Projeto Memórias de Serra Pelada
Entrevista de Raimunda Silva Santos Moura
Entrevistado por Maria de Fátima Rodrigues e Antônio Carlos Souza da Silva
Serra Pelada, 30 de setembro de 2024.
Código da entrevista: MSP_HV014
Realização Museu da Pessoa
Transcrita por Monica Alves
Revisado por Nataniel Torres
P/1 - Pastora Raimunda, fala pra gente, o dia do seu nascimento, local e a cidade.
P/2 - E o seu nome completo.
R - Tá bom. Eu sou Raimunda Silva Santos Moura, né. Sou casada com o pastor Silas, sou mãe de dois filhos, de um casal. E sou avó de quatro netos, né. Bom, eu nasci em um povoadinho, uma aldeiazinha, pequena, chamada Nova Vida do Caru. Fica às margens do Rio Caru. Ela fica situada no município de Bom Jardim, no estado do Maranhão.
P/1 - Pastora, te contaram como foi o dia do seu nascimento?
R - Bom, assim, meus pais, como não tinham tanto aquela afinidade de conversar com os filhos naquela época, a única coisa que minha mãe me falou quando eu nasci, eles ficaram muito felizes, ficaram muito felizes, por eu ser a última da família de treze filhos que minha mãe teve, eu era, estava sendo a última. Eles me contam que na minha infância eu fui uma criança muito alegre, muito divertida, e assim, não tiveram muito aquele contato de trazer pra gente, ali, a convivência, quando criança.
P/1 - E o seu nome, você sabe o motivo de ter escolhido Raimunda?
R - Raimunda, meu pai, ele trouxe esse nome como uma homenagem a minha avó, minha avó paterna, que na época, assim que eu nasci, teve uma fatalidade, a minha vó ficou enferma, teve um problema de garganta. Como naquela época na aldeia não tinha tanto assim, a presença de médicos, de profissionais de saúde, minha avó teve uma infecção muito grande, ela faleceu. E ali, meu pai trouxe o nome de Raimunda em homenagem a minha avó.
P/1 - Qual o nome da sua mãe?
R - A minha mãe, ela é Maria do Socorro Silva Santos Guajajara.
P/1 - O nome do seu pai?
R - Meu pai é...
Continuar leituraProjeto Memórias de Serra Pelada
Entrevista de Raimunda Silva Santos Moura
Entrevistado por Maria de Fátima Rodrigues e Antônio Carlos Souza da Silva
Serra Pelada, 30 de setembro de 2024.
Código da entrevista: MSP_HV014
Realização Museu da Pessoa
Transcrita por Monica Alves
Revisado por Nataniel Torres
P/1 - Pastora Raimunda, fala pra gente, o dia do seu nascimento, local e a cidade.
P/2 - E o seu nome completo.
R - Tá bom. Eu sou Raimunda Silva Santos Moura, né. Sou casada com o pastor Silas, sou mãe de dois filhos, de um casal. E sou avó de quatro netos, né. Bom, eu nasci em um povoadinho, uma aldeiazinha, pequena, chamada Nova Vida do Caru. Fica às margens do Rio Caru. Ela fica situada no município de Bom Jardim, no estado do Maranhão.
P/1 - Pastora, te contaram como foi o dia do seu nascimento?
R - Bom, assim, meus pais, como não tinham tanto aquela afinidade de conversar com os filhos naquela época, a única coisa que minha mãe me falou quando eu nasci, eles ficaram muito felizes, ficaram muito felizes, por eu ser a última da família de treze filhos que minha mãe teve, eu era, estava sendo a última. Eles me contam que na minha infância eu fui uma criança muito alegre, muito divertida, e assim, não tiveram muito aquele contato de trazer pra gente, ali, a convivência, quando criança.
P/1 - E o seu nome, você sabe o motivo de ter escolhido Raimunda?
R - Raimunda, meu pai, ele trouxe esse nome como uma homenagem a minha avó, minha avó paterna, que na época, assim que eu nasci, teve uma fatalidade, a minha vó ficou enferma, teve um problema de garganta. Como naquela época na aldeia não tinha tanto assim, a presença de médicos, de profissionais de saúde, minha avó teve uma infecção muito grande, ela faleceu. E ali, meu pai trouxe o nome de Raimunda em homenagem a minha avó.
P/1 - Qual o nome da sua mãe?
R - A minha mãe, ela é Maria do Socorro Silva Santos Guajajara.
P/1 - O nome do seu pai?
R - Meu pai é Raimundo Nonato dos Santos Guajajara.
P/2 - Como você descreveria sua mãe?
R - A minha mãe é uma guerreira. A minha mãe, ela não é índia, originalmente. Ela é do estado do Piauí, quando ela conheceu meu pai ela era muito jovem. Meu pai estava passando por uma fase, ele era viúvo na época, a minha mãe não foi a primeira mulher do meu pai. Como meu pai era indígena, ele não podia sair da tribo, a minha mãe foi convidada por ele para cuidar das crianças dele, na época ele ficou com umas três crianças. E a minha mãe foi trabalhar pra ajudar meu pai. Naquela época não tinha muito, assim, esse contato de indígena com branco, minha mãe na época não era indígena. Então minha mãe passou por muita dificuldade, ela teve que enfrentar a família dela quando meu pai decidiu, casar com ela mesmo, eles não aceitaram, por meu pai ser indígena e minha mãe não ser indígena, não conhecer da cultura. Eles achavam que minha mãe ia sofrer com meu pai, não ia se adaptar e tudo. Porém, foi uma coisa que deu bem certo, eles já têm mais de 50 anos de convivência, eles estão desde muito jovens, mas desde esse tempo minha mãe perdeu o contato de todos os seus familiares, ela ficou sem contato. Não tem contato de pai, de mãe, de irmão. E no passar do tempo apareceu um tio nosso, e ele trouxe, ele trouxe relatos de que os meus avós ainda existiam, porém, minha mãe passou muita dificuldade nessa época toda, a saudade dos familiares, então ela teve que fazer uma convivência com meu povo, com o povo do meu pai. E por ela passar muito tempo de convivência, mesma tribo, na tribo, o não-índio que vai conviver com o indígena, que ele passa muito tempo de convivência dentro da aldeia, ele já pode ter o direito de ter o nome indígena também. E minha hoje, ela é, graças a deus, ela foi realmente aceita como indígena, por ter muito tempo de convivência na tribo. Então minha mãe é uma guerreira.
P/2 - Assim que eles se conhecerem, ela foi morar na aldeia?
R - Sim. Quando eles casaram, meu pai casou mesmo na religião e tudo… Eles foram conviver dentro da tribo e a partir daí minha mãe não saiu mais da aldeia. E praticamente é uma aldeia situada pela minha mãe e meu pai, eles conviveram lá por muitos anos e ainda convivem lá.
P/2 - Ainda moram lá?
R - Ainda moram lá.
P/2 - Como é que a tribo, a aldeia recebe as pessoas que não são indígenas?
R - Naquela época era bem dificultoso. Mas pro meu pai não foi muito dificultoso, porque era uma aldeia nova e ele estava iniciando ali. Mas quando chegou ao conhecimento que meu pai estava casando com uma não indígena, ele não foi muito aceito, porém eles compreenderam a necessidade ele, por ele estar só com aquelas crianças e ele precisaria e como na época também não tinha tanta influência de jovens indígenas, de mulheres indígenas, porque estava começando, só a nossa sede na tribo Aldeia Maçaranduba, que é nossa sede principal, lá existiam, mas eram mulheres que já tinham suas famílias. Então meu pai foi aceito por esse motivo. Hoje já não é tanto assim, por conta da mistura de não indígenas com pessoas brancas.
P/2 - Você ainda hoje tem contato com sua mãe?
R - Sim, tenho. Ainda tenho contato com minha mãe, meu pai, ainda são vivos graças a Deus e sempre que a gente conversa, é muito bom, assim, esse contato. Hoje eu vivo aqui em Serra Pelada, mas a gente nunca perdeu o contato, de conversa, de falar, de saber como é que estão, a gente sempre tem esse contato.
P/1 - E o seu pai era um cacique né?
