Projeto Memórias de Serra Pelada
Entrevista de Ivan Barbosa de Almeida Lima
Entrevistado por Glaydes Bento Coutinho e Luid Pinheiro de Souza
Serra Pelada, 13 de agosto de 2024
Código da entrevista: MSP_HV012
Transcrito por Bruna Piera
Revisado por Nataniel Torres
P/1 - Senhor Ivan, começaremos. Qual é o seu nome, local e data de nascimento
do Senhor?
R - Ivan Barbosa de Almeida Lima, Serra Pelada, 01 de novembro de 1946.
P/1 - Seu Ivan, seus pais lhe contaram como foi o dia do seu nascimento?
R - Não! Eu nasci na aldeia. Todo queimado, aqui ó! Por aqui! Aqui! Fogo!
P/1 - Por que?
R - É porque lá na aldeia tinha aquelas redes tipo tarrafo, aí tinha um buraco assim, deste tamanho, e eles botavam era casca de angico, embaixo, não tinha tecido para enrolar a gente. E aí para aquecer a gente. Casca de angico é quente. E aí, meus pais dormiam dentro de um chiqueiro de folha, né! E não me botaram no meio deles. Aí, a quentura rolou e eu caí de bruços, olha como é queimado. Todo queimado, sou todo queimado. Aí, com cinco meses de nascido, uma família de Grajaú, passava correndo a linha de telefone, aí me viram lá na situação que eu estava, só bolha. Aí, mandaram depressa pegar animal, travesseiro, aí me levaram para Grajaú. Eu passei três dias no oxigênio, no balão de oxigênio. Depois de três dias foi melhorando, melhorando, melhorando. Aí, fiquei bom! Mas meus pais mesmo, legítimos, eu não conheci nenhum.
P/1 - Então, o senhor foi criado por essa família?
R - É! Família de… Não tem o Flávio Dino? Eu fui criado por uma tia dele, Maria da Silva Lima.
P/1 - O senhor foi criador por eles até quantos anos de idade?
R - Até quando eu me formei mesmo.
P/1 - Seu Ivan, e sobre seu pais, alguém lhe contou alguma história sobre eles? Como eles eram? O que o Senhor sabe da sua mãe e do seu pai?
R - Não, era da Aldeia mesmo, eles eram índios. Meu pai era índio, a minha mãe não, minha mãe era negra. Mas não...
Continuar leituraProjeto Memórias de Serra Pelada
Entrevista de Ivan Barbosa de Almeida Lima
Entrevistado por Glaydes Bento Coutinho e Luid Pinheiro de Souza
Serra Pelada, 13 de agosto de 2024
Código da entrevista: MSP_HV012
Transcrito por Bruna Piera
Revisado por Nataniel Torres
P/1 - Senhor Ivan, começaremos. Qual é o seu nome, local e data de nascimento
do Senhor?
R - Ivan Barbosa de Almeida Lima, Serra Pelada, 01 de novembro de 1946.
P/1 - Seu Ivan, seus pais lhe contaram como foi o dia do seu nascimento?
R - Não! Eu nasci na aldeia. Todo queimado, aqui ó! Por aqui! Aqui! Fogo!
P/1 - Por que?
R - É porque lá na aldeia tinha aquelas redes tipo tarrafo, aí tinha um buraco assim, deste tamanho, e eles botavam era casca de angico, embaixo, não tinha tecido para enrolar a gente. E aí para aquecer a gente. Casca de angico é quente. E aí, meus pais dormiam dentro de um chiqueiro de folha, né! E não me botaram no meio deles. Aí, a quentura rolou e eu caí de bruços, olha como é queimado. Todo queimado, sou todo queimado. Aí, com cinco meses de nascido, uma família de Grajaú, passava correndo a linha de telefone, aí me viram lá na situação que eu estava, só bolha. Aí, mandaram depressa pegar animal, travesseiro, aí me levaram para Grajaú. Eu passei três dias no oxigênio, no balão de oxigênio. Depois de três dias foi melhorando, melhorando, melhorando. Aí, fiquei bom! Mas meus pais mesmo, legítimos, eu não conheci nenhum.
P/1 - Então, o senhor foi criado por essa família?
R - É! Família de… Não tem o Flávio Dino? Eu fui criado por uma tia dele, Maria da Silva Lima.
P/1 - O senhor foi criador por eles até quantos anos de idade?
R - Até quando eu me formei mesmo.
P/1 - Seu Ivan, e sobre seu pais, alguém lhe contou alguma história sobre eles? Como eles eram? O que o Senhor sabe da sua mãe e do seu pai?
R - Não, era da Aldeia mesmo, eles eram índios. Meu pai era índio, a minha mãe não, minha mãe era negra. Mas não cheguei a conhecer nem histórico deles.
P/1 - E como era conviver com essa família? Você tinha algum irmão?
R - Não, tinha irmão da família que me registraram como filho legítimo, né! A Margot, o Odi, e o Zezé, eram os três irmãos, que eu entrei e estranhei na família deles, comigo fez quatro.
P/1 - E como era o tratamento deles com o Senhor?
R - Tratamento melhor do mundo. Família rica, caí num berço de ouro, foi! Que eu nasci na aldeia, todo queimado, cheguei todo empacotada, não tinha nem fé de viver. E aí, hoje eu tô do jeito que tô. Eles morreram, mas me deixaram já pronto pra vida.
P/1 - Qual a lembrança que o senhor tem mais forte dos seus pais adotivos?
R - Todas as lembranças são boas, que eles era bons demais pra mim.
