Quando eu nasci em 1977 ela ainda não tinha chegado em casa. Foi só em meados dos anos 80 que me lembro dela, do barulho do bico dela, e de sua canção. Quando nos mudamos para Altamira, foi conosco de avião. Eram umas seis da manhã, no primeiro voo matinal daquele dia, nos Transportes Aéreos da Bacia Amazônica - TABA. Éramos quatro: eu, minha mãe, minha irmã e ela. Sua gaiola imponente foi toda coberta, para que ela não estranhasse o ambiente nem se batesse, no decorrer da viagem. Chegamos naquele dia, em uma manhã nublada. Meu pai que já estava morando na cidade, foi nos buscar de kombi, de carroceria de madeira. Fomos todos apertados, na parte de dentro da cabine.
Foram poucos os dias para que ela se acostumasse na nova morada. Todas as manhãs acordávamos com seu canto. Até àquelas alturas, eu ainda não tinha a responsabilidade de fazer a limpeza da gaiola, colocar ração e trocar a água. Eram atividades exclusivamente de minha mãe e de meu pai. Meu pai fazia isso na hora do almoço, no intervalo do trabalho. Ela ficava imponente na parede da cozinha, bem no alto, enxergando tudo que acontecia. Até mesmo um surto de raiva de minha mãe que não me lembro o motivo, mas me lembro de ter me jogado vários ovos e eles terem quebrado na parede, no chão e em mim. Meu castigo foi limpar e lavar o chão da cozinha, com a obrigação de não deixar cheiro de ovo no chão. Eu deviria ter uns sete anos. Lembro desse dia e de ter tido minha primeira conversa com Xuxa, era assim que era chamada nossa sabiá. Era no auge do programa da apresentadora Xuxa Meneghel nas manhãs semanais, e nossa sabiá foi batizada com este nome. Eu olhava pra ela soluçando e via que ela mexia a cabeça como que prestando atenção para meu lamento. Ela se tornou minha parceira a partir daí. Mudamos de casa e meu pai mudou de emprego. Fomos morar em uma casa menor, mas com quintal. Um quintal grande que dava para plantar verduras, alfaces, couves e até quiabo....
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Quando eu nasci em 1977 ela ainda não tinha chegado em casa. Foi só em meados dos anos 80 que me lembro dela, do barulho do bico dela, e de sua canção. Quando nos mudamos para Altamira, foi conosco de avião. Eram umas seis da manhã, no primeiro voo matinal daquele dia, nos Transportes Aéreos da Bacia Amazônica - TABA. Éramos quatro: eu, minha mãe, minha irmã e ela. Sua gaiola imponente foi toda coberta, para que ela não estranhasse o ambiente nem se batesse, no decorrer da viagem. Chegamos naquele dia, em uma manhã nublada. Meu pai que já estava morando na cidade, foi nos buscar de kombi, de carroceria de madeira. Fomos todos apertados, na parte de dentro da cabine.
Foram poucos os dias para que ela se acostumasse na nova morada. Todas as manhãs acordávamos com seu canto. Até àquelas alturas, eu ainda não tinha a responsabilidade de fazer a limpeza da gaiola, colocar ração e trocar a água. Eram atividades exclusivamente de minha mãe e de meu pai. Meu pai fazia isso na hora do almoço, no intervalo do trabalho. Ela ficava imponente na parede da cozinha, bem no alto, enxergando tudo que acontecia. Até mesmo um surto de raiva de minha mãe que não me lembro o motivo, mas me lembro de ter me jogado vários ovos e eles terem quebrado na parede, no chão e em mim. Meu castigo foi limpar e lavar o chão da cozinha, com a obrigação de não deixar cheiro de ovo no chão. Eu deviria ter uns sete anos. Lembro desse dia e de ter tido minha primeira conversa com Xuxa, era assim que era chamada nossa sabiá. Era no auge do programa da apresentadora Xuxa Meneghel nas manhãs semanais, e nossa sabiá foi batizada com este nome. Eu olhava pra ela soluçando e via que ela mexia a cabeça como que prestando atenção para meu lamento. Ela se tornou minha parceira a partir daí. Mudamos de casa e meu pai mudou de emprego. Fomos morar em uma casa menor, mas com quintal. Um quintal grande que dava para plantar verduras, alfaces, couves e até quiabo. Tinha pé de maracujá do vizinho que ficava dando maracujá para o lado do nosso quintal. Foi o período que mais tomamos suco de maracujá direto do pé. Agora tinha outras companhias que amedrontavam os pássaros: os gatos. Mas sempre soubemos lidar com a presença dos gatos. Minha irmã fez sua primeira adoção de gatos e eles se acostumaram com a presença dos pássaros e eu acho que os pássaros a eles.