R - Sim, na nossa aldeia ele é titular do cacique de lá, da nossa aldeia, da aldeia Nova Vida do Caru, mas quando a gente vem pra nossa aldeia principal, que é a Aldeia Maçaranduba, ele era na época, meu pai, alguns anos atrás ele era conselheiro da tribo. Hoje nós temos por cacique vitalício, nosso cacique é Antônio Wilson, conhecido como Cacique Pistola. E ele hoje tá fazendo um trabalho excelente dentro da comunidade e ele também foi candidato a vereador, pra trazer mais conhecimento e recurso para nossa aldeia, para nossa comunidade indígena. E hoje nós temos como cacique, o Cacique Pistola.
P/2 - Como você descreveria, também, o seu pai?
R - Ah, o meu pai ele, nossa… é que são muitas coisas, são muitas coisas.
P/1 - A saudade aperta.
R - Saudade… Nossa, falar dos meus pais.
P/2 - A gente entende.
R - Falar dos meus pais é muito emocionante porque, meu esposo, ele conhece um pouco da história. Meu pai, ele passou por muitas vezes, assim, por situações de saúde, por muitas vezes ele já foi dado como morto. Ele estava trabalhando de roça, e aí, eles estavam trabalhando, você sabe que naquela época não tinha tanto o uso da serra elétrica, era mesmo manual, no machado, na foice. E aí, eles estavam trabalhando ali, cortaram as árvores e tinha aquele negócio, davam uma andada das árvores que eles cortavam juntos e elas caiam, aí eles gritavam pra quem estava do outro lado da extremidade, correr pra onde os outros colegas, então meu pai não deu tempo de correr, caiu a árvore sobre ele, que ele passou muitos dias, ficou muito enfermo mesmo e as pessoas achavam que ele não ia viver. Ele ficou ainda um bom tempo paralítico, não andava, ele se locomovia pelas mãos das pessoas. Logo depois que ele ficou bom, que ele se recuperou, Deus deu essa chance pra ele, então aconteceram muitas coisas com meu pai, ele foi mordido por animais, ficou outra vez também sem conseguir andar, ficou sem falar, quase morreu. Então aconteceram muitos acidentes dentro dessa vida, dessa convivência com meu pai na tribo e quase que ele perde a vida. Mas graças a Deus ele é um guerreiro, muito mesmo, guerreiro mesmo. E falar do meu pai, nossa, falar do meu pai é… Meu pai é um grande amigo, um grande guerreiro, é um exemplo muito forte na nossa família, porque se não fosse pelos ensinamentos do nosso pai, do meu pai. Nós somos seis irmãos. Os meus irmãos, dos treze irmãos, morreram acho que… acho que morreram mais ou menos uns onze irmãos, porque hoje tem o meu irmão Marinaldo, que é o mais velho, tem o Erisnaldo, que é meu irmão do meio e a Maria de Fátima, que está viva. Esses são da parte do meu pai, dos treze da minha mãe, morreu o Raimundo Filho e as demais criancinhas, que eu não lembro, que quando nasceram eu ainda não existia. Mas minha mãe, ela teve uma perda muito grande de filhos e, assim, nossa família é muito grande, muito grande mesmo.
P/2 - Seu pai é nascido na aldeia?
R - O meu pai, ele é da região de Barra do Corda, mas quando ele veio para T. I. Caru, ele veio muito jovem, com a minha vó. E essa parte da chegada deles, só ele mesmo sabe explicar, assim, o conteúdo, como eles chegaram. Mas eu lembro muito bem que eles estavam procurando um lugar para situar. E quando eles chegaram lá, eles não sabiam que era uma área realmente pra eles, pros indígenas. Quando chegou o pessoal da demarcação dos territórios indígenas, que encontraram um casal de indígenas, que era minha avó e meu pai, eles ficaram muito felizes, nossa. Era exatamente isso que a gente queria, porque eles não queriam colocar uma pessoa não indígena para representar o território, né. Como eles encontraram, aí a história deles começou por ali.
P/2 - Seus avós, eles foram situados nessa região do Barra do Corda?
R - É, minha avó. Minha avó, ela era dessa região da Barra do Corda ali, de Amarantes, Lagoa Comprida e aquela região. Mas por ele ter muitos anos de convivência, que eles vieram para T.I. Caru, hoje ele realmente é da aldeia T. I. Caru.
P/2 - T. I. Caru?
R - Sim.
P/2 - Você nasceu nessa aldeia?
R - Eu nasci na aldeia Nova Vida do Caru, nas margens do Rio Caru. Mas a nossa sede, fica ali localizada na aldeia Maçaranduba, que fica às margens do Rio Pindaré. Ele é como se fosse um pedaço de pizza gigante, que une de dois rios, nas extremidades, tem o Rio Caru e o Rio Pindaré, que eles se encontram em uma divisa de rios, que fica na Barra do Caru.
P/1 - O que seus pais faziam pro sustento?
R - Meu pai sempre foi trabalhador de roça, né, trabalhou sempre em roça, meu pai, ele foi muito esforçado nessa parte, sempre trabalhou na roça, na lavoura, na pesca, na caça, isso. E também, quando jovem, ele sempre foi um dos representantes, bem esforçados, de estar sempre levando para as autoridades conhecimento da existência da nossa tribo, que realmente tinhas pessoas ali, dentro daquela localidade, daquele território, que aquele território não era um território abandonado, que sempre existiu pessoas e principalmente indígenas naquela região. Ele sempre teve esse contato, de estar em contato com as autoridades, da Funai. E ele viajava muito para Brasília, para Belém, sempre em reunião, pra estar ali mostrando que tinha uma posição ali dentro daquele território.
P/1 - Você tem algum parente próximo? Tio, tia, próximo aqui, que mora perto de você?
R - Aqui em Serra Pelada? Bom, quando eu cheguei aqui, a gente chegou no dia 20, não foi pastor Silas? 20 do mês de outubro de 2018. Até então eu não sabia que tinha parente meu aqui. Aí com o passar do tempo a gente foi conhecendo uma família de indígenas, que inclusive, mora aqui, morava com um amigo que é muito conhecido na comunidade, que era o Seu Baiano, e a Marilene, a esposa dele. A gente teve uma conversa com a mãe da Marilene, o meu primo que era Cacique na aldeia do Areião, que fica próximo de Santa Inês, lá nas margens do Rio Pindaré, que também é uma aldeia indígena dos povos Guajajara, que é da minha tribo. E em conversa, a gente descobriu que a Marilene é sobrinha do meu pai, minha prima. Então o meu parente mais próximo em Serra Pelada é a Marilene e os filhos dela.
P/2 - Vocês têm contato?
R - Sim, sempre que a gente se encontra. Dificilmente, né, porque aqui em Serra Pelada a gente quase não se encontra, assim, mas quando a gente se encontra a gente conversa, tudo bem, é uma benção. Eu tenho mais contato com os meninos, os meninos dela, a gente sempre conversa, se topa na rua, conversa e a gente tem sim, contato.
P/1 - Quais os principais costumes da sua família, assim, comidas?
R - Lá…
P/2 - Festas…
R - Na tribo, nosso costume maior é peixe, nosso prato principal é o peixe. O peixe, a caça, a paca, a cutia e também o frango, eles gostam muito. Eu gosto de peixe, muito.
P/2 - E os costumes, festejos, as tradições?
R - Sim, nós temos a tradição da menina moça, temos a tradição também da criança, com um ano de idade, temos a festa das crianças. E nós somos muito festeiros também, na nossa tribo temos o moqueado, a festa da menina moça, temos o dia internacional do índio, que eu acho que não existe mais, parece que foi retirado do calendário, não existe mais.
P/2 - Ainda tem.
R - Mas hoje não são mais povos indígenas, são povos originários. Não sei porque a constituinte mudou isso, mas, povos originários, não é mais indígena. Mas, contudo, não vamos deixar de ser indígenas né.
P/2 - O que é a festa da menina moça?
R - Bom, é a passagem da jovem já para sua fase adulta, aquele momento que ela tem o primeiro fluxo menstrual, aí todo aquele ritual, que os pais vão ter aquela preocupação de cuidar daquela jovem, então vai passar por um processo, fica ali por base de 40 dias, 30 dias, em observação dos pais. Nesses dias, o pai, a mãe, convida toda a comunidade, para fazer uma caçada, a gente vai caçar, escolhe dentre aqueles, o animal que vai ser representado ali. Então durante esse tempo todo a menina vai estar pintada de jenipapo ali, vai ter acesso só ao pai e a mãe, até chegar à data do festejo. Quando chegar a data do festejo, a gente vai comemorar com toda a tribo, com toda a aldeia, a gente envia convite para as outras aldeias e faz aquele festejo lindo, o moqueado da menina moça. E é isso.