P/1 - Mas teve alguma que marcou, algum momento, alguma frase que eles sempre falavam, tem alguma coisa?
R - Tem! Tem uma que ele me deu uma pisa, numa forquilha de comieira, porque eu ia buscar água na ancoreta, no animal, e aí ficava banhando lá no rio, brincando com a molecada, um negócio de pega aqui, pega pra lá, pega pra cá. Aí, quando eu olhei na ladeira, cadê o jumento? Já tinha sumido, já tinham tirado a água. Aí, ele chegou e disse: “Ivan?” “Senhor?” “Vai comprar um pacote de fogo lá no Mundico da Cristina pra mim.” Eu tava meio cabreiro já, né! Aí, ele, pá! Me agarrou! Me amarrou na forquilha, taca. Dormi ali ó! Amanheceu o dia minha mãe me tirou, todo marcado. Também foi a única pisa que ele me deu. “Quando você for fazer uma coisa, você vá fazer aquela coisa, e não deixe em vão, de jeito nenhum!” Pronto! Foi só a única vez que ele me bateu.
P/1 - O senhor tem alguma lembrança da casa que vocês viviam? Como era?
R - Tenho!
P/1 - O senhor pode nos contar?
R - A casa lá é duas salas grandes, uma alugada para a Varg e a outra era da Margarida, Margot. Corredorzão, três metros de largura, de um quarto para o outro, da sala que era alugada para a Varg, o outro quarto era da minha mãe, era grande. Lá embaixo tinha a varanda, o pau da forquilha onde o meu pai me bateu, um quartinho aqui era o meu. Descia um batente aqui, tinha a cozinha, o fogão a lenha. E descia noutra escadaria aqui, tinha a caixa d'água, chuveiro embaixo, outro chuveiro, sifão, lavanderia mais embaixo. E era um quintalzão grande. Muita galinha, que criavam.
P/1 - Vocês criavam outros animais?
R - Só galinha.
P/1 - Tem alguma brincadeira que o senhor mais gostava na infância?
R - Menino toda brincadeira pra ele é bom, né! Era jogar peão, ioiô, empinar pipa, era essas brincadeiras boas que a gente achava.
P/1 - E Senhor tinha algum amigo de infância, alguém que o senhor lembra?
R - Tinha! Francisquinho Gonçalves, que era o violonista. Eu era cantor de Seresta, eu. Cantava sem Seresta e ele acompanhava. Até hoje o Pedrinho… Eu tenho o telefone dele, ele diz: “Ivan, canta uma aí pra mim!” Quando ele liga no telefone, aí eu canto uma música. Ele: “Ó, rapaz! Rapaz, vem aqui! Estamos doidinhos pra te ver, rapaz!” É assim!
P/1 - Faz tempo que o senhor não vê ele?
R - Vixi! Tem uns 30 anos já!
P/1 - E o senhor teve oportunidade de estudar Seu Ivan?
R - Tive! Estudei! Quarta série primária.
P/1 - Como é que foi na escola? O senhor gostava de ir para a escola?
R - Pra mim foi bom, porque os dever tudo eu fazia, nunca tirei um zero, em prova minha, tirava 8, 9,10. Eu estudava de manhã no Urbano Santos, de tarde, na aula particular, na Jaci Jorge, e de noite com o Profiro Preto, na União Operária, Grajaú S, eram três aulas por dia.
P/1 - Nessa três aulas, o que o senhor mais gostava de estudar? O que o senhor mais gostava de fazer na escola, o senhor lembra?
R - O que eu mais gostava era de fazer minhas matérias cedo, logo, pra mim me desocupar mais cedo que os outros.
P/1 - Seu Ivan, o senhor falou que cantava, né?
R - Era!
P/1 - Onde foi que o senhor aprendeu a cantar? O senhor viu alguém?
R - Quando eu era moloque nós fomos do Coro do Oratório São Tarcísio. Aí, tinha aquela molecada, missa dia de domingo, aí nós cantava na missa, era missa cantada, né! E aí, eu comecei dalí. E depois que saí, aí saí preparado já para cantar música mundana, como eles falam. Música mundana como os crentes falam.
P/1 - O senhor pode cantar alguma música para nós, um refrãozinho pequeno?
R - Posso cantar do cachaceiro.
P/1 - Cante pra nós, então.
R - Lembro uma pura, que gostosura, respeita o taco. Lembro uma farra e uma algazarra que encheram o saco. Lembro a minha ida, ressaca infinda dos dias meus. Para o meu mal um melhoral ninguém me deu. Estou agora no pronto-socorro me ponho chorar, onde foi que eu bebi? Por que foi que eu sai carregado do bar? Eu devia pensar, eu devia pra não pôr o meu barco a perder, mas diante de tantas cachaças me ponho a beber”. Rapaz, fazia muita seresta, amanhecia o dia no mercado comendo bolo de arroz com café, passava a noite todinha na seresta. Quando nós chegava daqueles velhecão, eles abriam a porta e trazia o que tinha lá pra nós beber, era gin, era bacardi, meio mundo de coisa.
P/1 - Seu Ivan, como é o nome da cidade, o bairro que o senhor cresceu?
R - Grajaú, Cidade Alta.
P/1 - Então, foi lá que o senhor viveu sua infância, né?
R - Foi!
P/1 - O senhor tem alguma lembrança dos seus avós? O senhor teve avós mesmo adotivos?
R - Tenho só de uma.
P/1 - Como ela era?
R - Mas já bem velhinha já. Quando ela foi lá para o nosso poder, não demorou muito tempo ela morreu.
