era mesmo para ter uma carga menor de trabalho. Eu dançava balé e gostava muito do balé e falava que o colégio me atrapalhava demais. Então eu mudei para o Objetivo e fiz o último ano, que era praticamente um cursinho e de lá passei para faculdade. Aí, passei em Nutrição, fiz cinco anos de graduação na USP e é isso. Boa parte da faculdade eu dançava, mas chegou no segundo, terceiro ano, a Nutrição realmente me ganhou, me conquistou e eu larguei o balé, comecei a estagiar e seguir a vida de nutricionista.
P/1 – Deixou de ser bailarina (risos).
R – Deixei (risos). Mas sem problemas hoje em dia, graças a Deus.
P/1 – Você quis Nutrição, por que? Teve algum momento especial em que você a...
Continuar leituraP/1 – Gabriela, para deixarmos registrado, por favor, seu nome completo, data e local de nascimento.
R – É Gabriela Prócida Raggio, sou nascida em São Paulo.
P/1 – Quando?
R – Quatro de janeiro de 79.
P/1 – Fala um pouquinho da sua trajetória escolar e o começo de sua infância.
R – Ah, infância de paulistano, não é? Eu nasci e morava na Zona Oeste de São Paulo, numa casa. Era uma casa que, aliás, eu tinha medo, que já tinha tido um pequeno assalto na rua que tinha tido tiro, eu morria de medo de casa e muito pequenininha, com cinco anos, acho, fui morar em prédio, que eu amava e me sentia muito segura por lá. E assim foi a minha infância. Era em prédio, um prédio que tinha muita gente mais velha, então eu tinha só uma amiga de um prédio vizinho. A grande alegria era quando íamos para praia, pois tínhamos casa no Guarujá e minha vó também morava na praia. Lá é que eu lembro dos momentos mais gostosos da infância, eu tinha liberdade, e me sentia segura para isso. E contato com natureza, mar, essas coisas. Estudava num colégio particular da Zona Oeste de São Paulo, que entrei já no pré e saí no segundo colegial, quando mudei para um outro, o Objetivo, que era mesmo para ter uma carga menor de trabalho. Eu dançava balé e gostava muito do balé e falava que o colégio me atrapalhava demais. Então eu mudei para o Objetivo e fiz o último ano, que era praticamente um cursinho e de lá passei para faculdade. Aí, passei em Nutrição, fiz cinco anos de graduação na USP e é isso. Boa parte da faculdade eu dançava, mas chegou no segundo, terceiro ano, a Nutrição realmente me ganhou, me conquistou e eu larguei o balé, comecei a estagiar e seguir a vida de nutricionista.
P/1 – Deixou de ser bailarina (risos).
R – Deixei (risos). Mas sem problemas hoje em dia, graças a Deus.
P/1 – Você quis Nutrição, por que? Teve algum momento especial em que você a escolheu?
R – Olha, praticamente devido ao balé. Eu passei a gostar demais da Nutrição depois que eu já estava lá cursando um, dois anos. Os primeiros anos são só aqueles anos básicos de Anatomia, tal e tal. E quando entramos realmente na Nutrição isso me ganhou. Mas assim como eu tinha saído de um colégio, que era um colégio forte e fui para o Objetivo, que era um refugo de quem estudava no Rainha da Paz e ia pro Objetivo para conseguir passar de ano. No meu caso foi diferente, eu era muito boa aluna, mas eu queria ter paz e dançar balé. Por um lado, a minha mãe permitiu isso, mas por outro exigiu que eu fizesse uma faculdade. Então, na época eu entrei mesmo em Nutrição porque era meio período, e tinha passado direto na USP. Eu gostava muito de Arquitetura e fui para o outro lado porque Arquitetura era período integral e eu teria que largar o que eu queria fazer na época, aquela coisa de adolescente. Enfim, foi mais ou menos por aí.
P/1 – E como foi esse passo de ter que largar o balé? Foi tranquilo?