P/1- Deve ser muito bonito.
R - É lindo.
P/1 - Conta uma história, assim, dos seus avós.
R - Bom, dos meus avós, eu não tenho o que contar, porque é que nem eu estou falando, quando a gente ficou na tribo, quando a gente nasceu na tribo, eu não tive o contato nem de avô materno e nem de avô paterno, porque meus avós da parte do meu pai já haviam falecido. E os meus avós maternos, por revolta, eles desapareceram. A família da minha mãe é muito grande, mas nós sabemos onde eles vivem. A última vez que nós tivemos contato com um amigo nosso que era garimpeiro aqui em Serra Pelada e daqui de Serra Pelada ele foi garimpar em Itaituba. E lá esse amigo que morava lá na aldeia Caru, na Nova Vida, descobriu onde os pais da minha mãe viviam. E lá ele trouxe a primeira notícia que nós tivemos que existiam meu avô e minha avó, era aqui nessa região de Itaituba, só que aí eu não sei, não tivemos contato e nem convivência, que é uma pena, porque eu gostaria muito de ter conhecido, de ter abraçado, de ter dito, que é um prazer ter eles como família, assim como meus tios, nós não temos contato de irmãs, de irmãos, de sobrinhos, de primos, parentes da minha mãe. A família da minha mãe é só a gente mesmo lá da aldeia, porque os outros que desapareceram a gente não tem contato, não sabe deles, mas eu gostaria muito de saber onde eles estão, é uma coisa que a gente tem batalhado muito, buscado saber. Inclusive esse garimpeiro, está lá no Maranhão, na cidade próxima do meu pai, e a gente entrou em contato com ele, então ele disse que depois ia conversar pra saber se existe ainda contato de algum familiar da minha mãe, a gente não teve contato com eles. Aí fiquei feliz, porque talvez ele trouxesse pelo menos uma notícia, uma esperança que a gente possa encontrar ao menos alguém da família dela.
P/1 - Sua mãe contava histórias pra você quando você era criança?
R - Minha mãe, bom, a história da minha mãe é muito forte e triste, né?
P/1 - Assim, histórias do povo, ela contava assim, não tem mães que contam histórias para dormir?
R - Sim.
P/2 - Histórias de caçadas…
R - Sim, como ela era quebradeira de coco. Então ela contava umas histórias engraçadas pra gente. E quando elas estavam quebrando coco, eles escutavam, porque tem muitos animais lá na aldeia, no nosso território, e uma vez ela disse que quando eles estavam quebrando coco, acho que também pra gente não sair pela mata, ela disse que tinha uma onça que ficava observando eles, que uma vez ela estava muito brava, elas tiveram que correr e abandonar tudo lá, pra poder sair. Inclusive, meu esposo, teve uma história que ela contou, que ela foi caçar com os animais, com os cachorros, ela se deparou com uma onça e ela estava com uma espingarda, então ela: “Não vou correr, se seu correr ela vai me pegar, então vou atirar”. Quando ela atirou, toda a espingarda desmanchou, aí agora teve que correr, né? Essa foi uma das histórias engraçadas. E os cachorros que defenderam ela na época.
P/2 - Muito legal!
P/1 - Você gosta de ouvir histórias que ela te contava, você gostava de ouvir?
R - Sim, principalmente quando ela falava acerca da trajetória deles, quando eles não conviviam na aldeia, quando ela não convivia na aldeia. E foi isso que me trouxe uma curiosidade de conhecer como é aqui fora. Porque quando a gente nasce dentro da tribo, a gente só sabe os conceitos da nossa tribo, a gente só tem o conhecimento dali. A partir do momento que, como minha mãe não era indígena, que ela trazia sempre esses relatos de lugares, de cidades, de acontecimentos, de coisas que a gente não via lá dentro da tribo, me trouxe a curiosidade de conhecer lugares, de conhecer os lugares que minha mãe sempre falava. Então ela sempre falava se Santa Inês, ela falava de Alto Alegre, falava também de Bacabal, que eu nunca imaginei, a gente ainda morou lá muito tempo, em Bacabal, pastoreando. Meu esposo, pastor, a gente passou lá uns dez anos, né, pastor Silas? Dez anos pastoreando ali. E a gente deixou um legado muito forte, com aquela comunidade de Bacabal. Passei também a conhecer Olho D'água das Cunhãs, que é lá no Maranhão, né. E Lago da Pedra. Esses lugares que ela falava, eu ficava na curiosidade de saber, conhecer, também meu pai, né, falava muito. E foi uma das curiosidades que me trouxe a vim estar no meio de vocês, povo branco.
(00:26:35) P/2 - Pastora, você conhece a história do povo Guajajara? A origem deles, as lutas, os desafios?
R - Nossa! A história do meu povo é uma história de muita luta, de muita peleja, de muito esforço. Nosso povo indígena, eu digo assim, não é só guerreiro por sermos indígenas, nós somos guerreiros por não desistir de lutar pelos nossos objetivos como povo indígena. Porque com a evolução de tudo que a gente tá vendo na sociedade, no meio, até político, quase que perdemos de vez essa existência dos povos indígenas. Como, por exemplo, já existem muitos dos nossos irmãos indígenas, que não tem mais suas terras, não tem mais suas aldeias, e são indígenas, mas não são mais reconhecidos como indígenas porque tiveram que deixar suas terras, abandonar, forçadamente, para um convívio no meio dos brancos. Então a gente nunca deixou de lutar pelo nosso marco territorial, pelas nossas terras e também preservar nossa identidade como indígena. Nossa história de povos indígenas no Maranhão sempre foi de muita luta, de lutar contra a invasão dos garimpeiros, nas regiões garimpeiras, dos posseiros também, e principalmente de fazendeiros que visam muito, por ser uma área de preservação, eles acham que tem por direito de ser para eles. Então isso foi gerando um grande conflito, já gerou muita morte, teve muitos embates, de guerras mesmo. Histórias contadas e vividas, porque quando eu convivia na minha tribo, por muitas vezes fomos bombardeados por essa oposição. E a gente não se deixou vencer, tivemos lutas, tivemos guerras e hoje temos com grande respaldo a sociedade, que nós como povos indígenas, não entregam aquilo que é nosso de mão beijada para quem não tem o direito, como por exemplo, nossas terras. A gente sempre a guerrear e a frente. Hoje em dia, nós indígenas, não vamos lutar mais com flechas, com bordunas, a gente não vai lutar com o braço forte, como na época tinha muito conflito, muita morte e hoje ainda existe. Hoje ainda tem um grande número de indígenas que foram mortos por defender os seus territórios indígenas, mas a gente tem um conhecimento hoje que nós podemos vencer, sem precisar ou sem gerar muito conflito ou mesmo gerar violência. Temos ali o nosso cacique, temos a esposa do nosso cacique que hoje, ela é secretária adjunta, no estado do Maranhão, também temos a minha prima, que é a Marcilene, que é também uma figura pública, ela está ali representando sempre a gente, os recursos e os direitos humanos dos povos indígenas. Então a gente tem muitas pessoas incluídas dentro desse contexto e conhecimento de como nós vamos lutar sem precisar gerar conflitos, violência ou mortes, né, como já tem vindo.
P/2 - O povo Guajajara tem seus representantes hoje nas esferas políticas, sociais?
R - Sim. Hoje nós temos, como por exemplo, meu Cacique, Cacique Pistola, Antônio Wilson. Hoje ele está lutando para ver se consegue, alcançar uma vaga na câmara de vereadores. Também tem a sobrinha dele, que é a filha do irmão dele, ela hoje também está lutando juntamente com o prefeito, ela hoje como vice-prefeita do município de Bom Jardim, a… Crescilda, me esqueci o nome dela agora. Mas ela está ali, como representante dos nossos povos indígenas e como vice-prefeita, ali da região do Pindaré.
P/2 - Nesse mesmo contexto, Pastora, como estão sendo formados os jovens, hoje, da tribo Guajajara, das demais tribos que fazem todo esse corpo dessa grande tribo, que é a tribo Guajajara?
