Momentos com meu pai
Era uma manhã de um domingo qualquer, do ano. O sol chegava, com força e quente, em nossas faces. Estávamos, eu, minha caçula e meu pai. Ele se sentara para descansar, após algumas voltas ao redor da piscina, coisa que fazia regularmente nos domingos possíveis de sua vida sempre agitada. E segundo ele, feliz daquele jeitinho.
Neste momento de seu descanso, eu aproveitei para citar um assunto que minha filha acabara de comentar que estava aprendendo na escola: Ditadura.
Ele, então, sempre sábio em seus conhecimentos, adquiridos ao longo de sua experiência jornalística e de vida, discorreu sobre o assunto de maneira simples, porém muito inteligente e trouxe-o para nossa cidade, como exemplo mais significativo de aprendizagem e entendimento da neta, que ouvia tudo, atenta e interessada. Ali, naquele momento, pudemos “viajar”, criando em nossas mentes imagens de um relato muito presente na vida dele.
Aquela manhã, ensolarada e cheia de vida, com trilha sonora de pássaros ao nosso redor, perfumes de flores no ar, ficou marcada em meu coração, e acredito que no da minha filha caçula, também.
Palavras foram ditas com tantos significados e importância que poderíamos ficar ali, por horas e horas, absorvendo um rico conteúdo, pois sabíamos o grande grau de conhecimento que este senhor carregava consigo. Conhecimento este que sempre admirei, nos meus anos de convivência com ele. Mas o senhor em questão, no auge de seus 80 anos, não tinha tanto tempo assim. Seus compromissos eram seguidos e cumpridos à risca, de segunda a segunda. Percebia-se naquele ser uma incansável ideia de pertencimento à vida em toda sua plenitude e beleza.
Assunto como a morte, para Seu Valter, era raro, apesar de enfrentar momentos e perdas difíceis durante sua vida. Nesse quesito ele se calava e ficava mudo, pois era um assunto muito difícil para ele lidar. As palavras não eram ditas, mas sim, sentidas!
E desde meus tempos de...
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Momentos com meu pai
Era uma manhã de um domingo qualquer, do ano. O sol chegava, com força e quente, em nossas faces. Estávamos, eu, minha caçula e meu pai. Ele se sentara para descansar, após algumas voltas ao redor da piscina, coisa que fazia regularmente nos domingos possíveis de sua vida sempre agitada. E segundo ele, feliz daquele jeitinho.
Neste momento de seu descanso, eu aproveitei para citar um assunto que minha filha acabara de comentar que estava aprendendo na escola: Ditadura.
Ele, então, sempre sábio em seus conhecimentos, adquiridos ao longo de sua experiência jornalística e de vida, discorreu sobre o assunto de maneira simples, porém muito inteligente e trouxe-o para nossa cidade, como exemplo mais significativo de aprendizagem e entendimento da neta, que ouvia tudo, atenta e interessada. Ali, naquele momento, pudemos “viajar”, criando em nossas mentes imagens de um relato muito presente na vida dele.
Aquela manhã, ensolarada e cheia de vida, com trilha sonora de pássaros ao nosso redor, perfumes de flores no ar, ficou marcada em meu coração, e acredito que no da minha filha caçula, também.
Palavras foram ditas com tantos significados e importância que poderíamos ficar ali, por horas e horas, absorvendo um rico conteúdo, pois sabíamos o grande grau de conhecimento que este senhor carregava consigo. Conhecimento este que sempre admirei, nos meus anos de convivência com ele. Mas o senhor em questão, no auge de seus 80 anos, não tinha tanto tempo assim. Seus compromissos eram seguidos e cumpridos à risca, de segunda a segunda. Percebia-se naquele ser uma incansável ideia de pertencimento à vida em toda sua plenitude e beleza.
Assunto como a morte, para Seu Valter, era raro, apesar de enfrentar momentos e perdas difíceis durante sua vida. Nesse quesito ele se calava e ficava mudo, pois era um assunto muito difícil para ele lidar. As palavras não eram ditas, mas sim, sentidas!