R – Então, acho que como fui indo aos pouquinhos. Eu gostava mais de balé clássico, não era nem o balé contemporâneo, que aqui no Brasil temos um bom cenário para dançar. Era clássico, e clássico era no exterior. Hoje em dia que tem uma força maior do balé clássico aqui no Brasil, mas na época não tinha, não tinha companhia de clássico. E naturalmente eu sabia que não tinha muito campo, e eu só queria dançar um tempo, mas aquela coisa de urgência que parece que esse adolescente vai viver de nada o resto da vida, então minha mãe deu uma empurradinha. Mas isso durou dois, três anos e naturalmente eu desliguei do balé de uma forma bem tranquila e gostosa para mim, sabe? Porque do jeito que a gente tinha lá o balé, para essas minhas amigas adolescentes, eu tenho amigas até hoje que buscam balé, querem fazer aula de balé e não podem ir assistir a uma apresentação, a companhia fazia todo fim de ano e que continua tendo, e elas não podem até hoje, sabe, ficou meio um trauma na vida de cada uma. Mas para mim foi um desligamento tranquilo. Eu fui saindo do balé, entrei na academia, fui pegando os estágios e eram coisas que me davam prazer, então esse desligamento foi tranquilo mesmo.
P/1 – E como desenvolveu sua carreira? Você fez estágio...
R – Sim. Eu fiz estágio de Iniciação Científica lá na USP do terceiro até o quinto ano. Eu era muito apaixonada por Nutrição Clínica, queria trabalhar, achava inteligente demais aprender todos os mecanismos e o porquê daquele nutriente para aquele paciente, tal, adorava isso. E o último ano, o que é muito bom isso lá na USP, no último ano é só estágio. Eles nos colocam para trabalhar em quatro áreas e uma delas é a Nutrição Clínica. E eu fui estagiar no HC, que é hospital referência, hospital escola, maravilha e tudo e eu fui com uma expectativa gigante, e cheguei lá e vi que o dia a dia do nutricionista que era horroroso. É um dia a dia que você não pensa para viver, você preenche protocolo, no máximo você faz uma visita ou outra nos leitos, mas muito pouco. Porque elas têm um volume muito grande de trabalho, tem umas seis clínicas para dar conta. Então elas mais ficam preenchendo papel, porque tinha lá naquela época aquele ISO-9000, acho que hoje deve ter até ISO melhor ainda na Nutrição de lá. Só que o negócio é, funciona? Eu acho que não. Porque ela acaba não indo lá no leito do paciente, no fim eu fiquei estagiando numa clínica de queimados. Então, o médico prescreve a dieta e a nutricionista só copia papel, protocolo, manda para copeira e é isso, é um trabalho super braçal, sabe? E muito pouco o que eu tinha essa ilusão lá da faculdade. Então nisso eu descartei a Nutrição Clínica. E eu gostava também muito de Nutrição Esportiva, que vai para um outro lado, mas Nutrição Esportiva também é uma parte da Nutrição que cada nutriente vai mudar muito ali a vida daquele esportista, não é? Então saí de lá e fiz uma especialização de Fisiologia do Exercício que amei fazer, só que o campo da Nutrição Esportiva é pequeno. E São Paulo, que é referência, é o lugar mais avançado do Brasil, tudo, era pequeno, poucas pessoas trabalham com isso e eles lideram o mercado, sabe? Aí, no fim eu pensei em mestrado, fiz estágio em laboratório, tudo, e comecei a trabalhar, paralelo a isso, em consultório médico. Trabalhava em consultório, consultório é aquela coisa que eu acho bem desgastante porque você atende uma primeira pessoa, conversa com ela, faz anamnese, tudo, para seguir um tratamento. Essa pessoa no máximo volta pra pegar a dieta, depois não volta mais. Porque você está mexendo, justamente, com o prazer mais rápido dessa pessoa. Você vai mudar a alimentação e se a pessoa está ali é porque ela gosta de comer e não deve ter hábitos muitos bons. Era um consultório de Cardiologia. Então eu era bem insatisfeita lá também e comecei a ver outras possibilidades de atuar. Aí falei, não sei se usa a Nutrição como algo a mais, mas vou para uma área de Marketing que eu gostava e tal, foi bem difícil esse comecinho dessa vida profissional e foi quando apareceu o Nutrir. Era uma amiga que tinha estudado comigo, não sei se vocês entrevistaram, a Márcia Kitagawa. Na época desse último ano de estágio ela tinha feito um estágio na favela de Paraisópolis e lá acho que foi um dos primeiros passos do Nutrir, de pensar, eu não sei direito, eu perdi esse primeiro tempo. Mas só sei que tinha a Kazue que ela ajudou a pensar o programa e doutor Nóbrega. Só sei que a Marcinha entrou, ela já saiu da faculdade, e acabou entrando aí no programa. E eu acho que o programa já tinha começado, mas apesar de ser um programa de educação alimentar não tinha nutricionista. E foi mais ou menos isso, acho que no quarto ano de formada a Marcia já estava há um tempo aí no Nutrir e me chamou porque tinham duas equipes, a equipe da Rosana, de educadora, e a equipe do Adelsinho, de educador. E a Márcia tinha que cobrir as duas. Então ela não parava de viajar e começou a não dar conta, porque foi quando aumentou o número de capacitação... Aliás, foi quando começou a capacitação e começou a aumentar demais.