R - Bom, hoje nós temos dentro do nosso território, da nossa aldeia, um grupo de jovens que foi formado por vários e vários jovens, muitos jovens mesmo. Na época, nós tínhamos as nossas reuniões e os nossos velhos, os nossos anciões, eles sempre traziam pra gente essa tese: “Vocês estudem, vocês busquem o conhecimento, porque vai haver dias que as armas mais perigosas não vão ser nossas flechas, nossos arcos, nossas bordunas, e vai haver uma arma muito mais silenciosa e perigosa chamada caneta. Então vocês precisam estudar, vocês precisam ter o conhecimento, e como vocês vão lidar. A nossa luta no passado, foi braçal, mas nós não queremos isso pra vocês, nós queremos que vocês venham lutar com o conhecimento mais aprofundado que nós não tivemos”. Então hoje temos faculdade, hoje temos uma grande… assim, dentro da aldeia, de conhecimento, de estudo, escolaridade. E hoje, nós temos dentro da tribo um grupo de jovens Awatois que faz uma grande diferença, representando os jovens indígenas na nossa tribo Guajajara, na aldeia T.I. Caru, Maçaranduba.
P/1 - Você estudou, Raimunda?
R - Sim, eu estudei.
P/1 - Você lembra da sua primeira escola?
R - Lembro.
P/1 - Sua primeira professora?
R - Lembro. Eu estudei, faz muitos anos, não sei o ano, mas, eu estudei, lá na aldeia Nova Vida, que, o que divide a nossa aldeia para os povos não indígenas, para os brancos, é o rio, o rio Caru. Então o rio Caru, a gente pra estudar tinha que atravessar de canoa, quando não tinha canoa a gente atravessava a nado, colocava a mão pra cima com as roupas, com os cadernos, e atravessava. E eu lembro muito bem que quando, na época, nós estudamos na Escola Municipal Luis Ferreira Lima, lá em Nova Vida do Caru. A minha primeira professora, ela se chamava Raimunda também, naquela época, Raimunda Nonata, lembro até hoje, não sei se ainda é viva.
P/1 - Você descreveria sua professora?
R - Ah, minha professora era muito carinhosa, eu, assim, de tanto a gente querer saber, ter o conhecimento, como que era a convivência lá fora, a nossa professora, ela sempre teve esse cuidado muito assim, com a gente, com indígena, de ser muito amiga, ela sempre presenteava a gente com frutas, ela, que nem aqui em Serra Pelada tem muita árvore, tem muita fruta, ela sempre deixava as melhores frutas pra gente. E aí os meninos, os outros que não eram indígenas, diziam: “É só porque são índios que a senhora deixa as melhores pra eles”. Mas não era, a gente levava peixe, levava caça, levava comida pra ela. E aí, ela sempre foi muito carinhosa, passou muita energia boa pra gente, muito conhecimento. Inclusive foi uma das que trouxe pra nós acerca da religião, ela que falou primeiro para nós acerca do evangelho, por ela não ser evangélica, era católica, mas o que ela falou para nós, hoje gente tem o conhecimento que era verdade mesmo, acerca do evangelho, da religião. Então, isso foi muito bom.
P/1 - Você lembra da casa, quando você era pequena? Como era a casa?
R - Lembro.
P/1 - Você pode descrever?
R - Bom, a nossa casinha, como indígena, a gente não tinha luxo. O luxo do indígena é a nossa terra, a nossa estabilidade, de viver bem, se sentir bem. A nossa casinha sempre foi de taipa, foi uma casinha de taipa, o chãozinho normal. Então casa de palha, de taipa, taperinha de barro. Sim, meu pai teve essa preocupação de separar os quartos, porque a minha mãe, como não-indígena, trouxe esse conhecimento, que a criança a partir de uma certa idade vai dormir no seu quarto. E a gente, eu lembro sim, a nossa casinha. Meu pai sempre gostou de casa grande, porque a família é grande.
P/1 - Quais as brincadeiras preferidas que vocês gostavam de brincar dentro de casa, no terreiro?
R - Bom, as nossas brincadeiras eram sempre no Rio Caru, né?
P/1 - É, banhar no rio.
R - Banhar no rio, tomar banho, pescar e a gente gostava de brincar de birita, não sei se vocês lembram dessa brincadeira, da birita, do pega-pega, essas coisas… E a gente gostava muito, quando meus irmãos chegavam da roça tarde, pra tomar banho, era 17h, 18h da tarde. Então a gente se reunia todo mundo ali, grandes e pequenos e tinha aquelas brincadeiras. E a gente brincava muito de birita, de pega-pega, jogar bola também, a gente gostava muito. Meu irmão sempre tinha uma pegadinha no final, quando ele não trazia uma cobra, ele trazia um sapo, ele trazia um embuá, um gongogi, que eu não sei como é chamado, aquelas centopeias de muitas… Eu tenho fobia daquilo. Então ele sempre trazia uma pegadinha no final pra deixar a coisa mais engraçada.
P/2 - E assim, na tribo, você lembra de algum canto que você ouvia quando criança, das tradições?
R - Sim. Lá na nossa tribo, quando a gente se entendeu, assim, nós não tivemos tanto, assim, na nossa infância, a nossa ida, porque sempre quem ia mais na aldeia era nosso pai, ele que levava. Sempre que a gente ia, era tempo de reunião, ou tempo de festa, de festividade dentro da tribo. Como foi crescendo a população, então assim, a gente lembra dos cantos, lembra de algumas coisas que eles falavam pra gente. Então você pode até me perguntar: “Você sabe falar na língua indígena?”. Eu não sei falar fluentemente, mas eu entendo algumas coisas e falo algumas palavras. E do canto, eu não posso cantar o canto, não posso trazer um pouco dessa experiência do canto pra vocês, porque eu só sei cantar quando eles estão cantando. Aí, a gente acompanha e tudo.
P/1 - O que você mais gostava de fazer quando era criança?
R - Eu gostava mais de caçar. Eu sempre fui provedora de trazer, assim, eu caçava, eu tirava açaí, eu pescava, eu sempre fiz essa parte, essa área, de casa eu não gostei muito, de negócio de casa, de fazer comida, de limpar, não… O meu negócio era prover, eu ia caçar, eu ia pescar com os meus sobrinhos e eu gostava mais de pesca, de caça e de fazer coisas que mulher não faz dentro de casa.
P/1 - Dentro da aldeia, você criança, você tinha algum pensamento, assim, de ser, até mesmo ali dentro da tribo, quando criança, o que você gostaria de ser quando crescesse?
R - Bom, eu tinha um sonho muito lindo. E o meu sonho, pôr a gente ter uma convivência muito grande com eles, por eles nunca, assim, deixar a gente, eu queria ser militar. Eu tinha um grande sonho de ser uma policial militar, porque eles sempre estão com a gente, tá o pessoal do exército, tá a polícia federal, tá ali o pessoal, esses representantes todos estão ali. Então a gente criou uma admiração por eles, criou, assim, um grande respeito, uma admiração por eles, de eu querer ser quando crescesse, também, um deles.
P/2 - Que legal! Nós falamos um pouco sobre educação. Você chegou a fazer o ensino médio? Terminar?
R - Eu fiz na época, eu estudei até a oitava série. Quando eu vim pra cá, para Serra Pelada, eu dei continuidade de estudo, porém eu não terminei, eu não conclui. Era pra eu fazer o ensino médio, mas eu creio que vou fazer, ano que vem eu vou dar continuidade nos meus estudos.
P/1 - Quando você era adolescente, você saía sozinha? Qual idade você lembra?
R - Não, a gente não saia só, porque meu pai nunca deixou, ele não tinha essa confiança de deixar a gente sair sozinho e se saísse tinha que ser uma pessoa muito conhecida e de muita responsabilidade, confiança dele também, ele não deixava a gente sair. Então quando crianças, assim, adolescentes, saímos poucas vezes para as festas, para algo que tivesse, principalmente comício, tempo de política. Ele levava a gente pra ver como que era ali, né.
P/2 - Alguma coisa mudou, nesse período de infância para adolescência, e na sua vida, mudou alguma coisa?
R - Nossa, teve um acontecimento muito triste, nessa minha passagem de criança para adolescente, eu não sei se devo falar, mas, foi muito forte pra mim porque eu tinha um sonho, além do sonho de ser policial, eu tinha um sonho, um desejo muito forte, que era de casar na igreja, casar, noiva, linda, adornada, aquela coisa, tinha aquele sonho, porque, por conta da minha mãe, que ela teve isso. Então eu acredito que isso é uma tradição que vem na família né, e eu tinha esse sonho, porém meu sonho foi abortado porque apareceu uma pessoa que foi muito maldosa e com a idade dos meus 15, dos meus 14 anos, eu sofri um abuso né, fui estuprada na época e acabou toda a minha vida de sonhos, de tudo que eu tinha, acabou ali, e então, foi uma coisa muito chata que aconteceu na época, e, nossa, foi isso. Mudou, mudou tudo, mudou toda aquela visão inocente, não tinha maldade, não tinha… não via perigo em nada, não via maldade nas pessoas, e a partir dali mudou muita coisa. Tanto acerca de, da convivência conosco indígenas, como também os nossos irmãos indígenas, porque fica uma, fica ali aquela desconfiança.