P/1 - Os seus pais, eles faleceram de que?
R - Os que me criaram? Meus pais que me criaram, uma era estafeta do correio, telégrafo. A minha mãe era fazendeira. Nós tinha a Fazenda Lagoa de Dentro, perto de Serra Negra. E aí, todo final de… quando era nas férias, nós ia pra lá, pra fazenda. Aí eu subia em cima do curral. “Mãe, eu quero aquela novilha acolá”. Aí, o vaqueiro já ficava… Só escolhia a novilha dele tirar. Que coisa, né! A gente tinha muito gado, rapaz! Quando eu entrei na vagabundagem, eu vendi tudinho para gastar na farra em Grajaú.
P/1 - O senhor lembra como foi que seus pais faleceram? O senhor soube como foi?
R - Meus pais que me criaram? Foi úlcera no estômago. Ele operou, mais aí, ele gostava de um São João da Barra. Inflamou e não teve jeito.
P/1 - O senhor falou que gostava de sair pra cantar.
R - Era!
P/1 - Com quantos anos o senhor começou a sair de casa?
R - Dia de sábado. Sábado já tinha programação feita já. Eu, Chico Rosa, que era o violonista, e mais três, nós éramos em quatro. Aí, saia na rua cantando. Quando nos passava ali no Ginásio Antoniano, a moleca: “Tem uma seresta hoje? Passa lá em casa!” Aquele negócio. E a gente passava na casa de cada uma daquelas meninas e cantava e tal. Elas abriam a porta, vinha, botava cadeira para a gente cantar sentado ali junto com eles. Era bom demais! Eu não me queixo da minha mocidade, foi muito boa! Se hoje eu tô aqui, é porque eu não presto. Eu peguei 85 kg de ouro aqui, se eu fosse outro, largava aqui e tinha ido lá, não fui! Porque não podia sair, por causa dos barrancos. Na hora que saísse os nego tomava. Aí, foi o tempo que eu fiquei, fiquei, e acabou e não fui. Não fui nunca mais.
P/1 - Seu Ivan, o senhor lembra quando o senhor começou a sair sozinho com os seus amigos? Como é que era?
R - Não, a gente combinava, o Francisco Rosa tinha um violão, eu pegava uma galinha no meu quintal, dava pra Madrinha Espírito Santo fritar lá, e quando era meia noite nós saía para a rua. Era o tempo que todo mundo já estava… Cidade calma, aí nos começava a cantar. A gente descia já cantando, sabe! E a negrada já parava na casa que a gente… “Hoje nós vamos para casa do Jorge. Nós vamos para a casa do Itamar”. E assim, nós passava a noite, amanhecia o dia no mercado, comendo bolo de arroz com café e leite. Era bom demais!
P/1 - Seu Ivan, e quando foi que o senhor começou a trabalhar? Você lembra quantos anos o senhor tinha no seu primeiro emprego?
R - Como é que é?
P/1 - Quantos anos o senhor começou a trabalhar?
R - Depois que eu saí de casa. Que eu vim pra cá, para os garimpos. Que eu fugi de casa.
P/1 - Quando o senhor morava nessa cidade, o senhor conheceu alguém que o senhor se apaixonou?
R - Lá? Conheci, eu tenho um filho lá!
P/1 - Pode nos contar um pouco sobre essa história?
R - Posso! Eu tinha o meu quarto, mas a minha mãe… Aí, eu não saia por dentro de casa, eu saia pro quintal, pulava o muro, e descia lá pra casa da Maria Coló, que era a mulher que eu gostava. Aí, fiquei, quase todo dia eu ia lá, até quando nasceu esse filho meu. Aí, foi, foi. Ela foi e descobriu. “Rapaz, tu já tem um filho?” Eu digo: “Ela fala que é meu mãe”. Aí, ela pelejou para tomar o menino. E não deram. Aí, foi, fomos passando, passando, com o tempo minha mãe morreu, o velho também. E ficou para trás. O tempo que eu saí pra cá, ele era desse tamanhozinho assim, 6 anos de nascido.
P/1 - E como ela era? A Maria.
R - Ela era morena, cabelo liso, tinha quatro filhas, cinco, seis com o Josevan. E aí, quando eu vim embora para cá, pra Serra, ficou tudo para trás.
P/2 - Seu Ivan, como você soube de Serra Pelada?