P/1 – Foi quando isso, Gabriela?
R – Isso foi 2006.
P/1 – 2006? Que você entrou?
R – Foi. Eu entrei era uma ação especial do Nutrir que era ali do Rally dos Sertões. Foi uma época que meio que veio de cima, da presidência, uma ação que uma menina, aquela Karen Baumgart, tinha no Rally dos Sertões, uma ação mais assistencialista. E ela era de uma das equipes do Rally. O primo dela competia lá, da Vedacit e ela acompanhava. Por onde o Rally passava eles tinham uma ação, mas era mais distribuição de brinquedo, cobertor, essas coisas. E eu entrei para fazer esse trabalho com a Rosana e a Ana Maria nesse Rally. E eu amei o programa, foi quando tive meu primeiro contato com a capacitação, que eu fui assistir só para ver o que era que se falava. Porque apesar de ser da Nutrição e deveria ter isso em faculdade, isso não tem, é algo que não se discute em Faculdade de Nutrição, que é esse lado um pouco mais, o que faz você gostar de um determinado alimento? Tem a circunstância, tem a pessoa, tem o carinho que é envolvido, tem um monte de coisa. E essas coisas mais simbólicas, isso não é passado na faculdade e para mim fez todo o sentido da vida. Eu descobri e falei: “Nossa, é um caminho”. E é um caminho que eu gostei muito, me apaixonei pelo programa. E passou um pouquinho para o outro, isso foi em julho de 2006.
P/1 – Para onde que vocês foram?
R – Fomos acompanhando o Rally. Eram 11 cidades.
P/1 – Quando foi?
R – Eu acho que foi 2006 mesmo, que foi quando eu entrei, só para esse trabalho pontual.
P/1 – Vocês fizeram todas as rotas? Por onde o Rally passou vocês também foram, todas as cidades?
R – Sim. Era assim, o pessoal competia, ia pelas trilhas lá e competia. Só que aonde o Rally dorme, onde os pilotos vão dormir, as equipes de mecânica, tudo, eles montam uma verdadeira cidade lá. Eles pegam um campo bem espaçoso e aí o pessoal chega com os trailers, as mecânicas, tudo, aí colocam os carros lá, eles trabalham durante a noite e aí os pilotos saem para competir no outro dia. E todo esse apoio aí viaja até a outra cidade. E nós fazíamos mais ou menos a mesma coisa, pulamos algumas cidades para dar tempo porque eram muito distantes umas da outras, e às vezes viajávamos à noite, mas não dava tempo mesmo de chegar e trabalhar. Mas a maioria das cidades em que chegávamos, ela já tinha feito um contato com a cidade, com alguma ONG, alguma... Essa menina responsável pela equipe da Vedacit, essa Karen. E fazíamos um contato prévio com as Secretarias de Educação e tínhamos esse momento lá com os professores. Era um dia bem rapidinho, dávamos uma pincelada do Nutrir.
P/1 – Era um dia e ia pra próxima cidade?
R – Isso. Aí os dois Rallies que participamos foram em 2006 e 2007, ou 2006 e 2008, não me lembro direito. Começamos de Goiânia, os dois, e a partir dali circulava. Um terminou em Porto Seguro e o outro em Salvador. Enfim. Mas chegava assim, saía ali de Goiânia, chegava até o sul do Piauí e voltava para a Bahia, era um negócio bem puxadinho.
P/1 – Como vocês faziam o contato, como era essa oficina rápida já que vocês tinham só um dia para fazer. Qual era o foco?