P/1 - Depois desse acontecimento você se mudou do local? Você continuou morando lá?
R - Nossa, como aconteceu, ainda fui conviver com essa pessoa, ainda convivi nove meses com ele, por conta do meu pai, que meu pai não conheceu a história a frente, eu não falei porque ia gerar uma tragédia. Se eu tivesse contado o conteúdo que aconteceu, teria causado uma tragédia muito grande na família do rapaz, e eu não contei. Então passei mais ou menos uns seis anos, eu tive que sair da aldeia, fugi, fui conviver com esse rapaz e convivi nove meses com ele, e, quando eu retornei para a aldeia, pra minha casa, casa dos meus pais, foram diferentes, totalmente diferente, mudou muitas coisas. Então, eu por vergonha também, eu não me sentia capaz de ficar ali, porque eu acho que eu violei algo da parte da cultura e também da integridade da minha família, e eu achei por bem, na época ainda tentei, ainda fiquei um ano e pouco ainda na aldeia, passei por um processo de perseguição porque, na época nosso Cacique ele ficou muito revoltado “porque que eu não tinha ido viver com o índio, conviver com o índio”. Então aconteceu algo muito chato também nesse intervalo, eu tive que fugir da aldeia e, por esse motivo também, eu fiquei pra fora da tribo, da aldeia muitos anos, até hoje, não voltei.
P/2 - O rapaz também era da aldeia?
R - Não era, ele não era indígena.
P/1 - Ele era branco?
R - Era branco.
P/2 - E não deu certo.
R - Não deu certo, não, não deu porque eu me lembrava sempre da maldade que ele fez, e eu sentia uma revolta no coração, eu não conseguia conviver, por mais que ele mostrasse que era amigo eu não tinha mais como um amigo, porque eu não esperava dele.
P/2 - Como foi pros seus pais receberem você depois desse relacionamento que não deu certo?
R - É, o meu pai não foi muito bem aceito. Quando eu cheguei em casa, a minha mãe, sempre mãe é aquela que acolhe mais, mas o meu pai ele não me mostrou uma segurança de ficar, como que realmente, eu via nos olhos dele que eu tinha decepcionado ele. Então eu precisava fazer alguma coisa pra voltar aquela confiança e que, mostrasse pra ele que apesar do grande erro que aconteceu, a grande fatalidade que aconteceu, eu poderia mudar aquele cenário de vergonha, e mostrasse pra ele que eu realmente era capaz de ele olhar pra mim e ter orgulho da minha vida, da minha pessoa. E hoje sim, pra glória de Deus, meu pai ele, é um dos filhos que ele tem mais orgulho na família, graças a Deus.
P/1 - Foi quando você casou, e levou o seu esposo pra lá…
R - Sim, quando eu casei, eu conheci meu esposo, o pastor Silas, na época ele não era pastor, ele não era nem evangélico. Então, foi tudo assim, através da minha vida, Deus foi fazendo uma mudança radicalmente, tanto na minha vida como na dele, meu esposo estava distanciado por muito tempo, e a gente teve aquele convívio e ele me falou, que só iria conviver com uma pessoa se realmente ela quisesse uma mudança de vida para que ele mudasse também. Então eu decidi que era uma coisa que eu queria, eu quis, quando eu ouvi falar do evangelho, quando eu ouvi falar da lei evangélica, me trouxe uma curiosidade de conhecer se era diferenciado do que eu já tinha vivido, e realmente para mim foi muito importante porque chegou na hora certa, no momento certo que eu precisava, foi um acolhimento para mim. Até porque a mãe dele, como era dirigente de círculo de oração, ela não me acolheu como sogra, ela me acolheu como uma mãe, ela abraçou minha causa, tipo assim, foi aquela criança que chegou machucada, ferida, doente e ela cuidou de mim, me sarou e me levantou.
P/2 - Pastora, então essa foi a primeira vez que você saiu da tribo?
R - Sim, foi a primeira vez que saí da tribo.
P/2 - E você conheceu seu esposo já fora da tribo? E você foi pra onde
assim que saiu da tribo?
R - Sim, quando eu saí da tribo eu fiquei na cidade Bom Jardim, na casa de uma amiga da minha mãe, que convivia lá nesse povoado na Nova Vida do Caru. Por ela ser conhecida, de confiança da minha família eu fiquei com ela. Mas eu não sabia que ela era tia do meu esposo, que hoje é o meu esposo. Então foi tudo um trabalhar de Deus. Deus trabalhou dentro de todo o contexto porque eu tinha uma preocupação assim, que os nossos velhos, os nossos anciões da nossa tribo, eles passavam pra gente: “Nossa, vocês não vão”, os Caciques na época que não eram indígenas, os chefes de posto também, que não eram indígenas, eles passavam pra gente assim: “O homem branco ele é mau, ele é perverso, ele vai judiar de você, ele vai te maltratar, e vai matar você”, eles passavam isso pra gente. Então na minha convivência de estar aqui no meio dos irmãos brancos, é uma experiência totalmente diferente daquilo que a gente viveu. Então me passou segurança, me passou né, uma seguridade assim de que, não era aquilo, que não é, realmente, não é totalmente o que eles falaram, que eles falavam pra gente. Que o homem branco não é totalmente perverso e mau, porque isso tá no contexto do ser humano, todos nós somos maus e perversos, mas tem pessoas boas nesse meio convívio, que me acolheram, que me abraçaram, que me ensinaram realmente que essa tese tinha que cair por terra, então é isso.
P/2 - Vocês não eram evangélicos, e como foi o ponto de partida de decidir assim: “Vamos para a igreja?”.
R - Bom, eu vivia, como eu vivia na tribo, eu tive uma experiência muito forte de espiritismo, na época eu não sabia que era espiritismo, mas realmente quando a gente foi a fundo de conhecer porque que eu vivia possessa, porque que aquelas coisas chegavam a possuir minha vida, e eu não era feliz, eu vivia uma vida depressiva, uma vida sem esperança, e eu não tinha aquele… A vontade que eu tinha, eu tentei várias vezes suicídio, daí desencadeou pra mim pra bebida, pro alcoolismo, pra usar… na época graças a Deus não tinha esses entorpecentes perigoso que hoje tem, mas tinha o uso da maconha que pra gente é normal, não é um uso, lá na tribo era normal pra gente. Então eu fazia o uso disso para preencher, eu me sentia melhor, mas quando passava todo o efeito de tudo eu continuava sentindo o vazio, aquela solidão, aquele desespero no coração e na minha mente, o que eu tinha era que o suicídio era a melhor coisa a fazer. Foi quando através do evangelho, a minha sogra, ela falava tanto, e eu batia, eu contestava: “Não, não é isso não, não foi isso que me ensinaram, tal”. Mas, houve um dia de tanto ela falar acerca da palavra de Deus, da bíblia sagrada, eu tive um sonho e essa experiência foi mesmo comigo, e eu tive um sonho que mudou toda a minha visão né, aquela visão obscura da religião, principalmente da evangélica. E foi quando eu realmente percebi que eu precisava, quem precisava de socorro realmente era eu, e eu aceitei Jesus como salvador da minha vida, e a partir dali Jesus começou a transformar, me libertei, fui liberta, eu era estéril não podia ter filho, e a partir da minha libertação eu gerei filho, o meu primeiro filho, para a glória de Deus e, depois veio a segunda filha, que o meu primogênito que é o Isaac né, muito conhecido em Serra Pelada e a Miriam também veio como benção na minha vida, esses dois filhos.
P/2 - Você pode nos contar como foi o seu sonho?