Nessa altura eu já era responsável pela limpeza da gaiola e de colocar a Xuxa para pegar o sol matinal. Mas, como toda a criança, não tratava com tanta prioridade tal tarefa e volta e meia era surpreendido por algumas pancadas na cabeça com o suporte de ração da gaiola, por minha mãe. Ou seja, ela dizia que a Xuxa era a sabiá de estimação dela, mas quem era responsável por cuidá-la, era eu.
Muitas bicadas na mão, mas nunca me importei. Gostava de passar o dedo nas tramas da gaiola para ouvir o estalar do bico da Xuxa. Ela era rápida. Ela se mexia com velocidade. Veio mais uma oportunidade de mudança de emprego para meu pai e dessa vez, fomos obrigados a mudar de cidade e de estado. Fomos morar em Fortaleza e isso já era início dos anos 90. De Altamira para Belém, fomos de avião novamente.
Dessa vez, fomos de Varig, voo rápido, sem muita turbulência. De Belém para Fortaleza fomos de caminhão, com meu pai, e mais uma vez fui o responsável de levar a Xuxa comigo. Água e ração eram a prioridade na viagem, brincar e conversar com ela era uma rotina para desestressar a viagem de 50 horas. Fortaleza foi uma estada rápida. Nem eu nem a Xuxa fizemos tantos amigos. O que era divertido fazer amizade nas festas de aniversários em Altamira, faltou em Fortaleza. As coisa não deram muito certo para nós, em Fortaleza e depois de oito meses, fomos obrigados a voltar para Belém. Voltamos nas férias. Ficamos na casa de parentes até encontrarmos uma casa para alugar. Minha mãe alugou uma casa na periferia de Belém. A casa era meio híbrida. Tinha na primeira parte, sala e dois quartos de tijolos, ou seja, de alvenaria e uma porta de madeira que separava um grande salão de madeira, conjugado com a cozinha.
Nessa casa tinha um bom quintal e uma caixa d\\\'água com uma divisória de concreto armado, no primeiro andar. Não tenho boas lembranças desse quintal pois foi nele que eu brincava descalço e fui contaminado por uma escabiose aguda. Contraí feridas pelo couro cabeludo e sofri por um grande período com a enfermidade. Minha avó ia aos finais de tarde rezar na minha cabeça para amenizar as dores e o mal estar do odor. A Xuxa observava de longe e eu não lembro de ter tido muito contato com ela nesse período. Mas lembro que tinha a responsabilidade de colocá-la para tomar sol. Era no primeiro andar da caixa d\\\'água, que ela ficava. Mas dessa vez tinha um porém. Antes de ser contaminado pela escabiose aguda, eu e minha irmã fizemos uma parede de tábuas no primeiro andar, da estrutura da caixa d\\\'água, para ser nosso escritório. O projeto não deu muito certo, e logo o abandonamos, mas não tiramos as tábuas. De certo, quando coloquei a Xuxa para tomar sol, ela saiu do campo visual da porta da cozinha, para estrutura da caixa d\\\'água, uma vez que estava toda fechada por tábuas.
Diferente da casa de quintal de Altamira, nesta casa também tínhamos a presença de gatos, só que esses gatos era mais ariscos e agressivos. Foi aí o ponto frágil da vida da Xuxa. Depois de aproximadamente dez anos de convívio conosco, ela travou uma batalha com um desses gatos. Eu lembro da minha mãe me dando uma surra e me puxando pelos cabelos até o lugar onde a gaiola estava destruída. Chorava pela dor e pela perda. Assim mesmo, ainda consegui recolher algumas penas e fiz um buraco com as mãos, em um canto do quintal e as enterrei. Acabava aí o sofrimento dela e de algum modo, o meu. Desse dia em diante, não tivemos mais pássaros em casa; nem brigas por não limpar as gaiolas, e nem o canto da SABIÁ.
Alexandre Diniz - Altamira, Nov. 2016
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