R – Olha, falávamos um pouquinho dos dois temas principais, o brincar, que a Rosana puxava, esse alimento da alma, que toda criança tem e tal. Puxava isso para os professores, relembrando a infância, brincávamos um pouco e tal. E depois entrava essa parte mais técnica de Nutrição falando o porquê do consumo maior de algumas coisas, e um consumo menor de outras. Eu tinha feito um levantamento dessa região que passaríamos, que ainda era muito carente de vitamina A na época. E vitamina A era super fácil, conseguimos muito fácil em alimentação, em alimento verde escuro e laranja. E eles têm esse acesso, lá produz muito jerimum, mamão, isso eles têm muito lá. Então a gente fez toda essa, só pegar o ponto que a gente achou mais importante, a culinarista, Ana Maria, desenvolveu algumas preparações que fossem fáceis de fazer porque em cada lugar que chegávamos, a cozinha, era uma surpresa. E não tinha tempo de preparar isso, era no improviso mesmo, tinha cozinha que não tinha cozinha, era um fogãozinho. Então, íamos para o quintal, e ela ia com as merendeiras lá e desenvolvia isso. Então também fizemos um cardápio tentando fortificar com betacaroteno ou pró-vitamina A todas as preparações, o prato lá era todo laranjão. Era mais ou menos isso. Parava ali para o almoço e na parte da tarde as merendeiras voltavam e brincávamos mais um pouco. Eu não lembro direito como conseguíamos fechar o dia. Mas o principal era isso, dar um peso grande para o brincar, para essa criança, para o movimento, tudo. Relembrar essas professoras como era bom ser criança e ter uma educação mais livre, ter uma vida livre. E o quanto tínhamos energia naquela época. E, por outro lado, passar alguns conceitos de Nutrição. A parte da tarde eu não lembro com detalhes o que fazíamos, não.
P/1 – Vocês chegaram a ter conhecimento de algum resultado?
R – Tivemos. Foi muito legal, aliás. Foi uma cidadezinha, Seabra, que fica bem na Chapada Diamantina e ela, nossa, ali a desnutrição era... Isso faz pouquíssimo tempo e a desnutrição era absurda lá. Ah, então devia ter isso na parte da tarde, tínhamos uma conversa e estimulávamos essas professoras a medirem e pesarem os alunos. E nos colocávamos à disposição, voluntariamente, para eles nos mandarem esse peso e altura porque isso na época tinha na formação grande do Nutrir. Só que no fim das contas era muito difícil o professor que participava dessa forma comprar essa ideia. Fazíamos mundos e fundos para eles pesarem e medirem as crianças. E lá em Seabra conversamos sobre isso e falamos que ainda tinha a desnutrição, e se a pegássemos num ponto inicial ela não comprometeria a altura da criança. Conversávamos muito sobre isso: “Ah, então vamos fazer só um diagnóstico porque aí vocês já sabem que Fulano, Cicrano e tal está com risco de desnutrição ou já é um desnutrido, e aí vocês podem encaminhar ou chamar a mãe, ou ter um pouquinho mais de atenção com eles, oferecer mais alimentação escolar, não sei. O que queríamos era ter um diagnóstico ali. E chegou a pesagem e colocamos a mão em curva de crescimento, tal, para fazer essa avaliação e deu um absurdo, uns 40% de desnutridos. Na época conversamos com a coordenadora, queríamos voltar. E conseguimos voltar lá para Seabra, demos essa devolutiva para eles, voltamos a conversar um pouquinho sobre alimentação, mas acho que parou por aí. Tinha mudado a gestão na época, acho que na prefeitura. Então, muitos professores que estavam envolvidos nessa pesagem e que tinham comprado a causa foram transferidos para outras escolas.
P/1 – Daí já não conseguiram mais, manter contato com a escola.
R – Não. E esse retorno era algo que sempre pedíamos, sabe? Porque tínhamos na época, na capacitação mesmo, isso daí é um pouquinho mais para frente, pois em 2006 eu fiz essa ação e comecinho de 2007 eles me chamaram para realmente compor a equipe como outra nutricionista do Nutrir. E aí passava só um pouquinho vivendo as capacitações e já era muito claro que era preciso mais tempo ali de contato com esses professores. Porque o Nutrir, eu acho ele fantástico, a metodologia dele, o jeito que ele aborda tudo e as pessoas saem animadas, empolgadas com aquilo. Só que eram dois dias seguidos, o primeiro dia as pessoas chegam meio ressabiadas, não sei o quê e aí vai indo. Como sempre tem a brincadeira como a liga, aí as pessoas vão se soltando, e no dia seguinte já são nossos amigos íntimos. E já com eles sensibilizados, vamos passando outros conteúdos também importantes, não que o da criança não seja, é importantíssimo. Mas enfim, era isso, eram dois dias. Saíamos e não voltávamos mais. E o nosso retorno era só com o prêmio que foi criado, quando eu entrei já existia esse prêmio.