R - Eu tava no garimpo do Peixoto de Azevedo, quando um irmão passou mensagem para o outro, pela Rádio Nacional: “Fulano, vem rapaz, que na Serra das Andorinhas tá dando 1,5 kg de ouro na puxada por dia”. Aí, eu digo: “Vixe, rapaz! Passou voando uma andorinha por cima da minha cabeça. Eu vou embora!” O cara diz: “Rapaz, não vai não rapaz!” Tinha meio mundo de cascalho, ó! “Vamos ajustar a conta aí, o meu ouro, o ouro que eu emprestei. Dê meu ouro em mão”. O Raimundo falou: “Eu também vou!” “Então, bora!”. Aí, pegamos o ouro que eles tinham que devolver pra nós. Viemos para Itaituba. Itaituba, chegamos e compramos uma bateia e um ralo. Aí, viemos de Itaituba para Marabá, no inverno brabo. Chegamos em Marabá passamos uns 4 dias num hotel, aí arrumamos dez peões. Compramos rancho, carne salgada, arroz, feijão, oléo. Quando nos chegamos ali perto para entrar para Parauapebas, rasgamos matando a fome de cá. Aí viemos rasgando mato de lá pra cá. Aí trabalhamos nume grotinha lá, cega, até quando nós chegamos aqui. Cheguei aqui no dia 12 de fevereiro de 1980, 9:00 da manhã. No dia que eu cheguei, eu peguei 980 gramas de ouro, só de rack, que era o pessoal de Marabá que estava aqui, a maior parte. Aí o Benel soube de São Benedito e disse. “Tô querendo um garimpeiro pra mim, eu tenho dois barrancos aqui”. Eu digo: “Eu pego!” Aí, eu peguei os dois barrancos dele. Arrumei quatro meia prosa. No primeiro barranco nós tiramos 87 kg de ouro, no segundo barranco nós tiramos 76 kg. E aí, ele pegou esse ouro, dividiu conosco, foi embora para Belém, para vender lá para o Japonês. Aí eu fui bater em Itupiranga, pegar um meia praça, Cursino, Petronio, Felão, botamos na repassagem aí. Peguei 40 kg. Aí, o cara disse, Seu Jorge, disse: “Seu Ivan, rapaz, me vende esse trecho aí, lhe dou meio kg de ouro, você me dá esse motor Montgomery. Aí, eu fiz negócio. Quando foi sábado eu fui pegar o ouro lá, eu peguei. Eu andava com os pacotes de dinheiro. Quando passou quatro dias, eu fui lá. Eles: “Quer um rack?” “Rack de quem rapaz?” “Mete a pá aí!” Eu meti no meio assim, bati, deu 480 g de ouro. Deu outro cascalho a grota. Aí, eles tiraram. Aí, foi o tempo que começou a Serra Pelada. Aí, subimos para a Serra. Aí, eu tirei 20 metros de comprimento, por 10 de largura. Tu acredita que nós vinha de lá atirando? Eu tinha um 38 cinco tiros. “Pá, pá, pá, pá!” Até chegar na grota. Chegava pegava o cascalho lá. “Lá vem o Bigode, lá vem o bigode.” Porque sempre o meu apelido era bigode. Tinha um bigodão grande. Rapaz, aí aparece um cara lá, entrando no nosso trecho lá. “Eu não vou brigar contigo, não”, disse que era crente, “Pois fica com esse pedaço aí! Aporrinha mais não”. Esse pedaço que eu dei pra ele, ele não trabalhou, ele vendeu, e o cara tirou 18 kg de ouro, só naquele pedacinho que eu dei pra ele.
P/1 - Seu Ivan, como era aqui em Serra Pelada quando o senhor chegou?
R - Serra Pelada era só mato, aqui não tinha casa, não. Nós fazíamos barraquinhas de lona, fazia uma aqui, outra ali, outra lá. Onde os garimpeiros fossem se agrupando, onde eles trabalhavam, eles iam fazendo, no Sereno, no Pau da Mentira, tudo tinha garimpeiro. Aqui a gente passava, não via essa estrada não, não via o chão, só de garimpeiro, era assim ó, que nem bicho de bicheira. Era mão e contramão. Se o cara viesse com dois, se viesse aqui para o palanque de noite e se desencontrassem, só se encontrava no barraco, entendeu?
P/1 - Que ano era quando o Senhor veio pra cá?
R - Cheguei aqui no dia 12 de fevereiro de 1980.
P/1 - E o senhor tinha quantos anos nessa época?
R - Eu tô com 77, faz a conta aí!
P/2 - Seu Ivan, como é que funcionava as regras do garimpo? Como era isso?
R - Como é que é?
P/2 - As regras no garimpo, como funcionava?
R - A regra daqui era o seguinte: você tinha um barranco, dividia, arrumava dez meia praça, a metade era meia, em todo barranco, e a metade era deles. Se desse 50kg, 25kg era meu e 25kg era deles. 25kg era meu com as despesas. Eles era livre. Eles não gastavam com nada, só com o serviço dele, entendeu?
P/1 - O que era a Grota Rica?
R - Grota Rica era a grota que nasceu no pé da montanha, ali, que hoje é a Serra Pelada Velha, e desceu. Nessa direção aqui era o meu barraco na Grota Rica. Ela era rica, porque tinha ouro demais, no beiço da grota, a gente arrancava um pé de capim, batia na bateia, saía as pepitinhas de ouro deste tamanho. Batia assim, ó! Pepita de ouro. Tinha ouro, ouro, ouro! Sabe como é ouro? Muito ouro mesmo.
P/1 - E hoje, como ela está?
R - Ela está aterrada aí, tanta terra que já jogaram. Mas eu sei de um trecho lá, onde tem um mocororó, e o mocororó tem ouro. Eles aterraram tudinho, eles não queriam saber de ouro difícil, né! Aí não quiseram. Mocororó ainda hoje está aí, mas está aterrado.
00:28:21
P/1 - E como era aqui, tinha comércio? Como era Serra Pelada?
R - Não! Aqui só tinha uma cantina, a do Velho Genésio. Ali a gente comprava de tudo, carne, tudo, tudo que tinha a gente comprava.
P/1 - Quem era Genésio?
R - Era o dono da terra, Serra Pelada.
P/1 - Então, Serra Pelada nessa época ela tinha um único dono?
R - Tinha!
P/1 - Nos conte um pouco mais sobre essa história?
R - Genésio, ele tinha quatro filhos. Tinha não! Tem um que é piloto, Osvaldo. Tem outro que tem uma fábrica de arroz, em Marabá. Eles são… eram quatro filhos.
P/1 - Então, Seu Ivan, nessa época aqui, antes de ser o garimpo, era o que Serra Pelada?
R - Era uma fazenda, Fazenda Três Barras.
