Minha avó materna , meu báu de memórias afetivas
Por Patricia Leuck
Há uma ligação muito especial entre a avó materna e os seus netos e isso não surpreende ninguém. Essa relação é muito importante na vida de uma criança por muitos motivos e isso não se deve apenas pelo aspecto emocional. Muitos netos podem não frequentar tanto a casa da avó, porém, mesmo assim, eles estão unidos para toda a vida.
Venho de uma família de mulheres fortes, independentes para sua época, parteiras e benzedeiras faziam parte desta linhagem e, aqui começa minha história. Maria Carolina de Oliveira, mulher de menos de um metro e meio de altura, franzina, uma pele e um cabelo preto reluzente para sua idade, filha de bugra benzedeira e parteira, lá de Vacaria, a qual herdou seus dons. Uma mulher a frente de seu tempo, mãe solteira, imaginem vocês naquela época, o que passou com sua família e a sociedade, com a decisão da gestação solo, mas apesar dos apesares, a família Oliveira permaneceu firme e acolheu a mais nova membro da família, minha mãe.
Muito tempo se passou, e as duas seguiam firmes e fortes enfrentando os preconceitos da época, e, mais uma vez a história vem se repetir, pois aos meus três meses de idade meus pais se separaram fazendo com que ficasse uma família apenas de três mulheres. Assim minha mãe teve que fazer o papel de “pãe”, trabalhando horas e horas a fio como telefonista em rede hoteleira em Gramado, e minha avó assumindo os afazeres da casa e minha educação. Esclarecendo aqui, que esta educação era baseada apenas no sim, nas minhas vontades. Sim, fui uma criança muito mimada por todos, mas principalmente por minha avó , aquela mulher franzininha, com cheirinho de “ alma de flores”, ela tinha o kit completo : sabonete, desodorante e talco , perfume esse guardado em minhas memórias afetivas, assim como outras tantas que irei contar a vocês.
Maria Carolina possuía solução para todos os problemas, tudo...
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Minha avó materna , meu báu de memórias afetivas
Por Patricia Leuck
Há uma ligação muito especial entre a avó materna e os seus netos e isso não surpreende ninguém. Essa relação é muito importante na vida de uma criança por muitos motivos e isso não se deve apenas pelo aspecto emocional. Muitos netos podem não frequentar tanto a casa da avó, porém, mesmo assim, eles estão unidos para toda a vida.
Venho de uma família de mulheres fortes, independentes para sua época, parteiras e benzedeiras faziam parte desta linhagem e, aqui começa minha história. Maria Carolina de Oliveira, mulher de menos de um metro e meio de altura, franzina, uma pele e um cabelo preto reluzente para sua idade, filha de bugra benzedeira e parteira, lá de Vacaria, a qual herdou seus dons. Uma mulher a frente de seu tempo, mãe solteira, imaginem vocês naquela época, o que passou com sua família e a sociedade, com a decisão da gestação solo, mas apesar dos apesares, a família Oliveira permaneceu firme e acolheu a mais nova membro da família, minha mãe.
Muito tempo se passou, e as duas seguiam firmes e fortes enfrentando os preconceitos da época, e, mais uma vez a história vem se repetir, pois aos meus três meses de idade meus pais se separaram fazendo com que ficasse uma família apenas de três mulheres. Assim minha mãe teve que fazer o papel de “pãe”, trabalhando horas e horas a fio como telefonista em rede hoteleira em Gramado, e minha avó assumindo os afazeres da casa e minha educação. Esclarecendo aqui, que esta educação era baseada apenas no sim, nas minhas vontades. Sim, fui uma criança muito mimada por todos, mas principalmente por minha avó , aquela mulher franzininha, com cheirinho de “ alma de flores”, ela tinha o kit completo : sabonete, desodorante e talco , perfume esse guardado em minhas memórias afetivas, assim como outras tantas que irei contar a vocês.
Maria Carolina possuía solução para todos os problemas, tudo virava reza ou simpatia, e eu achava o máximo. Todas as noites antes de dormir ela me benzia com arruda, eu ficava enebriada por aquele cheiro tão bom da arruda, mas mais ainda com seus sussurros a qual não entendia nada, mas para mim fazia todo o sentido, e faz até hoje pois quando meus filhos estão com sono agitado, muita dificuldade para dormir, coloco 3 galhos de arruda embaixo dos travesseiros deles e faço o benzimento:
Jesus Cristo pequenino, que Deus deixou por doutrina,
cruz em monte, cruz em fonte
que teus inimigos contigo nunca se encontre,
nem de dia, nem de noite, nem no pino do meio dia,
canta o galo e vem a luz e os anjos
que vem com a cruz pra afastar de ti os maus olhados, as invejas, os nervosismos, as insônias,
para sempre amém Jesus
Lembro que a vizinhança inteira ia lá em casa para minha avó tirar o sol da cabeça, e eu com meus 4 anos idade ficava observando tudo com curiosidade, pois como podia com os sussurros de minha avó, um pano branco e uma garrafa de vidro com água sair tanta bolinha da cabeça de uma pessoa. Pensava eu: - será a dor das pessoas saindo nas bolinhas? E lá se ia eu tirar o sol de minhas bonecas.
