P/1 – Eu queria começar pedindo pra que você falasse o seu nome completo, o local e a data de nascimento. R – Meu nome completo é Nelson Gonçalves Campos Filho, eu nasci na cidade de Triunfo, Pernambuco, que fica em cima das montanhas de Triunfo, já na divisa com a Paraíba. Artisticamente o pessoal me conhece como Nelsão ou Nelson Triunfo, ou Miávaro, não sei o porquê mas também sou conhecido assim. P/1 – E você viveu durante muito tempo em Triunfo? R – Na verdade, aconteceu um fato engraçado na minha vida. Eu nasci em 1954. Quando eu tinha seis anos de idade o meu pai cismou naquela época de viajar pro Rio de Janeiro, ele tinha alguns irmãos lá e nós fomos pra lá. Minha mãe não se deu naquele clima, talvez até aquela nordestina saudosa que era muito amarrada às suas raízes. E ela fez chantagem com o meu pai, “Se você não voltar pra lá, eu vou te deixar aí e vou levar meus moleques de volta de carona”. Meu pai voltou e nós continuamos nossa vida em Triunfo estudando. Meu pai tinha um pequeno comércio na cidade, mas tinha um sítio a três quilômetros da cidade, e desde moleque eu tomava conta desse sítio. Tinha aquelas mangas doces, tinha várias coisas gostosas, mas também tinha vacas pra gente cuidar, enxada pra gente plantar, tinha algumas coisas que eram pesadas. E eu com sete ou oito anos já pegava legal em uma enxada, cara. E meu pai também era muito inteligente, apesar dele ser um senhor agricultor e comerciante na cidade, o que a gente ganhava era suficiente para manter a família, nada que pudesse comprar um carro, uma coisinha a mais, era aquela coisa normal. Às vezes, vendia uma vaca pra comprar um móvel, um negócio assim, ali ia tocando. Só que ele tinha algumas coisas interessantes que passou pra mim, uma coisa muito legal pra mim ele falou: “Meu filho, homem vale o que ele sabe. Então, se você não souber nada, dependendo do lugar, você não vale nada. Por isso...
Continuar leituraP/1 – Eu queria começar pedindo pra que você falasse o seu nome completo, o local e a data de nascimento. R – Meu nome completo é Nelson Gonçalves Campos Filho, eu nasci na cidade de Triunfo, Pernambuco, que fica em cima das montanhas de Triunfo, já na divisa com a Paraíba. Artisticamente o pessoal me conhece como Nelsão ou Nelson Triunfo, ou Miávaro, não sei o porquê mas também sou conhecido assim. P/1 – E você viveu durante muito tempo em Triunfo? R – Na verdade, aconteceu um fato engraçado na minha vida. Eu nasci em 1954. Quando eu tinha seis anos de idade o meu pai cismou naquela época de viajar pro Rio de Janeiro, ele tinha alguns irmãos lá e nós fomos pra lá. Minha mãe não se deu naquele clima, talvez até aquela nordestina saudosa que era muito amarrada às suas raízes. E ela fez chantagem com o meu pai, “Se você não voltar pra lá, eu vou te deixar aí e vou levar meus moleques de volta de carona”. Meu pai voltou e nós continuamos nossa vida em Triunfo estudando. Meu pai tinha um pequeno comércio na cidade, mas tinha um sítio a três quilômetros da cidade, e desde moleque eu tomava conta desse sítio. Tinha aquelas mangas doces, tinha várias coisas gostosas, mas também tinha vacas pra gente cuidar, enxada pra gente plantar, tinha algumas coisas que eram pesadas. E eu com sete ou oito anos já pegava legal em uma enxada, cara. E meu pai também era muito inteligente, apesar dele ser um senhor agricultor e comerciante na cidade, o que a gente ganhava era suficiente para manter a família, nada que pudesse comprar um carro, uma coisinha a mais, era aquela coisa normal. Às vezes, vendia uma vaca pra comprar um móvel, um negócio assim, ali ia tocando. Só que ele tinha algumas coisas interessantes que passou pra mim, uma coisa muito legal pra mim ele falou: “Meu filho, homem vale o que ele sabe. Então, se você não souber nada, dependendo do lugar, você não vale nada. Por isso você tem que ter o conhecimento, o estudo e tudo”. Com isso eu comecei a estudar pra caramba, e aí, comecei a ser o primeiro do colégio, comecei a ler. E já comecei a saber um pouco do estrangeiro através daquela revista Manchete, a Cruzeiro, a Fatos e Fotos. Eu já era um garoto que lia pra caramba, já era o tempo do iê-iê-iê, dos Beatles. E eu também já era um bom frevista, um bom dançarino de maracatu e me transformei no moleque que dançava o melhor iê-iê-iê de Triunfo, era o Tremendão, tempo da Bossa Nova também foi pintando e a gente digerindo aos poucos. E eu era agricultor. Meu pai era um pouco amarrado, como ela já tinha sofrido um pouco no passado, ele era meio mão fechada, então, pra gente arrancar um dinheirinho da mão dele era doido, o cara era difícil demais. Então, dentro dessa situação eu comecei a colher mamonas dos pés e vender, porque ele não colhia as mamonas. Eu falei: “Ó papai, já que o senhor perde as mamonas e deixa aí, eu vou querer ganhar um dinheiro pra mim, eu vou vender mamonas e vou cuidar”. Ele falou: “Tudo bem pra mim”. Mas mesmo assim ele levava um pouco do meu dinheiro da mamona . Aí, com 15 anos eu tava no ginásio começando e me deu uma vontade sair de Triunfo. Quer dizer, os meus 18 anos foi aos 15, que eu tomei maioridade. Minha mãe, uma guerreira muito