E desde meus tempos de criança, durante o período escolar, eram raros os momentos de sentar-me com ele para uma conversa. Ele, sempre muito ocupado nos seus trabalhos, deixava a gente um pouco frustrada, egoísta por querer mais atenção, porém sabíamos que as contribuições dadas a todos que precisassem de seu auxílio eram imediatamente atendidas. Um ser pronto para qualquer pedido ou ajuda. E a gente entendia. Sempre!
E neste mundo das palavras, das letras, dos sons, cresci. Um mundo onde a importância da escrita era primordial e necessária, quase que fisiológica. Um mundo tão amplo de conhecimentos e ações voltadas para à aprendizagem que, sob meu pequeno olhar de criança, era infinito, maravilhoso e encontrava-se num patamar que jamais pudesse ser adquirido, conquistado. Eu apenas contemplava tamanha beleza!
É, mais o Seu Valter, meu querido pai, não dispunha de tudo aquilo por puro dom divino, à toa. Ele sabia que cada passo que ele dava ao encontro das palavras, mais elas o abraçavam e o envolviam, sem caminho de volta. Na verdade, Seu Valter, não olhava para trás em suas ações; era uma pessoa que olhava muito à frente do seu tempo, do seu espaço, numa estrada cheia de obstáculos e dificuldades que ele, mesmo sabendo que as encontraria, arriscou-se destemido e com seus medos escondidos, para que os inimigos não conhecessem suas fragilidades. Um ser que, diante das noites mal dormidas, acordava toda manhã com o propósito de fazer seu dia ser eficiente, único, independente das dificuldades que sabia que o esperavam!
Diante de tudo isso, percebo que minha vontade de seguir esse caminho, quando criança, não existia ou estava escondida pela admiração grandiosa que tinha, quer dizer, tenho por ele.
Estou aqui hoje, diante destas escritas, consciente de que o destino do ser humano é inevitável, pois diante de tantas oportunidades em seguir um caminho junto do meu pai, como jornalista, eu, Cynara, percebia que nunca poderia “chegar aos pés” de tanta grandiosidade e conhecimento das palavras, como tinha Seu Valter.
Minha tentativa, com esta escrita, é mostrar um pouco do que vivi, apesar de ser uma pequena citação de uma vida infinitamente cheia de ações e realizações, mas também enraizada em sentimentos de alegria, angústia, tristeza, frustração, ansiedade que um ser passou durante toda sua vida em busca das palavras. Seu Valter acreditava que “ as mensagens dos sábios não devem ser dadas em público!”, e seguia muito bem isso: seus pronunciamentos sobre algo eram realizados só quando necessário só quando necessário.
Era um ser ora pensativo, ora falante; ora sisudo, ora cativante: ora observador, ora distraído.
E assim vivia, em sua plenitude. Ser do mundo, das dezenas de viagens que tinha o prazer de realizar com sua eterna parceira e companheira de batalhas, Dona Zuleima, minha querida mãe. Nessas viagens, podia desligar-se das palavras escritas e revigorar sua mente em conhecimento e olhares, fora da rotina dos seus dias.
Meu pretexto em escrever sobre ele é que posso visitá-lo novamente em seus momentos. Apesar de os meus olhos estarem cheios de lágrimas, não poderia deixar de escrever palavras sobre uma pessoa que utilizou literalmente os verbos e conjugou-os em sua totalidade e plenitude.
Seu Valter soube esperar a menina, que um dia virou as costas para as letras (talvez com medo delas), tivesse um dia o despertar, já na fase adulta, para o grande amor por elas. E essa mesma menina está escrevendo estas linhas sem nenhuma pretensão, porém com muita emoção e alegria por dizer com todas as letras, palavras e sons possíveis o quanto é grata a Deus por Seu Valter, ser seu pai!
Em minha mente e também em meu coração, parece que ouço ao longe ele me chamar, no mais profundo dos carinhos que um pai pode ter: “Cy!”
Palavras, simples palavras, que têm o grandioso poder de passar para o papel um amor imensurável por um ser de pequenas grandiosas atitudes que marcaram a minha vida para sempre.
Neste momento me despeço, acreditando que um dia possamos nos encontrar novamente e eu, simplesmente compartilhando o que aprendi com meu pai sobre o poder que a palavra tem, lhe direi em alto e bom som:
“Pai, quantas saudades!”
E foi assim que aconteceu...
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