Santa iria pelo mundo andou
Nossa senhora lhe encontrou
E lhe perguntou:
- Onde vais iria?
- Vou curar o sol e calmaria
- Volta atrás iria
Que esse mal se curaria
Pela crescença de dia
Um pano de nove dobras e um copo de água fria
Aos finais de semana, quando meu pai me buscava para ficar com ele e sua família, minha avó ficava rezando na porta, pedindo proteção em minha saída, e assim, ela fazia com todos que saiam lá de casa, e eu ficava olhando pela janela do banco de traz, abanando para ela, até não conseguir mais enxergá-la.
Senhor meu Deus, envia o teu anjo na frente ( fala o nome da pessoa eu vai viajar ou sair ), preparando o caminho desta viagem. Proteja ela durante todo o percurso, livra de acidentes ou qualquer outro perigo que ronde o trajeto. Guia, Senhor, com Tua mão. Que esta viagem seja tranquila e agradável, sem contratempos ou contrariedades.
Os finais de semana eram intermináveis pra mim, pois como sempre foi apenas nós duas, porque minha mãe passava muito tempo trabalhando, eu tinha muita dificuldade de separação e sentia falta de sua reza antes de dormir, do copinho de água na madrugada que ela buscava pra mim, e que até hoje tenho esse hábito. Ela não era apenas minha avó, era minha companheira, era meu porto seguro. Nossa diversão era assistir na sessão da tarde os filmes de Elvis Presley e Jerry Lee. Ela não era muito ligada em regras e horários, rotina infantil muito menos, e para uma criança isso era maravilhoso.
Conforme fui crescendo e minha avó envelhecendo fomos invertendo os papeis, e aos meus 11 anos de idade passei a cuidar dela, depois de uma manhã ela simplesmente acordou cega. E, assim mais do que nunca, passamos a ficar mais juntas, pois agora cega, eu seria seus olhos. Mas, eu precisava ir para escola, minha mãe tinha um bebê, pois havia casado novamente há poucos anos atrás. Diante disso, meu padrastro achou melhor contratar uma cuidadora para auxiliar minha mãe. A partir dai a senilidade de minha avó foi só piorando, imaginem vocês, uma mulher forte, independente de uma hora pra outra se tornar dependente.
Lembro das brigas intermináveis com ela por querer fazer tudo sozinha, mesmo cega, por não admitir ajuda de ninguém, até que um dia ela caiu no banheiro, quebro a bacia e ficou acamada por sete anos. Nesse período , passamos por muitas coisas, como o adoecimento de minha mãe , a dona depressão, chegando de mansinho nesses momentos de sobrecarga do cuidador, a revolta de uma pré adolescente que perde sua maior referência materna, mas uma coisa permaneceu igual: nós duas, sempre nós duas , meu quarto era interligado ao dela, assim eu cuidava dela a noite , auxiliava em seu banho , nos seus cuidados e lembro que quando ela chorava triste alegando ser um fardo enorme pra nós , eu deitava ao seu lado , a abraçava bem forte e assim adormecíamos juntinhas e abraçadas.
Dona Maria Carolina não viu minha festa de quinze anos, não acompanhou minha fase “rebelde sem causa” onde eu ouvia seguidamente de outras mulheres da família que seria igual a ela e minha mãe se continuasse daquela forma. Que as mulheres Oliveira não foram feitas para casamentos , não possuíam sorte no amor, que eu tinha que estudar para ser alguém na vida e nunca depender de homem algum. Infelizmente, ela não presenciou nenhuma formatura minha, não estava presente em nenhuma gestação minha e nem chegou a conhecer o homem da minha vida. Será Mesmo?
Independente de qualquer religião ou crença, sei que ela está comigo e esteve comigo em todos os momentos de minha vida, e sei que nos momentos mais difíceis ela me enviou sua força e sua persistência de nunca desistir ou abaixar a cabeça pra nada nem ninguém.
Minha filha de nove anos carrega seu nome, seus benzimentos e orações nos acompanham, nossas memórias afetivas nunca se apagarão. Quem sabe minhas escolhas profissionais, principalmente a psicopedagogia voltada á idosos, á saúde do idoso venha de nossa história, afinal uma criança de apenas 10 anos de idade cuidando de sua avó não era muito comum, e lembro que era o assunto das tias mais velhas e de suas amigas quando iam visita-la : - Carolina que coisa mais amada essa tua neta ! Tia Candida, querida, prima de minha avó, lá de Gramado, do Bairro Floresta, me enchia de beijos estralados orgulhosa de meus cuidados com minha avó.