determinada falou: “Mas meu filho, você quer sair mesmo?” “Quero” “Então, vou te levar até a cidade de Paulo Afonso”, que é uma cidade que já tem as cachoeiras, a hidrelétrica. Inclusive eu tinha uma paixão por Paulo Afonso porque quando eu era moleque na minha cidade, era um motor que funcionava lá, quando dava dez da noite dava um sinal e a luz ziiiiii apagava e acendia a primeira vez, quando ela apagava a segunda você já tinha que acender o candeeiro, fazer alguma coisa, senão você ia ficar no escuro porque a terceira já era de vez, desligava a motor. Só funcionava até às dez e dez da noite, mais ou menos. E chegou a luz de Paulo Afonso lá, que era luz elétrica. Nossa, foi um avanço. Só teve um problema no começo porque os caras furavam as calçadas, aqueles buracos pra colocar aqueles postes e muitos bêbados da cidade passavam a noite no buraco, eles não estavam muito acostumados a andar ali na cidade. Nossa, foi uma armadilha pra eles O que tinha de bêbado machucado na minha cidade na época, e também caía gente sem estar bêbado também. E a partir dali eu fui pra Paulo Afonso. Em Paulo Afonso já começou tudo. Tinha um primo meu que já falava de Tony Tornado, que tava começando. Como eu já era dançarino ele falava: “Mas como é que ele faz? Ele vira pra cá, ele joga a cabeça pra cá, abre as pernas, roda”. Eu falei, “Legal”, não sei o quê. E eu conheci o LP do James Brown sem querer. “Caramba, o que é isso meu Deus? Esse é um som que eu quero dançar”. Até porque eu já dançava em Paulo Afonso e como moleque já fazia sucesso, assim que eu cheguei, em dois meses fui o líder da classe. Porque eu comecei a participar de um programa de calouros que chamava Coliseu Show. Todo domingo, era lotado. Era um palco enorme em um coliseu mesmo, que era um cinema lá da área. As cocotinhas, as menininhas da cidade iam tudo para ali e a gente adorava aquilo, nossa. Eu já me apresentava dançando, tudo, e quando eu descobri James Brown eu fui dançar James Brown. Nossa, foi um sucesso em Paulo Afonso, em 72. Tinha um cara do Rio de Janeiro lá que chamavam Tito, e outro cara que chamava Urânio, era explosivo o cara, Urânio era o nome do cara . E esse Urânio já dançava comigo nos clubes da cidade, a gente fazia, era gostoso porque a gente ia pros clubes, dançava, os turistas lá adoravam, chamavam a gente pras bebedeiras, a gente comia frango de graça, tomava guaraná , e a gente adorava ir praquelas festas. E quando esse cara me viu dançar ele falou: “Nossa, que louco rapaz. No Rio de Janeiro está começando a ter uns bailes black com Big Boy, com Tony Tornado, e os caras dançam assim como você. Eu sou dançarino também”. Eu digo: “É?” “Sou, vamos lá na minha casa”. Ele tava morando em um lugar lá, nós fomos lá, ele pos Sex Machine do James Brown e dançou, nossa cara que lindo aquela letra ali. Ele gostava de dançar mais James Brown também, tinha um estilo mais solto, mais louco, que até um estilo que eu pensei, fui improvisando e criando em cima daquilo. E ali, se formou o primeiro grupo de Soul da história do Nordeste. Nós queriamos nos apresentar no próximo domingo no Coliseu Show, só que nós tinhamos um impasse, que era o nome do grupo. Como vai ser? Vai ser Paulo Afonso James Brown? Aí, começou aquela coisa todinha. E passou uma velhinha e falou: “Meu fiiilho, você tava dançando com eles.”, eu digo: “Sim senhora” “Eu adoreiii, mas eu acho que vocês não tem ossos” “É mesmo?” “É”. Eu digo, “Os Invertebrados”. Se nós não temos ossos, nós somos Os Invertebrados. E aí, foi o primeiro grupo meu de dança, em 72, na cidade de Paulo Afonso, Bahia. Foi formado esse grupo com três pessoas, mais tarde chegou um cara de Brasília chamado Zé Nivaldo, algo assim. E esse moleque também começou a dançar com a gente lá, aí fizemos um quarteto. Dois anos depois eu tava saindo de Paulo Afonso, eu vim estudar em São Paulo e teve uma mudança de roteiro porque o Zé me chamou pra morar em Brasília e eu vim morar em Brasília em 74. Estudei na Ceilândia por dois anos e estudei em Sobradinho, fiz o colegial, me formei. E aqui já acontecia, pra quem não sabe, nós estamos em Brasília, e aqui em Brasília tinha uns clubes que já vinham pessoas do Rio e trouxeram aqueles black com caixas acústicas enormes, tocando James Brown, discoteca especial. E ali começaram minhas grandes danças. Quando eu cheguei naquele clube, que vi as caixas grandes, aquilo ali, nossa, tremia dentro. A caixa batia assim, dava até fome, porque balançava a barriga assim, a pancada que era aquele grave. Eu entrei na festa junto com os moleques de Sobradinho que já dançavam também na época, parece que em 73 tinha havido aqui em Brasília o Jackson Five, na melhor fase deles. E aquilo ali incentivou muito a dança porque eles tinham a dança como a parte forte do show também. E eu cheguei no meio de tudo isso aí em Brasília e me transformei em um dançarino. Só que no Motor Náutico, que fica na Asa Norte, lá na beira do Lago Paranoá, quando eu dancei parou tudo, o pessoal subia nas mesas e foi um caos de gente querendo ver. Eu terminei de dançar, alguém bateu nas minhas costas e me chamou. Eu falei: “Puxa, o que tá acontecendo?”