P/1 – O Prêmio Nutrir?
R – O Prêmio Nutrir. Então passávamos esses dois dias, entregávamos o formulário do prêmio e era para eles, no fim do ano, mandarem seu um projeto. E no máximo voltávamos para premiar a escola e depois nunca mais, sabe? E pedíamos muito: “Vamos fazer esse acompanhamento, tudo”. Por exemplo, essa história de Seabra foi uma exceção grande, foi muito bacana. Eu acho que eles viram na época o esforço e empenho que tínhamos tido para o retorno e eles abriram uma exceção, mas não era prática do Nutrir, sabe?
P/1 – Conta sobre outros projetos que você participou. Você ainda participa do programa, Gabriela?
R – Participo. Aconteceu o seguinte, eu era, realmente, só dessa parte mais técnica da Nutrição, participava das capacitações, reportava em relatório e isso foi durante uns três anos, por aí. E há cinco anos foi criado o programa Cuidar, que era para Bem Cuidar do meio ambiente e Bem Cuidar da criança também. Assim como o Nutrir tinha lá o alimento da alma, que é o brincar, o Programa Cuidar, que era de meio ambiente, era Bem Cuidar do ambiente a nossa volta e o Bem Cuidar dessa natureza humana, dessa criança. Então tinha também a mesma liga da brincadeira. E o programa estava recém-criado, e teve um problema lá dentro da Nestlé, a coordenadora foi desligada, a diretora saiu, e a Fundação mudou completamente. E quem ficou lá, aliás acho que foi um pouquinho antes de sair, eles chamaram uma empresa ou uma ONG, que era o Movere, para fazer essa parte da Nutrição no programa Nutrir. E quando entrou o Movere, porque tinha acontecido uns probleminhas lá e boa parte da equipe foi desligada da Fundação e eu sobrei. Aí na época a diretora chamou a gente lá, a Silvia Zanotti, aliás, me chamou, e acho que fui a única que sobrei, eu e a Rosana. Só que a Rosana continuou no Nutrir. E ela (Silvia Zanotti) me chamou e falou: “Olha, o que acontece aqui, essa parte da equipe vai ser desligada, e vai entrar aqui uma empresa que fará essa parte de Nutrição e a gente ficou pensando o que fazer com a Gabriela”. E ela disse: “Com seus relatórios, tudo, em geral você dá uma visão um pouco mais das circunstâncias, não só do que foi a capacitação. Eu vejo nos seus relatórios que você tem um olhar um pouco mais para a circunstância e tal, você reporta isso para a gente e estamos te convidando para ir para o programa Cuidar, para trabalhar junto com o Roque”. Era isso. No programa Cuidar eram duplas. Era o Adelsinho, que já tinha saído do Nutrir naquela época e estava trabalhando com a Viviane e o Roque estava sem essa pessoa. Esse segundo consultor, o Roque e o Adelsinho, fazem essa parte do educador no programa. Então chama para brincadeiras, discute, tudo. O outro consultor faz uma parte mais de articulação, apresenta para secretaria, vê o local que vai ser a formação, viabiliza o encontro. Então, eles me chamaram para ir pra lá. E nisso tivemos uma sintonia muito boa, eu com o Roque, e começamos a trabalhar no Cuidar, passamos uns dois anos só com o Cuidar. E foi isso. Depois de um tempo estávamos trabalhando no Pará e eles pediram para fazermos também um Nutrir um pouquinho mais curto lá, mas que passasse um pouquinho dessa informação de alimentação para essas escolas em que já estávamos trabalhando, com os mesmos grupos de professores. E topamos, eu e o Roque.
P/1 – Quando que foi isso?
R – Isso foi em 2010, ou 2009...
P/1 – Tudo bem, é só para nos situarmos.
