Garganta paralisada, não conseguia nem engolir saliva, tamanha era a minha vergonha diante das pessoas estranhas. Foi assim que fiquei quando fui tirar, aos cinco anos de idade, minha primeira fotografia. Fotografia Era assim que diziam meus pais que vieram do Mato Grosso do Sul para Rondonópolis, Mato Grosso. Naquela época, ainda nem havia a divisão do Estado. Naquela época só havia um único Mato Grosso. As pessoas do lugar falavam diferente de nós, pois chamavam a tal fotografia de foto. Antes dos meus quatro anos, na fazenda onde nasci rodeada de tias e amigos da família (distrito do Paraíso, município de Paranaíba, cidade do Mato Grosso do Sul), era uma menina falante, admirada por todos pela minha esperteza e ousadia; de repente, em minha nova morada em Rondonópolis, sul de Mato Grosso, longe do convívio diário com outras pessoas além de meus pais, era tomada por uma tamanha timidez diante de estranhos.
Por isso, muitas vezes fui chamada por minha mãe de “caipira”. Era assim que chamavam os meninos envergonhados. Certa vez, num dia muito especial, meu pai foi no pasto muito cedo, pegou o cavalo, arriou o bicho e colocou-lhe a carroça, nosso único meio de transporte – e de todos aqueles que moravam na redondeza, inclusive do fazendeiro da região, senhor Vandico. Era o dia de me levar para tirar a primeira fotografia: “Vamos levar esta menina para tirar fotografia”. Eu estava emocionada e apreensiva e não sabia como me portar diante de tal situação, que tanto me incomodaria. Minha mãe levara dias costurando o tal vestido para a tal fotografia na sua máquina de costura à mão. Havia comprado um tecido fino vermelho de bolinhas brancas e rendas para enfeitá-lo. Acho até que não foi feito por minha mãe...
Acho que ela o levou para minha tia Doralice, costureira famosa que morava na cidade, fazer, pois não era um vestido qualquer Pensei que minha mãe ia me colocar dentro do tal vestido já em casa,...
Continuar leitura
Garganta paralisada, não conseguia nem engolir saliva, tamanha era a minha vergonha diante das pessoas estranhas. Foi assim que fiquei quando fui tirar, aos cinco anos de idade, minha primeira fotografia. Fotografia Era assim que diziam meus pais que vieram do Mato Grosso do Sul para Rondonópolis, Mato Grosso. Naquela época, ainda nem havia a divisão do Estado. Naquela época só havia um único Mato Grosso. As pessoas do lugar falavam diferente de nós, pois chamavam a tal fotografia de foto. Antes dos meus quatro anos, na fazenda onde nasci rodeada de tias e amigos da família (distrito do Paraíso, município de Paranaíba, cidade do Mato Grosso do Sul), era uma menina falante, admirada por todos pela minha esperteza e ousadia; de repente, em minha nova morada em Rondonópolis, sul de Mato Grosso, longe do convívio diário com outras pessoas além de meus pais, era tomada por uma tamanha timidez diante de estranhos.
Por isso, muitas vezes fui chamada por minha mãe de “caipira”. Era assim que chamavam os meninos envergonhados. Certa vez, num dia muito especial, meu pai foi no pasto muito cedo, pegou o cavalo, arriou o bicho e colocou-lhe a carroça, nosso único meio de transporte – e de todos aqueles que moravam na redondeza, inclusive do fazendeiro da região, senhor Vandico. Era o dia de me levar para tirar a primeira fotografia: “Vamos levar esta menina para tirar fotografia”. Eu estava emocionada e apreensiva e não sabia como me portar diante de tal situação, que tanto me incomodaria. Minha mãe levara dias costurando o tal vestido para a tal fotografia na sua máquina de costura à mão. Havia comprado um tecido fino vermelho de bolinhas brancas e rendas para enfeitá-lo. Acho até que não foi feito por minha mãe...
Acho que ela o levou para minha tia Doralice, costureira famosa que morava na cidade, fazer, pois não era um vestido qualquer Pensei que minha mãe ia me colocar dentro do tal vestido já em casa, mas que colocou que nada Depois de me dar um belo banho de arrancar os macucos dos pés e das orelhas, enfiou-me num outro vestido, de passear – pois na roça tínhamos as roupas de sair de casa e as de ficar em casa, sendo que as últimas eram velhas, puídas e, muitas vezes, até remendadas. Quantas vezes vi meu pai com a camisa remendada nas costas, trabalho que minha mãe levava horas fazendo Gostava de ficar cantarolando e brincando no chão quando minha mãe costurava. Ficava encantada com os retalhos de tecido que ela jogava por perto, com os quais podia fazer alguma roupa para a pobre e única boneca que meus pais compraram para mim.
Outra coisa que me chamava à atenção na costura era o que minha mãe dizia sobre o barulho das baratas enfiadas nos cantos e no baú velho, onde depositávamos nossas roupas: “A barata está costurando em sua máquina” Ficava muito curiosa, doida para encontrar a tal barata com sua máquina de costura. Nossa, e o fio da meada da história da foto? Quase que ele fica pelo caminho Até que enfim chegou o grande momento de tirar a tal fotografia Depois de meu pai fazer um monte de coisas pela cidade, depois de almoçarmos na casa de minha tia Doralice, colocaram-me no tal vestido preparado para a ocasião.
Uma das primas, já adulta – pois todos meus primos eram maiores do que eu –, me enfeitou com um de seus colares de moça. Fiquei “me achando”, mas a tal vergonha é que atrapalhava tudo Fechei a cara e ninguém conseguia fazer com que eu mostrasse os dentes. Na hora de ir para o estúdio, meu pai olhou para aquela minha cara paralisada e arriscou uma dura observação que pesou em meus ombros de menina: “Mas essa menina está com uma cara nojenta” Afirmação esta que arrancou de minha tia uma frase em minha defesa. Fomos em direção ao centro da cidade: o estúdio era uma sala grande cheia de cortinas – um lugar diferente para mim, uma mistura de sagrado com estranho. “Vira para cá... levante a cabeça... mais assim...” Fiquei dura como a minha boneca de plástico. Dias depois meu pai buscou as fotos, as quais eu não me cansava de olhar. Depois de revelar várias copias de uma única pose, minha mãe enviou pelo correio para várias pessoas da família. Este é apenas um episódio de minha infância, parte das minhas memórias que pretendo escrever e compilar. (História enviada em outubro de 2006)
Recolher