. O cara falou assim: “O seu Nelson ta te chamando lá na diretoria do clube”. Eu digo: “Caramba, o que é que eu fiz? Eu acho que eu estraguei o barato meu. Acho que vai me mandar embora, talvez eu causei muito aqui de ter parado a festa, ter dançado, tudo isso”. O cara me chamou de Baiano, como eu falei que tinha vindo de Paulo Afonso, pela primeira vez em Brasília eu peguei o nome de Baiano porque na Ceilândia, Taguatinga, aqui no Plano Piloto, eu tinha o nome de Nelsão, cabelão, Nelsão. E em Sobradinho eles começaram a me chamar de Baiano, por causa desse clube. E o cara me vendo lá: “Poxa Baiano, parabéns cara, você dança muito”. Eu esperando que o cara fosse me dar um corte alguma coisa meu. Ele falou: “É o seguinte, de hoje em diante, você pode vir todos os domingos no meu clube aqui e entrar de graça e você pode tomar refrigerante, comer lanche, o que você quiser” “É mesmo?” “É” “Muito obrigado, cara”. Eu saí de lá contente pra caramba, e daí virei uma das atrações do Motor Náutico. Depois terminei o colegial, Contabilidade Geral, eu trabalhava aqui com Topografia, muita gente não sabe, mas eu fui um dos fundadores do Banco Central do Brasil, eu fui o cara do aparelho que marquei a fundação do Banco Central do Brasil. Eu que fiz a ligação do três Sul com o lado Norte, aquela parte ali perto da torre de televisão que passa por baixo, aquilo ali quem estava no aparelho se chamava Nelson Triunfo. Na época era Nelsão só. Eu trabalhei muito em Topografia. Tinha a embaixada da Espanha que era complicada. Quando nós fomos fazer ela, a forma parecia com casa de abelha, e a gente brincava, chegava uns peões do Ceará e a gente, moleque traquina pra caramba, levava os caras lá pra cima, chegava lá, dava um jeito de fugir dos caras e eles ficavam perdidos, ficavam em um tipo de labirinto, não sabiam como descer . Um deles, uma vez a gente foi fazer uma marcação da segunda pista do aeroporto de Brasília, e ele ainda não tinha visto um avião direito, e vinha aquele Electra que era meio grande já, e ele ia levar aquele corote, que a gente colocava água pra gente tomar água do campo. Ele foi buscar água da torneira, quando ele vinha andando cara, o avião veio pousando, e vinha bem próximo ali da pista, mas ele vinha na lateral. Eu gritei: “Zéééé Olha o avião, rapaz”. Quando ele olhou pra traz, o avião estava em cima dele, ele jogou o corote, pulou embaixo, se arrebentou rapaz rs. Mas a gente ria, depois eu tive uma pena dele danada, o cara se machucou legal e quebrou o nosso corote, ficamos o dia todinho sem água lá. Então, tem essas histórias pitorescas que aconteceu com a gente aqui em Brasília. Nós tinhamos muitas frutas no cerrado, o nosso cerrado aqui, não sei agora, mas era muito rico de frutas, gariroba, cajuzinho, tinha muitas coisas que a gente curtia no cerrado. E essa foi minha vida em Brasília depois fui pra São Paulo e começou tudo. Porque quando eu fui pra São Paulo eu já sobrevivia só da dança, e eu fazia aquele eixo São Paulo-Rio, e era no auge mesmo da Black Music no Rio e em São Paulo. E a partir daí, em 77 eu fiz o grupo Black Soul Brothers, que era com o Miguel de Deus, e nós começamos a fazer uma mudança em São Paulo porque lá tinha uma fama que era a cidade do trabalho, ninguém falava quase com ninguém, e nós começamos a deixar São Paulo uma cidade soft, porque nós começamos a interferir nas ruas, nas festas, nas roupas, em um bocado de costumes que a gente começou a quebrar algumas coisas que eram correntes em São Paulo, não tinha como partir, e a partir daí começou tudo. Eu comecei a dançar. Mais tarde, já no final de 77 eu troquei o nome de Black Soul Brothers pra Funk & Cia, Nelson Triunfo e Funk & Cia. Na época a dança era o original funk. Pra quem não sabe, o funk original era aquele que James Brown dança, ou dançava, porque ele já morreu, mas eu acho que ele está vivo através dos vídeos, através da história. O Tony Tornado. Aquilo era o original funk, nós chamávamos de Soul. O Soul na verdade é mais aquela música gospel, mais raiz, mas nós chamávamos de Soul o original funk aqui. Era o Soul Dançante. Tinha outro Soul que era mais lento, mas tinha o nosso samba como é canção que é mais lento, tem o samba enredo que é mais corrido, então, a gente tinha essa comparação meio parecida. E eu comecei a frequentar o Palmeiras que naquela época, em 77, já colocava 15 mil pessoas lá dentro dançando, era uma loucura, todo final de mês tinha um baile bom, vinha Glória Gaynor, James Brown. Inclusive eu era o maior fã do James Brown. Na hora que eu cumprimentei o homem eu senti até um formigueiro assim na mão. Eu dizia assim: “Poxa, essa mão aqui tá apertando a mão do James Brown”. Eu comecei a profissionalizar o meu grupo e a partir daí começou um ciclo diferente no Brasil porque até então as danças que eram respeitadas eram o balé clássico, eram outras coisas que vinham mais da sociedade da elite, e essas coisas periféricas eram altamente discriminadas. Pelo contrário, cansei de apanhar na rua, rapaz, quando a gente dançava. Os homens levando a gente preso, falavam que a gente era vagabundo. E a carteira profissional tinha