R - Nossa, o meu sonho foi o seguinte: eu estava caminhando por uma, eu estava caminhando, tipo, por um pasto, muito verdejante, só que eu não tinha direção. E ali, aparecia um ancião, de barbas longas, eu percebi que ele tinha barbas longas e muito brancas e ele não se vestia como nós, assim, ele se vestia como aqueles personagens bíblicos mesmo, da época, se vestia assim. E ele me contava uma história que minha sogra já havia me contado, que era acerca de Abraão e Isaac quando ele foi pedido em sacrifício, para ser levado ao Monte Moriá. E ali, ele falava pra mim, né, ele disse: “Tu sabe que te contaram essa história?”, eu disse: “Sim, minha sogra me falou”, “E você sabe que aquela pessoa era eu? Era eu! Eu sou o autor daquela história, eu me chamo Abraão, e por conta disso eu quero te dizer que você vai gerar um filho e vai colocar o nome dele também de Isaac”. E ele falava pra mim: “Teu filho vai trazer uma grande alegria pro seu coração, mas antes disso você vai chorar muito por ele. É o preço que você vai ter que pagar”. Então meu filho foi gerado. E eu creio naquilo, porque quando eu acordei do sonho, que eu contei pra ela, ela caiu em lágrimas. Aí, eu perguntei pra ela: “Existe esse nome de Isaac na bíblia?”. Ela foi lá e me mostrou: “Existe!”. “Existe esse nome de Abraão na bíblia?”, “Existe, foi a história que eu te falei!”. Ela contou de novo, eu passei a crer por isso.
P/2 - Pastora, depois do seu casamento com o pastor, como foi essa viagem, que vocês vieram, vocês vieram direto de lá pra Serra Pelada ou passou por outros locais?
R - Bom, a gente, quando casamos, começou tudo diferente, porque eu pensei assim, nós vamos aceitar Jesus, vamos ser evangélicos e tudo bem, só que eu não sabia que Deus já tinha preparado um chamado pra minha vida. Eu não sabia que nesse decorrer da minha trajetória Deus tinha preparado uma longa estrada, um longo caminho com uma história diferenciada, da qual eu vivia, na minha tribo, porque na minha tribo eu não tinha preocupação, eu vivia minha vida de indígena ali, cadê minha preocupação? Era só de pescar. Então quando a gente veio, que aceitamos Jesus, passamos a ser evangélicos, foi delegado sobre nós uma autoridade, um chamado de cuidar de pessoas, de pastorear, né. E foi aí que começou a desenvolver esse chamado de ministério a pastorear. Meu esposo na época, nem eu também, a gente não tinha essa visão, mas pelo desenvolver, da gente sempre se desenvolver, se destacar bem dentro da igreja, dentro da congregação, os nossos pastores elegeram a gente como pastores dirigentes de congregação. E a gente foi trabalhar com o pastor Esaú, antes a gente já vinha trabalhando com o, nosso pastor na época era o pastor Cavalcante, que hoje já dorme no senhor, pastor Antônio Cavalcante em Alto Alegre do Pindaré. Inclusive hoje tem uma grande igreja, em Alto Alegre do Pindaré, que nós demos início nesta igreja, dessa congregação, debaixo de um pé de tamarindo. E o nosso público eram crianças. E como a gente fazia, a gente comprava… na época a gente passava uma necessidade tão grande, né, a gente comprava pipoca, milhozinho de pipoca, que era muito barato também na época e a gente fazia bastante pipoca e pedíamos para as crianças trazerem os potinhos de manteiga. E aí, eles traziam os potinhos de manteiga e a gente ia enchendo e fazia aquele piquenique debaixo do pé de tamarindo e falava de Jesus para aquelas crianças tem presbíteros, tem diáconos, tem dirigentes de congregação, que a gente deixou 7 ali plantado. Então nosso ministério começou em Alto Alegre do Pindaré, dando início debaixo de um pé de tamarindo.
P/2 - Antes de estar no Pindaré, como foi sua vinda para esses outros locais, você veio direto pra Serra Pelada ou teve outros trabalhos da igreja em outras cidades?
R- Bom, depois que estávamos em Alto Alegre do Pindaré, o meu esposo precisou viajar para uma cidade da Bahia, Capim Grosso, na Bahia, estado da Bahia. E lá a gente foi, ele foi trabalhar, como eu já falei, e lá a gente também passou a congregar, não desistimos da igreja, a gente não desistiu de sermos evangélicos, e a gente passou a congregar. Na época com o pastor, lá nosso pastor era o pastor Manoel. E o pastor Manoel, por ver que a gente se destacava bastante, ele colocou meu esposo como dirigente dos jovens, na coordenação de jovens e eu passei a auxiliar na interseção dos círculos de oração juntamente com a pastora, pastora Beth. E ali nós fomos dirigir a congregação em um bairrozinho na época, que na época era muito perigoso, que era lá no mutirão dos garis. E nós dirigimos lá esse bairro no mutirão dos garis e também no planaltino, tínhamos duas congregações que tomávamos conta. Daí a gente começou a ver que era o chamado, né, não tinha como a gente fugir, por mais que a gente: “Não, não, não, a gente quer ficar só na da gente”, e tudo… Passamos três anos lá, na cidade de Capim Grosso na Bahia, quando a gente veio, por conta da saudade, que estava grande, dos meus pais, queria ver meus pais, queria voltar e meu esposo também queria ver seus pais. A gente veio visitar meus pais e quando a gente veio visitar, a gente chegou em Bacabal, meu esposo veio também, com um desejo muito grande de conhecer o pai dele biológico que ele não conhecia. E a gente chegou, ficamos apaixonados lá, por aquele lugar, por aquela cidade, fomos bem acolhidos. E a gente, além de visitar meus pais, a gente ficou em Bacabal. E em Bacabal, ali, a gente ficou sem se congregar por algum tempo, mas a gente foi congregar na Assembleia de Deus Missão. Quando chegaram os pastores de São Luís, que na época era o pastor, que foi nosso pastor presidente, o pastor Gonçalo Cantanhede. E ele enviou um pastor para tomar conta da congregação, que precisava de um pastor. E como a gente estava lá, meu esposo era diácono na época e ele foi chamado, pastor Silas, não era pastor ainda, era só mesmo obreiro e ele fez esse convite pra gente, aí a gente: “Tá bom, vamos”. Como eu estava tão animada na Assembleia de Deus, o ministério, aí o meu pastor falou: “Mas é o seguinte, nós não recebemos só o homem, só o esposo, a gente recebe a família no ministério, a gente não trabalha com essa área divisora, a gente trabalha com essa forma, trazer a família e todo mundo estar em um só lugar”. Então eu cri, “Vamos lá ver como é que vai ser”. E a gente passou onze anos naquele lugar e deixamos fundado um templo muito lindo, deixamos uma congregação bem estabelecida, abrimos um trabalho, em um dos bairros novos que… Terra do Sol e a gente foi desenvolvendo. Lá nós fomos transferidos para Lago da Pedra, de lá a gente quis sair de Lago da Pedra, viemos pra cá e foi quando meu esposo e eu viemos a trabalho para Parauapebas. Não tínhamos nem uma visão que chegaríamos em Serra Pelada, tinha um grande sonho, de conhecer Serra Pelada, mas jamais imaginaríamos ser moradores de Serra Pelada. E estamos aqui já faz seis anos.
P/1 - O que levou vocês a vir pra cá?