P/2 - Como Seu Genésio, que era o proprietário da terra, recebeu os primeiros garimpeiros que aqui chegaram?
R - Não! Recebeu… Foi tipo uma invasão. Porque o Genésio, foi o seguinte: ouro foi encontrado aí… Ele tinha o Pedrinho, que era juquireiro, passava a junqueira pra ele. Aí, tinha o junqueiro dele aí. Aí, quando foi, sabão acabou na cozinha dele lá, e eles meteram o prato de esmalte dentro da grota para lavar, não tinha sabão. Aí, quando eles meteram o prato, acharam uma pepita de ouro, no leito da grota. Eles pegaram aquele outro e guardam. O Genésio todo dia de manhã passava lá, para tomar café no barraco deles, sabe! Isso aqui era uma estrada de animal, até no Pernambuco. Aí, ele disse: “Olha, eu não sei se isso é ouro, se é cobre, mas eu vou levar para Marabá para fazer o teste”. Chegou em Marabá, ele fez, era ouro. Aí, ele já trouxe um pessoal de lá, trouxe quatro garimpeiros e botou para trabalhar aí. Quando os caras foram de volta para Marabá. “Serra Pelada está no ouro.” Aí, viram o ouro. Aí veio um enxame de garimpeiro, nego de pé, de carro, deixavam o carro aí no Pernambuco. E encheu isso daqui. Quando eu cheguei aqui, eu já cheguei no dia 12 de fevereiro, já tinha começado a Grota Rica. Eu peguei esse ouro, peguei 85 kg primeiro barranco, 76 kg no segundo, e na repassagem eu peguei 40 kg. E vendi um trecho por quinhentas gramas, por meio quilo de ouro.
P/1 - Quem era Pernambuco?
R - Pernambuco é ali, lá! A entrada. Tem aquela touceira de bambu lá quando a gente vai subindo. “Lá no Pernambuco!” Chegando no Pernambuco. Não sabe onde é não? Lá que é o Pernambuco.
P/2 - Seu Ivan, para quem não conhece Serra Pelada, poderia citar melhor onde é o Pernambuco, descrever melhor?
R - E como é que eu vou dizer onde é aquele quilômetro lá?
P/2 - Lá é no quilômetro?
R - É!
P/2 - Lá da estrada?
R - É! Qual é aquele quilômetro lá? E no 11, pois é! Lá que era o Pernambuco. Os caras deixavam as coisas lá, e vinham de pé.
P/2 - Como foi organizado pelo Seu Genésio a questão das divisões dos barrancos? Como ficou pra ele, pro proprietário da fazenda?
R - Não, eles tiraram um barranco pra ele. Eles tocaram o barranco deles. Aí, quando chegamos na grota, todo mundo cortou seu trecho. Aonde tinha uma castanheira, a gente atravessava por cima para ir lá para o Pernambuco. Mas lá tinha era panelas e panelas de pressão cheia de ouro. Balde. Lá no Genésio.
P/1 - E quem ficava responsável por essa divisão de barrancos, quem era?
R - E cada um, cada uma pessoa. Você tinha o seu barranco, você era dono dele, fulano tinha o dele, ele era o dono dele, sicrano tinha o dele, ele era o dono dele. E ali não tinha negócio de fulano mandar no barranco de ninguém. Cada qual mandava no seu barranco, na sua área. Não tinha briga, não tinha nada.
P/2 - Isso ainda era década de 80?
R - Era!
P/2 - Da década de 80, até 1983, como o garimpo reagiu? Como foi a transformação dessa região?
R - Porque 1980, 1981 e 1982, todo mundo trabalhava na Grota Rica. Em 1983 já surgiu a Serra Pelada. Era uma montanha assim, ó! Lá só tinha embaúba e aqueles pisão, unha de gato, aí depois que eles começaram a descobrir o ouro lá na montanha, rapaz, ficou limpo de um dia para o outro. Limpo, limpo, limpinho. A Docegeo, meteu uma cerca, para atrapalhar a gente entrar, nós quebramos, derrubamos a cerca. Aí, não teve jeito mais, aí veio milhares de garimpeiros. Gente do Brasil, gringo. Aquele menino ali, que é junto com a… O Cauby… Sabe quem é o Cauby? Que mora bem aqui. Eles compraram uma casa bem aí atrás. Ele é gringo. Ele trabalhou no meu barranco.
P/1 - Quais foram os locais de Serra Pelada que mais marcaram o senhor?
R - Foi os barrancos que mais deram ouro, foi os barrancos do Amaro Onça, do menino que era dono da oficina aí, Marlon, Hamilton. O meu não deu esse tanto de ouro, o meu só deu 25, no outro deu 18, no outro deu 16, tinha outro que deu 12.
P/1 - E o que o senhor fez com o ouro que o senhor pegou?
R - Eu gastei! Eu brinquei, eu emprestei dinheiro e não recebi. Emprestei muito dinheiro. “Bigode, rapaz, me empresta tanto aí”. Eu emprestava. Não tinha nota promissória, na época, tinha a palavra. Só para o Luis da Mata eu emprestei cento e setenta milhões de reais pra ele. Mora bem aí em Itupiranga, Luís da Mata. Nunca me pagou! E assim na Serra Pelada deu muito ouro. A Serra Pelada deu toneladas e toneladas de ouro. O barranco do Zé Maria, do Amaro Onça. Deram ouro demais.
P/1 - O senhor disse que se divertiu muito. Qual era a diversão aqui em Serra Pelada naquela época?