que estar assinada, a identidade não valia nada. Até rimou. Ele chegava em você e pedia documento, se não fosse assinado você ia preso como vadiagem. Aí, eles passavam DVC pra ver, não constava nada e você saía, mas você levava uma canseira danada, aquilo era terrível. Eu detestava aquilo ali cara, mas era resistência, era militarismo, e a gente tinha que estar sempre de cabeça erguida, eramos guerreiros mesmo, de verdade. Foi acontecendo. Quando chegou em 78, depois da vinda do James Brown, teve uma mudança muito grande porque começou a pintar a época da discoteca, (cantando) “Abra suas asas, me leve com vocêêê”. E isso mudou muito, inclusive quebrou muito nossos bailes e começou uma nova era Disco e tudo. Mas os bailes resistiram e continuaram. Mas ali também já começou a pintar outras informações de Nova Iorque, de tudo, e começou a apitar os robôs. Ali de 79 pra 80 aconteceu em um programa da TVS e nós fomos lá, dentro do programa de calouro do Silvio Santos, tinha um outro quadro que se chamava Desafio ao norte-americano, não sei o quê. Eles colocavam um quadro e desafiava você a fazer igual aquele pessoal. Pintou um pessoal lá fazendo robô. E poxa, foi um show do caramba, com aquelas cartolas de Tio Sam, aquele negócio lá, nós vimos aquilo ali e telefonamos para o Valentino, a antiga Vovó Mafalda, e eles falaram: “Ô Nelsão, vem aí, rapaz”. Porque eu já tinha ido lá algumas vezes dançar. Nós fomos lá e arrebentamos, cara Fizemos uma dança de robô louca pra caramba. O Zé Fernando e a Araci de Almeida que já estão em outro estágio, eles falaram o seguinte: “Ó, gostamos dos meninos”, e ganhamos a nota máxima lá, coisa que nunca davam pra ninguém. O Zé Fernando era terrível com calouro e nós fomos bem. Depois pintou outro show do caramba de uns caras que vinham tum-pá, tchi-tchi-ta, e jogava perna pra lá, pra cá, ia no chão, batia, subia, pulava um por cima do outro, caía lá em baixo, subia, não sei o quê. Aí, nós vamos lá de novo. Fomos lá, ganhamos de novo o prêmio máximo, isso já em 80. Sem querer, nós não sabíamos que já estávamos entrando na era da dança de rua, do hip-hop. E dentro dos shows eu comecei a usar aqueles dois quadros que fizemos no Silvio Santos, nós falávamos que um era o show do robô e o outro era o show americano. Era o nome das duas coreografias. E com isso novos caras começaram a se desenvolver, e começaram a chegar alguns clipes lá de fora que passou no Fantástico os caras dançando na rua. E o cara deslizava pra trás assim, o cara dava um giro de costas assim, e nós diziamos: “Puxa, isso aí deve ser efeito de televisão”, a gente não acreditava que aquilo acontecia . Tanto que em 83 eu fui dançar em Salvador. Na hora que eu dancei, antes do próprio Michael Jackson, eu meti, dei um giro e dei aquela deslizada pra trás que os caras chamam de Moon Walk, que seria o quê? Passeio na lua. Não é isso, o nome do passo é back slide, deslizando pra trás, o nome legítimo. Muitas coisas a gente chamava diferente, a dança aqui a gente chamava de dança aérea, mas na verdade é wave, o pop que é mais estalado, tem o tud que é o egípcio. . O cara tem efeito que tá aqui, você vem aqui e daqui, ó, fiii. E a gente tinha que fazer os efeitos deles e tudo, as ondas. E quando eu dei essa deslizada pra trás lá em Salvador, nossa, os caras gritaram lá embaixo, deram uns gritos “uuuuuu”. Eu dei uma de volta, aí a galera não queria mais que eu dançasse, queria que eu só deslizasse . Fiquei só deslizando, parecia que eu estava naquele negócio de ski, estava só deslizando mesmo. Foi legal, mas teve uma coisa muito interessante, que quando eu cheguei lá embaixo teve uma duas menininhas, deviam ter uns 15 anos, elas mandaram eu levantar o pé, eu levantei, e eu falei: “Por que você tá mandando eu fazer isso?”. Elas queriam ver se tinha rodinha embaixo do meu tênis. . Era o começo de tudo, tudo era muito interessante. E a partir dali começava o hip-hop no Brasil, começava a dança de rua no Brasil. E eu fui assim um dos ícones, aquele pioneiro, porque na verdade eu vinha de outra época, como eu falei pra vocês. Eu vinha do Black Soul, eu vinha dos grandes bailes do Palmeiras de São Paulo e tudo. Tinham na época cinco cidades no Brasil que eram as cidades de Black Music, que tinham esses bailes blacks: Porto Alegre, Belo Horizonte, Brasília, São Paulo e Rio. Rio foi a precursora, das primeiras equipes de som. E quando começou a dança de rua esses bailes foram também se transformando, muitos deles fecharam porque já era 84 e não tinha mais, já tinha passado também o New Wave. Toda vez que vinha uma coisa nova, tipo moda, essas coisas de dança, de movimento, prejudicava muito os nossos bailes porque a gente perdia muita gente e abriam espaços novos pra contemplar aquele estilo novo. Aí, nós começamos já uma outra época, que foi a época da dança de rua, de disputas de danças, os MCs começando a cantar, os manos começando a pintar. Em 84 mesmo nós fomos chamados pela Rede Globo, uma quebra de preconceito do caramba na época, nós abrimos a novela Partido Alto que era a gente dançando Wave, Pop, e até B Boy. E naquilo ali nós dançavamos pop, tinha o lock também, o wave, tinha o b boy, mas nós misturavamos com o samba, inclusive pandeiros que rolavam pelo braço assim, caiam pelo outro lado, que eu acho que talvez eles tiveram a idéia. Porque como eu desfilava também na Vai-Vai eu fui uma das primeiras pessoas a ganhar em São Paulo o estandarte de ouro, o melhor passista do carnaval masculino, aí pessoal, não é só hip-hop, não, é diversidade cultural . E com isso aí, talvez eles tiveram a idéia porque eu me lembro que na época eu dançava, sambava, dava um giro e deslizava xuuuuu. Aí, acho que nisso aí, eles tiveram essa idéia de juntar, que era até em cima daquela música do Jorge Aragão, “Não entendi o enredo desse samba amor...”