R – Acho que foi isso, 2010 mesmo. Então começamos a fazer esse Nutrir, que também tinha essa, ele só tinha um dia de duração e tínhamos a possibilidade de mudar e criar um jeitinho que achávamos mais interessante. Eles deixaram isso mais livre para a gente. E a partir daí virava e mexia aparecia algum trabalho do Nutrir para fazermos. E eu e o Roque, começamos a pensar em outras estratégias de desenvolver o programa. O que víamos é que o Nutrir era engessado. Independente do grupo que pegávamos, cumpríamos o mesmo formato, a mesma forminha, tudo igual. Começa de tal jeito às dez horas da manhã, conversando sobre isso. Ao meio-dia vamos para... Era bem assim, não se podia mudar uma vírgula. Isso mais pela equipe que trabalhava ali, sabe, perfil mesmo das pessoas, de serem mais certinhas. E com o Roque, ele começou: “Não, vamos fazer de tal jeito e pensar de tal forma”. Enfim, então fomos construindo uma outra forma de abordar.
P/1 – Qual o nome do Roque?
R – Roque Soares.
P/1 – Roque Soares?
R – Isso. E foi lá no Pará. E no ano seguinte ao Pará, acho que 2011, a Fundação nos chamou para pensar um novo modelo. A base do Cuidar e do Nutrir é o brincar, é a alegria, essa leveza e tal, é a criança e os movimentos dessa infância, tudo. Contudo, um vai para a alimentação e outro para o meio ambiente. Então, nos chamaram para pensar em um programa único e foi aí quando fomos com uma proposta de uns programas integrados. Era o Programa Nutrir junto com o Programa Cuidar e um novo programa, o Programa Saber, que estava para sair e não saía. Acho que era uma demanda lá de dentro da Fundação, ter algum programa com desenvolvimento rural, alguma coisinha assim. E então bolamos esse programa também. Era eu, Adelsinho, Viviane e Roque. Pensamos qual seria o formato desse Saber. E nisso fizemos um programa integrado com os três programas e a atuamos em 2012 na Bahia e 2013 no Espírito Santo. Então em 2011 não éramos um programa integrado, isso foi só em 2012.
P/1 – Viviane o quê?
R – Viviane Forte e o Adelsinho. No programa integrado éramos nós quatro que trabalhávamos. E como eu era a única nutricionista, a Viviane não é, ela e o Adelsinho pegavam as formações que era, sei lá, o Programa Cuidar. Então esse Bem Cuidar da criança e Bem Cuidar do meio ambiente, e eu e o Roque pegávamos o outro. Ou senão a Viviane e o Adelsinho pegavam o Programa Saber. Mas eu e o Roquinho sempre estávamos com o Nutrir. Então nesses dois anos, viemos construindo essas discussões, porque uma das coisas que levávamos muito em consideração era a realidade do lugar. Às vezes chegávamos lá e o problema era x. Então, não dava para falar tanto da pirâmide de alimento, até abordávamos, mas de uma forma bem rápida, e dávamos mais ênfase para uma outra coisa que estava visível ali, que era um problema, sabe? Às vezes é um problema de diálogo que existe entre nutricionista e merendeira, com diretor. Então, chamávamos essa nutricionista para explicar o porquê desse cardápio que era proposto, porque víamos que nem os professores apoiavam essa alimentação escolar. Aí não adianta falarmos de alimentação escolar se nem a equipe da escola apoia, não é? Então perguntávamos, por que esse cardápio era proposto? E chamávamos a nutricionista. E se chegássemos em outra cidade e o problema fosse outro, dávamos uma desviada do roteiro. Porque a nossa ideia era: “Vamos contribuir ali para o desenvolvimento da alimentação escolar”.
P/1 – Vocês chegaram a atuar com os três programas dentro de uma instituição só ou não? Eram três programas na região.
R – Era assim, os três na região, além de uma parceria com a Secretaria de Educação. Na secretaria, pedíamos um grupo que entrava de 15 a 20 escolas, sendo que são três representantes de cada uma, então entrava merendeira, professor e diretor de cada escola. E essas três pessoas voltavam nos três módulos. Então íamos no primeiro módulo, trabalhávamos oito horas com esse grupo, eles voltavam depois de mais ou menos 30 a 40 dias, trabalhávamos novamente com eles e depois voltavam depois de 30, 40 dias. Dependendo do módulo era um tema trabalhado. E tudo isso com o brincar ali. Mas em geral era isso, era o Bem Cuidar da criança no primeiro módulo, e falávamos um pouquinho do meio ambiente. No segundo módulo continuávamos nesse Bem Cuidar da criança e entrávamos no Nutrir, e no terceiro módulo falávamos do Nutrir e terminávamos com o Saber, era mais ou menos isso.