Acredito que nada seja por acaso, ali eu já estava trabalhando minha vocação, a vocação dos cuidados com a saúde do idoso. Hoje a Neurociências possui inúmeras pesquisas sobre a relação da avó materna com netos, muitas destas, relatam que as influências genéticas e emocionais que recebemos de nossos avós deixam uma marca duradoura em nossas vidas. Carregamos muitas de suas características, não somente físicas – como aquelas das quais alguém nos diz “nossa, você é a cara dos seus avós” -, mas também compartilhamos muito de sua história, cultura e ancestralidade. Nós temos muito mais em comum com nossos avós do que pensamos!
Recordar cenas, histórias, festas, qualidades, talentos ou ensinamentos dos ancestrais ajudam a manter acessa a memória e a presença sábia de avós, bisavós, tataravós. Fortalece e nutre a nossa raiz, biografia e identidade.
Hoje posso compreender as escolhas que fiz e faço, o ímpeto questionador e ao mesmo tempo uma sensibilidade intuitiva aguçada, o amor, a espiritualidade, as curiosidades sobre a vida, o universo, as estrelas sempre pulsantes em meu coração e o desejo de liberdade para ser e me expressar a partir de meus sentimentos e experiências vieram todos dessas mulheres serranas fortes às quais sou grata por fazer parte.
Acredito que o maior legado que as famílias possam deixar às novas gerações é a convivência e o relacionamento com os avós, sejam eles consanguíneos ou do coração.
Ao honrar os ancestrais, abrirmos a porta para reconhecer as qualidades e os padrões nocivos que não desejamos perpetuar, podemos romper com um ciclo que se repete de geração a geração. Hoje posso dizer á elas que sim, temos sorte no amor, podemos ser felizes e muito bem casadas, que estudei, estudei muito, mas não para não ser dependente de homem algum, mas sim, para somar ao seu lado e prosperar enquanto família, estudei não por alguém, mas para mim mesma, pois me realizo buscando conhecimento sempre, ensinando e aprendendo. Que tenho muito de minha mãe e de minha avó, mas não sou elas.
Trazemos uma ‘mochila’ de padrões ancestrais, dentro dela há várias pedras, de diferentes formas, cores e tamanhos. Até a maturidade carregamos todas as pedras nessa mochila, e, às vezes, ela fica muito pesada. Repetimos padrões de comportamento sem entender o motivo. Então, nos sentimos cansados, uma vontade de mudar surge. Pronto! Chega o momento de abrir a mochila, olhar para as pedras, todas são lindas e preciosas, mas é preciso escolher somente as que fazem sentido. É hora de agradecer e soltar os ‘pesos’, optar por seguir a própria jornada escrevendo um roteiro original, escolher quais pedras preciosas quero levar e quais quero deixar com meus ancestrais, abrindo espaço para encontrar outras pedras preciosas, talvez mais leves e úteis.” (Anna Maria Oliveira – Consteladora familiar )
Talvez seja por isso que alguns povos nativos e ancestrais acreditem que a vida começa aos 50 ou 60 anos. Com a expectativa e qualidade de vida aumentando será incrível viver mais 40 ou 50 anos com jovialidade, alegria, produzindo e empreendendo.
E, como estamos falando em benzimentos , deixo aqui para finalizar minha história a meditação do silêncio interior que fortalece nossa sabedoria ancestral e pessoal, pode ser bálsamo eficaz para dias dificeis.
Sente-se em posição confortável, solte os ombros, relaxe o pescoço, músculos do rosto. Deixe a sua mente focada em sua respiração, inspire e expire várias vezes, suave e profundamente. Quanto mais você se entrega à sua respiração, mais você mergulha em seu interior. Você começa a sentir conforto, segurança, chegando a um lugar agradável… dentro de você. Nesse lugar, você é recebido por uma anciã e um ancião, como eles recebem você? Quais são os gestos, falas, sentimentos? Você conversa com eles, abre seu coração, entrega o que desejar… Permaneça no encontro por mais alguns minutos, agradeça, inspire e expire profundamente, vá retornando ao momento presente. Observe se você sente vontade de escrever, gravar um áudio ou desenhar, como forma de registrar a experiência.
E como sempre aos meus pacientes idosos essa meditação auxilia na prevenção de nossa demência fronto temporal ao escrevermos nossas memórias, sentimentos e desejos .
Avós são como um abraço quentinho em um dia frio, que nos aquece o coração e nos faz sentir seguros.
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