. E a gente fazia a abertura. E a partir daí, a polícia já mexia menos com a gente, nós já tinhamos dado entrevista pra revistas, academias como a Runner já chamavam a gente para dar aula. Então, uma parte da música que eu fui naquele tempo, que a gente já cantava, eu fiz tipo assim (cantando): “Saiu do subúrbio pra se projetar no centro da cidade, chamou a atenção com sua dança mágica, como raio entrou na telvisão pra toda nação. Foi assim no Brasil, da periferia logo invadimos várias academias. Fizemos tantas coisas que você nem via”. Começava ali e, “b boy dança de rua, dança em qualquer lugar, mostre a verdade sua, mas nunca se esqueça que o b boy é cultura de rua”. Então, já fazia esse freeze, porque eu vinha de uma militância, já tinha essa coisa. Como a gente apanhava na rua, botava. Muita gente falava que a gente dançava naquela época pra se divertir, e é um erro, porque quem apanha da polícia e volta pro mesmo lugar pra fazer uma coisa, isso não é brincadeira, isso se chama resistência. É coisa séria. Ali começaram os trabalhos de rua, comecei a desenvolver trabalho com a molecada e tudo não sei o quê. No final dos anos 80 nós já fomos reconhecidos pelo Governo Erundina, começamos a fazer o Rapensando com a Sueli Chan, com o Levi, com o pessoal do Racionais, dentro das escolas, o Rapensando, que já era a integração da Cultura com a Educação, uma das coisas que eu mais luto no momento, que eu acho que o Brasil, nesses encontros de cultura que estamos vendo aí é o reflexo que se der oportunidade as pessoas conseguem fazer. Só que uma coisa que nós temos uma distância é da Cultura com a Educação, porque tudo isso também já é educação. Se a gente for dentro das escolas mudar a concepção de ensino que tem aí, começar a fazer um ensino diferenciado, a cultura junto à educação, nós vamos poder mudar muito. Até porque daqui a 20 anos, com certeza, essas escolas que estão aí, esse sistema de ensino, não vai existir mais. As profissões que vão acontecer daqui a 20 anos, talvez 75% delas, como eu li numa matéria, não existem ainda. Então, a mudança do mundo vai ser brusca. Eu me lembro que antes eu matava pra mandar uma carta no correio, hoje é só dar uma tecla e eu mando meu e-mail . E vai vendo que já vai surgindo a diferença, e é brusca. Com isso começamos os trabalhos com o jovem periférico. E Paulo Freire, quando eu li o primeiro livro do homem, eu digo: “Nossa, parece que esse cara falou algumas coisas que eu fiz, ou teve algum contato comigo”, porque eu me identifiquei demais com aquilo, com a filosofia, tudo dele. E foi bom porque no governo da Erundina ele foi chamado pra fazer parte do governo e aquilo ajudou a gente pra caramba nesses trabalhos. E começou-se ali os grandes trabalhos sociais no Brasil, no que se diz respeito a trabalho de inclusão. Porque antes os trabalhos eram assistencialistas, os caras davam colchões para os que tiveram enchente, feijão, arroz, o cara comia e ficava na mesma de novo. E até prejudicava porque o cara começava a se acostumar em receber as coisas. E nós começamos a fazer aquela de transformar o cidadão em um protagonista da sua história. Fizemos um trabalho maravilhoso com a Erundina, fomos chamados pra desenvolver esse trabalho na cidade de Diadema no início dos anos 90, e foi uma coisa louca porque em pouco tempo eles quiseram por capoeira, balé clássico, artes plásticas, teatro em alguns lugares da periferia e não funcionou muito bem. E eles viam que as nossas oficinas eram estouradas de gente na época. Alguém chamou a gente e perguntou como a gente trabalhava, e a gente já começou a passar um pouco do know-how daquilo que a gente tava desenvolvendo dentro da cultura periférica dentro desse leque que hoje está aí, postos de culturas, ongs, entidades. E ali era o grande começo de tudo isso, dessa inclusão. E falamos: “Poxa, vê se no bairro não tem um dançarino clássico, alguém que conheça a comunidade, que não tenha medo dos moleques”. Porque muitas vezes trazemos um de fora, quando eles olham os moleques já dizem: “Não, isso ali é marginal, aquele carinha ali deve ser drogado”. Eles tinham um preconceito que ave maria, meu, era muito louco. E com isso os trabalhos não viravam e nós começamos a transformar tudo isso e em pouco tempo Diadema virou a cidade dos centros culturais, e virou referência. E uma delas foi o Centro Cultural Canhema, que já funcionava com um trabalho chamado “Hip-hop em Ação”, até eu pensei assim: “Poxa, mas como é que eu vou dar o nome pra isso?”