R - A diversão daqui era o seguinte: Eu tenho uma pasta ali, eu botava novecentos mil dentro dela e ia para Curionópolis, lá eu tinha uma galega, chamava Neusa. Barra do Garça. Aí, eu pegava ela, tinha quatro carros, alí no Pernambuco, lá no 16. Eu pegava dois carros… Com 3, 4 dias, mandava o meu bate pau vir pegar mais dinheiro, que aquele lá, os novecentos mil tinha acabado, gastando na putaria. Eu ia lá para o Peba, passava de quatro dias debaixo de uma ponte no Parauapebas lá, barraca de campanha, comprava porco, uma banda de porco, quarto de boi, só para assar e comer, e brincar. Isso, se eu morrer hoje, morro satisfeito, porque o que eu tinha que fazer eu já fiz, brinquei muito. Não tenho nem inveja de nenhum rico desses. Eu não tenho inveja! Porque o que eu fiz eles nunca fizeram. Eu brinquei, gastei o meu dinheiro. E tô vivo! Tô vivendo! E tô aqui, nunca trabalhei pra ninguém. Eu nasci artista, aí ó! Olha as peças que eu faço, aí ó! Tá vendo aí? Isso aqui é o símbolo do garimpo, o garimpeiro subindo a escada com o saco nas costas, o ouro, a bateia, lugar de botar a caneta. Então… Isso aqui eu faço o tanto que eu quero. Se eu tirar para fazer 200 peças dessas, eu faço. Uma peça dessa aqui é R$40,00, R$60,00. E quase até melhor do que ouro, que o ouro o cara vai cavucar. Eu não, só faço quebrar a pedra, fazer o preparo e tá aí, ó! Uma peça dessa. Esse ouro aqui foi daquele teu, ó!
P/1 - Como foi para o senhor quando o garimpo fechou? O que o senhor fez?
R - Eu virei artesão.
P/1 - Como foi que o senhor aprendeu essa profissão?
R - Nós não tinha o garimpo? Não tinha a bateia? O garimpeiro, o ouro, aí ó! Isso aí é básico, a cachola. E é o único histórico de Serra Pelada, não tem outro histórico de Serra Pelada aqui, pra dizer o que que representa Serra Pelada. Quem é? Fora de mim aqui, quem é que vai dizer que tem alguma coisa que representa Serra Pelada. Quem é? Ninguém! Porque aqui é o histórico. É a escada, o garimpeiro, a bateia e o ouro. Esse é o símbolo do garimpo. Nego vem de onde vim, mas vem aqui. Um dia desses veio um cara de São Paulo para comprar essas pedras. Tu acredita? “Rapaz, eu vim de São Paulo, porque um cara me mostrou essas peças”. Ele levou 20 peças dessas. Então, eu não posso me queixar, de maneira alguma.
P/2 - Entre vários garimpeiros, seus colegas de trabalho, você se tornou artesão, aprendeu a arte de criar com suas mãos. E o que você viu dos seus outros companheiros, qual o destino eles tomaram?
R - Cachaça, morrer em Curionópolis, farra, gandaia. O que eles escolheram foi isso. Tem muitos que se acabaram assim, na cana. Não pensaram para continuar a vida de outro jeito. Outros roubando, morria na bala. A vida aqui foi essa.
P/2 - Ivan, dentro dessa mesma pergunta, voltando um pouquinho atrás, como era a vida dentro do garimpo de Serra Pelada, dentro da cava de Serra Pelada?
R - A cava?
P/2 - A cava.
R - Rapaz, na cava, era nego carregando saco… Tu não viu não naquele dia? Tu não viu a pedragem, trabalhando e jogando? Tá ali dentro. Só tem um gravado. Ali era o dia todinho, eu cavava o barrando coloca quatro pás, cinco pás e jogava no mato. Jogaram muito ouro fora. Uma vez o cara chegou de Bacabal, aí chegou, foi lá olhar o garimpo, quando ele tá indo para lá, vinha descendo. O cabra jogou um saco e aquela pedra veio rolando, pá, pá, pá. “Sai daí filho de uma égua, ê filho de puta, sai do meio que essa pedra vai te matar, desgraçado”. E a pedra parou ali, bateu em outra e amarelou. Ele pegou a pedra deste tamanho assim. “É ouro!” Quando disse é ouro. Os cabras desceram de lá pra trombar ele. Desceu para a Federal. Chegou aí na Federal… O Gauchinho era o agente Federal mais perigoso que tinha aí, para dar taca em peão. “Que é? Que é?” “Entra, entra! O que vocês querem?” “Não, porque é ouro.” “Sei, é ouro mesmo, que ele está aqui com uma pedra de ouro.” “Que foi?” “E porque nós jogamos…” “Ah, vocês jogaram fora, bateu no pé dele, e ele pegou, é dele!” Aí lavraram lá, queimaram. Deu parece que doze quilos e seiscentas gramas de ouro. Aí, o Gauchinho pegou. “Tu mora aonde?” “Bacabal.” “Tem Caixa Econômica lá?” “Tem!” Botaram ele dentro do aviãozinho, foram bater lá. Entendeu? Nem conheceu o garimpo. Ele nem conheceu lá a cava. Foi contemplado antes do tempo. Doze quilos e pouco. A vida aqui era assim. Outra vez um, lá no Bar do Zé Maria, ele passava a mão no paredão assim, chega zunhava, ouro bombril, era só do bombril. Era ligado com o meu barranco.
P/1 - O senhor falou que e o senhor teve um filho, né?
R - Lá em Grajaú.
P/1 - Qual é o nome desse filho?