P/1 – Então na mesma instituição tinham as três frentes.
R – As três frentes. E foi o que a gente foi vendo assim. Fizemos a proposta para Bahia em 2012, e 2013 repetimos a mesma experiência no Espírito Santo. E quando chegamos ao final do ano, nós quatro, os consultores, vimos, nossa, que era muito, muito conteúdo para um mesmo grupo. Foi quando reportamos para a Fundação que achávamos melhor desmembrar de novo porque na época a proposta foi essa: “Por que fazemos o investimento de ir até uma cidade para falar de um programa e por que já não falamos dos dois?”. Aí, a nossa avaliação foi que com um mesmo grupo não dá porque são dois programas densos, a nutrição, o Programa Nutrir tem esse lado da alimentação, dos nutrientes. E tem também o momento da refeição, como é o comportamento dessa criança ali, o plantio de uma horta. É muita coisa junto para se dar conta em oito horas, sabe? E o Programa Cuidar também é um programa denso. Tem lá redução do consumo, que gostamos de falar muito disso e com tempo, tem destinação correta do resíduo, tem isso, tem aquilo. Enfim, são dois conteúdos muito grandes, mas no fim das contas, por decisão mesmo da Fundação o programa terminou no fim do ano passado. Fizemos a premiação e o programa encerrou para investir em só um programa, sabe? Eles acharam melhor, ao invés de ficar dividindo o recurso entre dois programas, vamos investir em um que é o nosso principal objetivo, o Nutrir. Aí o Programa Cuidar terminou.
P/1 – O Cuidar não existe mais, então?
R – Ele acabou de terminar. Eu acho que tem algumas coisinhas do Cuidar que... Os programas conversam, tem hora em que estamos falando: “Ah, vamos fazer o benefício de um self service”, por exemplo, pra uma criança. Tem essa parte do Nutrir, mas entra um pouquinho ali no Cuidar quando falamos de redução do consumo alimentar, ou o desperdício alimentar que conseguimos reduzir. Até quando fazíamos oficina de culinária também, pois não dava para fazer oficina de culinária sem separar ali o resíduo, o lixo úmido do seco. Então eles conversam, mas pelo que entendi, ele terminou mesmo no fim de 2013, o Cuidar.
P/1 – E agora você está fazendo o quê? Qual é a sua atuação?
R – Agora eu não sei, acho que a Fundação parou um pouco para repensar o programa porque o desenvolvíamos de uma forma um pouco mais livre, estimulávamos demais as práticas porque acreditávamos que não adiantava passar conteúdo se não tivéssemos a prática na escola e tal, então, tínhamos um jeito de desenvolver o programa, e era um programa pequenininho de oito horas. E a outra empresa que desenvolvia em São Paulo, que acho que vocês devem ter conversado que era La Fabrica, faziam o Nutrir em 24 horas, era uma outra abordagem para o Nutrir. O que a Fundação viu no final do ano passado é que tinham dois Nutrir, e não dava para continuar com esses dois programas atuando de forma distinta sendo que são o mesmo. O que eles nos passaram é que vão parar para fazer essa reformulação e mais para frente, entrarão em contato. Agora, nesse momento, estamos com aquele outro braço do Nutrir que é o voluntariado. Eu nunca tive muito contato com o voluntariado porque, por afinidade mesmo, a Marcia, que era a outra nutricionista, amava voluntariado. E eu nunca fui muito apaixonada, não, eu gostava mesmo da formação de professor, achava legal, as discussões eram mais interessantes. E a Marcinha, já gostava mais dessa parte. Então, naturalmente ela era mais ligada a isso. Depois já passei para o Cuidar e me afastei mais ainda, de vez em quando eles nos chamavam para participar de um encontro nacional dos voluntários que acontece em São Paulo e foi indo. No fim do ano passado eles nos chamaram para fazer uma capacitação desse grupo de voluntários. Eles viram que o programa começou com os voluntários e era para ter a brincadeira, mas também esse lado da alimentação saudável. E o que a Fundação viu é que ainda tinha muito grupo de voluntários que colocava o refrigerante numa Folia Culinária. Tinha um monte de alimento não saudável, não que não seja proibido, mas isso não é o intuito da Folia. Então nos chamaram para fazer esses encontros no ano passado. E também mostrar opções de brincadeiras e tal. Então no ano passado passamos por algumas unidades, foi muito legal esse encontro com eles. E nesse ano acabamos, foi até essa semana inclusive, fechando um contrato para dar esse suporte ao voluntariado. Vai ser um suporte remoto, voltaremos para cada unidade para conversar, para ter essa formação aí junto com eles. E tem outras coisinhas mais pontuais, mas tudo só voltado para esse braço do voluntariado. Essas capacitações, pelo que eu sei, é que estão paradas, e eles entrarão em contato mais para frente.