. Eu pensei, “Hip-hop em Ação” seriam os quatro elementos porque ainda tinha uma divisão lá que era louca. O bairro Campanário não ia no bairro Inamar, porque falava que o Inamar era violento. O Inamar não ia no Campanário, porque falava que o pessoal do Campanário era violento. E tinha aquele jogo de acusações, tudo. A partir do Canhema que era o lugar mais central e o corredor dos ônibus que fazem o ABCD, nós começamos a fazer todo final de mês, no último sábado, até hoje existe esse evento. Nós começamos a fazer o hip-hop em ação. O que era o Hip-hop em Ação? Na verdade tinha uma idéia das oficinas que aconteciam durante o mês que no final eles mostrassem o seu produto, o seu trabalho, fosse da dança, da pintura, do cântico, da discotecagem, que eram os quatro elementos. E nós começamos a fazer isso. Deu tão certo, tão certo, que a gente começou a fazer nos centros culturais esse mesmo Hip-hop em Ação em outros dias da semana. E aí, como no Centro Cultura Canhema vinha gente de todos os bairros de Diadema, eles já se conheceram melhor e perdeu um pouco essa coisa da violência, e foi uma coisa de transformação social maravilhosa, uma experiência inédita pra gente. E com isso começou a chegar o ABCD também, vinha o pessoal de Santo André, de São Bernardo, Mauá, começou a crescer pra caramba. Chegou uma hora que a casa de Diadema não comportava mais e muitas vezes, nos eventos mais fortes, nós tivemos que fechar a rua pro evento poder acontecer na Casa e fora, na rua. E isso aí, veio o Africa Bambaataa, veio gente de fora, vieram os caras que dançavam no Bitter Street, que era o nosso filme de referência na época de 84. A gente assistiu umas 20 vezes ao Bitter Street . E esse trabalho de Diadema foi de referência para o Brasil todo, e mais tarde virou a Casa do Hip-hop, mas antes de ser a Casa do Hip-hop já tinha todas essas coisas acontecendo. E a partir dali saíram muitos multiplicadores para o Brasil inteiro, para o exterior, e serviu de referência para vários trabalhos no Brasil. Muita gente às vezes tem trabalhos maravilhosos por aí, mas nunca falam que foi a Casa do Hip-hop que começou, mas eu me lembro de ter visto eles lá olhando pra gente, vendo como a gente trabalhava, até perguntando. Muitas teses da USP, da PUC, da Unicamp, da São Judas, da Metodista, várias universidades, Anhembi Morumbi fizeram teses com o nosso trabalho, e até hoje eles vão lá. Acho que a USP, a PUC e várias outras universidades devem ter um trabalho riquíssimo sobre os trabalhos periféricos do hip-hop no Brasil. Uma vez eu fui fazer um teste no estado, lá na Secretaria de Cultura do Estado. Nós tinhamos acabado de sair de um projeto que era muito legal que se chamava Parceiro do Futuro e que funcionava bem. E esse projeto acabou dando lugar ao Escola da Família, que não funciona bem, o Parceiro funcionava bem. Eu fui responsável pela Zona Leste e modestia à parte, foi uma das partes que mais progrediu e teve êxito dentro daquilo ali. Uma das primeiras coisas que eu fiz de trabalho foi juntar a capoeira com teatro, com tudo, com todo rol de cultura. Por que? Porque eu via que existia muito preconceito entre um capoeirista e um cara do teatro, entre o cara do teatro e um artista plástico. Existia muitos preconceitos e eu fiz esse encontro na época para quebrar um pouco esse preconceito. Por exemplo, o capoeirista ia subir no palco com o que era do teatro. Daí, o cara do teatro falava pra ele: “Merda pra você”, era capaz do cara dar uma murro na cara dele, “Pô, merda pra mim, você tá doido?” Páá, metia a mão. Isso porque não conhecia as coisas particulares de cada cultura, de cada arte. E com isso mudou muito. Isso também eu já fazia em Diadema junto com os nossos parceiros. Com o pessoal. E eu acho que foi um dos grandes passos pra tudo isso que tem aí no Brasil hoje. Então, eu só falei de coisas boas até agora. Eu também vou falar de alguma coisa que eu também sou militante, um guerreiro ativista da nossa cultura, do nosso país. Eu não sou apenas um artista, eu sou um ativista, sou um educador, produtor cultural. E uma das coisas que eu tenho medo dentro desse processo cultural do país são as mudanças de gestão e até as pessoas que ocupam cargos e pensam que são donos da cidade, daquele mandato, entendeu? Diadema, eu adoro Diadema e construí todo esse trabalho que acabei de falar, mas no ano passado a Secretaria de Cultura de Diadema, que hoje a cidade precisa muito retomar as suas raízes, até porque não funciona nem um terço do que funcionava na verdade, e eu comecei a bater um pouquinho diferente disso, inclusive a fazer trabalho dentro da Educação, que eu acho que é o novo caminho, como eu falei, essa fusão. E simplesmente eles falaram que eu não estava mais dentro do processo, não tinham como me pagar e me mandaram embora. Isso é uma mágoa que eu carrego no meu coração, até já descartei ela. Pena que o pessoal de Diadema, que tanto me aplaudiu, em muitas reportagens que eu estava em São Paulo e eu dizia: “Não, vamos em Diadema lá na Casa do Hip-hop”, por isso que a Casa do Hip-hop saiu na mídia