R - Josevan. Chama ele só de “Jose”.
P/1 - O senhor voltou para ver sua família, seu filho? Eles já vieram lhe ver?
R - Não! Uma matéria que o Carlinhos fez, aí foi descoberto, foi descoberto ele e meus dois filhos, dois netos, a Emily e o menino.
P/1 - E o senhor tem contato com eles hoje?
R - Ele não fala comigo. Não quer falar. Eu mandei buscar ele um bocado de vezes, ele não quis vim. Eu tenho contato mais com os filhos dele, que é enfermeiro.
P/2 - Ficou esse rancor por parte dele?
R - É! Ficou.
P/2 - Por que?
R - Porque eu não fui ficar lá com eles. Minha vida era trincheira mesmo. Eu mandei buscar eles, ele não quis vir, rapaz! Mandei o Zezão trazer ele. “Ele disse que não vem não”. Deixa pra lá!
P/1 - Seu Ivan, se o senhor pudesse voltar no tempo teria alguma coisa que o senhor teria mudado na sua vida?
R - Se tinha alguma coisa? Teria sim! Eu não ia gastar dinheiro o tanto que eu gastei. Essa era uma das coisas que eu não ia mais fazer. Gastei dinheiro demais aqui, rapaz, brincando, atoa. Gastei muito dinheiro. Dei! Não era emprestado, fazia era dá, que o cara não tinha, eu dava!
P/1 - O senhor casou alguma vez?
R - Nunca!
P/1 - Não possuiu família aqui em Serra Pelada?
R - Mulher, sim! Pegava uma hoje, dormia com ela, amanhã, pagava ela, ela ia embora. Era assim! Uma por vez, vai pra lá!
P/1 - O senhor gosta de morar em Serra Pelada, Sr. Ivan?
R - Gosto!
P/1 - Por que?
R - Porque foi a casa que eu me dediquei, foi aqui! Onde eu vim parar? Na Serra Pelada. Meus dias bem melhor de vida foi aqui que eu passei, e por isso até hoje eu tô, tô ficando. Eu tô com esperança de sair fora daqui, mas enquanto não sair, é aqui mesmo.
P/1 - O senhor ainda possui amigos aqui, desde a época do garimpo? Tem algum?
R - Aqui na Serra? Tem vários amigos, só que não é aquele tempo que a gente ia para Curionópolis juntos fazer bebedeira, não. É diferente. Eu não tenho mais amigo para sair fazendo essas coisas.
49:34
P/1 - Seu Ivan, quais são as coisas mais importantes para o senhor hoje na sua vida?
R - As coisas mais importantes hoje na minha vida, é minha vida, eu ter vivido até 77 anos, que eu tô vivendo, eu tô achando bom. E o que eu faço, é a melhor coisa que eu acho bom, fazer esse trabalho.
P/2 - E qual é o seu maior sonho?
R - O meu maior sonho? O meu maior sonho é viver mais. Viver mais e ir embora daqui para a minha cidade.
P/1 - O senhor sente falta de alguém que o senhor deixou na sua cidade?
R - Não! Sinto não! Eu tenho meus irmãos lá… Eu tenho de estar no meio da família, porque aqui eu não tenho ninguém, família. Mas lá eu tenho. Tenho filho, tenho irmã. Tem Júlia, tem Ana Rosa, tem a Maria.
P/1 - Seu Ivan, como era a questão da organização do garimpo?
R - A organização era como eu te falei, cada um tinha o seu barraco, cada um tocava da maneira que podia. Agora, quando o Major Curió chegou, ele tentou organizar a casa, o garimpo, porque todo mundo tinha arma. Eu tinha uma carabina quinze tiros, um trinta e oito cinco tiros, entendeu? Quando eu descia de lá, descia atirando. “Lá vem o bigode, lá vem o bigode”. Entendeu? E aí, ele tentou organizar os garimpeiros, disse que quem tivesse suas armas pra entregar para ele, que ele depois… De Belém vinha uma ordem para reintegrar essas armas de posse pro dono. Aí, ele desarmou todo mundo, pronto! Aí, foi fazer o jogo dele. Trouxe correio, telégrafo, trouxe Bamerindus, trouxe Caixa Econômica, trouxe… Como é que é o nome daquele coisa, rapaz! Que vendia tudo enquanto… Cobal. Trouxe a Cobal. Ele trouxe muita coisa pra cá pra dentro. E aí, ficou na gestão dele. Aí, vai, vai, vai, vai, vai, vai, vai, vai, vai, e ele levando, levando, levando. Até quando foi em 1986, foi liberado para as mulheradas. Aí as mulheres entraram, entraram para ser garçonete de bar, que aqui tinha muito bar. Aí começaram, começaram, gostando, a mulher do Salú, a Loirinha, a Mirtes, a mulher do Juarez, que morava bem aí na casa do Juraci. Tudo foi as mulheres que chegaram no começo. E lá dentro do garimpo também, carregar saco, tudo elas fizeram, essas mulheres aí. Aí, depois aumentou, aumentou e hoje está do jeito que tá, a dimensão que tá, né? [intervenção]
P/2 - Seu Ivan, quem foi o Major Curió?
R - O Major Curió era do exército, né! Da reserva. Ele parece que era concunhado do João Figueiredo. Aí botou ele pra cá pra dentro, para organizar, ou eliminar o garimpo. Mas como ele chegou, e viu a quantidade de gente que tinha, 120 e poucos mil garimpeiros. Aí, não deu para ele, ele teve que se chegar com os garimpeiros. “Major Curió e tal, pá”. E tinha um negão que carregava ele nas costas, quando ele chegava, carregava ele nas costas.