P/1 – E para finalizarmos, como você viu a responsabilidade, a ação do Nutrir para o Brasil. Nesses 15 anos, que transformações que você viu, tem algum caso marcante que você poderia fechar e que resuma um pouco o resultado disso tudo?
R – Ah, que eu acho interessante, é que vejo muito desse meu lado que é realmente alimentação, estado nutricional dessas crianças e tal. E o que vemos tanto de pesquisa populacional do Brasil que o IBGE faz e vê que o Brasil está engordando, que essas crianças têm esse problema instalado já na infância, tudo, eu fui vendo na prática. É desde Seabra que eram os 40% dos desnutridos e agora que estou me deparando com algumas instituições com 40% de excesso de peso, entre obeso e sobrepeso. Acho que agora é ainda mais necessário porque acho que no problema da desnutrição podemos atuar até certo ponto, e o Nutrir entrou com essa parte que era de aproveitamento máximo do alimento, então era justamente por isso, porque o acesso ao alimento era mais difícil naquela época, então por que não comer determinada folha que é nutritiva, ou uma casca de um alimento que é nutritivo e que vai te ajudar, ao invés de ir para o lixo? Ele entrou com esse tom assim e mudou muito rápido, o Brasil mal curtiu essa fase. Aliás, ele não teve uma fase de eutrofia, não teve uma fase de um bom estado nutricional, ele foi de uma ponta para outra muito rápido e em poucos anos, e eu vi isso totalmente na prática. E o nosso discurso foi mudando. Hoje em dia, por mais pobre que seja a cidade, como a que passamos no fim do ano passado naquela região do Espírito Santo. Vemos, pelo menos em relação a dados, excesso de peso e isso é mais por hábito alimentar mesmo. Hábito de vida, tanto de atividade física, como hábito alimentar. Então, antigamente, o que mais precisávamos fazer e esperar, eram ações do governo, nas áreas de saúde, saneamento básico, isso e aquilo, para combater a desnutrição, e podíamos ajudar de uma certa forma, hoje eu acho que o Nutrir tem papel mais que fundamental nas escolas, sabe? Porque trata da mudança do comportamento alimentar, de tentar estimular um pouquinho a melhora da alimentação. É um consumo muito grande, de Norte a Sul, independente da classe social, é o consumo de refrigerante, chips e tal. E aí quando você vai lá e vê o conteúdo desses alimentos e vê o resultado, que você vê aí, a última pesquisa que teve de crianças de seis a nove anos, bateu 40% de sobrepeso no Brasil. E aí quando chega na região Sudeste aumenta ainda mais. Acho que quando mostramos esses dados, mostramos qual é o conteúdo que tem naqueles alimentos, tudo, acho que faz sentido para o professor, tanto é que tivemos muitos projetos de professores: “Não, nós vamos passar isso para os alunos, para os pais, para ter alguma atuação”, porque agora é Governo Federal falando isso, sabe? Aquela Secretaria de Segurança Alimentar, o secretário falando que hoje em dia conseguimos o acesso dos brasileiros ao alimento, só que o problema é, agora que eles têm acesso, eles estão fazendo escolhas ruins e isso está gerando outro problema de Saúde Pública. Então acho que, principalmente para a Nutrição, acho que temos que realmente atuar e acredito muito nessa intervenção na escola. Porque a escola tem esse poder de chegar até a família. E aí eu sou completamente apaixonada por esse sistema de educação nutricional, acredito muito. Falei muito, não é Monique?
P/1 – Não, está ótimo. Obrigada, Gabriela. A sua história é bacana, você teve muita coisa para contar, você contou coisas que ainda ninguém tinha falado, foi muito importante, viu? Muito obrigada.
R – Obrigada você.
Recolher