pro Brasil inteiro, como por exemplo em um Globo Repórter inteiro, Fantástico, no Jô Soares que eu fui lá. Diadema sempre foi a cidade que eu levei pra divulgar cada vez mais essa referência para o Brasil. E no entanto, pessoas que estão lá na Secretaria de Cultura, que muita gente no Brasil nem sabe que elas existem, elas me mandaram embora. E tá cada vez afundando mais a cidade de Diadema, isso é um fato, e eu to delatando aqui. Quem quiser que ache bom, quem quiser que ache ruim. Certo? Mas eu tenho fé que ainda vamos melhorar em Diadema e vamos voltar a ser aquela cidade cultural. E daí, nós plantamos embriões diferentes porque dentro do próprio hip-hop eu gostava de mostrar pros moleques a importância do Luiz Gonzaga, a importância de um Pixinguinha, e com isso eles não ficaram alienados. Muitas vezes o hip-hop tem vários caminhos, muita gente chega pra mim: “Mas o hip-hop é assim” “Não, se você quiser entender vai ficar doido”. Porque se você olhar, pra você entender uma cultura que tem uma linguagem só já é difícil pra caramba, agora pensa você entender uma linguagem que é composição de quatro elementos. E cada elemento tem seus caminhos. Por exemplo, na própria dança de rua tem mais de três estilos que são a referência e dentro desses vem mais dez, 15 estilos que completam eles. Que veio da Rússia, que veio da ginástica olímpica, que veio da capoeira, do balé clássico, do jazz, entendeu? No grafite cada um tem sua linguagem, seu estilo de grafitar e tudo. Na dança, no cântico, são várias levadas, e com isso cada vez mais eu to querendo fazer com que o hip-hop, aquele que eu acredito, que é o raiz, não discriminando nenhum outro estilo, nem nada, mas eu acredito que em um país onde nós temos tantos problemas, nós temos gente ainda passando fome, que nós temos aberturas que parecem primeiro mundo, e também temos ações que parecem quarto mundo, ou mundo que nem existe. Nós precisamos ainda mudar muito e é muito importante essa gestão que está aí, que deu essa abertura democrática, de os pontos de cultura estarem fazendo tudo isso aí, pra aproveitar. Mas eu sou músico, sou compositor, sou letrista, eu trabalho também, gosto do samba, do reggae, você vê que meus ídolos são diferentes. Um dos meus ídolos é o Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, aí já vem o Bob Marley, James Brown, vem o Gandhi, e vem o meu pai. E são várias informações, às vezes, quando eu quero dormir em casa, em vez de eu curtir um James Brown, um rap, um forró, eu curto um Beethoven. Eu costumo falar que as mangas, só as mangas já são diferente pra caramba. A começar pela fruta, que a espada, a jarmin, tem tantas mangas que eu nem conheço. E se você quiser viajar nas mangas, tem a manga de camisa, a manga de candeeiro, tem a manga que é pasto de gado. Tem a manga de mangá, o desenho japonês e tem manga de mangar de mim, de tirar um barato. Então, são tantas as mangas que eu nem sei quantas mangas são. Isso é o recurso da poesia no Brasil, que você não pode ficar numa coisa só, um radicalismo que cheira à burrice. Por isso eu escuto todos os ritmos, Tonico e Tinoco, raiz, muito bom. E isso foi o que eu ensinei pro hip-hop nacional. E como eu falei, muitos sairam daquele lugar, nunca tiveram uma oficina e tem outra forma de pensar, outra forma de cantar. Tem o Gospel, tem o amor, a consciência da mensagem. Tem também a criminalidade, tem tudo, é o ser humano. Nós somos hip-hop, nós somos humanos. E fora isso, eu to gravando meu CD, talvez seja um CD história, se Deus quiser, porque eu já nem sei mais quando eu comecei ele, nem quando eu vou terminar . Faz igual a música Cara, que alguém me perguntou quantos cara tinha a minha música, então, eu fiz uma música Cara, que ninguém pode traduzir em nenhuma língua do mundo porque eu uso a palavra cara assim: Porque um cara na minha rua morreu porque confundiram ele com outro cara. E agora acabaram de matar um irmão de um gêmeo que também foi confundido com outro gêmeo que também aprontou. E muitas vezes bateram em Raul Seixas em Caieiras pensando que ele era um cara impostor, que não era o Raul Seixas. Tem essa coisa da confusão das caras dos caras. Então eu fiz (cantando): “Ei cara, você parece o cara, ei cara, você parece o cara. Você parece o cara que estava com o cara, que deu o tapa na cara do cara. Quando sujou, você correu e se escondeu na casa de outro cara, que por coincidência tinha a sua cara. Ei cara, é você mesmo cara, que entrou no bar, bebeu uma cara e depois quis curtir com a minha cara e depois falou que a bebida estava cara. Cuidado cara, não brinca comigo que você não tem cara de quem vai me encarar assim, cara a cara. Porque você tem medo que eu fosse ali desmarcarar”. Aí, a música toda a palavra cara é a palavra que completa a frase, ela vai tendo vários sentidos, e isso é uma música que jamais poderá ser traduzida em outra língua do mundo. Aí, eu já trago também aquelas outras coisas, como eu falo que o primeiro reggae que eu ouvi foi com o Bob Marley. Ou não? Ah não, foi não, foi não. O primeiro reggae que eu ouvi foi Luiz Gonzaga. Porque Bob Marley eu ouvia os caras falarem que era