R - Trabalho. Pastor Silas veio ao trabalho. Na época quando a gente veio pra Curionópolis, a gente não congregava nesse ministério, ministério de Anápolis, nós estamos na igreja Madureira, com o pastor Paulinho. Nosso pastor dirigente, era o pastor Dominguinhos, que depois foi transferido e o pastor Gerlanio assumiu o lugar do pastor Dominguinhos lá no bairro Alto da Glória. E quando meu esposo, a gente teve uma amizade com a missionária Alzirene e como não estamos mesmo, nos dando bem, ali e tudo, não estava se encaixando ali, ela me fez um convite de conhecer a igreja dela, congregação dela e o pastor dela. Quando nós chegamos lá, eu cheguei lá, a princípio, não gostei, né, porque era totalmente diferente daquilo, daquela visão que a gente tem da Assembleia de Deus, era sim um pouco batistano, tal, era diferenciado. Mas, assim, quando Deus tem um chamado na vida da gente, a gente não pode escolher lugar, não pode escolher estádia, porque quando Deus envia, ele garante. E ali eu: “Tá bom, vamos conhecer o pastor”. Era o pastor Schmitz, que hoje já não é mais nosso pastor presidente do campo, foi transferido, né, e o nosso pastor Schmitz teve uma conversa muito linda com a gente, eu fui com um propósito, se realmente era aquilo ali que Deus queria pra gente, se eu ia abrir a porta, principalmente mudar o coração do meu esposo, que meu esposo era muito apaixonado pelo ministério de Madureira, ele dizia que não saia do ministério de Madureira: “Não saio do ministério de Madureira!”. Então Deus fez um totalmente assim, diferenciado. Quando eu cheguei lá pra conversar com o pastor, um obreiro daqui de Serra Pelada, estava conversando com ele e ele falava o seguinte: “Pastor, você envia um obreiro, ou então o senhor vem buscar a chave da igreja, porque eu não posso tomar conta de igreja, porque trabalho e eu não posso deixar ou abandonar meu trabalho”. Porque ele trabalha fichado na Vale e os dias de culto coincidiam muito com os dias de trabalho dele, então ele não podia trabalhar e ao mesmo tempo cuidar da igreja, aí eu só no meu pensamento: “Nossa, se nós estivéssemos nesse ministério dava certinho. Ah, mas eu não quero trabalhar na obra, né, eu não quero mais trabalhar na obra”. Aí ele: “Tá bom, então depois nós conversamos, estou aqui com uma visita”. Aí, eu lembro que ele segurou forte no meu ombro e disse assim: “Então você é o que mesmo?”. Eu digo: “Não, eu sou uma serva do senhor”. Aí, ele disse: “A senhora está a passeio na cidade?”. Ai, eu disse: “Não, eu moro aqui”. Aí, a gente conversou e foi isso, que trouxe a gente a vir pro ministério. Eu fiquei queimando o coração com aquele sentimento, rapaz, aquela preocupação: “Meu Deus, o obreiro vai fechar a obra… Meu Deus, o obreiro vai fechar a obra!”. Fiquei com aquele sentimento.
P/2 - Essa obra aqui em Serra Pelada?
R - É, em Serra Pelada, mas eu nem falei pro meu esposo. E aí, eu fiz um propósito de oração, falei com a missionária Alzirene, disse: “Missionaria, vamos orar, porque se meu esposo disser que não, eu não posso vir pra esse ministério sem ele”. Tá bom, aí, a gente começou a orar e quando o pastor chegou lá pra conversar, meu esposo já estava com o coração aberto. Então, foi uma aceitação, assim, de Deus. Logo em seguida, nós conversando com ele, falamos: “Pastor, nós não queremos tomar conta de trabalhos, nós queremos congregar, a gente quer aprender o diferenciado daquilo que a gente já aprendeu”. Ele: “Tudo bem, vocês podem ficar sentadinhos lá. Só que é o seguinte, quem tem chamado, eu não posso dizer pra você, que você vai ficar pra sempre ali, porque o chamado de vocês vai impulsionar vocês a ir avante, vocês não vão mais estacionar, porque vocês não querem, o chamado não te deixa estacionado, o chamado te impulsiona a ir avante”. Aí eu: “Nossa pastor, tá bom então”. Aí, na semana seguinte ele fez o convite: “Vamos conhecer Serra Pelada?”. “Vamos, nossa, nós queríamos tanto conhecer!”. Tá bom, nós viemos, mas jamais sabíamos que era pra ser empossados como obreiros.
P/2 - E foram empossados na primeira visita?
R - Fomos empossados. Quando a gente veio na primeira visita, ele disse assim: “Pois é pastor Silas, vocês querem férias, mas na obra do senhor não tem férias, então o que vocês acham de tomar conta dessa obra?”. A gente viu uma necessidade muito grande dos irmãos, os irmãos ali a muitos dias já vinham orando pra Deus enviar um obreiro, enviar um pastor. E Deus é maravilhoso. Então tudo isso coincidiu, que o trabalho do meu esposo era aqui na Serra Leste e o ônibus passava na porta da nossa casa pra buscar, então gente, Deus abriu todo esse espaço e pra glória do senhor Jesus vai fazer, agora em outubro, faz seis anos que a gente tá aqui. Foi uma história muito assim, forte mesmo, muito linda também.
P/2 - Quando chegou aqui, qual foi sua impressão de tudo que você viu aqui em Serra Pelada?
R - Nossa Carlinhos, quando eu cheguei em Serra Pelada, o que as pessoas passam pra gente de Serra Pelada, é que é uma cidade estabilizada, é uma cidade padrão, fora do comum. A nossa visão lá fora é que Serra Pelada é aquela cidade padrão, que não pode cair nem uma folha no chão, quando nós chegamos, que vimos o cenário, que na época não tinha nem o asfalto, nós ficamos encantados, por conta da beleza, por conta dos grandes morros, das árvores, das montanhas, das coisas que a gente não vê no Maranhão. E nós ficamos encantados, “Nossa, que coisa linda” E logo também que levaram a gente pra conhecer as cachoeiras, nossa, as cachoeiras, né, cachoeiras lindas! Os campos lindos, a coisa mais linda. Nossa, fiquei assim, meu Deus, eu vou ficar em Serra Pelada, Jesus, mas eu me adaptei, porque Serra Pelada diz muito da minha aldeia, Serra Pelada é como se fosse a minha aldeia…
P/1 - Foi o que eu pensei.
R - Isso, por conta das árvores, por conta das florestas, das águas, né. E eu me senti como se eu tivesse na minha aldeia. Então, assim, Serra Pelada pra mim foi muito bom, foi e está sendo muito bom. Meu pai, sempre disse pra gente assim: “Meus filhos, não é o lugar que vai fazer você se sentir bem, é você que vai fazer o lugar se adaptar a você e você se adaptar a ele, você que vai se sentir bem lá, não é você chegar e achar que, nossa, vou lá porque eu vou me sentir bem, não quem vai fazer sua convivência de se sentir bem é você chegando lá, a sua desenvoltura, seu convívio com as pessoas, com os marcadores”. E é isso.
P/2 - E o seu trabalho, como discorreu, como aconteceu, o seu ministério, como o trabalho foi desenvolvido, como é que foi acontecendo?
R - Meu trabalho com a coordenação de mulheres?
P/2 - A coordenação de mulheres e também a igreja.
R - Da igreja? Bom, como eu, o meu esposo passou a ser o pastor, então assim, os ministérios já hoje ele já não visa muito, mas antes era assim, como esposa do pastor a gente tem que ser a referência. E a partir de então, a esposa do pastor ela passa a ser a dirigente dos círculos de oração, a dirigente de alguns departamentos que ainda não foram formados dentro da igreja, e a partir dali a gente vai dando essa autonomia aos que vão chegando, vai capacitando as pessoas para tomar conta de cada departamento, “Olha, funciona assim, dessa forma e dessa”. Como dirigente do círculo de oração, eu fico mais, responsável pelo departamento de mulheres. E essa luta de ministério a gente já vem por mais de vinte anos já, tem mais de 20 anos que a gente tá nessa peleja, nessa luta, nesse convívio, no meio cristão. Então, como pastora hoje, dentro de Serra Pelada, na igreja Assembleia de Deus, ministério de Anápolis, na congregação, é, hoje nós temos por volta de mais ou menos umas vinte irmãs dentro da congregação, composto de círculo de oração, de culto de libertação, culto de adolescentes, de crianças, de senhores, e temos também os cultos de missões, e aí a gente também tinha um trabalho na parte da tarde que era o trabalho de “tarde de louvor, tarde de avivamento de louvor”, e, fomos desenvolvendo todo esse ministério dentro da congregação, e dando a responsabilidade aos subordinados que estavam chegando, essa é a maior influência da esposa do pastor como também o pastor, em conjunto, que a gente sempre trabalha em conjunto.
P/2 - Então, o trabalho do ministério evoluiu?
R - Evoluiu graças a Deus. Graças a Deus a gente, as portas não fechar, o obreiro que queria fechar, que não podia participar, hoje é um braço direito da gente, e a gente tem assim um grande respeito por ele, pela família dele, e os demais irmãos que também, e pessoas que quando nós chegamos aqui estavam totalmente com a vida desmoronada, estavam totalmente com a vida desestabilizada principalmente no relacionamento, e hoje nós temos aqui dentro da congregação empresários, empresárias, pessoas com a vida mesmo bem estabilizada, aqueles que não tinham mais a esperança de convívio, de vida, hoje tá ali, e pra gente tem sido uma experiência muito boa.
P/2 - Como é o seu circulo de amizade aqui dentro da comunidade?