P/1 - Seu Ivan, o senhor falou que teve mulheres que trabalhavam dentro do garimpo.
R - Teve!
P/1 - Qual era a função dessas mulheres, como funcionava?
R - Carregar saco, pegar reck, pedir reck, pegar ouro. Elas não tinham barranco lá dentro, quem tinha era a macharada, os machos que tinha. Aí, vestia aquelas calcinhas, aquela roupinha fininha, a Mirtes, a mulher do Salú. Eu digo logo porque foi as que eu vi. A mulher do Juarez. Elas entravam, descia. Aí nego dava reck pra elas lá, elas botavam nas costas e vinham. Passava o dia todinho carregando rack. Agora eu não sei o quanto elas tiraram em ouro. Mas de carregar muito, carregaram.
P/2 - O que era o rack?
R - Rack é o cascalho. Por exemplo, o meu barranco tava no ouro, chegava em mim: “Dá o rack aí” “Quantas pás tu que?” “Bota duas, três” Botava três pás, tchau! Aí, já ia saindo com o rack. Ali já era um rack. Aí levava pra casa, pisava no pilão e bateava.
P/1 - Seu Ivan, como as pessoas entravam aqui em Serra Pelada?
R - Furando, varando, furando. Furando é quando entrava na ponta de mato aí e ia bater aqui.
P/1 - Tinha outra forma de entrar também?
R - Tinha! De carro. Mas de carro só quem tinha carteira.
P/1 - Como é que funcionava essa carteira?
R - A a carteira, o Curió deu a carteira pro garimpeiro, para entrar e sair, ter acesso de entrada e saída.
P/1 - E como é que fazia para ter essa carteira?
R - Ah, tinha que ter os méritos dele, né? Quando precisava de um garimpeiro. “Estamos precisando de tantos garimpeiro para fazer isso”. Aí, corria! Os garimpeiros fazia aquele trabalho, aí ele dava uma carteirinha pra ele, entendeu? Era assim.
P/1 - E o ouro que vocês pegavam aqui dentro, tinha que vender aqui dentro, ou não?
R - Vendia aqui dentro e nego varava pra fora com ele. Dez, vinte, trinta quilos de ouro. Botava na mochila e saia pra fora. Mas na estrada nego matava o peão e lavava o ouro. Era desse jeito. O meu, eu vendia tudinho aqui. No fogo eterno.
P/2 - Garimpeiro tinha autorização pra sair com ouro?
R - Não! Tinha não! O cabra saia porque ele queria ter boas vendas lá.
P/1 - O ouro aqui, ele era vendido por um preço justo?
R - Na época era, porque o preço, o valor, era aquele, era aquele que tinha que ser vendido.
P/1 - Então, por que as pessoas levavam o ouro pra fora pra vender?
R - Contrabandeando. Era contrabando.
P/1 - O que mudou aqui em Serra Pelada com a chegada das mulheres no ambiente?
R - Mudou porque as mulheres foram trabalhar em bar, ser garçonete. As mulheres arrumaram marido. A maior parte dessas mulheres aqui tudo arrumaram marido aqui dentro. Aí foram viver. O Corujão. Tu lembra do Corujão da Dezinha? Pois é! A Dezinha foi uma das que veio pra cá, e o Corujão também. Aí, casaram, se juntaram, e assim tinha muitos. E assim tem muitos aqui.
P/1 - Naquela época, quando alguém pegava ouro, era muito perigoso a pessoa falar que tinha pegado?
R - Aqui não, porque todo mundo pegava. Não tinha esse negócio de um garimpeiro roubar outro. O que o garimpeiro roubava aqui, que tinha os requeiro. Requeiro é aqueles garimpeiros… quando os garimpeiros tinha um vidrinho desse tamanho de ouro, não queria ir para caixa para vender. “Eu tenho um rack para vender” “Deixa eu ver quantas gramas tem?” Aí, pegava o ouro do cara, acabava já, né! Aqui dá tantas gramas. “Me dá esse dinheiro aí!” Aí, o cara esperto, já tinha… Não tem o Azougue? Azougue não é pesado? Ele enchia um vidrinho daquele de azougue, ficava com ele na mão. “Quem aqui tem um rackzinho de tantas gramas, cem gramas”. “Eu tenho!” “Me dá aí!” Aí ele pegava o dele aqui, trocava e empurrava no outro como ouro. E não era ouro. Se metia no meio daquela peãozada, mas de cento e poucos mil garimpeiros. Quem que encontrava? Achava? Achava nada!
P/1 - Seu Ivan, como foi contar sua história?
R - Como foi?
P/1 - Como foi contar sua história para nós?
R - Como foi contar essa história?
P/2 - Qual o seu sentimento ao contar a sua história para a equipe do Museu da Pessoa?
R - Não, é para uma história se prolongar a mais, passar mais tempo, para saber a história verdadeira. Porque tem muito peão aí que fala mentira. Eu tô falando a verdade, coisa que eu convivi, vivi e tô vivendo. Não tô vivendo, nem tô contando história pra vocês, daquilo que não aconteceu, eu só tô contando aquilo que aconteceu. E o que está acontecendo.
P/1 - Seu Ivan, muito obrigada pela sua entrevista, pelo o seu tempo que o senhor tirou para nos contar essa bela história. Foi uma honra e um prazer pra nós todos do Museu da Pessoa.
R - Pra mim também!
P/1 - Muito obrigado!
R - De nada! Muito obrigada vocês também.
Recolher