reggae, mas quando eu ouvi com Luiz Gonzaga chamavam de baião (cantando): “Meu novo Exu, tcha, meu pé de ferro, tchonto. Ontem eu dancei, muito forró. Dancei aqui, dancei em Araripina, dancei em Serra Grande, Araripina, Poço Verde e Bodocó” pa, dum-dum-dum-dum, tcha. Isso era reggae, cara Quem que vai falar que não era? Inclusive até hoje, esses caras que fazem esse forró universitário, eles fazem show junto com os caras do reggae. Por que? Porque tá ali na mesma família, mano. Entendeu? O primeiro rap que eu ouvi foi As Emboladas. Por que? Porque a levada do rap é uma forma de como você poe a palavra dentro do ritmo. Tem várias métricas, eu posso dizer: “Tudo bem aqui, eu to aqui, fazendo uma entrevista pra internet. E isso daí vai mostrar que eu sou um cabra da peste. Mas de repente, eu conto de um até sete, e você vai ver como é minha levada. Eu posso dizer: Não, agora me veio, você vai me entender, vou falar pra você, minha levada é diferente. E tão consciente, e tão ninguém, não centro é quente”. E outra coisa, eu posso dizer: Agora eu vou dizer que vou, e tam, então como é que é? E tam. Então, são várias formas. Estou aqui, vou dizer pra você, não sei o quê. E darara dãdã. São formas diferente de você cantar. Uma coisa falada, a palavra oral. E por que não a Nossa Embolada ser um rap? Se ela fala tipo (cantando): “Mas é verdade que o meu nome é Nelsão, esse cabra é um cão, dançando break no chão. Rápido que nem um rato e liso que nem sabão. E meu DJ fazendo scrap no disco mistura som de corisco ou até mesmo com trovão. Nesse cara eu boto fé, ele tira o som que quiser. Comprei uma galinha por 4 mil e 800 e eu bati nas asas dela e eles piaram”. Deixa pra lá, não vou nem falar disso daí . Isso é Embolada, que nem vou nem falar. Se você chegar e por um ritmo nisso, ó, tipo você falar assim (cantando): “Eu vi um jegue beber 20 coca-colas, ficou cheio que só uma bola e deu um arroto de lascar”. Então, você pode botar tudo da embolada do mesmo do coco. (cantando em outro ritmo): “Vi um jegue beber 20 coca-colas”. Certo? Tá tudo ali, cara, é só o preconceito que não deixou isso ser assumido antes. Mas por aí vai a musicalidade. E do Brasil, que os caras mentem pra caramba e falam que nós falamos português. Pode ser até um portobrasileiro, ou um afri-portugal, um indígena-brasil, não sei o que nós falamos de verdade. Os caras falaram que nós falamos português, eu cheguei em Portugal e não entendi o que os caras estavam falando, e os caras mentiram pra mim porque eu não to entendendo o que os caras estão falando aqui. Mas no próprio Brasil você vai vendo. Por exemplo, você sabe o que é pantim? Pantim são gente suspeita. Você quer pegar uma manga na feira, aí, a velha dá uma olhada pra você e você tira a mão. Aí, ela diz lá pro velhinho: “Cuidado com aquele cara que ele tá com pantim”. Você tá chegando, tem alguém se escondendo, você tira a cabeça e diz: “Tem alguém ali que tá com pantim”. E muganga. O que é muganga? São caretas. Meu pai falava pro meu irmão que ele era muito mugangueiro. Meu pai falava: “Menino, faz aquilo”, e ele: “O quê?”, e começava a fazer careta, é muganga. Mangar como já falei é tirar um barato. Aí, eu fiz isso daqui. Pra fechar eu vou mostrar uma letra minha pra vocês, tá legal? É um maracatu funk. Vou falar assim (canta): “Levanta essa bunda dessa cadeira, a vida é dura não é brincadeira. Não vem com pantim fazendo muganga, sou caboclo sério, de mim ninguém manga. Ohhh de mim ninguém manga, Ohhhhh, de mim ninguém manga. Volte oxente, como tá diferente, não era assim o mundo da gente. Na casa do caboclo tem antenas parabólicas. O tempo mudou desafiando a lógica. Vi fogo fátuo muita vezes a vagar, e que as estrelas nunca mudam de vagar. Formiga quando quer se perder e criar asas, sapo com fome apressado engole brasa, é mau costume, ele confunde a brasa com vagalume. No sertão do Cariri também tem Nação Zumbi, feira de Caruaru, Triunfo, Maracatu, Paulo Afonso hip-hop no bairro mulugu. A história do nego velho eu confundo com a do mato, nunca possui o dinheiro, só teve couro de rato. Mas com ele eu aprendi sempre a ser um ser humano, já fui matuto na roça e na cidade, eu sou mano. Ô levanta a bunda dessa cadeira, a vida é dura, não é brincadeira. Não vem com pantim fazendo muganga, sou caboclo sério, de mim ninguém manga. Ohhh de mim ninguém manga, Ohhhhh, de mim ninguém manga. Eu tenho pena é do besouro rolabosta, quase sempre perde a vida quando ele cai e costas. Não quero abraço de amigo tamanduá, quem tem cabelo tem medo de arapuá. Primeiro rolo foi na porta da cadeia, vi negro gritando na peia, e o facão a alumiar. Outro no bar bebe uma parada de de cana, mete bronca no sacana e vai pra cadeia morar. De cá um abano pra me abanar, meu chapa o calor está de lascar. Pipoca taboca, malandro se toca, maluco malaco respeita a maloca, só cabra safado gosta de fofoca. Bala perdida se esconde a loca, eu vou abafar porque sou capaz, e você rapaz, é feio demaisss”. Saiu do foco? P/2 – Não . R – Assim? P/1 – . Forte. A gente queria agradecer Nelson, obrigado pela entrevista.
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