R - Carlinhos, aqui dentro da comunidade eu me sinto à vontade, tanto com os moradores, como com as pessoas, com a nossa congregação, eu me sinto honrada dentro de Serra Pelada, tanto por crianças, adolescentes, senhores e senhoras. Quando as pessoas me veem na rua me chamam pastora: “Oi pastora, bom dia”, e aquilo é uma alegria, as vezes eu tô tão cabisbaixa, tô tão pra baixo, aí: “Não, não, não, não queremos ver isso, queremos ver aquele sorriso pastora”, isso sempre, eu sou assim, só vivo rindo, complementando as pessoas. Então dentro de Serra Pelada hoje eu me sinto honrada, respeitada, e acima de tudo eu me sinto lisonjeada por fazer parte desta comunidade que é Serra Pelada, que pra mim era só um marco histórico, hoje não, eu sou moradora de Serra Pelada. Já entrei em autodefesa de Serra Pelada, dentro de trem, dentro de ônibus, então hoje eu me sinto original de dentro de Serra Pelada, me sinto bem.
P/2 - Houve essa conexão Serra Pelada e a sua antiga tribo, né?
R - Sim, sim, como. É, eu cheguei aqui, quando coloquei a minha rede armada ali, que eu gosto da minha rede, armada aqui. Era um pé de Umbu que tinha bem aqui, é, como é que chama? Não é Umbu, como é…
P/1 - Cajá?
R - Não, de Jambo. Ele vinha daqui e eu armava aqui na minha parede e no pé de jambo, aí eu deitava daqui olhando pra lá e “Nossa, tô na aldeia, meu Deus eu tô na aldeia Maçaranduba”, aquela sensação de que era minha tribo. Então Serra Pelada, apesar de ter muito contraste para fora, as pessoas falam coisas que não existem em Serra Pelada, mas Serra Pelada é o lugar da gente passar os dias de vida da gente, e viver em paz.
P/1 - Essa é a missão do museu, é, fazer esse trabalho.
R - Sim.
Mostrar a realidade atual, a realidade real das pessoas aqui em Serra Pelada.
P/2 - Verdade.
R - Sim. Então, Serra Pelada pra mim hoje, ela tem sido uma grande desenvoltura né, porque? Porque Serra Pelada, apesar da gente ter aquele, aquela “Nossa, Serra Pelada é conhecida mundialmente, internacionalmente”, e, infelizmente tem pessoas tão maldosas que passam um histórico que não existe em Serra Pelada. Eu estava contando dentro do trem pra algumas pessoas, falando pra eles: “Olha, Serra Pelada tudo que você planta, vai nascer. Se você plantar um pé de tomate, nasce. Se você plantar uma cebola, nasce. Se você plantar uma alface, nasce. Serra Pelada não é lugar de pessoas desamparadas, Serra Pelada é um lugar abrangedor, além de ser um lugar de uma grande quantidade de miscigenação de pessoas, ele é um lugar acolhedor. Serra Pelada não é essa miséria que as pessoas passam para o mundo, Serra Pelada é o marco que você precisa conhecer como uma das melhores belezas de dentro do estado do Pará. Você precisa conhecer verdadeiramente, se você não tem esse conhecimento, então conviva pelo menos um dia, uma semana com a gente, nós vamos lhe mostrar o que é Serra Pelada. Serra Pelada não é um lugar de miséria, Serra Pelada não é um lugar de destruição”, apesar de ser uma vila que já teve um contexto muito doloroso, assim como a história do meu povo né, tivemos uma história muito parecida com Serra Pelada. Inclusive Carlinhos, eu estava até falando com alguns representantes, principalmente da associação de mulher, que eu queria fazer uma ponte trazendo aqui né, com parceria, as minhas parentes lá, a Rosilene, a Marcilene, o meu sobrinho Railson, meu Cacique, pra passar um final de semana pra gente ter essa palestra, essa conversa né, e passar experiências vividas de uns para com os outros, de territórios, de povos, ter essa experiência das nossas histórias, é muito parecida.
P/2 - Vamos para as conclusões.
P/1 - Quais são as coisas mais importantes para você hoje?
R - Hoje? Em Serra Pelada principalmente a minha família. Minha família, meu esposo, meus filhos, a congregação que o senhor colocou nas nossas mãos é algo muito importante, porque, por mais que a gente assim, se desanime, a gente não tem por total aquele desejo de desistência, porque, por causa das pessoas que ali estão. A gente já criou um ciclo de amizade, um sentimento, e hoje, a minha família ela representa muito forte pra mim, porque se não fosse o meu esposo, os meus filhos, e inclusive Carlinhos, eu já, eu sou avó, os meus netos são originários do Pará, não tem nenhum maranhense, são todos paraenses e de Serra Pelada, e de Serra Pelada. Só a mais novinha que já foi, né, nasceu no Maranhão, mas, Benjamin, Sofia, o Félix, todos são de Serra Pelada, nascido em Curionópolis. Então, nós já temos raízes fixadas aqui em Serra Pelada.
P/1 - Eu sei que você já realizou muitos sonhos, mas você tem mais sonhos?
R - Sim, tenho um sonho muito forte, principalmente em Serra Pelada. O meu sonho de Serra Pelada não é estabilidade para mim, não. Não é um sonho que eu tenho de bens para mim. Mas o meu sonho de Serra Pelada é de que a gente venha expandir, com maior estabilidade, o nome da nossa congregação, os nossos irmãos, queremos sair daqui de Serra Pelada e deixar um legado e uma estabilidade de congregação para os nossos irmãos cristãos. Saímos daqui como saímos de Bacabal, como saímos de Lago da Pedra, como saímos de Capim Grosso na Bahia. A gente quer deixar o nosso legado aqui, então o meu maior sonho hoje é a construção do nosso templo, uma estabilidade melhor para os nossos irmãos, como eu escutei desde o início a história e a luta deles, nós não queremos sair daqui ricos, de posse de bens, ou de alguma coisa. Queremos deixar um legado que um dia alguém, a criança vai nascer e o filho vai dizer para o filho dele: “Olha isso aqui foi o pastor Silas, foi a missionária Raimunda que deixou o legado deles”. Nossa maior riqueza hoje não está em bem material, mas está naquilo que nós vamos plantar para estádia e um bem estar melhor pra sociedade.
P/1 - Muito bom. Como foi contar a sua história?
R - Nossa, foi emocionante e parece que eu viajei no tempo. Nossa, queria, assim, ter mais assim pra contar mas, ficaria muito longo essa questão, apesar de que quando eu cheguei aqui em Serra Pelada, muitas pessoas não queriam que a gente viesse para Serra Pelada, porque, porque eu estava vindo com filho adolescente, com uma filha adolescente, e infelizmente hoje nós estamos vivendo uma sociedade com esse grande número de marginalidade que está acontecendo dentro das comunidades, dentro das sociedades, esse grande desempenho de droga, de usos, de entorpecentes, de bebida, e a violência ela vai gerando por isso, a desilusão das pessoas, dos seres humanos. Então assim, a gente veio com essa preocupação, mas interessante, irmãos, que quando eu cheguei aqui, Deus me deu uma promessa linda, o senhor ele falou para mim a cerca de um profeta de Deus, ele disse: “Olha, se tu cuidares da minha obra com o teu coração, eu cuidarei da tua família. Não haverá morte, não haverá destruição. Eu cuidarei tanto dos de perto como dos de longe”. Então esse Jesus tem cuidado, eu tenho visto a mão de Deus sobre a minha casa, sobre a minha família, e Deus tem trabalhado de uma forma sobrenatural. Então hoje é muito forte pra mim né.
P/1 - Obrigada viu, pela entrevista.
R - Obrigada a vocês. Eu quero agradecer a vocês por se importarem de chegar até mim, porque a gente, assim, quando a gente passa muito tempo na comunidade ou num local, quando a gente chega, essa oportunidade aqui que nós estamos tendo, nossa, é um privilégio muito grande. A gente fica, sabe como que a gente se sente: “Meu Deus eu pensei que todo esse tempo que eu convivi dentro da comunidade não tinha importância”, mas isso aqui mostra pra gente o quanto é importante, a participação de cada morador, de cada um da comunidade, como somos importantes uns para os outros. Então isso pra mim foi muito, uma experiência muito linda, muito maravilhosa, e eu agradeço muito vocês por tudo.
P/2 - O Museu da Pessoa que fica muito grato, honrado de ter uma história tão linda. Uma história de luta, de conquista, de superação, de resiliência.
R - Amém! E estamos à disposição, sempre que precisar, a gente tá aqui pra compartilhar e ser útil no que for necessário, né. Estamos à disposição. Obrigada a vocês.
Recolher